Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03431/19.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CAUÇÃO; REDUÇÃO DO VALOR; CASO JULGADO; SEGURADORA; NÃO INTERVENÇÃO NO PROCESSO DE VISADO PELA DECISÃO JUDICIAL; PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA; LEGITIMIDADE PROCESSUAL; REPRESENTAÇÃO POR ADVOGADO; N.ºS 1 E 3 DO ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; N.º1 DO ARTIGO 11º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:1. Tendo sido reduzido o valor de uma caução por acto de vereador da Câmara Municipal que não foi eliminado da ordem jurídica, só este valor reduzido pode ser dado à execução e não o valor original, sendo irrelevante a alegação de que houve erro dos serviços que conduziu à redução do valor da caução.

2. Tendo sido alterado o valor da caução depois de proferidas as decisões judiciais que impuseram a sua execução, não existia autoridade de caso julgado a impor-se por referência ao valor original da caução quando foi proferida a sentença que julgou não existir caução e condenou o Município a pagar o valor caucionado das obras, dado ter-se verificado alteração superveniente nos pressupostos de facto e de direito.

3. Não tendo intervindo no processo a seguradora que foi obrigada pelas duas primeiras decisões judiciais (uma sentença e do despacho que lhe deu execução), a colocar à ordem do tribunal a caução e a converter o respectivo valor em documento único de cobrança, nenhuma das decisões se pode impor à companhia de seguros, por serem ineficazes em relação à visada.

4. Só esta circunstância, de serem decisões desfavoráveis a terceiro, a seguradora, explica que o município demandado pretenda fazer-se valer de uma sentença que julgou totalmente procedente a acção que foi dirigida contra si e do despacho que deu execução a essa sentença.

5. Pelo que se conclui com clareza que foi preterido à companhia de seguros o princípio básico do contraditório, de forma a permitir-lhe invocar o que tivesse por conveniente para se opor à execução da caução – n.ºs 1 e 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, veja-se a caução como título executivo ou não.

6. Defesa que obrigatoriamente deveria ter sido assegurada por advogado – n.º1 do artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

7. E não se diga que não são oponíveis à execução da caução, no caso uma caução à primeira solicitação, nomeadamente, a resolução do contrato de seguro ou o não pagamento do prémio pelo tomador de seguro.

8. Essas são questões que se prendem com o mérito da acção na parte em que é dirigida contra a seguradora, e da oposição por parte desta, ou, se quisermos, de legitimidade substantiva, e não de legitimidade processual, sendo que a resolução da questão substantiva pressupõe já estar resolvida a questão adjectiva
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Município de ... de ... veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.03.2022, pela qual, além do mais, foi este Município condenado a pagar os trabalhos realizados pela Autora, N... LDA, e mencionados na sentença de 30.06.2020 do mesmo Tribunal.

Invocou para tanto, em síntese, que: é nula por violação do caso julgado formal, pois decide de modo diverso do já decidido em sentença transitado em julgado e até no seu despacho de 18.11.2021 e é ilegal, errando nos seus pressupostos de facto e de direito, violando, assim o artigo 613.º do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 85.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; porque existe caução e é suficiente para pagar o valor das obras em causa, ao contrário do decidido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª - No presente caso a garantia que, em cumprimento da sentença, foi colocada à ordem do Tribunal, ficou na disponibilidade do Tribunal, isto é, o Tribunal passou a poder dispor dela para os fins para a qual a mesma foi prestada e nos termos determinados e, por isso, por despacho de 18 de novembro de 2021 determinou a notificação da Companhia de Seguros A... S.A., com sede na Rua ... ... ..., para proceder ao depósito das quantias necessárias para pagar as despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento.

2ª — A Companhia de Seguros notificada para proceder ao depósito do valor garantido bem como da respetiva sentença que determina que seja colocado à ordem do Tribunal a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A. para responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento não interpôs recurso da sentença nem tão pouco do despacho que determinou que procedesse ao depósito da quantia garantida pelo seguro caução, pelo que tais decisões constituem caso julgado para a Seguradora que as deverá cumprir.

3ª — A decisão sob recurso que condenou o Município a proceder ao pagamento dos trabalhos realizados pela Requerente nos termos determinados pela douta sentença proferida nos autos, conforme determinado na alínea D) do segmento decisório de tal decisão, concedendo um prazo de 30 dias, é nula por violação do caso julgado formal, pois decide de modo diverso do já decidido em sentença transitado em julgado e até no seu despacho de 18 de novembro de 2021 e é ilegal, errando nos seus pressupostos de facto e de direito, violando, assim o artigo 613.º do CPC, bem como o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 85.º do RJUE.

4ª - O Tribunal fundamentou o decidido no facto da Seguradora invocar a inexistência do contrato de seguro-caução, considerando que tal invocação consubstancia circunstâncias que determinam a responsabilização do Município, por entender se estar perante a fata ou insuficiência da caução.

5.ª- Todavia, o Tribunal erra nos seus pressupostos de facto e de direito, pois, não corresponde à verdade, que falte ou seja insuficiente a caução.

6ª - E demonstração disso é que o Tribunal tem em seu poder o original da Apólice do Seguro Caução celebrado em 07 de julho de 2010, através do contrato n o ...01, com a empresa G..., S.A., através da qual a Companhia de Seguros A..., SA. garante ao Município, à primeira solicitação, o valor de €279.328,19 para a boa execução da empreitada de "Obras de Urbanização na Rua ..., concelho ..., processo 205/09.

7ª - Pelo que, se o Tribunal tem em seu poder uma Apólice de Seguro Caução para garantir as obras em causa — obras de urbanização na Rua ..., no âmbito do processo 205/09, - em que o beneficiário é o Município, EXISTE CAUÇÃO.

8ª - Além disso, as despesas com obras de urbanização foram orçadas em €279.099,30, IVA incluído, e o valor do Garantia prestada pelo Seguro Caução é de €279.328,19, pelo que também NÃO EXISTE INSUFICIÊNCIA DA CAUÇÃO, pois 0 seu valor é suficiente para pagar as obras realizadas.

9ª- Assim, não se verificam os requisitos para o cumprimento do determinado na alínea D) da sentença ou no n.º5 do artigo 85.º do RJUE, pelo que a sentença ao assim considerar violou o disposto neste normativo legal, bem como o caso julgado formal, constante da sentença de 30 de junho de 2020, já transitada em julgado e do despacho de 18 de novembro de 2021, também transitado em julgado.

10ª- Aliás, não deixa de ser curioso o Tribunal afirmar que a questão de resolução ou não do contrato de seguro é questão que não pode ser discutida nos presentes autos, com o qual efetivamente concordamos), mas, no entanto, acaba por tomar uma posição sobre a questão ao enquadrar a situação na falta ou insuficiência da caução.

11ª - E não podendo/devendo o Tribunal neste procedimento decidir a questão jurídica levantada pela Companhia de Seguros A..., a única determinação que o Tribunal poderá adoptar, independentemente do que a Seguradora entender, é dar cumprimento ao determinado na alínea C) da sentença proferida no processo e transitada em julgado e no n o 4 do artigo 85 0 do RJUE, isto é, ordenar que a Seguradora coloque à ordem do Tribunal o valor garantido pela Apólice para a execução das obras, como já o fez pelo despacho de 18 de Novembro de 2021.

12ª - Na verdade, considerar que há falta de caução porque a Seguradora diz que o contrato de seguro não é válido é admitir que a Seguradora tem razão e é IGNORAR ou DESCONSIDERAR o título que o Tribunal tem em sua mão — a Declaração de Seguro Caução, cujos termos aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos.

13ª - Designadamente: "A Companhia de Seguros A... S.A. obriga-se a pagar aquela quantia nos cinco dias úteis seguintes à primeira solicitação da CÂMARA MUNICIPAL ..., sem que esta tenha que justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou empresa G... SA assume com a celebração do respectivo contrato.

14ª - E ainda "A Companhia de Seguros A... S.A não pode opor ao CÂMARA MUNICIPAL ... quaisquer excepções relativas ao contrato de seguro Caução celebrado entre esta e o tomador de seguro.", bem como "A presente garantia, à primeira solicitação, não pode em qualquer circunstância ser revogada ou denunciada, mantendo-se em vigor até que seja expressamente autorizado o seu cancelamento pela entidade beneficiária.

15ª - Como resulta dos autos a entidade beneficiária é a CÂMARA MUNICIPAL ... que nunca autorizou o cancelamento da garantia e, por isso, tem (tinha) em seu poder o original do Seguro Caução que foi entregue nos autos para cumprimento da lei e do sentenciado.

16ª - Assim, como consta expressamente dessa Declaração de Seguro Caução, a Companhia de Seguros não pode invocar nem opor qualquer exceção relativa ao contrato de seguro caução ao beneficiário (Município) nem invocar a revogação ou denúncia do mesmo até que seja expressamente autorizado o cancelamento pelo beneficiário.

17ª - Pelo que o motivo que invocou junto do Tribunal para se furtar ao depósito do valor caucionado, é um motivo não atendível e nunca poderia ser atendido pelo Tribunal, pelo que também por esta razão é ilegal por violar as normas respeitantes aos seguros caução.

18ª - Deste modo é indiscutível que não se verifica nem falta nem insuficiência de caução e que o seguro caução é válido e encontra-se em vigor, podendo ser exigido à Companhia de Seguros A..., SA, pelo que o Tribunal deverá determinar à (insistir com) Seguradora o depósito do valor garantido à sua ordem, para responder pelas despesas com as obras de urbanização, executando a garantia, como lhe compete.

19ª - À semelhança do decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 12/05/2015, processo 2186/13.5BVNGP1, que tratou de situação totalmente idêntica à presente, pois este Acórdão foi proferido em situação semelhante e também teve como parte o Município de ..., com a diferença que naquele caso estávamos perante uma garantia bancária e no presente perante um seguro caução.

20ª — O Município, in casu, cumpriu a sua obrigação de garantir devidamente as obras de urbanização ao exigir a apresentação de uma caução á primeira solicitação, caução essa que foi apresentada e de valor suficiente para assumir as despesas com as obras de urbanização realizadas.

21ª- A Seguradora, como resulta do exposto, é que não pode se negar a cumprir o determinado face ao beneficiário invocando, nomeadamente a resolução do contrato de seguro ou o não pagamento do prémio pelo tomador de seguro, não cumprindo com aquilo a que se obrigou, como aliás, resulta do referido no Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 24/10/2006, Revista n o 1982/06, in Boletim de Sumários do STJ - Cível, constante das Alegações e para onde se remete.

22ª — Destacando-se:

"V - Devendo o seguro-caução celebrado garantir à autora o risco de incumprimento em condições idênticas à de uma caução em dinheiro, não se pode aceitar a possibilidade de a seguradora impor a resolução do contrato por fata de pagamento do prémio.

23ª — E ainda: " VIII - Trata-se de uma garantia autónoma, à 1, a solicitação, independente, em que sobre a garante recai a obrigação de pagar logo que solicitada; daí que tendo sido pedida pela autora uma quantia certa, a quantia segura, e não a tendo a ré pago, constituiu-se em mora, e, consequentemente, na obrigação de pagar juros.

24ª — Em face de todo o exposto, a decisão sob recurso proferida pelo tribunal a quo em 12.03.2022, é ilegal por violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 85.º do RJUE e artigo 613º e 615.º do CPC, bem como é nula por violação do caso julgado formal, por decidir de modo diverso de sentença já transitada em julgado e do despacho de 18 de novembro de 2021, pelo que deve ser declarada nula e ou anulada e substituída por outra que determine ou insista junto da Companhia de Seguros A... S.A., com sede na Rua ... ... ..., para proceder ao depósito das quantias necessárias para pagar as despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento, resultantes dos autos 1, 2 3 e 4 juntos aos autos, no valor total de €279.099,30, com IVA incluído, sob pena de pagamento de juros de mora.


Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão identificada por violar os comandos legais atrás invocados, com as legais consequências, como é de JUSTIÇA.
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II –Matéria de facto.

Mostram relevo para a decisão do presente recurso os seguintes factos provados por prova documental junta aos autos cuja genuinidade e autenticidade não foram postas em causa:

1. A N... LDA intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contra o Município de ..., pedido de autorização para promoção directa da execução de obras de urbanização, nos termos do artigo 85º do Regime Jurídico da Edificação e Urbanização, nos termos e com os seguintes fundamentos (ver segundo articulado inicial no SITAF):

“A) Dos Factos:

1.º Por escritura lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde, da notária Dra. AA, em 2019.09.25, a Requerente adquiriu os Lotes ... a ...3, localizados no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ... (cfr. doc. n.º 1 protesto juntar),

2.º Na ... Conservatória do Registo Predial de , encontram-se inscritos definitivamente a favor da Requerente,

- Sob o número 5352/20... prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita definitivamente a favor da requerente pela AP. ...35 de 2019/10/09 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...65 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 2 e 3);
- Sob o nº 5353/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...57 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 4 e 5);
- Sob o nº 5354/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...58 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 6 e 7);
- Sob o nº 5355/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...59 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 8 e 9);
- Sob o nº 5356/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...60 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 10 e 11);
- Sob o n.º 5357/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...61 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 11 e 12);
- Sob o n.º 5358/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...62 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 13 e 14);
- Sob o n.º 5359/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...63 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 15 e 16);
- Sob o n.º 5360/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...64 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 17 e 18);
- Sob o n.º 5361/20... o prédio Lote ...0 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...65 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 19 e 20);
- Sob o n.º 5362/20... o prédio Lote ...1 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...66 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 21 e 22);
- Sob o n.º 5363/20... o prédio Lote ...2 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...67 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 22 e 23);
- Sob o n.º 5364/20... o prédio Lote ...3 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...68 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 24 e 25);
Conforme códigos de acesso às certidões prediais, atualizados, ora junto.
Porém,

3.º Em 22 de novembro de 2010, o Município de ... emitiu o Alvará de Loteamento nº ...0 nos quais se integraram os Lotes referidos no artigo anterior da presente peça, em nome da sociedade, G..., Lda., contribuinte n.º ..., (cfr doc. nºs 26);

4.º O alvará de Loteamento nº...0, emitido por subdelegação, a Sra. BB e Diretor Municipal, CC, nesta edilidade registado na Direção Municipal no dia 22 de novembro de 2010, para as obras de construção no Lote ... a ...3, no prédio sito nos Lugares de ... e ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...90 rustico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o n.º ...13, da respetiva freguesia , definiu que :

“Verificando-se a intervenção na via publica para a instalação de infra-estraturas em arruamentos pavimentados, constitui responsabilidade do titular do alvará a repavimentação integral dos mesmos nas zonas convencionadas.”.
“Prazo para a conclusão das obras de urbanização é de 12 meses”.
“ Foi apresentada a caução destinada a assegurar a boa e regular execução das obras de urbanização, no montante de 279.328,19€, através da apólice de seguro-caução Contrato n.º ...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., e aceite por despacho de 25 de agosto de 2010”.
Sendo certo que,

5.º Tendo assim a CÂMARA MUNICIPAL ..., atribuído à G..., Lda., o Alvará de Loteamento nº ...0, como entidade responsável por todas as obras de urbanização do empreendimento, nomeadamente a realização de infraestruturas em arruamentos pavimentados, repavimentação dos mesmos nas zonas intervencionadas, nos termos e conforme os docs. 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais. .

6.º Nessa qualidade a G..., Lda. , prestou a favor da CÂMARA MUNICIPAL ..., uma caução para garantia da execução dessas obras, através de apólice seguro caução Contrato n.º ...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., no valor de 279.328,19€, e aceite por Despacho de 25 de agosto de 2010, conforme documento de fls. 69 verso que aqui se dá por reproduzido.

7.º A G..., Lda , não procedeu à execução das obras de urbanização, como lhe competia nesse período , nem até hoje.

8.º A sociedade, G..., Lda. , apesar de se ter obrigado a realizar essas obras, não as fez,

9.º Tendo sido declarada insolvente por sentença de 13-04-2012 proferida no Processo n.º 91/12.... ... Juízo do Tribunal do Comércio ..., Administradora da Insolvência, Dra. DD, com domicílio profissional na Av. ... – Urbanização ..., Praça ..., ..., ... .... cfr. doc. n.º 34 que se junta.

Todavia,

10.º Durante o ano de 2019, a Requerente deu conhecimento à CÂMARA MUNICIPAL ..., da falta de cumprimento da execução de obras por parte da G..., Lda. , solicitando que a CÂMARA MUNICIPAL ... desbloqueasse e acionasse a garantia.

11.º Contudo a Câmara nada fez, nem acionou a respectiva caução.

12.º Continuando a CÂMARA MUNICIPAL ... a exigir a execução das obras de urbanização que competiam à G..., Lda, que não foram executadas.

13.º Obras essas que se traduzem urbanização de todo o empreendimento, nomeadamente a realização de infraestruturas em arruamentos pavimentados, repavimentação dos mesmos nas zonas intervencionadas.

14.º Tendo esta última sociedade prestado caução para garantir a realização de tais obras e já não as levará a cabo por ter sido declarada insolvente, pretende a Requerente executá-las à custa da referida caução.

Pelo que,

15.º Nos dias 09, 10 e 11 de dezembro de 2019, a Requerente apresentou no Município de ... cinco projetos visando a construção de moradias unifamiliares, que foram designados no procedimento administrativo pelos nºs. Lote ...9, Lote ...9, Lote ...9, Lote ...9 e Lote ...9 (cfr. docs, n.º s 34, 35, 36, 37, 38 que se juntam a deante);

16.º Urge assim a execução das obras de urbanização que competiam e não foram executadas.

17.º Tendo a Requerente solicitado Orçamento à sociedade anónima R..., S.A., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva nº ..., e com alvará de construção nº ...99, classe 6, para a realização das mencionadas obras, pelo preço de €271.747,02 (duzentos e setenta e um mil, setecentos e quarenta e sete euros e dois cêntimos), acrescido de I.V.A., necessárias para a conclusão das infraestruturas, (cfr. docs. n.º 39 e 40), tendo sido solicitado o presente orçamento em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento do alvará de Loteamento.

18.º Sendo necessários a execução dos seguintes trabalhos referente às infraestruturas:

ARRUAMENTOS
SINALIZAÇÃO
ESPAÇOS VERDES
REDE ABASTECIMENTO ÁGUAS E REDE INCÊNDIO
REDE DE ÁGUAS RESIDUAIS
REDE DE ÁGUAS PLUVIAIS
REDE DE GÁS
REDE DE B.T. (Tubagens, Caixas e Cabos)

REDE DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA:
ARRUAMENTOS:
Movimento de terras
Limpeza geral de terreno, desmonte de pavimentos existentes (parcialmente em massames e cubos), transporte dos produtos a vazadouro em local a designar pela fiscalização.
Decapagem de terra vegetal numa espessura média de 0,20m, incluindo transporte a vazadouro.
Escavação em terreno de qualquer natureza, para obtenção das cotas da rasante dos arruamentos e implantação das plataformas e passeios.
Transporte de terras sujeitas a aterro local, provenientes de escavação de vazadouro exterior (Incluindo empolamento de (15%).
Pavimentação:
Base de granulometria extensa 0-40mm, com a espessura mínima de 25cm após compactação, aplicada em duas camadas de 12,50cm, incluindo abertura, regularização e compactação de caixa (área de arruamento e zona de futura baía de estacionamento).
Fornecimento, e assentamento (em arruamentos) de cubos de granito azul de 2ºclasse, com 11x11cm de aresta, assentes sobre almofada de areia com 6cm de espessura, incluindo demarcação a cubos de calcário, abertura, regularização e compactação de camada da caixa e base de granulometria extensa com a espessura mínima de 20cm após compactação.
Execução de passeios em pedras do chão hexagonais com 6cm de espessura, sobre camada de areia de 0.04m de espessura mínima, incluindo abertura, regularização e compactação de camada da caixa e base de granulometria extensa com a espessura mínima de 20cm após compactação
Fornecimento e aplicação de lancis de passeio em granito azul a pico fino com 70cm de comprimento mínimo, 25 cm de altura mínima e 20cm de piso, sobre fundação em betão ao traço 1:2:4, com b=40cm e h=25cm; incluindo movimento de terras e transporte a vazadouro."
Idem em Rampa.
Fornecimento e aplicação de lancis em baías de estacionamento em granito azul a pico grosso com 70cm de comprimento mínimo, 20 cm de altura mínima e 14cm de piso, sobre fundação em betão ciclópico; incluindo movimento de terras e transporte a vazadouro."
SINALIZAÇÃO:
Sinalização Vertical
Sinalização vertical de "código", incluindo implantação, fornecimento, colocação, elementos ou estruturas de suporte, peças de ligação e maciços de fundação:
Sinais quadrangulares: L=0,60
Sinalização Horizontal
Marcas Transversais e Longitudinais:
Barras de paragem com 0/50m de largura
Passadeiras de peões ( traços e espaços 0,5m largura )
Linha eixo descontinua ( LBD 0,10 (2/3))
ESPAÇOS VERDES:
Arranjos Exteriores / Zonas Verdes
"Fornecimento e plantação de arborização:
"Jacarandá Mimosaefalia"" com P.A.P de 14/16cm"
Execução de zonas verdes publicas em caldeiras com respetivo acabamento em gravilha azul (terra vegetal, tela e gravilha azul):
REDE ABASTECIMENTO ÁGUAS E REDE INCÊNDIO:
Movimento Terras
Escavação em terreno de qualquer natureza para abertura das valas e assentamento de tubagens.
Baldeação dos produtos resultantes da escavação.
Aterro com cirandagem de terras para almofada de assentamento e proteção às tubagens.
Aterro das valas com material da própria vala compactado e regado, por camadas de 0.20m de espessura.
Espalhamento e transporte das terras sobrantes da escavação a vazadouro em local a indicar pela fiscalização."
Reposição de Pavimento na Rua ..., de acordo com as características do pavimento do local.
Tubagens e Acessórios:
Fornecimento e assentamento de tubagem em polietileno de alta densidade (PEAD) PN16, incluindo todos os acessórios e trabalhos necessários, para os seguintes diâmetros:
DN 1" ½
Fornecimento e assentamento de tubagem em polietileno de alta densidade PVC PN16, incluindo todos os acessórios e trabalhos necessários, para os seguintes diâmetros:
DN 90 mm
Marco de água de três vias, tipo STORZ, incluindo ramal, válvula de segurança, bem como todos os trabalhos necessários ao seu assentamento e ligação á conduta rede de incêndio, incluindo fornecimento da mesma e abertura e tapamento de vala, assim como fornecimento de tubagem necessária á ligação.
Fornecimento e colocação de válvula adufa flangeada completa, incluindo: caixa, placa, manga e cabeça móvel, para os diâmetros seguintes:
DN 1" 1/2
DN 90 mm
Ligação à rede pública existente.
Ensaio para verificação do funcionamento da rede e respetiva desinfeção.
REDE DE ÁGUAS RESIDUAIS:
Movimento Terras
Escavação em terreno de qualquer natureza para abertura das valas e assentamento de tubagens.
Baldeação dos produtos resultantes da escavação.
Aterro com cirandagem de terras para almofada de assentamento e proteção às tubagens.
Aterro das valas com material da própria vala compactado e regado, por camadas de 0.20m de espessura.
Espalhamento e transporte das terras sobrantes da escavação a vazadouro em local a indicar pela fiscalização.
Reposição de Pavimento nas Ruas ... e ..., de acordo com as características do pavimento do local.
Tubagens e Acessórios:
Fornecimento e assentamento de tubagens em polipropileno corrugado PP-SN8 do tipo AMBIDUR, ou equivalente, incluindo vedação de juntas e os acessórios necessários á sua aplicação, nos seguintes diâmetros:
ø 160 mm (SN8) (em ramais de ligação) ø 250 mm (SN8) (em coletor)
Câmaras de visita pré-fabricadas em anéis de betão, devidamente ceresitadas, incluindo tampa em ferro fundido, base pré-fabricada em betão, caneluras de fundo e degraus de acesso caso necessário, de acordo com desenho de pormenor, dimensão em planta: ø 1,0 m dimensão em planta: ø 1,3 m
Câmaras ramal de ligação em alvenaria de tijolo, devidamente ceresitadas, incluindo tampa em ferro fundido, base prefabricada em betão, caneluras de fundo e degraus de acesso caso necessário, de acordo com desenho de pormenor.
dimensão em planta: 0,80 x 0,80 m2
Ligação à rede pública existente.
Ensaio para verificação do funcionamento da rede e respetiva desinfeção.
REDE DE ÁGUAS PLUVIAIS:
Movimento Terras
Escavação em terreno de qualquer natureza para abertura das valas e assentamento de tubagens.
Baldeação dos produtos resultantes da escavação.
Aterro com cirandagem de terras para almofada de assentamento e proteção às tubagens.
Aterro das valas com material da própria vala compactado e regado, por camadas de 0.20m de espessura.
Espalhamento e transporte das terras sobrantes da escavação a vazadouro em local a indicar pela fiscalização.
Reposição de Pavimento nas Ruas ... e de ..., excluindo o já contabilizado no saneamento de acordo com as características do pavimento do local.
Tubagens e Acessórios
"Fornecimento e assentamento de tubagens em polipropileno corrugado PP-SN8 do tipo AMBIDUR, ou equivalente, incluindo vedação de juntas e os acessórios necessários á sua aplicação, nos seguintes diâmetros:
ø 160 mm (SN8) (em ramais de ligação) ø 250 mm (SN8) (em coletor) ø 400 mm (SN8) (em coletor) ø 500 mm (SN8) (em coletor)
Câmaras de visita pré-fabricadas em anéis de betão, devidamente ceresitadas, incluindo tampa em ferro fundido, base pré-fabricada em betão, caneluras de fundo e degraus de acesso caso necessário, de acordo com desenho de pormenor.
dimensão em planta: ø 1,0 m dimensão em planta: ø 1,3 m
Câmaras ramal de ligação em alvenaria de tijolo, devidamente ceresitadas, incluindo tampa em ferro fundido, base préfabricada em betão, caneluras de fundo e degraus de acesso caso necessário, de acordo com desenho de pormenor.
dimensão em planta: 0,80 x 0,80 m2
Sarjeta de grelha, com corpo executado com blocos maciços de betão, incluindo o fornecimento e aplicação de tampas em betão armado com 0.20m de espessura, bem como as grelhas de ferro fundido dúctil e respetivo aro com dobradiças e chumbadouros para adaptação às caixas
Ligação à rede pública existente.
Ensaio para verificação do funcionamento da rede e respetiva desinfeção.
REDE DE GÁS:
Movimento Terras
Movimento de terras incluindo escavação em terreno de qualquer natureza, regularização e aterro da vala para assentamento da tubagem;
Tubagem
Fornecimento e assentamento de tubagem de polietileno, tipo SDR 11 -PE 80, incluindo banda avisadora amarela "
ATENÇÃO GÁS" e todos os acessórios necessários á sua montagem (Ø110mm)."
Válvulas
Fornecimento e montagem de Válvula de Polietileno enterrada, e todos os acessórios necessários á sua montagem (Ø110mm).
Trabalhos Complementares:
Ensaios
Projetos de licenciamento na D.G.E.
REDE DE B.T. (Tubagens, Caixas e Cabos):
Movimento Terras
Escavação em terreno de qualquer natureza para abertura das valas com uma largura de 2,00 m para assentamento de tubagens, aterro das valas com material da própria vala compactado e regado, por camadas de 0.20m de espessura, com cirandagem de terras para almofada de assentamento e proteção às tubagens.
Reposição de Pavimento nas Ruas ... e de ..., excluindo o já contabilizado no saneamento de acordo com as características do pavimento do local.
Tubagens

Tubagem e colocação das canalizações de interligação entre caixas, bem como as respetivas espaçadeiras e agrupamentos de acordo com o projeto e regulamentos:
- Tubo 3xPVC diam. 110
- Tritubo 10 kgf/cm2
- Tubo 2xPVC diam. 63
- Tubo PVC diam. 125 - 6 kgf/cm2
- Tubo Pet diam. 3" - 6 kgf/cm2
Conduta Subterrânea
Armários e Caixas
Fornecimento e montagem de Armário de distribuição, incluindo maciço de fundação, de acordo com as peças escritas e desenhadas:
- AD1 (Vidropol Tipo "X")
- AD2 (Vidropol Tipo "W")
- AD3 (Vidropol Tipo "W")
- AD4 (Vidropol Tipo "W")
Execução de câmaras de visita permanente de acordo com CT, peças desenhadas e incluindo tampas dos seguintes tipos:
- Tipo NR1
- Tipo NR2
- Cx. Visita dos armários de distribuição
Fornecimento e montagem de cabos enterrados:
- LSVAV 4x95
REDE DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA:
Fornecimento e montagem de luminária, conforme peças escritas e desenhadas
Fuste metálico octogonal (Hu=8m), com Braço (l=0,75m/ang=5º), equipado com luminária do tipo Sintra 1 da Schréder com lâmpada VSAP 150W e refletor 1312.
Fuste metálico octogonal (Hu=8m), equipado com luminária do tipo Sintra 1 da Schréder com lâmpada VSAP 150W e refletor 1312.
Fornecimento e montagem de cabos enfiados em tubos:
- LSVAV 4x16mm2
Fornecimento e montagem de elétrodos de terra
Estão excluídos todos e quaisquer trabalhos que não os expressamente referidos na presente proposta.

19.º O orçamento, junto, consubstanciasse no preço corrente do mercado e ao melhor preço (baixo valor) obtido pela Requerente.

20.º Pelo exposto, deverá ser autorizado à Requerente a promoção direta da execução das obras de urbanização, respeitantes ao Alvará de loteamento n.º ...0 , e melhor densificadas no artigo 18.º do presente articulado, á custa do referido seguro-caução Contrato n.º ...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A.

B) Do Direito:

21.º O loteamento, enquanto operação urbanística, altera a situação jurídica dos prédios abrangidos, garantindo-lhes uma dada edificação ou uma estabilização das suas condições de edificabilidade.

22.º Assim, as condições que ficarem definidas, para cada lote, no alvará de loteamento, irão vincular quer o proprietário do prédio, quer os adquirentes do lote, ou outros titulares de direitos reais sobre os terrenos, como, igualmente, tornamse vinculantes para a respetiva CÂMARA MUNICIPAL ....

23.º Assim, nas palavras de Fernanda Paula Oliveira, que passo a transcrever é “em função das condições de edificabilidade dos lotes definida de forma estável na licença ou admissão da comunicação prévia de um loteamento que se definem os deveres e os encargos a assumir pelo promotor do loteamento de forma a garantir que a edificabilidade prevista para a área (isto é, para cada lote a criar com a operação de loteamento) tem condições para poder ser concretizada. Deveres e encargos estes que apenas se compreendem em função dos direitos urbanísticos que a licença de loteamento confere.”

24.º São estabilizadas aquelas regras e parâmetros de edificabilidade, o licenciamento ou a comunicação prévia de uma operação de loteamento introduzem um fator de segurança e estabilidade no mercado imobiliário, criando uma mais-valia que não é descurada por terceiros que adquirem os lotes.

25.º Esta mais-valia decorre, para estes adquirentes, da garantia:

– de concretizar no lote a operação urbanística (edificação) para ele prevista e nas condições definidas no respetivo título (em regra, o alvará), ainda que os instrumentos de planeamento se alterem;
– da execução efetiva das obras de urbanização, já que, caso o promotor do loteamento as não realize (como é seu dever) pode solicitar que a câmara, ao abrigo do disposto no artigo 84.°, as realize em substituição daquele (à custa da caução por ele prestada) ou pode, nos termos previstos no artigo 85.°, requerer autorização judicial para promover directamente a execução de obras de urbanização;
– do cumprimento das condições estabelecidas no alvará ou da comunicação prévia admitida por parte dos restantes adquirentes dos lotes, do promotor e da própria câmara (artigo 77.°, n.° 3);
– de uma certa estabilidade das regras constantes do alvará ou comunicação prévia admitida, uma vez que as respetivas alterações estão sujeitas a regras mais rígidas de legitimidade, em que os adquirentes dos lotes têm uma palavra a dizer (cfr. o disposto no n.° 3 do artigo 27.°) e, tratando-se de alteração da iniciativa da câmara (artigo 48.°), as alterações que prejudiquem os adquirentes dos lotes dão lugar a indemnização.

26.º É pois ao promotor do loteamento (e não aos construtores nos lotes) que cabe o encargo de dotar a área de todas as características destinadas a servir a edificação a erigir, designadamente as necessárias a garantir qualidade de vida dos futuros utentes ou residentes.

27.º O promotor do loteamento tem, ainda, de forma a permitir o cumprimento do fim a que se encontram destinados os lotes (edificação urbana), de realizar as respetivas obras de urbanização (prestando caução que garanta a sua regular execução) e de pagar a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas, que corresponde à contrapartida pela realização, pelo município, de infra-estruturas gerais originadas pela operação de loteamento.

28.º Sendo os lotes resultantes de uma operação de loteamento unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa servidos, de forma a garantir a efetiva concretização daquela edificabilidade, pelas necessárias infra-estruturas urbanísticas – as quais devem ser realizadas dentro de determinados prazos, ainda que a edificação nos lotes apenas surja mais tarde –, e por áreas verdes e de utilização coletiva e equipamentos – que ficam logo previstas ou, sendo caso disso, são imediatamente cedidas ao município para aqueles fins (não podendo ser destinados a outros sob pena de reversão) –, bem se compreende que, no mercado, um lote integrado num loteamento tenha um valor mais elevado do que um prédio não abrangido por este tipo de operação.

29.º Portanto, é neste enquadramento que devem ser lidos os art.ºs 84.º e 85.º do RJEU, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16-12.

30.º Não executadas as obras de urbanização pelo promotor, a Câmara, para salvaguarda do património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das obras por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia quando, por causa que seja imputável a este último:

a) Não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará ou do título da comunicação prévia;
b) Permanecerem interrompidas por mais de um ano;
c) Não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade;
d) Não hajam sido efetuadas as correções ou alterações que hajam sido intimadas nos termos do artigo 105.º” – cf. art.º 84.º, n.º 1, do RGEU.

31.º Ou seja, usando da prorrogativa do art.º 84.º do RGEU, a Câmara substitui-se ao titular do alvará e realizará as obras de urbanização em falta. Para o efeito, a Câmara poderá acionar as cauções prestadas – cf. art.º 84.º, n.º 3, do RJEU.

32.º Não ficando o custo da execução das obras em falta garantidas pela caução prestada, a Câmara terá, relativamente à parte restante, que se promover a execução fiscal do promotor faltoso.

33.º Apreciando este poder-dever da Câmara, EE e FF indicam o carácter excecional, a necessária parcimónia no uso da medida e alertam para a exigência da verificação dos requisitos legais, quanto aos fins a salvaguardarem-se (cf. REIS, João Pereira; LOUREIRO, Margarida - Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação - Anotado. 2.ª ed., Coimbra: Almedina. ISBN 972-40-1590-4, pp. 208-209).

34.º Depois, numa segunda linha, se a Câmara não promover as obras em falta, um terceiro adquirente de um lote para construção, de um edifício aí construído ou de uma fracção autónoma, pode requerer a autorização judicial para promover directamente a execução das obras de urbanização – cf. art.º 85.º do RGEU.

35.º Ou seja, estes terceiros, porque direitamente interessados na execução daquelas obras em falta, mediante autorização judicial, podem sub-rogar-se ao promotor faltoso e executar, eles próprios, as obras em questão, caso a Câmara também tenha faltado a esse dever.

36.º Conforme o art.º 85.º, n.º 2, do RGEU, para o efeito, os interessados devem instruir a sua PI, obrigatoriamente, com “a) Cópia do alvará ou do título da comunicação prévia, nos termos do n.º 2 do artigo 74.º; b) Orçamento, a preços correntes do mercado, relativo à execução das obras de urbanização em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento;”

37.º Usando da faculdade indicada no art.º 85.º do RGEU, o Requerente interessado em promover a obra fá-lo-ão à custa do loteador, pois a caução que tenha sido prestada ficará à sua disposição até ao limite das obras.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito aplicáveis, que V. Excia. mui doutamente suprirá, deve a presente autorização ser julgada procedente, provada e deferida, consequentemente,

A) Autorizar o Requerente a promover directamente a execução das obras de urbanização, respeitantes e em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento do Alvará de loteamento n.º ...0;

B) Fixar como orçamento para a realização das obras sub juditio o concernente á sociedade anónima R..., S.A., no montante de €271.747,02 (duzentos e setenta e um mil, setecentos e quarenta e sete euros e dois cêntimos) acrescido de I.V.A., em virtude de ser o de menor custo e por se localizar as suas instalações em ..., concelho ..., não distante das obras a realizar;

C) Seja colocada à ordem deste Tribunal até ao valor do orçamento acrescido de IVA, referido em b) a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A. , indicada no Alvará de loteamento n.º ...0, emitido pela CÂMARA MUNICIPAL ..., com o intuito de responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento acrescido do I.V.A.,

D) Na falta ou insuficiência da caução, o tribunal determine que os custos sejam suportados pelo Município de ....

E) Decretar que a CÂMARA MUNICIPAL ... emita Alvará para a execução de obras por terceiro;

PARA TANTO,

Requer-se a V. Excia. se digne a proceder à notificação da CÂMARA MUNICIPAL ... para responder, querendo, a este seu pedido.

Valor: 271.747,02€ (duzentos e setenta e um mil euros, setecentos e quarenta e sete euros e dois cêntimos).

(…)”.

2. O Município requerido apresentou a seguinte resposta (ver articulado no SITAF):

“1 A Demandante vem, nos termos do artigo 850 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, requerer autorização para proceder directamente à execução de obras de urbanização em falta, exigidas pela CÂMARA MUNICIPAL ..., a G..., Lda., no âmbito do Alvará de Loteamento no ...10 e contempladas no orçamento n o ...19 que juntou com a, aliás douta, p.i. sob os nos 39 e 40.

2. Mais requer que a caução prestada a favor da Câmara Municipal, destinada a garantir a boa e regular execução de obras, fique à ordem do Tribunal a fim de responder pela execução das obras até ao valor de € 271.747,02, acrescido de I.V.A.

3. Para o efeito, alega que é proprietária dos Lotes ... a ...3 localizados no Lugar ... e ..., na freguesia ..., concelho ... e que apresentou 5 (cinco) projectos visando a construção de moradias unifamiliares nos Lotes ... a ... 5.

4. Que o Município de ... emitiu o Alvará de loteamento n.º ...0, nos quais se integram os respectivos lotes, no âmbito do Processo de Licenciamento n o 205/09-..., em nome de, G..., Lda.

5. Que nesse licenciamento a Câmara Municipal exigiu àquela empresa a realização de diversas obras de urbanização, nomeadamente, realização de infra-estruturas, arruamentos, sinalização, espaços verdes, arranjos exteriores, acessibilidades, rede de abastecimento de água e rede de incêndios, rede de águas residuais e rede de águas pluviais, rede de gás, rede de iluminação pública e rede de telecomunicações para o Loteamento em construção, tendo sido prestada uma caução a favor da Câmara Municipal para garantia da execução dessas obras.

6. Alega ainda que a G..., Lda. não procedeu à execução das obras de urbanização no prazo concedido para o efeito, nem até à presente data, tendo ainda sido declarada insolvente pelo Tribunal.

7. Pretendendo a A. promover directamente a execução das obras de urbanização constantes do mencionado Alvará de Loteamento n o ...0 à custa do seguro-caução contrato n ...01 , emitido pela Companhia de Seguros A... S.A. requer, para tanto, autorização judicial nos termos do artigo 850 do R.J.U.E.

8. Alega ainda que o Orçamento junto aos autos consubstancia o preço corrente do mercado e ao preço mais baixo.

Isto posto, diremos que,

9. As obras de urbanização sitas no Lugar ... e ..., na freguesia ..., concelho ... e para cuja garantia da sua execução foi emitida o seguro-caução Contrato n o ...01, pela Companhia de Seguros A... S.A. até ao valor de € 279.328,19 (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte e oito euros e dezanove cêntimos) em que é beneficiária a CÂMARA MUNICIPAL ... e garantida a, G..., Lda., cfr. Doc. 1 ao diante junto, ainda não se encontram executadas, tendo já decorrido o prazo para o efeito.

10. A realização dessas obras apresenta-se como indispensável para assegurar a qualidade do meio urbano e a obtenção da licença de utilização dos prédios cujo licenciamento foi requerido pela aqui A.

11. Muito embora, o Município já manifestasse a intenção de realizar coercivamente tais obras através do acionamento da garantia bancária, ainda não teve condições de concretizar tal intenção.

12. Com efeito e, não tendo condições de realizar tais obras pelos seus próprios meios, terá de celebrar contrato com terceiro em conformidade com todos os condicionalismos legais previstos no Código dos Contratos Públicos.

13. Condicionalismos esses que, em respeito do cumprimento dos prazos e formalidades legalmente previstas, implicarão sempre e naturalmente uma grande morosidade e delonga na realização das obras.

14. Situação que para a A. poderá implicar atrasos na estabilização das condições de edificabilidade, salvo se a própria executar as obras conforme se propõe.

15. Por outro lado, é importante para o Município, que zela pela qualidade de vida dos Munícipes e pelo desenvolvimento do meio urbano e ambiente, que aquelas obras de urbanização em falta sejam executadas.

16. Contudo, a realização dessas obras de urbanização deve cumprir integralmente o projecto aprovado das obras de urbanização e o seu valor não deve ultrapassar o montante da caução prestada.

17. Nesse sentido, analisado o orçamento e mapa de quantidades junto com a p.i. verifica-se que a quantificação dos trabalhos a realizar não se mostra correcta.

18. Com efeito, o orçamento apresentado pela A. não prevê a execução da rede de telecomunicações, sendo certo que a sua execução de acordo com o projecto apresentado, estima-se que possa atingir o montante de € 1 5.612,50 (quinze mil seiscentos e doze euros e cinquenta cêntimos).

19. Além disso, existem discrepâncias entre as estimativas orçamentais da Câmara e as apresentadas pela A., nomeadamente, no que respeita aos custos quer com a execução dos arruamentos, quer com a execução da sinalização viária e da rede de águas pluviais.

20. Por outro lado, a execução da rede de abastecimento de água, é necessariamente da responsabilidade da Á...., S.A., devendo a Autora assegurar directamente o pagamento da importância de € 14.921 ,72 (catorze mil novecentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos) àquela entidade.

21. Pelo que, a garantia existente (Seguro-Caução Contrato n o ...01) não abrange a execução de tais trabalhos, na medida em que não seriam — nem são executados pelo loteador, ao contrário das restantes infra-estruturas.
Sem prejuízo,

22. A ser autorizada a realização das obras pela A, no que respeita à execução do projecto da rede viária e arranjos exteriores (terraplanagens gerais; instalação de lancis de granito azul de 0.20m a pico fino na delimitação de passeios, de granito azul de O. 14m a pico grosso enterrados na delimitação de baias de estacionamento e respetivas fundações; pavimentação dos arruamentos projetados a cubos de granito e repavimentação do arruamento existente a betão betuminoso, dos estacionamentos a cubos de granito 0.1 lm e dos passeios a pedras de chão de betão) a A. tem de assegurar que cumpre o projeto de especialidade apresentado e as respectivas condicionantes.

23. Tal como no que respeita à execução da sinalização viária a A. deverá assegurar que cumpre o projecto apresentado, a ser aprovado pelo Departamento Municipal de Mobilidade.

24. E quanto à execução dos espaços verdes a A. deverá assegurar que cumpre o projecto apresentado, a ser aprovado pelo Departamento de Obras e Empreitadas.

25. Quanto à execução da rede de águas residuais e domésticas a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela Á...., S.A. constante do Parecer 8854, de 02.08.2010, deferido com condicionantes.

26. Quanto à execução da rede de drenagem de águas pluviais a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela Á...., S.A. constante do Parecer 1 1 550, de 27.1 1 2009, deferido com condicionantes.

27. Quanto à execução da rede de abastecimento de gás, a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela EDPGAS, com a referência ..., de 06.10.2009.

28. Quanto à execução das redes de electricidade e de iluminação pública, a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela EDP, por referência à carta 1632/08/DRCP, de 10.122008, deferido com condicionantes.

29. Em suma, a execução das obras de urbanização em questão deverá cumprir integralmente todos os projectos apresentados e aprovados com as respectivas condicionantes, de modo a que nada obste à sua recepção pela Câmara Municipal.

30. Além disso, a A. deverá garantir que a execução das obras de urbanização sub judice não ultrapassam o montante de € 279.328,19 (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte e oito euros e dezanove cêntimos) I.V.A. incluído, garantido pelo Seguro-Caução contrato ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A.

31. Quanto ao empreiteiro apresentado pela A, a Câmara Municipal desconhece se o mesmo está legalmente habilitado e tem capacidade técnica para a realização dos trabalhos sub judice, de acordo com a estimativa da Câmara Municipal e o Orçamento apresentado, devendo, por isso, a A. demonstrar que o empreiteiro tem as devidas habilitações para o efeito.

32. Por último, não fique por dizer que, a ser concedida a pretendia autorização à A. o valor do seguro-caução só deverá ser entregue à A. após a realização da totalidade das obras de urbanização e a comprovação da sua conformidade pela Câmara Municipal ....

Nestes termos, nos melhores de direito e nos por

V. Exa. doutamente supridos, decidindo pela verificação, ou não, dos pressupostos para a concessão da autorização nos termos do artigo 85 0 do R.J.U.E. fará como sempre Justiça !

(…)”

3. Por sentença de 30.06.2020, foi decidido (ver sentença no SITAF):

“N... LDA., melhor identificada com os demais sinais dos autos, vem nos presentes autos que intentou contra o MUNICÍPIO DE ... vem, nos termos do artigo 85º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, requerer autorização para proceder directamente à execução de obras de urbanização em falta, exigidas pela Câmara Municipal ..., a G..., Lda., no âmbito do Alvará de Loteamento nº ...0 e contempladas no orçamento nº ...19, formulando o pedido nos seguintes termos:

“(…) deve a presente autorização ser julgada procedente, provada e deferida, consequentemente,
A) Autorizar o Requerente a promover directamente a execução das obras de urbanização, respeitantes e em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento do Alvará de loteamento n.º ...0;
B) Fixar como orçamento para a realização das obras sub juditio o concernente à sociedade anónima R..., S.A., no montante de €271.747,02 (duzentos e setenta e um mil, setecentos e quarenta e sete euros e dois cêntimos) acrescido de I.V.A., em virtude de ser o de menor custo e por se localizar as suas instalações em ..., concelho ..., não distante das obras a realizar;
C) Seja colocada à ordem deste Tribunal até ao valor do orçamento acrescido de IVA, referido em b) a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A. , indicada no Alvará de loteamento n.º ...0, emitido pela CÂMARA MUNICIPAL ..., com o intuito de responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento acrescido do I.V.A., D) Na falta ou insuficiência da caução, o tribunal determine que os custos sejam suportados pelo Município de .... E) Decretar que a CÂMARA MUNICIPAL ... emita Alvará para a execução de obras por terceiro”.
*
A Entidade Requerida vem responder, em suma, que as obras de urbanização em questão em relação às quais foi emitido como garantia de execução o seguro caução até ao valor de 279 328, 10 de que é beneficiária ainda não se encontram executadas, tendo já decorrido o prazo para o efeito; que a realização dessas obras apresenta-se como indispensável para assegurar a qualidade do meio urbano e a obtenção da licença de utilização dos prédios cujo licenciamento foi requerido pela aqui A.; a realização dessas obras de urbanização deve cumprir integralmente o projecto aprovado das obras de urbanização e o seu valor não deve ultrapassar o montante da caução prestada.

Mais sustenta que, analisado o orçamento e mapa de quantidades junto com a p.i. verifica-se que a quantificação dos trabalhos a realizar não se mostra correcta pelas seguintes razões:

- o orçamento apresentado pela A. não prevê a execução da rede de telecomunicações, sendo certo que a sua execução de acordo com o projecto apresentado, estima-se que possa atingir o montante de € 15.612,50 (quinze mil seiscentos e doze euros e cinquenta cêntimos):
- existem discrepâncias entre as estimativas orçamentais da Câmara e as apresentadas pela A., nomeadamente, no que respeita aos custos quer com a execução dos arruamentos, quer com a execução da sinalização viária e da rede de águas pluviais;
- a execução da rede de abastecimento de água, é necessariamente da responsabilidade da Á...., S.A., devendo a Autora assegurar directamente o pagamento da importância de € 14.921 ,72 (catorze mil novecentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos) àquela entidade;
- a garantia existente (Seguro-Caução Contrato n o ...01) não abrange a execução de tais trabalhos, na medida em que não seriam — nem são executados pelo loteador, ao contrário das restantes infra-estruturas.

Finaliza a requerida dizendo que, a ser autorizada a realização das obras pela A, no que respeita à execução do projecto da rede viária e arranjos exteriores (terraplanagens gerais; instalação de lancis de granito azul de 0.20m a pico fino na delimitação de passeios, de granito azul de O. 14m a pico grosso enterrados na delimitação de baias de estacionamento e respetivas fundações; pavimentação dos arruamentos projetados a cubos de granito e repavimentação do arruamento existente a betão betuminoso, dos estacionamentos a cubos de granito 0,11x0,11x0,11m e dos passeios a pedras de chão de betão) a A. tem de assegurar que cumpre o projeto de especialidade apresentado e as respectivas condicionantes; tal como no que respeita à execução da sinalização viária a A. deverá assegurar que cumpre o projecto apresentado, a ser aprovado pelo Departamento Municipal de Mobilidade; quanto à execução dos espaços verdes a

A. deverá assegurar que cumpre o projecto apresentado, a ser aprovado pelo Departamento de Obras e Empreitadas; Quanto à execução da rede de águas residuais e domésticas a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela Á...., S.A. constante do Parecer 8854, de 02.08.2010, deferido com condicionantes; Quanto à execução da rede de drenagem de águas pluviais a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela Á...., S.A. constante do Parecer 1 1 550, de 27.1 1 2009, deferido com condicionantes; quanto à execução da rede de abastecimento de gás, a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela EDPGAS, com a referência ..., de 06.10.2009; Quanto à execução das redes de electricidade e de iluminação pública, a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela EDP, por referência à carta 1632/08/DRCP, de 10.122008, deferido com condicionantes; a A. deverá garantir que a execução das obras de urbanização não ultrapassam o montante de € 279.328,19 (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte e oito euros e dezanove cêntimos) I.V.A. incluído, garantido pelo Seguro-Caução contrato ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A.; Quanto ao empreiteiro apresentado pela A, a Câmara Municipal desconhece se o mesmo está legalmente habilitado e tem capacidade técnica para a realização dos trabalhos, de acordo com a estimativa da Câmara Municipal e o Orçamento apresentado, devendo, por isso, a A. demonstrar que o empreiteiro tem as devidas habilitações para o efeito; a ser concedida a pretendia autorização à A. o valor do seguro-caução só deverá ser entregue à A. após a realização da totalidade das obras de urbanização e a comprovação da sua conformidade pela Câmara Municipal ....
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Notificada a Administradora de insolvência de G..., Lda, para, querendo, responder, nos termos do art. 85.º, n.º 3 do DL 555/99 de 16 de Novembro, nada foi dito ou requerido.
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A requerente veio responder às invocadas discrepâncias alegadas pela requerida quanto ao facto do orçamento apresentado pela Autora não prever a execução da rede de telecomunicações, que se estima que possa atingir o montante de €15.612,50; Discrepâncias entre as estimativas orçamentais da Câmara e as apresentadas pela Autora, nomeadamente, no que respeita aos custos com a execução dos arruamentos, quer com a execução da sinalização viária das redes de águas pluviais; execução da rede de abastecimento de água, ser da responsabilidade das Á...., S.A., devendo a Autora assegurar directamente o pagamento da importância de € 14.921,72 àquela entidade.

Nessa sequência refere que procedeu à retificação do orçamento apresentado com a petição inicial, criando-se um artigo próprio para a rede de telecomunicações, tendo sido removida a parcela referente à rede de abastecimento de água; que por lapso de escrita, foi mencionado que no anterior orçamento acrescia o IVA, quando efetivamente se constata que o valor do IVA já se encontra incluído na proposta; Da análise do orçamento N.º 608A/19 junto, resulta que o valor das obras de urbanização não ultrapassam o montante de €279.328,19, I.V.A. incluído, garantido pelo Seguro Caução contrato ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A.; para prova da capacidade técnica do empreiteiro para a realização dos trabalhos, de acordo com a estimativa da Câmara Municipal e o Orçamento N.º 608A/19, juntou o Alvará ...99 – PUB.

Requer, assim, a concessão da autorização nos termos do artigo 85.º do R.J.U.E, uma vez que se verificam os necessários pressupostos.
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A Entidade Requerida veio pronunciar-se sobre o articulado apresentado pela requerente, referindo que, com os documentos juntos, a Requerente demonstrou que o empreiteiro apresentado possui Alvará compatível e suficiente para a execução das obras de urbanização em questão; Relativamente ao Orçamento nº 608A/19, junto pela A. no valor de € 279.099,30, I.V.A. incluído, é possível constatar que o custo das obras de urbanização já não ultrapassa o montante garantido pelo Seguro-Caução Contrato ...01 , emitido pela Companhia de Seguros A... S.A.; o citado Orçamento nº 608A/19, encontra-se em conformidade com o previsto na comunicação prévia de obras de urbanização, garantindo a execução das obras em falta, ou seja, a rectificação ao Orçamento inicialmente apresentado sanou as discrepâncias anteriormente invocadas pelo aqui R.

Conclui que, de qualquer modo, a Autora, na medida em que se substitui ao promotor das obras de Urbanização, deve garantir a sua execução em conformidade com o projecto aprovado no âmbito do Processo de Licenciamento nº 205/20..., isto é, deve entregar as obras em perfeitas condições de execução e conservação; a Autora deve estar obrigada a executar toda e qualquer obra que se revele necessária ao cumprimento do projecto, mesmo que na presente data, não sejam conhecidas e, por isso, não constem dos orçamentos, comunicações ou condicionantes de licenciamento; relativamente à caução e de modo a garantir a boa execução da obra, a mesma deverá ser disponibilizada após a realização das obras e à medida que for comprovada a sua conformidade com o projecto pela Entidade Requerida.
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II. O Tribunal é o competente.
O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão regularmente representadas.
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Fixa-se o valor da causa em 271 747,02€ - artº 33º, al a) do CPTA.
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III. Tendo em conta os documentos juntos aos presentes autos, os elementos existentes no processo administrativo apenso bem como a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, com relevo para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:

A) Por escritura lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde, em 2019.09.25, a Requerente adquiriu os Lotes ... a ...3, localizados no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ... – cf. doc. n.º 1 junto aos autos;

B) Na ... Conservatória do Registo Predial de , encontram-se inscritos definitivamente a favor da Requerente:

- Sob o número 5352/20... prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita definitivamente a favor da requerente pela AP. ...35 de 2019/10/09 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...65 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 2 e 3 juntos com o requerimento inicial - RI);
- Sob o nº 5353/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...57 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 4 e 5 juntos com o RI);
- Sob o nº 5354/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...58 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 6 e 7 juntos com o RI);
- Sob o nº 5355/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...59 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 8 e 9 juntos com o RI);
- Sob o nº 5356/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...60 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 10 e 11 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5357/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...61 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 11 e 12 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5358/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...62 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 13 e 14 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5359/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...63 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 15 e 16 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5360/20... o prédio Lote ... sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...64 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 17 e 18 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5361/20... o prédio Lote ...0 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...65 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 19 e 20 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5362/20... o prédio Lote ...1 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...66 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 21 e 22 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5363/20... o prédio Lote ...2 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...67 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 22 e 23 juntos com o RI);
- Sob o n.º 5364/20... o prédio Lote ...3 sito no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., estando a propriedade sobre o mesmo inscrita pela AP. ...35 de 2019/10/09; e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...68 da referida freguesia ..., que teve origem no artigo ...90 rústico (cfr. docs. n.º 24 e 25 juntos com o RI);

B) Em 22 de novembro de 2010, o Município de ... emitiu o Alvará de Loteamento nº ...0 no âmbito do processo de licenciamento nº 205/09-..., nos quais se integraram os Lotes referidos em A), em nome da sociedade, G..., Lda (cfr doc. Nº 26 junto com o RI);

C) O alvará de Loteamento nº...0 para as obras de construção no Lote ... a ...3, no prédio sito nos Lugares de ... e ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...90 rustico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o nº ...13, da respetiva freguesia, definiu que ¯Verificando-se a intervenção na via pública para a instalação de infraestruturas em arruamentos pavimentados, constitui responsabilidade do titular do alvará a repavimentação integra/ dos mesmos nas zonas convencionadas‖; ¯Prazo para a conclusão das obras de urbanização é de 12 meses”; ¯Foi apresentada a caução destinada a assegurar a boa e regular execução das obras de urbanização, no montante de 279.328, 19€, através da apólice de seguro-caução contrato nº...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., e aceite por despacho de 25 de agosto de 2010‖ – cf. docs. 27, 28, 29, 30, 31 , 32, 33 juntos com o RI;

D) A G..., Lda, prestou a favor da CÂMARA MUNICIPAL ..., uma caução para garantia da execução dessas obras, através de apólice seguro caução contrato nº ...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., no valor de 279.328,19€, e aceite por Despacho de 25 de agosto de 2010 – cf. doc. de fls. 69 verso junto com o RI;

E) A G..., Lda não procedeu até hoje à execução das obras de urbanização – por acordo;

F) A G..., Lda foi declarada insolvente por sentença de 13-04-2012 proferida no Processo nº91/12.... do ... Juízo do Tribunal do Comércio ... e nomeada Administradora da Insolvência, Dra. DD – cf. doc. junto com o RI;

G) Durante o ano de 2019, a Requerente deu conhecimento à CÂMARA MUNICIPAL ..., da falta de cumprimento da execução de obras por parte da G..., Lda. solicitando que a CÂMARA MUNICIPAL ... desbloqueasse e acionasse a garantia;

H) A CÂMARA MUNICIPAL ... nada fez, nem acionou a respetiva caução – por acordo;

I) Nos dias 9, 10 e 11 de Dezembro de 2019, a Requerente apresentou no Município de ... cinco projetos visando a construção de moradias unifamiliares, que foram designados no procedimento administrativo pelos nºs Lote ...9, Lote ...9, Lote ...9, Lote ...41 1/19 e Lote ...9 - cf. doc. Nºs 34, 35, 36, 37, 38 juntos com o RI;

J) A Requerente solicitou orçamento à sociedade anónima R..., S.A. (orçamento nº...9, de 12/12/2020), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva nº ..., e com alvará de construção nº ...99, classe 6, para a realização das obras de urbanização, pelo preço de €271.747,02 (duzentos e setenta e um mil, setecentos e quarenta e sete euros e dois cêntimos), acrescido de I.V.A., necessárias para a conclusão das infraestruturas, de acordo com os projectos aprovados e condições fixadas no licenciamento do alvará de loteamento- cf. docs. nºs 39 e 40 juntos com o RI, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais e doc. 2 junto aos autos;

L) Em 12/2/2020 a R..., S.A. apresentou orçamento rectificativo nº ...19, no montante de € 279 099,30, que inclui a execução da rede de telecomunicações com o preço total de €15 559,50, tendo sido retirada a parcela referente à rede de abastecimento de água bem assim como a menção ao acréscimo de IVA – cf. doc. Junto aos autos;

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Nada mais se provou com interesse para a decisão.
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IV. A Requerente vem intentar a presente acção destinada à obtenção de autorização judicial para promover directamente a execução das obras de urbanização em falta, respeitantes ao Alvará de Loteamento nº ...0 necessárias para a construção nos Lote ... a ...3 por si adquiridos.

A Requerente quer, assim, ver solucionada a realização das obras de urbanização exigidas pelo Município de ... à titular do alvará de Loteamento – G..., Lda -, sendo que é actualmente proprietária dos Lotes ... a ...3, localizados em ... e ... e apresentou cinco projectos para a construção de moradias unifamiliares nos lotes ... a ..., peticionando, por conseguinte, ao abrigo do artº 85º do RJUE autorização judicial para promoção directa da execução das obras de urbanização.

Vejamos.

Conforme decorre do probatório, em 22 de novembro de 2010, o Município de ... emitiu o Alvará de Loteamento nº ...0 no âmbito do processo de licenciamento nº 205/09-..., nos quais se integraram os ..., localizados no Lugares de ... e ..., freguesia ..., concelho ..., em nome da sociedade, G..., Lda, tendo a ora requerente adquirido por escritura lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde, em 2019.09.25, os referidos lotes.

O alvará de Loteamento nº...0 para as obras de construção no Lote ... a ...3, no prédio sito nos Lugares de ... e ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...90 rustico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o nº ...13, da respetiva freguesia, definiu que ¯Verificando-se a intervenção na via pública para a instalação de infraestruturas em arruamentos pavimentados, constitui responsabilidade do titular do alvará a repavimentação integra/ dos mesmos nas zonas convencionadas‖; ¯Prazo para a conclusão das obras de urbanização é de 12 meses”; ¯Foi apresentada a caução destinada a assegurar a boa e regular execução das obras de urbanização, no montante de 279.328, 19€, através da apólice de seguro-caução contrato nº...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., e aceite por despacho de 25 de agosto de 2010‖ – cf. docs. 27, 28, 29, 30, 31 , 32, 33.

A G..., Lda, que foi declarada insolvente por sentença de 13-04-2012 proferida no Processo nº91/12.... do ... Juízo do Tribunal do Comércio ..., havia prestado a favor da CÂMARA MUNICIPAL ..., uma caução para garantia da execução dessas obras, através de apólice seguro caução contrato nº ...01, emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., no valor de 279.328,19€, e aceite por Despacho de 25 de agosto de 2010, mas não procedeu até hoje à execução das obras de urbanização.

A requerente tem em curso a construção de moradias unifamiliares nos lotes ... a ..., pelo que, considera que se impõe a execução das obras de urbanização indispensáveis à utilização das ditas moradias e que competiam à G..., Lda, propondo-se executar ela própria as obras em falta em conformidade com os projectos aprovados e condições fixadas no licenciamento do alvará de Loteamento nº...0.

Afigura-se, pois, que a Requerente detém legitimidade para vir requerer autorização judicial, em harmonia com o determinado no nº 1 do artº 85º do RJUE, sendo certo que ¯este não é um procedimento contencioso tendente a dirimir qualquer litígio entre o referido garante, o devedor da obrigação garantida e/ou mesmo os beneficiários dela. É, antes, um procedimento cujo objecto se restringe e esgota na concessão, ou não, da autorização para a prática de um acto concreto, a saber: a realização das obras de urbanização omitidas ou inacabadas, por parte do promotor de uma dada operação urbanística. Porque assim é, só o direito de substituição ou sub-rogação na execução dessas obras, deve ser objecto de julgamento em tal procedimento‖ – v. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 2186/13.... de 2015.05.12.

No caso em apreço, como resulta do probatório, quanto às obras de urbanização a Requerente obteve orçamentos (nºs ...9 e ...9) para a realização das obras de urbanização cujo montante (€ 279 099,30) não ultrapassa o montante garantido pelo seguro caução nº1501, emitido pela Companhia de Seguros A..., S.A. a favor da CÂMARA MUNICIPAL ... que esta não accionou com o intuito de realizar as obras de urbanização, pese embora reconheça que se a sua realização se apresenta como indispensável para assegurar a qualidade do meio urbano bem assim como a obtenção de licença de utilização dos prédios cujo licenciamento foi requerido pelo A.

Assim sendo, mantendo-se a situação de não realização das obras por parte do loteador – a sociedade Gaya internacional – bem assim como por parte do Município de ..., à Requerente nada mais restou que accionar o mecanismo previsto no artº 85º do RJUE destinado a obter a autorização para a prática de um acto concreto, isto é, a realização das obras de urbanização não realizadas por parte do loteador.

É que, quando não tiverem sido iniciadas as obras de edificação ou urbanização no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará ou do título da comunicação prévia, permanecerem interrompidas por mais de um ano, não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações - nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade -, ou não tiverem sido efetuadas as correções ou alterações que hajam sido intimadas, a câmara municipal pode promover a realização das obras em falta por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia (artigo 84.º, n.º1, do RJUE).

Ou seja, usando da prorrogativa do art.º 84.º do RGEU, a Câmara substitui-se ao titular do alvará e realizará as obras de urbanização em falta. Para o efeito, a Câmara poderá accionar as cauções prestadas – cf. art.º 84.º, n.º 3, do RJEU. Não ficando o custo da execução das obras em falta garantidas pela caução prestada, a Câmara terá, relativamente à parte restante, que se promover a execução fiscal do promotor faltoso.
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Mas, se o não fizer, qualquer adquirente dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de frações autónomas dos mesmos, tem legitimidade para requerer autorização judicial para promover diretamente a execução dessas obras de urbanização (artigo 85.º, n.º 1, do RJUE).

Ou seja, o terceiro adquirente de um lote para construção, porque direitamente interessado na execução das obras em falta, mediante autorização judicial, pode sub-rogar-se ao promotor faltoso e executar, ele próprios, as obras em questão, caso a Câmara também tenham faltado a esse dever.

Para o efeito, deve dirigir ao tribunal administrativo de círculo onde se localiza o prédio no qual se devam realizar as obras de urbanização, um requerimento instruído com cópia do alvará ou do título da comunicação prévia, orçamento, a preços correntes do mercado, relativo à execução das obras de urbanização em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento e quaisquer outros elementos que o requerente entenda necessários para o conhecimento do pedido, e o referido tribunal, depois de notificar a câmara municipal, o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia para responderem no prazo de 30 dias, ordena a realização das diligências que entenda úteis para o conhecimento do pedido e, se entender deferi-lo, fixa especificadamente as obras a realizar, o respetivo orçamento e determina que a caução prestada para garantir a boa e regular execução das obras de urbanização fique à sua ordem, a fim de responder pelas despesas com as obras até ao limite do orçamento – artigo 85.º, n.ºs 2 a 4 e 8, do RJUE.

Acresce que na falta ou insuficiência dessa caução, pode o tribunal impor que essas mesmas despesas sejam suportados pelo município, sem prejuízo, naturalmente, do direito de regresso deste sobre o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia (n.º 5 do artigo 85.º do RJUE).

Assim, usando da faculdade indicada no art.º 85.º do RGEU, os terceiros interessados em promover a obra fá-lo-ão à custa do loteador, pois a caução que tenha sido prestada ficará à sua disposição até ao limite das obras. Caso a caução se mostre insuficiente para pagar os custos das obras, então, ficará a Câmara responsável pelo excedente, com direito de regresso sobre o titular do alvará.

No caso em apreço, o Município de ... perante o pedido formulado pela requerente, manifestou inicialmente alguma discordância no que tange ao orçamento e mapa de quantidades junto com a p.i. pois considerou que que a quantificação dos trabalhos a realizar não se mostrava correcta, isto é, não previa a execução da rede de telecomunicações bem assim como discrepâncias entre as estimativas orçamentais da Câmara e as apresentadas pela requerente, nomeadamente, no que respeita aos custos quer com a execução dos arruamentos, quer com a execução da sinalização viária e da rede de águas pluviais e quanto à execução da rede de abastecimento de água a mesma é da responsabilidade da Á...., S.A., pelo que devia a requerente assegurar directamente o pagamento da importância de € 14.921 ,72 (catorze mil novecentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos) àquela entidade.

Mais sublinhou a requerida que a ser autorizada a realização das obras pela A, no que respeita à execução do projecto da rede viária e arranjos exteriores (terraplanagens gerais; instalação de lancis de granito azul de 0.20m a pico fino na delimitação de passeios, de granito azul de 0,14m a pico grosso enterrados na delimitação de baias de estacionamento e respetivas fundações; pavimentação dos arruamentos projetados a cubos de granito e repavimentação do arruamento existente a betão betuminoso, dos estacionamentos a cubos de granito 0.1 lm e dos passeios a pedras de chão de betão) a A. tem de assegurar que cumpre o projeto de especialidade apresentado e as respectivas condicionantes, tal como no que respeita à execução da sinalização viária a A. deverá assegurar que cumpre o projecto apresentado, a ser aprovado pelo Departamento Municipal de Mobilidade e quanto à execução dos espaços verdes a A. deverá assegurar que cumpre o projecto apresentado, a ser aprovado pelo Departamento de Obras e Empreitadas.

Acrescentou a requerida que, quanto à execução da rede de águas residuais e domésticas a requerente deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela Á...., S.A. constante do Parecer 8854, de 02.08.2010, deferido com condicionantes; quanto à execução da rede de drenagem de águas pluviais a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela Á...., S.A. constante do Parecer 1 1 550, de 27.1 1 2009, deferido com condicionantes; quanto à execução da rede de abastecimento de gás, a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela EDPGAS, com a referência ..., de 06.10.2009; Quanto à execução das redes de electricidade e de iluminação pública, a A. deverá assegurar que cumpre o projecto de especialidades apresentado e aprovado pela EDP, por referência à carta 1632/08/DRCP, de 10.122008, deferido com condicionantes.

Além disso, entende a requerida que deve ser garantido que a execução das obras de urbanização não ultrapassam o montante de € 279.328,19 (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte e oito euros e dezanove cêntimos) I.V.A. incluído, garantido pelo Seguro-Caução contrato ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A. e quanto ao empreiteiro apresentado pela A, a Câmara Municipal diz que desconhece se o mesmo está legalmente habilitado e tem capacidade técnica para a realização dos trabalhos sub judice, de acordo com a estimativa da Câmara Municipal e o Orçamento apresentado, devendo, por isso, a A. demonstrar que o empreiteiro tem as devidas habilitações para o efeito e que a ser concedida a pretendia autorização o valor do seguro-caução só deverá ser entregue à requerente após a realização da totalidade das obras de urbanização e a comprovação da sua conformidade pela Câmara Municipal ....

Em face das objeções levantadas, veio a requerente demonstrar que procedeu à retificação do orçamento apresentado com a petição inicial, criando-se um artigo próprio para a rede de telecomunicações, tendo sido removida a parcela referente à rede de abastecimento de água; que por lapso de escrita, mencionou que no anterior orçamento acrescia o IVA, quando efetivamente se constata que o valor do IVA já se encontra incluído na proposta; que consta do orçamento N.º 608A/19 que juntou que o valor das obras de urbanização não ultrapassam o montante de €279.328,19, I.V.A. incluído, garantido pelo Seguro Caução contrato ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A.; que o empreiteiro para a realização dos trabalhos, de acordo com a estimativa da Câmara Municipal e o Orçamento N.º 608A/19, é titular do Alvará ...99 – PUB, do qual juntou cópia aos autos.

Perante as correcções enumeradas a requerida veio reconhecer que com os documentos juntos, a requerente demonstrou que o empreiteiro apresentado, possui Alvará compatível e suficiente para a execução das obras de urbanização em questão; que relativamente ao Orçamento nº 608A/19, no valor de € 279.099,30, I.V.A. incluído, é possível constatar que o custo das obras de urbanização já não ultrapassa o montante garantido pelo Seguro-Caução Contrato ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A.; que o citado Orçamento nº 608A/19, encontra-se em conformidade com o previsto na comunicação prévia de obras de urbanização, garantindo a execução das obras em falta.

Conclui assim, a requerida, que a rectificação ao Orçamento inicialmente apresentado sanou as discrepâncias anteriormente invocadas.

De todo o modo, sublinhou a requerida que na medida em que se substitui ao promotor das obras de Urbanização, a requerente deve garantir a sua execução em conformidade com o projecto aprovado no âmbito do Processo de Licenciamento nº 205/2009-..., isto é, deve entregar as obras em perfeitas condições de execução e conservação; que a Autora deve estar obrigada a executar toda e qualquer obra que se revele necessária ao cumprimento do projecto, mesmo que na presente data, não sejam conhecidas e, por isso, não constem dos orçamentos, comunicações ou condicionantes de licenciamento; que relativamente à caução e de modo a garantir a boa execução da obra, a mesma deverá ser disponibilizada após a realização das obras e à medida que for comprovada a sua conformidade com o projecto pela requerida.

Aqui chegados, resulta pacífico que requerente e requerida estão de acordo quanto à verificação dos pressupostos necessários à emissão de autorização judicial para que ocorra a sub-rogação do requerente nas obrigações do promotor do loteamento e titular do Alvará de Loteamento nº ...0 e executar as obras de urbanização em falta, em conformidade com o projecto aprovado no âmbito do Processo de Licenciamento nº 205/2009-..., devendo entregar as obras em perfeitas condições de execução e conservação e que, relativamente à caução e de modo a garantir a boa execução da obra, a mesma deverá ser disponibilizada após a realização das obras e à medida que for comprovada a sua conformidade com o projecto.

Todavia, acrescenta a requerida que a requerente deve estar obrigada a executar toda e qualquer obra que se revele necessária ao cumprimento do projecto, mesmo que na presente data, não sejam conhecidas e, por isso, não constem dos orçamentos, comunicações ou condicionantes de licenciamento.

Acontece que os trabalhos necessários e definidos como tal pela CÂMARA MUNICIPAL ... e exigidos à promotora do loteamento, a Gaya Internacional, são aqueles que motivam o pedido de autorização judicial e não quaisquer outros que a requerida entenda virem a ser necessários, ficando na sua inteira disposição essa exigência, colocando, assim, a requerente numa inadmissível situação de incerteza que o mecanismo estabelecido no artº 85º do RJUE não contempla, tanto mais que a intervenção do terceiro interessado na execução das obras em falta, resulta do direito a sub-rogar-se na posição do promotor e, do citado preceito legal, o que decorre é que as obras a realizar sejam aquelas a que o terceiro se propõe e não todas as que a entidade requerida venha a considerar em falta.

Nestes termos, há que entender que o art.º 85.º do RGEU confere ao particular uma faculdade de sub-rogar-se na posição do titular do alvará, mas não obriga a que esta sub-rogação se faça com relação a todas as obras que a requerida venha a considerar em falta.

Aqui chegados, com a ressalva supramencionada, impõe-se julgar procedente o pedido formulado na presente acção.
*

V. Nestes termos, julgo a presente acção procedente e, consequentemente decide-se:

A) Autorizar a Requerente a promover directamente a execução das obras de urbanização, respeitantes e em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento do alvará de Loteamento nº...0;

B) Fixar como orçamento para a realização das obras aquele que foi apresentado pela R..., S.A., nº ...9, com as correcções constantes do orçamento nº 608A/19, no montante de €279 099,30, IVA incluído;

C) Seja colocada à ordem deste Tribunal até ao valor do orçamento referido, a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., indicada no Alvará de Loteamento nº ...0, emitido pela CÂMARA MUNICIPAL ..., com o intuito de responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento;

D) Na falta ou insuficiência da caução, os custos serão suportados pelo Município de ....

E) Decretar que a CÂMARA MUNICIPAL ... emita Alvará para a execução de obras por terceiro.

Sem custas– cf. nº 6 do artº 85º do RJUE.
(…)”

4. Com a data de 18.11.2021 foi proferido o seguinte despacho, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (ver despacho no SITAF):

“(…)
Em cumprimento da sentença proferida nos presentes autos, oficie a Companhia de Seguros A... S.A., para, no prazo de 10 dias, executando o seguro caução junto aos presentes autos, converter o valor de EUR 279.099,30 (duzentos e setenta e nove mil e noventa e nove euros e trinta cêntimos) em Documento Único de Cobrança e juntar o respetivo comprovativo aos presentes autos no prazo de 5 dias posteriores à data do pagamento, nos termos previstos nos arts. 9.º, n.º 1, 18.º e 22.º, n.º 3, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril.

Para cabal esclarecimento, junte cópia da sentença a fls. 221 e ss dos autos, bem como cópia da declaração de seguro caução junta aos autos.
*

Simultaneamente, com a notificação do presente despacho, advirta o Município de ..., aqui Requerido, de que, ao abrigo do art. 167.º, n.º 4, do CPTA, fica obrigado a cooperar com a Companhia de Seguros no sentido da execução do despacho precedente, caso se venha a revelar necessário diligenciar alguma formalidade adicional (cfr. Ac. do TCAN de 20.12.2019, proc. n.º 02824/18.3BEBRG, no sentido da aplicação das normas do CPTA ao meio processual previsto no art. 85.º do RJUE).
*

Uma vez que o despacho de 15.09.2021, a fls. 340 dos autos, fica desprovido de efeito face ao despacho que antecede, notifique o Requerido para, no prazo de 5 dias, se pronunciar quanto à perda de interesse no recurso apresentado a fls. 371 e ss.
(…)”

5. Por despacho de 21.12.2021 da Senhora Vice-Presidente do Município, por subdelegação, foi deferida a recepção provisória das obras e determinada a redução da caução para o valor de 27.909€93, mas se determinando a remessa à “DAJ, para procedimento em conformidade face à sentença” acabada de referir (ver documento junto com o requerimento de 10.02.2022 apresentado pelo Município.

6. Com a data de 12.03.2022 foi proferida a decisão recorrida com o seguinte teor (ver SITAF):

Requerimentos das partes de fls. 463 e ss e de 468 e ss:

Em 30.06.2020, foi proferida sentença nos presentes autos, tendo-se decidido, no segmento decisório, o seguinte:

“A) Autorizar a Requerente a promover directamente a execução das obras de urbanização, respeitantes e em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento do alvará de Loteamento nº...0;
B) Fixar como orçamento para a realização das obras aquele que foi apresentado pela R..., S.A., nº ...9, com as correcções constantes do orçamento nº 608A/19, no montante de €279 099,30, IVA incluído;
C) Seja colocada à ordem deste Tribunal até ao valor do orçamento referido, a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., indicada no Alvará de Loteamento nº ...0, emitido pela CÂMARA MUNICIPAL ..., com o intuito de responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento;
D) Na falta ou insuficiência da caução, os custos serão suportados pelo Município de ...;
E) Decretar que a CÂMARA MUNICIPAL ... emita Alvará para a execução de obras por terceiro.” (cfr. sentença a fls. 221 e ss dos autos).

Na sequência da prolação da sentença, o Requerido Município de ... veio juntar aos autos o original do Seguro Caução Contrato n.º ...01, emitido pela Companhia de Seguros A... S.A., e informar que a Câmara Municipal emitiu o Alvará de Licença de Obras de Urbanização ..., em nome da Requerente (cfr. requerimento a fls. 259 e ss dos autos).

Desde tal momento, a Requerente veio juntar aos autos vários requerimentos em que informa ter executado trabalhos integrados no orçamento junto aos autos, pedindo o respetivo pagamento (cfr. requerimentos a fls. 285 e ss, 301 ss, 325 e ss e 346 e ss dos autos).

Após a notificação inicial do Requerido para acionar a caução junta aos autos, tendo este manifestado o seu desacordo quanto a tal determinação, este Tribunal veio a determinar, após audição oral das partes, por entender estar em causa uma questão de ordem eminentemente prática, que se oficiasse diretamente a Companhia de Seguros A... S.A. no sentido da execução do seguro caução junto aos presentes autos (cfr. despacho de 18.11.2021, a fls. 405 e ss).

Em sequência de tal ofício, a Companhia de Seguros A... veio aos autos dizer que o contrato de seguro em causa nos autos não existe, tendo sido resolvido por falta de pagamento do prémio pelo tomador de seguro, do que a Câmara Municipal ... teria conhecimento desde 2018, conforme carta de que junta cópia (cfr. fls. 419 e ss).

Notificadas de tal ofício, vêm as partes, através dos requerimentos de fls. 463 e ss e 468 e ss, requerer que se ordene, junto da Companhia de Seguros A... S.A., a execução da caução junta aos autos, com vista ao pagamento das obras de urbanização executadas pela Autora.

Para tanto, invoca a Requerente desde logo a impossibilidade de resolução deste tipo de seguro caução, por falta de pagamento de prémio. Por seu turno, o Requerido vem invocar que estamos perante um manifesto expediente da Companhia de Seguros para se furtar ao cumprimento do que lhe é devido, uma vez que a apólice do seguro caução em questão é à primeira solicitação, como consta expressamente da mesma. Segundo propugna, conforme estipulado no art. 6.º do Decreto-lei n.º 183/88, de 24 de maio, o seguro de caução é uma alternativa às garantias bancárias, não sendo passível de resolução por falta de pagamento.

Notificada para o efeito, a Companhia de Seguros A... S.A. veio juntar aos autos as condições aplicáveis ao seguro caução, alegando não ter sido possível localizar a carta de anulação, mas juntando o movimento de contas que, segundo sustenta, permite verificar a existência de recibos pendentes (cfr. requerimento de fls. 477 e ss dos autos).

Foi ainda junto aos autos, por parte do Requerido, Auto de Vistoria para Receção Provisória das Obras de Urbanização (cfr. fls. 504 e ss dos autos).

Cumpre então analisar a procedência da pretensão das partes no sentido de este Tribunal ordenar a execução da caução.
*

Nos termos do art. 85.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, “Qualquer adquirente dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de frações autónomas dos mesmos tem legitimidade para requerer a autorização judicial para promover diretamente a execução das obras de urbanização quando, verificando-se as situações previstas no n.º 1 do artigo anterior, a câmara municipal não tenha promovido a sua execução.”

Os n.ºs 4 e 5 preveem, a este respeito, o seguinte:

“4 - Se deferir o pedido, o tribunal fixa especificadamente as obras a realizar e o respetivo orçamento e determina que a caução a que se refere o artigo 54.º fique à sua ordem, a fim de responder pelas despesas com as obras até ao limite do orçamento.

5 - Na falta ou insuficiência da caução, o tribunal determina que os custos sejam suportados pelo município, sem prejuízo do direito de regresso deste sobre o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia.”

Estamos no âmbito de um meio processual especial e atípico, que visa conceder autorização judicial a um terceiro para promover diretamente a execução das obras de urbanização (cfr. Ac. do TCAN de 20.12.2019, proc. n.º 02824/18.3BEBRG, in www.dgsi.pt).

Conforme decorre dos preceitos citados, em tal meio processual, prevê-se que a caução prestada seja colocada à disposição do tribunal, de modo a que as obras possam ser promovidas à custa do loteador (cfr. art. 85.º, n.º 4, do RJUE). Não obstante, nele se prevê também que, em caso de falta ou insuficiência da caução, seja o município a suportar os custos, embora tenha direito de regresso sobre o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia (cfr. art. 85.º, n.º 5, do RJUE).

Foi precisamente nesse sentido que se decidiu nos presentes autos, tendo-se autorizado a Requerente a promover diretamente a execução de obras de urbanização e tendo-se determinado que fosse “colocada à ordem deste Tribunal até ao valor do orçamento referido, a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A., indicada no Alvará de Loteamento nº ...0, emitido pela CÂMARA MUNICIPAL ..., com o intuito de responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento”, bem como que, “Na falta ou insuficiência da caução, os custos serão suportados pelo Município de ...” (cfr. sentença a fls. 221 e ss).

Sucede que, a partir do momento em que a Seguradora invoca a inexistência do contrato de seguro-caução, estamos perante circunstâncias que determinam a responsabilização do Município, em conformidade com a sentença, sem prejuízo do direito de regresso que este possa deter. Na verdade, decorre expressamente da sentença emitida nos autos a condenação do Município a suportar os custos das obras, perante a eventual falta ou insuficiência da caução (cfr. sentença a fls. 221 dos autos).

Entende-se que resolução do contrato suscitada pela Seguradora e contestada pelas partes constitui questão que não pode aqui ser discutidas. Sendo certo que o garante não carece de ser parte no processo judicial em causa para que se possa acionar uma garantia por si prestada, já não se afigura que este tribunal possa sindicar a validade da revogação de um contrato de seguro caução no âmbito do presente meio processual, em que desde logo não figura o promitente segurador como parte.

É que tal questão jurídica é inerente à relação jurídica entre o promitente e o credor beneficiário da garantia, a qual se traduz num direito de crédito deste em relação àquele, designada por relação de prestação (cfr. Ac. do TRL de 23.09.2008, proc. n.º 3033/2008-1, www.dgsi.pt).

A sua eventual resolução extravasa necessariamente o objeto do presente processo, em que o recurso à garantia existente constitui um mero expediente prático com vista a assegurar o pagamento das obras a executar por terceiro, não permitindo a discussão de questões que contendam com a validade ou existência de tal garantia, quer considerando a configuração processual, quer considerando o propósito do mecanismo previsto no art. 85.º.

O tribunal pode ordenar a execução da garantia, mas não se pode substituir ao Município, beneficiário do seguro caução, na sua relação com a Seguradora, resolvendo por mero despacho e sem que seja desencadeado processo judicial adequado para o efeito, questões jurídicas relacionadas com a validade e existência de tal garantia, por total ausência de base legal para o efeito.

Não se desconhece a douta decisão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferida no âmbito deste mesmo meio processual, que confirmou decisão judicial que havia ordenado a cobrança de garantia no âmbito do mecanismo previsto do art. 85.º do RJUE, com o seguinte teor parcial:

“(…)
Tal como sucede no processo executivo em geral, presume-se a existência e exigibilidade do direito garantido, dispensando-se, portanto, a prova desse direito por outros meios para além do próprio título que incorpora a caução, competindo ao garante o ónus de, posteriormente, alegar e provar todos os factos susceptíveis de demonstrar a inexistência ou inexigibilidade dessa sua obrigação.

Esta, de resto, não constitui sequer qualquer inovação em relação ao que se passa nas demais execuções em que é pedida a cobrança coerciva duma garantia bancária autónoma à primeira interpelação (on first demand), como se prevê que seja prestada nestes casos (artigo 54.º, n.º 2, do RJUE).

Também nessas hipóteses, posto que estejamos perante um documento legalmente aceite como título executivo, a instituição de crédito fica constituída na obrigação de pagar imediatamente, a simples pedido do beneficiário, sem poder discutir os fundamentos e pressupostos que legitimam o pedido de pagamento, designadamente, sem poder discutir o incumprimento do devedor. Aliás, em rigor, também não o deve fazer fora da acção executiva. Como é próprio daquelas garantias, o garante deve proceder ao pagamento da quantia garantida logo que para o efeito seja interpelado pelo beneficiário das mesmas. E isso, sem que, por regra, lhe seja legitimo discutir os pressupostos que condicionam o direito do beneficiário; isto é, sem que lhe seja legitimo opor a este último as excepções derivadas da sua relação com o garantido ou mesmo da relação base, entre o garantido e o beneficiário. Só em casos muito limitados essa discussão é possível: casos de ilicitude por violação da ordem pública, fraude manifesta ou abuso evidente, ou, então, extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade são alguns das hipóteses possíveis; mas, mesmo assim, só perante prova pronta (pré-constituída) e líquida da ocorrência de tais excepções.

Fora dessas hipóteses, o pagamento deve ser feito logo que pedido, com base no incumprimento. Não tanto porque o devedor (ordenante da garantia) também o devia fazer, mas sobretudo porque o garante se responsabilizou, justamente, pelo risco desse incumprimento.” (cfr. Ac. do TRP de 12.05.2015, proc. n.º 2186/13.5BVNGP1, in www.dgsi.pt).

Não obstante, entende-se que o raciocínio jurídico expendido em tal acórdão não é extensível à situação dos autos por duas ordens de razões.

Por um lado, estamos perante uma situação em que é invocada precisamente a extinção da garantia por resolução, que o Acórdão reconhece inserir-se num dos casos limitados em que a discussão se afigura possível.

Por outro, o raciocínio jurídico plasmado no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que vem citado assenta de forma basilar no valor executivo da garantia “on first demand”.

Ora, com a aprovação do Novo Código de Processo Civil através da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a garantia bancária à primeira solicitação perdeu a natureza de título executivo que o anterior Código lhe atribuía, face à redação do art. 703.º do CPC, em confronto com o anterior art. 46.º deste mesmo diploma (veja-se, neste sentido, a contrario, o Ac. do TRL de 28.02.2019, proc. n.º 6354/16.0T8FNC-A.L1-6, in www.dgsi.pt).

Tendo ocorrido uma alteração legal quanto a tal força executiva do título em causa, deixa de fazer sentido a equiparação de mecanismos jurídicos que consta daquele aresto e que levou, no nosso entender, aquele tribunal superior a concluir pela possibilidade de o tribunal determinar o acionamento da garantia ao garante, sem qualquer juízo de exigibilidade, no âmbito do mecanismo previsto no art. 85.º do RJUE.

Resta referir que é ao Município que são acometidas atribuições no âmbito do urbanismo e é no desenvolvimento das competências legais de que este dispõe para a prossecução de tais atribuições que sob o mesmo impende a obrigação de garantir devidamente as obras de urbanização, inclusivamente fazendo valer os seus direitos neste âmbito.

Recorrendo às palavras das autoras Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, a respeito da responsabilidade da câmara perante a falta ou insuficiência da caução, “Esta responsabilidade imputada à câmara municipal compreende-se por lhe caber a ela o cálculo correto da caução que garanta a execução das obras de urbanização e por lhe incumbirem, em geral, as tarefas necessárias a assegurar um adequado ambiente urbano.” (in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado. 4.ª Ed. Coimbra: Almedina, 2016, p. 592).

Acresce que, face ao escopo do mecanismo processual previsto no art. 85.º do RJUE, não se afigura curial fazer depender a pretensão de ressarcimento do terceiro autorizado à execução das obras do desfecho de questões jurídicas emergentes da referida relação de prestação a que é totalmente alheio.

De resto, nem os tribunais administrativos dispõem de competência material para conhecer a questão do incumprimento da obrigação de pagamento objeto do segurocaução por parte da Companhia Seguradora, uma vez que não está em causa um incidente ou um meio de defesa do réu, nos termos e para os efeitos do art. 91.º do CPC, mas antes uma questão alheia ao objeto e às partes da presente lide (cfr. Ac. do TRL de 09.07.2015, proc. n.º 328/14.2TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt).

Assim, à luz do que vem dito, perante a alegação da inexistência de contrato de seguro-caução por parte da Companhia de Seguros A... S.A., por falta de base legal e por incompetência deste tribunal para o efeito, indefere-se o requerido pelas partes, sem prejuízo da possibilidade que sempre assiste ao Município de fazer valer os direitos que invoca ao abrigo da garantia, em sede própria.

Mais se condena o Município a proceder ao pagamento dos trabalhos realizados pela Requerente nos termos determinados pela douta sentença proferida nos autos, conforme determinado na al. D) do segmento decisório de tal decisão, para o que se concede um prazo de 30 dias.
(…)”.
*

III - Enquadramento jurídico.

1. A redução da caução.

. Foi proferido pelo Relator deste recurso este despacho, com data de 07.06.2022:

“Ao elaborar projecto de acórdão, dei-me conta do seguinte:

Nas suas alegações, o Município de ..., ora Recorrente, refere que o valor da caução é 279.099€30 (cf. conclusão 24ª).

No entanto em 10.02.2022 apresentou requerimento a que anexou um despacho de 21.12.2021 da Senhora Vice-Presidente do Município, por subdelegação, a determinar a redução da caução para o valor de 27.909€93.

Existe assim, aparentemente, uma discrepância no valor apresentado agora e o valor referido nas alegações de recurso, em cerca de dez vezes menos.

Notifique, pois, o Recorrente para que esclareça qual o valor actual da caução.
(…)”

Em resposta a este despacho veio o Município Recorrente dizer.

“(…)

O Município de ..., Réu nos autos supra referidos em que é Autor N... LDA, notificado do despacho proferido pelo Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Relator para esclarecer o valor atual da caução vem dizer o seguinte:

- O valor da caução é de €279.328,19 (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte oito euros e dezanove cêntimos), conforme consta do original remetido ao Tribunal, através do requerimento ...73, de 09/11/2021, pelo que, desde já, se requer correção do lapso quando nas alegações se refere € 279.099,30.
- Esclareça-se ainda que a caução não foi reduzida, mantendo o seu valor, porquanto a mesma está a ser acionada na presente ação para suportar as despesas que a executora das obras e aqui A. teve com a realização das infraestruturas do loteamento que não foram efetuadas pelo promotor inicial da obra e segurada - G..., Lda, como determinou a sentença de 30 de junho de 2020.
- Com efeito, a caução está na posse do Tribunal e os requerimentos apresentados tinham em vista informar o Tribunal que as obras pelas quais a presente caução responde já foram efetuadas pela A. e recebidas provisoriamente.
- A referência à redução da caução constante da informação técnica e consequentemente do despacho do Sr. Vice-Presidente, efetivamente não está correta porquanto os serviços assumiram a receção das obras e as suas consequências legais à N..., nos termos dos artigos 540 e 87 do D.L. 555/99, de 16 de dezembro, como numa situação normal se tratasse, não tendo a técnica em atenção a especificidade e especialidade do procedimento na presente situação.
(…)”

Vejamos.

É irrelevante o que os serviços tenham assumido relativamente à caução e ao seu valor assim como a existência de qualquer incorrecção ou erro nos pressupostos de facto ou de direito da redução da caução.

Isto porque tal redução foi feita através de acto administrativo o despacho de 21.12.2021 da Senhora Vice-Presidente do Município, por subdelegação.

Acto este que, tanto quanto resulta dos autos e da própria informação do Município, não foi revogado ou anulado, pelo que se mantém na ordem jurídica.

E que foi proferido depois da sentença de 30.06.2020 e do despacho de 18.11.2021, ambos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

O caso julgado, melhor a autoridade do caso julgado, a impor-se, apenas abrangeria a situação dos autos se esta se tivesse mantido inalterada do ponto de vista dos factos, o que não sucedeu.

Quando foram proferidos quer a sentença quer o despacho acabados de referir a caução era de é e 279.328€19 (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte oito euros e dezanove cêntimos), mesmo admitindo a rectificação do alegado lapso invocado pelo Município Recorrente.

Mas quando foi proferida a decisão recorrida, em 12.03.2022, já tinha sido reduzida a caução, por acto de 21.12.2021, do próprio Município, beneficiário da caução, para 27.909€93 (vinte e sente mil novecentos e nove euros e noventa e três cêntimos). Acto este que tanto quanto resulta dos autos estava em vigor na ordem jurídica quando foi proferida a decisão recorrida.

Não existia, portanto, à data, decisão a impor-se com autoridade de caso julgado por referência ao valor original da caução, ao contrário do que pretende o Município Recorrente.

Para além de já não existir caso julgado a impor-se à decisão recorrida, por alteração posterior dos respectivos pressupostos de facto, esta mostra-se acertada, embora por diverso enquadramento jurídico, pelo menos na parte em que a caução que se pretende impor à Companhia de Seguros A... S.A. excede o valor de 27.909€93 (vinte e sente mil novecentos e nove euros e noventa e três cêntimos). Nessa parte excedente verifica-se, como decidido, a “inexistência de contrato de seguro-caução”, desde logo porque o objecto do contrato foi unilateralmente reduzido próprio Município, beneficiário da caução.

O que, logo por aqui, ditaria a improcedência, ao menos parcial, do recurso.

Em todo o caso, impõe-se a improcedência total do recurso pelo fundamento que se passa a analisar.

2. O caso julgado formado pela sentença de 30.06.2020 e pelo despacho de 18.11.2021.

O Município Recorrente pretende impor a execução da caução, pelo seu valor inicial, à Companhia de Seguros A..., invocando o caso julgado (a autoridade do caso julgado) formado com a sentença de 30.06.2020 e pelo despacho de 18.11.2021.

Sucede que nenhuma das decisões se pode impor a esta Companhia de Seguros pela simples e evidente razão de que até serem proferidas tais decisões a Companhia de Seguros não interveio como parte no processo.

E devia ter intervindo dado que a parte das decisões que lhe diz respeito impõe-lhe uma obrigação de fazer:

A obrigação de colocar à ordem do Tribunal a caução (alínea C) do dispositivo da sentença) e, em execução desta decisão, converter o valor da caução Documento Único de Cobrança.

Pelo que, claramente, era sujeito passivo na relação jurídica controvertida, e, portanto, parte legítima do lado passivo – n.º 1, do artigo 10º do Código de Processo Civil.

Veja-se a caução como título executivo ou não, certo é que à Companhia de Seguros deveria ter sido assegurado o princípio básico do contraditório, permitindo-lhe invocar o que tivesse por conveniente para se opor à execução da caução – n.ºs 1 e 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Por iniciativa do próprio Município, nos termos do disposto no n.º 10º do artigo 10º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respectiva intervenção no processo”.

E não se diga que não são oponíveis à execução da caução, no caso uma caução à primeira solicitação, nomeadamente, a resolução do contrato de seguro ou o não pagamento do prémio pelo tomador de seguro.

Essas são questões que se prendem com o mérito da acção na parte em que é dirigida contra a seguradora, e da oposição por parte desta, ou, se quisermos, de legitimidade substantiva, e não de legitimidade processual, sendo que a resolução da questão substantiva pressupõe já estar resolvida a questão adjectiva.

Inequivocamente, tendo sido deduzida uma pretensão contra a Companhia de Seguros A... esta é parte interessada na relação material controvertida e não “terceiro indiferente”.

Como se diz na decisão recorrida, não está em causa um incidente ou um meio de defesa do Réu, o Município, nos termos e para os efeitos do artigo 91.º do Código de Processo Civil.

Mas, ao contrário do decidido, não é uma questão alheia ao objecto do processo (aqui é pedida uma prestação por parte da Seguradora) nem é uma questão alheia ao próprio Município.

Por outro lado, a circunstância de ser matéria alheia à competência dos Tribunais Administrativos não impedia a intervenção no processo da Seguradora, por a competência e a legitimidade serem questões distintas e, no caso, separáveis, sendo que o conhecimento do objecto do presente processo poderia ser sobrestado até que o tribunal competente se pronunciasse sobre a matéria alheia à competência dos tribunais administrativos, a existência e validade da caução, ou ser conhecida dessa matéria para efeitos restritos ao presente processo – n.ºs 1 e 3, do artigo 15º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Pelo que não é oponível à Seguradora nem a sentença nem o despacho em que o Município Recorrente funda o presente recurso, por não se lhe imporem com a força de caso julgado.

Não deixa de ser curioso, de resto, que o Município Recorrente pretenda fazer-se valer de uma sentença que julgou totalmente procedente a acção que foi dirigida contra si e do despacho que deu execução a essa sentença.

Naturalmente por serem desfavoráveis a terceiro, neste caso a Companhia de Seguros A..., a quem não foi dada a oportunidade de assegurar a defesa dos seus interesses e o contraditório no processo.

Defesa que obrigatoriamente deveria ter sido assegurada por advogado – n.º1 do artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. Restantes questões suscitadas.

Improcedendo o recurso logo no seu fundamento essencial, o da existência de caso julgado pretensamente violado pela decisão recorrida – que não se verifica -, e não se encontrando no processo a parte a quem caberia exercer o contraditório relativamente às demais questões suscitadas, a existência, validade e suficiência da caução, fica prejudicado o respectivo conhecimento.

Isto porque independentemente da existência, validade e suficiência da caução, sempre seria ineficaz qualquer decisão que impusesse a respectiva execução à Seguradora por esta não figurar como parte nem na acção nem no recurso.

Pelo que sempre se imporia julgar improcedente o recurso, se não pela inexistência da caução, como foi decidido, pela ineficácia de qualquer decisão no processo sobre a execução da mesma, em relação à Seguradora, como acima se expôs.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 01.07.2022



Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre