Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01567/13.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/05/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:AGENTE DA P.S.P.; DESLOCAÇÃO; INTERESSE PÚBLICO;
N.ºS 2 E 3 DO ARTIGO 4º DA LEI 14/2002, DE 19.02;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI;
Sumário:1. O interesse público a que aludem as disposições combinadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 4º da Lei 14/2002, de 19.02 -, não é o interesse público em abstracto mas no caso concreto.

2. Não tendo ficado explicitado no caso concreto como e em que medida esse interesse público evidente de “organizar os serviços de forma a dar-lhes maior eficácia” exigia que fosse o autor a ser deslocado e não outro agente da P.S.P. em condições idênticas deve dar-se por violado o dever de fundamentação do acto e o vício de violação deste preceito.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», e a ASAPOL – Associação Sindical Autónoma de Polícia, vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., de 08.11.2021, pela qual foi julgada improcedente a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo que intentaram contra a Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública e o Ministério da Administração Interna, para declaração de invalidade do despacho proferido pelo Comandante do Comando Distrital de ... da Policia de Segurança Pública, que determinou a colocação do Autor na subunidade da Divisão Policial de ... AO/SOJ a partir de 15 de Junho de 2013 e, com a declaração de invalidade do acto impugnado, a colocação do Autor no seu lugar de origem.

Invocaram para tanto, em síntese, que o acto impugnado padece do vício de falta de fundamentação e, ao contrário do decidido na sentença recorrida, ao contrário do decidido do decidido na sentença recorrida, não pode ser aproveitado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O Recorrente é Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, desempenhando funções no Comando Distrital de ....

2. O Recorrente é delegado sindical da Associação Autónoma de Polícia de ....

3. O Recorrente desempenhou funções na estrutura Investigação criminal da Divisão de ... da PSP até 15/06/2013.

4. Por despacho 22GDN2012 foi determinado ajustar o efetivo da Investigação Criminal do Comando Distrital de ....

5. O Recorrente foi informado, verbalmente, da transferência do local de serviço para a AO/SOJ da Esquadra de ..., com efeitos a 15 de junho de 2013.

6. O Recorrente manteve as mesmas funções, a mesma categoria profissional, a mesma remuneração e o mesmo horário laboral.

7. O Recorrente e as Associações sindicais não foram ouvidos previamente a prolação dos despacho que determinou a sua colocação/transferência.

8. O ato impugnado padece de falta de fundamentação, reconhecido pelo Tribunal a quo.

9. Não obstante a sentença em crise reconhecer que o ato padece de falta de fundamentação, o que levaria à sua anulação, considera que o ato administrativo foi proferido de acordo com as normas legais que se lhe aplicam, não violando o normativo invocado pelos Autores.

10. E, em consequência deverá ser aplicado o princípio do aproveitamento do ato.

11. O Recorrente, com o devido respeito, manifesta total discordância com a decisão, pois o ato administrativo proferido pelo Comandante do Comando Distrital de ... que ordenou a transferência do Recorrente não está fundamentado de direito e não respeitou o art.° 4 da Lei n.° 14/2002, de 19 de fevereiro.

Mais,

12. O princípio do aproveitamento do ato administrativo que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, positivado no artigo 163.°, n.° 5 do CPA «consiste na desculpabilização dos vícios de que o ato padece pela Administração ou pelos tribunais», persistindo o ato impugnado não obstante o vício que o inquina, gerando efeitos jurídicos válidos

13. Acontece que, não sendo seguro que a decisão administrativa a proferir só pode ser aquela que concretamente foi proferida através do ato anulável, NÃO PODE HAVER LUGAR À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ATO.

14. O vício da violação da lei, deriva da inobservância dos preceitos do Código do Procedimento Administrativo.

15. Facilmente se depreende que a decisão que levou à transferência do Recorrente de serviço, padece de objetividade e de critérios, sem prescindir da falta de fundamentação no que ao interesse público diz respeito.

16. O ato praticado padece de vícios geradores de anulabilidade, pelo que perante os vícios geradores de anulabilidade, anulado deverá ser o ato, devendo os Réus praticar novo ato, expurgando os vícios de que padece a decisão impugnada: falta de fundamentação de facto e de direito, a falta de acordo expresso do Recorrente e a falta de audição da associação sindical e a falta de fundamentação do manifesto interesse público.

Termos em que, ao recurso deve ser concedido provimento e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, anulando os atos impugnados, condenando-se os Réus à prática do novo ato, expurgado dos vícios da falta de fundamentação e violação da lei.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

a) O Autor é efectivo da Policia de Segurança Pública, integrado na carreira de agente de polícia, na categoria de Agente Principal, a desempenhar funções no Comando de Policia de ... (acordo das partes);

b) Até 15-06-2013, o Autor desempenhou funções na Estrutura Investigação Criminal da Divisão de ... da Polícia de Segurança Pública (acordo das partes).

c) O Autor é delegado sindical da Associação Sindical Autónoma de Policia em ... (cfr. doc. ... junto com a petição inicial).

d) O Autor foi informado, verbalmente, da transferência de local de serviço para a AO/SOJ da Esquadra de ... (não impugnado);

e) Pelo Despacho 22GDN2012, classificado de confidencial, foi determinado ajustar o efectivo da Estrutura de Investigação Criminal do Comando Distrital de ... (cfr. fls. 1 do processo administrativo);

f) O Despacho, referido em d), deu origem ao Despacho GC 1/2013, publicado na Ordem de Serviço nº ...13, de 30 de Janeiro de 2013, determinando a redução do efectivo da Estrutura de Investigação Criminal do Comando Distrital de ... de 92 para 84 elementos, incluindo o pessoal da investigação criminal rodoviária os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 1 do processo administrativo).

g) Em 11 de Junho de 2013, foi elaborada, pelo Júri nomeado para o efeito, lista ordenada de classificação da Estrutura de Investigação Criminal da Esquadra de Investigação Criminal da Divisão Policial de ... (cfr. acta nº ... a fls. 18 do processo administrativo).

h) O Autor consta na lista referida em g) em 22º lugar (cfr. fls. 18 verso do processo administrativo).

i) Em 24 de Maio de 2013, o Comandante do Comando Distrital de ... proferiu o Despacho GC 6/2013, publicado na Ordem de Serviço nº ...1, de 27 de Maio de 2013, do Comando Distrital de ..., publicando o efectivo da Estrutura de Investigação Criminal da Divisão de ..., os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 49 do processo administrativo).

j) Em data não especificada, foi determinado, pelo Comandante do Comando Distrital de ..., a colocação/transferência do Autor, com efeitos a 15 de Junho de 2013, na Secção de Operações e Informações da Divisão Policial de ... (AO/SOJ), (cfr. fls. 53 do processo administrativo).

k) O acto referido em j) foi publicado na Ordem de Serviço nº ...6, de 5 de Julho de 2013 (cfr. fls. 52 e 53 do processo administrativo).

l) O Autor manteve as mesmas funções, a mesma categoria profissional, a mesma remuneração e o mesmo horário laboral (cfr. oficio nº ...13 junto ao processo administrativo e acordo das partes).

m) A Secção de Operações e Informações da Divisão Policial de ... funciona no mesmo edifício que a Estrutura de Investigação Criminal da Divisão de ... (acordo das partes);

n) O Autor não foi ouvido previamente à prolação do despacho referido em j) (acordo das partes);

o) As Associações sindicais não foram ouvidas previamente à prolação do despacho referido em j) (acordo das partes).

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da sentença recorrida, na parte aqui relevante:

“(…)

a) Falta de fundamentação

O art. 124º, nº 1 alínea e) do CPA, à data da prática do acto em questão, estipula um claro dever de fundamentar os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.

Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto.

A fundamentação consiste, assim, em exteriorizar os motivos do acto, tanto os que são de direito e que configuram a base legal, como os motivos de facto que provocam a actuação administrativa.

A fundamentação permite e facilita o controle da legalidade do acto na impugnação deste, administrativa ou contenciosamente (neste sentido cf. “Código de Procedimento Administrativo”, Anotado e Comentado, 4ª Edição, pag. 607, José Manuel Santos Botelho, Américo Joaquim Pires Esteves e José Cândido de Pinho).

O dever de fundamentação expressa dos actos administrativos tem uma tripla justificação racional: habilitar o interessado a optar conscientemente entre conformar-se com o acto ou impugná-lo; assegurar a devida ponderação das decisões administrativas e permitir um eficaz controlo da actuação administrativa pelos tribunais.

Dispõe o art. 125º do CPA que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto”.

Por seu turno o nº 2 do mesmo preceito dispõe que “Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentação que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.

Assim, o acto deve conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão.

Tal exposição não tem de ser prolixa, todavia ela deve ser de molde a permitir ao destinatário do acto a perfeita reconstituição do “iter cognoscitivo” percorrido pela entidade decisora.

Torna-se, pois, necessário que a fundamentação seja suficiente para que o seu destinatário conheça as premissas do acto e se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório.

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação (neste sentido cf. Ac. do STA, processo 0927/07 de 16/04/2008, in: www.dgsi.pt.).

In casu, o acto administrativo notificado ao Autor, constante da Ordem de Serviço nº ...6, tem o seguinte teor, na parte relevante para a decisão a proferir: “(...) COLOCAÇÃO DE ELEMENTOS NAS SUBUNIDADES

1. Agentes e Agentes principais

Na sequência do Despacho nº GC 6/2013, publicado na O.S. nº 61, deste CD, em 27.05.2013, deixaram de integrar a EIC da Divisão de ..., com efeitos a 15JUN2’13, os elementos abaixo indicados, sendo colocados com efeitos à data referida, nas respectivas subunidades da Divisão Policial de ... (...) «AA»...Agente Principal...AO/SOJ (...)”.

Será que a informação constante desta Ordem de Serviço preenche os requisitos vertidos no artigo 125º do CPA no que tange aos requisitos da fundamentação?

Consideramos que a resposta é negativa.

De facto, analisando os elementos ali identificados, ficamos a conhecer a razão de facto da decisão de colocar o primeiro Autor num outro serviço ao qual ele não estava afecto até então, ou seja, ficamos a saber que o primeiro Autor foi colocado na subunidade da Divisão Policial na sequência do Despacho nº GC 6/2013, mas a simples remissão para este Despacho, como é feita na decisão impugnada, não é suficiente para um cidadão médio apurar correctamente porque a sua situação laboral é alterada por aquele despacho e porque ficou colocado naquela subunidade e não em outra.

Para cumprir a exigência legal da fundamentação do acto não basta fazer uma mera referência ao seus fundamentos, sendo necessária a concretização factual que se ponderou para tomar a decisão, isto é, “ para cumprir a exigência legal não basta, contudo, que se indiquem e exponham as razões factuais e jurídicas que se ponderaram ao tomar a decisão. É necessário que com elas se componha um juízo lógico-jurídico – tendencialmente subsuntivo...- de permissa maior e menor, das quais saia “mecanicamente”, aquela conclusão: a fundamentação deve revelar claramente qual foi o iter lógico, o raciocínio do autor do acto para, perante a situação concreta do procedimento, tomar aquela decisão.”(cfr. CPTA, comentado, Mário Esteves de Almeida, pág. 602).

É pois imprescindível que se componha um juízo lógico-jurídico que leve à conclusão que foi tomada no acto praticado.

É este iter lógico que não conseguimos apurar através do acto praticado.

Ao não o fazer o acto em crise não se mostra suficientemente fundamentado, o que equivale à falta de fundamentação.

Assim sendo, e face ao exposto, outra conclusão não podemos retirar senão a de que o acto não se encontra devidamente fundamentado, violando como tal o disposto no art. 124º e 125º do CPA, sendo como tal, em princípio, anulável.

***

b) Violação de Lei

Pensamos que aqui não têm razão os Autores.

O artigo 4º da Lei nº 14/2002, de 19/2, que regula o exercício da liberdade sindical e os direitos de negociação colectiva e de participação do pessoal da Polícia de Segurança Pública [PSP], estabelece no seu nº 2 para os membros dos corpos gerentes e os delegados sindicais, na situação de candidatos ou já eleitos, a garantia de não poderem ser transferidos do local de trabalho sem o seu acordo expresso e sem audição da associação sindical respectiva, situação que é ressalvada no nº 3 quando manifesto interesse público, devidamente fundamentado, o exigir e enquanto este permanecer.

Resulta do probatório supra que o primeiro Autor é efectivo da Policia de Segurança Pública, integrado na carreira de agente de polícia, na categoria de Agente Principal, que é delegado sindical da Associação Sindical Autónoma de Policia em ... e que, até 15-06-2013, desempenhou funções na Estrutura Investigação Criminal da Divisão de ... da Policia de Segurança Pública, data em, na sequência de Despacho do Comandante do Comando Distrital de ..., sem audição dos Autores, passou a integrar a Secção de Operações e Informações da Divisão Policial de ... (AO/SOJ).

Ora, à primeira vista, seria de considerar que o despacho aqui em causa viola o disposto no nº 2 do art. 4º, supra referido, uma vez que ao alterar o local de trabalho do primeiro Autor, sem audição do próprio e da Associação Sindical, violaria a garantia de os delegados sindicais não poderem ser transferidos do local de trabalho sem o seu acordo expresso e sem audição da associação sindical respectiva.

Mas, acontece que o nº 3 deste mesmo art. 4º da Lei nº 14/2002, de 19/2 ressalva a situação de manifesto interesse público, devidamente fundamentado, exigir a transferência do Agente/delegado sindical, e enquanto o interesse público permanecer, sem audição do próprio ou da Associação Sindical.

Resulta do probatório supra que o despacho em questão teve origem no Despacho GC1/2013, que, por sua vez, nasceu do Despacho 22GDN2012, classificado de confidencial, no qual foi determinado ajustar o efectivo da Estrutura de Investigação Criminal do Comando Distrital de ....

Ora este último Despacho referido, e todos os despachos subsequentes, nomeadamente o despacho aqui impugnado, foram emitidos pelos Réus, no âmbito de um procedimento interno, de afectação de recursos humanos, destinado a organizar os serviços de forma a dar-lhes maior eficácia para a prossecução dos interesses públicos que se encontram atribuídos à PSP e também para a realização do interesse público de eficaz gestão dos serviços públicos.

Desta forma, o despacho impugnado foi proferido para prossecução de um interesse público, devidamente fundamentado, pelo que a sua emissão não tinha que ser precedida da audição do primeiro Autor e da Associação Sindical.

Assim, consideramos que o Despacho em questão não violou o disposto no nº 2 do art. 4º da Lei nº 14/2002, de 19.02 por se integrar no âmbito do poder atribuído pelo nº 3 do mesmo dispositivo legal.

Acresce que a liberdade sindical e o direito de participação sindical do primeiro Autor não saíram beliscados do teor do Despacho ora impugnado considerando que este continuou a exercer funções no mesmo edifício e no mesmo horário, pelo que o seu direito de contacto com os colegas sindicalizados não ficou diminuído pela sua transferência de serviço.

Pelo exposto, o acto impugnado não padece do vício de violação de lei.

c) Princípio do aproveitamento do acto dministrativo

Conforme referido supra, analisado o acto impugnado, consideramos supra que o mesmo padece de falta de fundamentação, o que levaria à sua anulação, mas, acontece, que este acto administrativo foi proferido de acordo com as normas legais que se lhe aplicam, não violando o normativo invocado pelos Autores.

Vejamos.

A jurisprudência tem entendido que «o tribunal pode negar relevância anulatória ao vício» se ficar convencido que «sendo o acto vinculado, o seu conteúdo seria sempre o que foi, mesmo que os vícios não existissem (cfr. Ac. do STA, de 07.02.2002, processo n.º 46611 e CJA, n.º101, Set./Out. 2013, pág.65.).

Assim, é admissível o aproveitamento do acto administrativo, consistindo este aproveitamento “na desculpabilização dos vícios de que o acto padece pela Administração ou pelos tribunais», mantendo-se o acto impugnado na ordem jurídica não obstante o vício que o inquina, gerando efeitos jurídicos válidos (cfr. Autoridade e Liberdade Na Teoria do ato Administrativo, Luiz S. Cabral de Moncada, Coimbra Editora, pág.446.).

De acordo com este princípio do aproveitamento do acto administrativo não se justifica a anulação de um acto, mesmo que enferme de um vício de violação de forma, quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja protecção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo.

Isto é, nos casos em que se apura, em concreto, como sucede nestes autos, que não ocorreu uma lesão dos direitos procedimentais dos interessados, por a sua intervenção no procedimento não poder ter virtualidade, à face da lei, para influenciar o sentido da decisão, não se justifica a anulação do acto ( cfr. Ac. do STA de 22.02.2007, processo n.º 0161/2007, in www.dgsi.pt).

De acordo com o exposto no Ac.do STA, de 20.06.2012, processo n.º 1013/11, in www.dgsi.pt, “o tribunal pode não anular um acto inválido por vício de forma quando for seguro que a decisão administrativa não pode ser outra, ou seja, quando em execução do efeito repristinatório da sentença não existir alternativa juridicamente válida que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação”.

Ora, de acordo com esta jurisprudência maioritária não se anula o acto impugnado nestes autos por vício de falta de fundamentação, uma vez que seria a prática de um acto inútil.

5 – DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a presente acção administrativa especial improcedente, e, em consequência, absolvem-se os Réus do pedido.

(…).

Não se pode manter esta decisão, adianta-se.

A sentença recorrida padece, de resto, de uma contradição nos termos.

Começa por afirmar, quanto ao primeiro vício, de falta de fundamentação, que este vício procede porque:

“Para cumprir a exigência legal da fundamentação do acto não basta fazer uma mera referência ao seus fundamentos, sendo necessária a concretização factual que se ponderou para tomar a decisão, isto é, “ para cumprir a exigência legal não basta, contudo, que se indiquem e exponham as razões factuais e jurídicas que se ponderaram ao tomar a decisão. É necessário que com elas se componha um juízo lógico-jurídico – tendencialmente subsuntivo...- de permissa maior e menor, das quais saia “mecanicamente”, aquela conclusão: a fundamentação deve revelar claramente qual foi o iter lógico, o raciocínio do autor do acto para, perante a situação concreta do procedimento, tomar aquela decisão.”(cfr. CPTA, comentado, Mário Esteves de Almeida, pág. 602).

É pois imprescindível que se componha um juízo lógico-jurídico que leve à conclusão que foi tomada no acto praticado.

É este iter lógico que não conseguimos apurar através do acto praticado.

Ao não o fazer o acto em crise não se mostra suficientemente fundamentado, o que equivale à falta de fundamentação”.


Para depois concluir, em relação ao vício de violação do disposto no n.º2 do artigo 4º da Lei 14/2002, de 19.02 que:

(…)
Mas, acontece que o nº 3 deste mesmo art. 4º da Lei nº 14/2002, de 19/2 ressalva a situação de manifesto interesse público, devidamente fundamentado, exigir a transferência do Agente/delegado sindical, e enquanto o interesse público permanecer, sem audição do próprio ou da Associação Sindical.

Resulta do probatório supra que o despacho em questão teve origem no Despacho GC1/2013, que, por sua vez, nasceu do Despacho 22GDN2012, classificado de confidencial, no qual foi determinado ajustar o efectivo da Estrutura de Investigação Criminal do Comando Distrital de ....

Ora este último Despacho referido, e todos os despachos subsequentes, nomeadamente o despacho aqui impugnado, foram emitidos pelos Réus, no âmbito de um procedimento interno, de afectação de recursos humanos, destinado a organizar os serviços de forma a dar-lhes maior eficácia para a prossecução dos interesses públicos que se encontram atribuídos à PSP e também para a realização do interesse público de eficaz gestão dos serviços públicos.

Desta forma, o despacho impugnado foi proferido para prossecução de um interesse público, devidamente fundamentado, pelo que a sua emissão não tinha que ser precedida da audição do primeiro Autor e da Associação Sindical.

Assim, consideramos que o Despacho em questão não violou o disposto no nº 2 do art. 4º da Lei nº 14/2002, de 19.02 por se integrar no âmbito do poder atribuído pelo nº 3 do mesmo dispositivo legal.

(…)”.

Ou seja, na decisão recorrida afirma-se que o acto não está devidamente fundamentado para logo a seguir dizer que o interesse público subjacente foi devidamente fundamentado.

A conclusão forçosa de se ter por verificado o vício de falta de fundamentação – que indiscutivelmente se verifica - é dar como verificado o vício de violação do disposto no n.º2 do artigo 4º da Lei 14/2002, de 19.02 que exige a devida fundamentação do interesse público.

De resto todo o acto administrativo tem subjacente um interesse público que, em abstracto, é normalmente percetível. A dar-se como bastante ser perceptível o interesse público subjacente a um acto administrativo então nunca haveria falta de fundamentação.

A questão da fundamentação do acto que no que diz respeito à norma em apreço resulta do princípio geral consignado no artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo, mas também da própria norma - constante das disposições combinadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 4º da Lei 14/2002, de 19.02 -, não se coloca ao nível da leitura em abstracto do preceito invocado, mas ao nível da sua aplicação ao caso concreto.

E no caso concreto não ficou explicitado como e em que medida esse interesse público evidente de “organizar os serviços de forma a dar-lhes maior eficácia” exigia que fosse o Autor a ser deslocado e não outro agente em condições idênticas.

O que implica ter-se por verificado também o vício de violação deste preceito pela falta de acordo do interessado e de audiência deste e do sindicato respectivo porque a dispensa deste acordo e audição não encontra suporte legal, o interesse público devidamente fundamentado.

Do que se conclui também pela verificação do vício de violação disposto no n.º2 do artigo 4º da Lei 14/2002, de 19.02, por falta de concretização do “interesse público” subjacente, com prejuízo da análise dos vícios de falta de acordo do visado e de audiência deste e do seu sindicato.

O que implica a revogação da decisão recorrida e a total procedência do recurso e da acção.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção totalmente procedente e condenam os Réus nos seus precisos termos.

Custas em Primeira Instância pelos Recorridos.

Não é devida tributação no recurso por não terem sido apresentadas contra-alegações.


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Porto, 05.05.2023


Rogério Martins
Conceição Silvestre
Luís Migueis Garcia, vencido conforme voto que se segue:

Não enquadro a situação de facto como violadora da garantia dada pelo disposto no art.º 4º da Lei n.º 14/2002, de 19/02, pois não desrespeita ao que por aí se quer conferir protecção, quanto ao "lugar de trabalho"; pelo que negaria provimento ao recurso, confirmando a improcedência da acção.

Porto, 05/05/2023