Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02404/07.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS 2002, 2003; ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO E ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO; VALOR DO CUSTO DAS MERCADORIAS VENDIDAS;
CUSTOS GERADORES DE RENDIMENTO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL
Sumário:I. Não se conformando a Recorrente com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, de que o ato de liquidação oficiosa fez uma incorreta aplicação do direito ao caso concreto, assim violando normas substantivas de direito tributário, o erro que pretende assacar à mesma é um erro de julgamento de direito, e não de facto.

II. Nem é pela circunstância de a fundamentação do ato de liquidação constar da decisão de facto da sentença recorrida – aliás, corretamente, visto que se trata de um elemento fulcral do procedimento administrativo (documental) de formação do ato administrativo de liquidação oficiosa aqui em causa - que tal erro se “transmuta” num erro de julgamento de facto, pois a fundamentação do ato de liquidação oficiosa não constitui um qualquer “facto consumado” cuja legalidade esteja a salvo do escrutínio e apreciação dos Tribunais.

III. A invocação de um (verdadeiro) erro de julgamento de facto implicaria necessariamente, desde logo, que a Recorrente cumprisse o ónus de especificação que é imposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º CPPT, e que, não o tendo feito, o seu recurso fosse imediatamente rejeitado.

IV. O valor do custo das mercadorias vendidas, no âmbito do POC então em vigor, era afetado pelo valor das existências iniciais, correspondendo à diferença entre o valor resultante da soma das existências iniciais e compras e o valor das existências finais retificadas pelo impacto de eventuais regularizações.

V. Não podia, por isso, ser ignorado o impacto da correção do valor das existências iniciais no apuramento do custo das existências vendidas, como sucedeu, sob pena de, desta forma, se introduzir um enviesamento desfavorável aos Recorridos nos valores contabilizados.

VI. Os custos (da obra) geradores do rendimento não devem, no caso, ser considerados relativamente às áreas expropriadas, as quais, tal como resulta provado, não foram sujeitas a quaisquer obras de loteamento e infraestruturas, não tendo assim gerado rendimentos referente aos custos em questão.

VII. Tendo-se concluído que a correção referente a 2002 padece de erro nos respetivos pressupostos, tal constatação não pode deixar de afetar a correção referente a 2003, atendendo a que os valores (erradamente) apurados para as existências finais de 2002 correspondem aos valores das existências iniciais a que os SIT recorreram para proceder ao cálculo das correções referentes ao exercício de 2003.

VIII. Nada resultado explicitado no RIT sobre os motivos que levaram os SIT a levar em consideração a circularização efetuada entre os compradores de imóveis para procederem à correção do valor da venda de (apenas) algumas das frações, e não de outras, andou bem a sentença recorrida ao considerar procedente o vício de falta de fundamentação substantiva do ato de liquidação, pois é à ATA que cabe o ónus de sustentar os motivos pelos quais a avaliação direta não é possível [cf. alínea b) do n.º 1 do art. 87.º e art. 88.º da LGT].*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A. E OUTRA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. RElatório

A Representação da Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2018-06-14 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial em que são impugnantes A. e D., anulando as liquidações adicionais de Imposto sobre as Pessoas Singulares (IRS), com o n.º 2006 5002260741, relativa ao ano de 2002, no montante de EUR 2101362,70 e respetivos juros compensatórios e com o n.º 2006 500226920, relativa ao ano de 2003, no montante de EUR 1.662.150,40 e respetivos juros compensatórios, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial, anulando as liquidações adicionais de Imposto sobre as Pessoas Singulares (IRS), com o n.º 2006 5002260741, relativa ao ano de 2002, no montante de € 2 101 362.70 e respectivos juros compensatórios e com o n.º 2006 500226920, relativa ao ano de 2003, no montante de € 1 662 150.40 e respectivos juros compensatórios.
B. Na decisão proferida, o Tribunal a quo apreciou o vício de falta de fundamentação das correcções meramente aritméticas à matéria colectável – categoria B, o erro nos pressupostos quanto às correcções relativas a custo das existências vendidas e variação de produção (anos de 2002 e 2003), o erro na qualificação das correcções como “correcções técnicas”; a falta de fundamentação das correcções à categoria E; e Métodos indirectos – falta de fundamentação, decidindo pela procedência dos vícios identificados em ii), iv) e v), ficando assim prejudicado o conhecimento do vicio identificado em v), na parte relativa ao erro na quantificação, nos termos do art. 608.º n.º 2 do CPC, ex vi art. 2.º alínea e) do CPPT, e consequentemente pela procedência da presente impugnação, anulando as liquidações impugnadas.
C. O Tribunal a quo, no que respeita ao vício “Erro nos pressupostos quanto às correcções relativas a custo das existências vendidas e variação de produção (anos de 2002) ”, concluiu que, se de acordo com o representado no Quadro 19, a fls. 15 do RIT, os SIT deduziram os custos no valor de € 4 791 600,75 ao valor acumulado de € 21 627 287,30 que resultou do Quadro 14, a fls. 12 do RIT, e comportando este último uma imputação de custos no valor de € 2 776 316,17, conforme Quadro 14, a fls. 12 do RIT- (€ 21 627.287,30 = € 18 850 971,13 + € 2 776 316,17) - que, posteriormente face à informação prestada pelo impugnante, foi corrigida pelos SIT para € 4 791 600,75, também deveriam ter rectificado, o valor de acumulado em 31.12.2002, de € 21 627 287,30.
D. O impugnante, em 2001, foi objecto de um outro procedimento inspectivo, conforme referido a fls. 11 e 12 do RIT, onde, à semelhança do posteriormente verificado em 2002 e 2003, foram detectadas deficiências ao nível da imputação de custos às obras e da relevação contabilística das existências finais das obras em curso, situação que despoletou uma correcção à Ef das OEC, em 31.12.2001, para € 18 850 971.13 (antes € 14 231 688.29), valor que transitou para 2002 como Ei, em 01.01.2002.
E. Por força, das mencionadas deficiências encontradas na imputação de custos às obras e consequente irregularidade na mensuração das Ef, em 2002, foram efectuadas as seguintes correcções, de acordo com o exposto a fls. 12 a 16, do RIT: CEVMC – € 4 373 610.50 e PAC - € 2 680 723.23.
F. As correcções à imputação de custos às obras, com consequente reflexo na VP, advieram das alterações da correcção verificada na Ei de 2002, por força da correcção à Ef de 2001 e dos custos imputados às obras (fracções/lotes) vendidas pela impugnante, no exercício da sua actividade.
G. Explicando, o Quadro 11, a fls. 10 do RIT, reflecte os valores extraídos da CC do impugnante e que representam os montantes de MP, de FSE, cujo total, por obra, o impugnante fez reflectir na sua contabilidade geral, a título de Custos (Gastos) incorridos no exercício.
H. Tratando-se de obras em curso, uma das grandezas mais importantes nesta vertente, é o cálculo da VP, que reflecte a diferença algébrica entre as Ef’s e as Ei’s dos PAI (conta POC 33), de SDRR (conta POC 34), dos PTC (conta POC 35), tendo ainda em conta, o movimento registado em RE” (conta POC 38), conforme POC – em vigor à data.
I. Esta VP resulta, assim, no caso em análise e face aos elementos da contabilidade, da Ei de PA e de PTC (contas POC 33 e 35), acrescida do montante de custos que, durante o exercício, são imputados aos mesmos PA e PTC (Quadro 14, a fls. 12 do RIT), subtraído dos custos imputados à obra vendida (por constituírem custos efectivos do exercício), por unidade/fracção/lote, assim em 2002, a Ei de PA e PTC ascendia, após correcção ocorrida no exercício de 2001, a € 18 850 971.13.
J. Dos elementos da CC do impugnante verificou-se que em 2002, na imputação de custos, às OEC - e que consta no Quadro 14 do RIT, a fls. 12 -, onde se pode observar, no que toca aos Lotes 10 e 11 e à Urbanização (...), compostos pelos empreendimentos supra identificados, a contabilidade apenas reflectia os valores globais e não empreendimento a empreendimento, pelo que a convite dos SIT, o impugnante veio discriminar, fracção a fracção, o respectivo custo, constatando-se que valor total atribuído, por aquele às obras, concluídas e vendidas, diferia do valor constante na CC, em € 703 599.13 (Quadros 15 e 14, do RIT, fls. 12 e 13 do RIT).
K. Relativamente aos lotes de terreno para construção, Business Park, alvarás 2/2002 e 7/2002, processo 15-L/2001 e 16-L/2001, respectivamente, igualmente vendidos, verificou-se que o montante dos consumos imputados às obras, não correspondia ao montante que seria de imputar, caso o impugnante o tivesse efectuado de acordo a percentagem da área vendida sobre a área total, procedendo-se à respectiva correcção, da qual resultou uma imputação de custos à obra vendida no montante de € 4 791 600.75 (€ 116 716.24 + 1 201 048.96 + 3 473 835.55), quando a contabilidade mostrava, no total, € 698 473.53.
L. As referidas correcções tiverem por base o facto de a informação prestada pelo impugnante ser distinta da observada através da contabilidade bem como algumas deficiências graves, que a contabilidade apresentava mormente o desconhecimento do Critério Valorimétrico das Existências, a inexistência de Orçamentos, Contratos de Empreitada, Autos de Medição, e Contratos Promessa, motivo pelo qual se chegou a uma VP (€ 2 015 284.58) diferente da deduzida pelo impugnante (€ 665 438.65), a qual influenciou negativamente o total dos proveitos conforme Quadro 31, a fls. 22 do RIT.
M. Os SIT apuraram o montante das obras em curso no final de 2002, de € 16 835 686.55, deduzindo ao valor acumulado de € 21 627 287.30, o valor de € 4 791 600.75, conforme Quadro 19, fls. 15, do RIT, todavia, o valor de € 21 627 287.30, representado no Quadro 14, fls. 12, do RIT, traduz o valor acumulado a 31.12.2012, que resulta da soma do montante inicial das existências (obras em curso), no montante de € 18 850 971.13, com o valor de imputação de custos às obras de 2002, no montante de € 2 776 316.17 - este último obtido através da CC apresentada pelo impugnante, conforme demonstrado no Quadro 11, a fls. 10 do RIT.
N. A CC, elaborada de forma acessória não demonstrava a determinação dos custos ocasionados pelo funcionamento dos seus diversos departamentos/produtos, pois não considerava a imputação às “fracções vendidas”, centros de custo por excelência de uma contabilidade de custos, dos gastos ocorridos com as mesmas.
O. Deste modo, os SIT procederam, com base na informação prestada pelo impugnante, às correcções de natureza meramente aritmética, quer aos rendimentos/proveitos, quer aos gastos/custos, nestes últimos por força das divergências verificadas na imputação às obras, suprindo dessa forma a lacuna referente à informação sobre a obra vendida, fundamental para a determinação dos gastos da produção vendida e da produção em vias de fabrico, com reflexo na VP e, consequentemente, nos rendimentos da empresa (Quadro 31, a fls. 22 do RIT).
P. Todavia, e contrariamente ao entendimento perfilhado, na douta sentença de que se recorre, não podiam os SIT, sob pena de subverter e tornar ilegal o método de correcção utilizado, alterar os valores constantes da Contabilidade Geral ou Analítica do impugnante, proceder á rectificação do valor acumulado de 2002, a saber € 21 627 287.30, porquanto este valor teve por base os valores extraídos da contabilidade de custos do impugnante.
Q. Não podia, pois, o Tribunal a quo concluir, como conclui que o valor dos custos acumulados a 31.12.2002, no montante de € 21 627 287.30, também devia ser rectificado, enfermando a douta sentença, sob recurso, de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto fez errónea valoração da prova produzida nos autos.
R. No que concerne às correcções relativas ao Bussiness Park o Tribunal a quo, na douta sentença de que se recorre, concluiu que a AT não cumpriu o ónus que sobre ela impendia, porquanto não demonstrou no RIT que a parte expropriada foi sujeita a obras de loteamento e infra-estruturas, não podendo, para efeitos de imputação de custos, tratar a área expropriada como área vendida, defendendo que se trata de realidades distintas.
S. O método de aferição e imputação de custos utilizado pelos SIT, no que toca a esta matéria, tem subjacente o princípio da fluição de rendimentos, presentes ou futuros, ou seja, os custos incorridos são distribuídos em função da área vendida pelo total de áreas onde vão fluir rendimentos para os contribuintes, in casu venda de lotes e resultado atribuído pela expropriação.
T. Dado que os terrenos foram expropriados, e o impugnante exigiu uma indemnização que acabou por lhe ser atribuída, as parcelas expropriadas, em causa, geraram igualmente rendimento, motivo pelo qual os custos teriam que ser imputados á área total, para onde fluem esses rendimentos.
U. Entende a FP, sempre com o devido respeito, que incorre a douta sentença em análise em novo erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto fez errónea valoração da prova produzida nos autos.
V. Relativamente ao vício “Erro nos pressupostos quanto às correcções relativas a custo das existências vendidas e variação de produção (anos de 2003)”, considerou a Mma Juiz do Tribunal a quo que os SIT ao não corrigirem o valor dos custos acumulados a 31.12.2002, provocaram uma subvalorização do custo das vendas e a sobrevalorização das existências, afectando irremediavelmente o cálculo dos custos das vendas e das existências no ano 2003.
W. No que respeita ao ano 2003, e conforme refere a douta sentença, os SIT partiram do valor das obras em curso em 31.12.2002 (€ 16 835 686.55, cfr. Quadro 19, a fls. 15 do RIT), adicionando os custos imputados às obras existentes em 2003, para calcular o valor acumulado a 31.12.2003, representado no Quadro 22, a fls. 17 do RIT, o que naturalmente influenciou os valores constantes do Quadro 25, a fls. 19 do RIT e, concludentemente, também se reflectiu no valor das obras em curso no final de 2003, identificado no Quadro 26, a fls. 19 do RIT, pois as correcções efectuadas no ano 2003, tiveram por base os valores apurados em 2002.
X. Reiterando o já referido nos pontos M a P supra, no ano de 2002, os SIT procederam às referidas correcções, com base na contabilidade e na informação adicional prestada pelo próprio impugnante, suprindo a lacuna relativa à informação sobre a obra vendida, essencial para a determinação dos gastos da produção vendida e da produção em vias de fabrico.
Y. Pelo que, não podiam os SIT, sob pena de subverter e tornar ilegal o método de correcção utilizado, modificar os valores constantes da Contabilidade Geral ou analítica do impugnante, logo não podiam proceder á rectificação do valor acumulado de 2002, a saber € 21 627 287.30, porquanto este valor teve por base os valores extraídos da contabilidade de custos do impugnante.
Z. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a FP conformar-se com o doutamente decidido, porquanto entende que a douta sentença sob recurso enferma novamente de erro de julgamento de facto, porquanto fez errónea valoração da prova produzida nos autos.
AA. O Tribunal a quo relativamente, às correcções efectuadas com recurso à aplicação de métodos indirectos, para a fixação da matéria colectável da impugnante, relativa aos anos de 2002 e 2003, entendeu que tal recurso, por força das omissões e irregularidades detectadas nos registos contabilísticos da impugnante, não se encontra devidamente fundamentado nem se encontra demonstrada a impossibilidade de apuramento com recurso a métodos directos, pressuposto exigido pelo art. 87.º, n.º 1 alínea b) e art. 88.º da LGT,
BB. E que, cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por via da avaliação indirecta, demonstrando que a liquidação não pôde assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, expondo os elementos fácticos que a levaram a concluir nesse sentido.
CC. Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido, não se conforma a FP, perfilhando o entendimento que o recurso aos métodos indirectos por parte dos SIT da Direcção de Finanças do Porto, se encontra devidamente legitimado pela verificação dos pressupostos da sua aplicação, não padecendo o acto tributário impugnado de qualquer ilegalidade.
DD. Ab initio, importa referir que apesar de na douta sentença, se referir como fundamento da presente impugnação a falta de fundamentação da decisão de aplicação dos métodos indirectos, o que resulta da petição inicial e da própria decisão é que o que está em causa e vem alegado pelo impugnante, é a fundamentação do método utilizado, bem como a discordância quanto ao próprio método, o que, salvo melhor opinião, se reconduz a questionar a quantificação daí resultante.
EE. Por outro lado, é de salientar que, quer em sede de exercício de direito de audição do procedimento inspectivo, quer em sede de procedimento de revisão, o impugnante nunca colocou em causa a falta de fundamentação do recurso à aplicação dos métodos indirectos, decorrendo ainda, do parecer do perito da FP, a fls. 193 do PA, a admissão do recurso à avaliação indirecta para determinação do lucro tributável por parte do perito do impugnante.
FF. Entende a FP ter ficado provado por parte da AT, a verificação dos pressupostos necessários ao recurso à avaliação indirecta, porquanto, resulta do teor do RIT, bem como do parecer do perito da FP, os fundamentos que conduziram à aplicação dos métodos indirectos dos quais ressaltam:
· Tendo como actividade a “compra e venda de bens imobiliários”, e tendo vendido através de escritura pública H e I, não procedeu à adequada relevação contabilística;
· A venda da fracção “Q” foi relevada contabilisticamente pelo montante de € 37.500,00 quando, segundo a escritura pública, o valor da transacção foi de € 79.800,00;
· Relativamente a um conjunto significativo e diversificado, segundo as tipologias das fracções vendidas, e como resultado da circularização junto dos respectivos adquirentes, determinaram-se valores efectivos de venda, comprovados através de meios de pagamento exibidos ou obtidos por derrogação do sigilo bancário os quais, comparados com os montantes contabilizados, levaram ao apuramento do valor de € 180 824,43 omitido aos proveitos;
· Da alienação de diversos lotes de terreno, igualmente se verificou a contabilização de diversos preços de venda/m2, valores significativamente reduzidos, quando comparados com o valor de € 199,52, pedido pelo, impugnante em processo judicial de expropriação, e praticado na venda de três lotes, sendo o que veio a servir de valor médio para a quantificação das vendas presumidas
GG. O art. 75.º, n.º 1 da LGT, dispõe que presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízos dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
HH. Todavia, a presunção de veracidade e de boa-fé das declarações da impugnante foi ilidida face às omissões, erros, inexatidões reveladas pela contabilidade, determinantes para a decisão de recurso à avaliação indirecta e que não foram refutadas pelo impugnante, tendo até sido pelo mesmo assumidas expressamente no artigo 5.º do articulado do procedimento de revisão.
II. Pelos motivos acima aduzidos entende, pois, a FP, contrariamente ao afirmado na sentença ora recorrida, que o facto de os SIT terem procedido a correcções meramente aritméticas, não desvirtua a aplicação de métodos indirectos, nem torna a contabilidade do impugnante apta a reflectir a verdadeira situação patrimonial e os resultados efectivamente obtidos para os exercícios de 2002 e 2003.
JJ. Os SIT demonstraram, designadamente, através da circularização junto dos respectivos adquirentes das fracções, que os valores efectivos da venda não correspondiam aos valores registados na contabilidade, através do confronto de meios de pagamento exibidos e contratos promessa, omitindo montantes significativos, factos que são mais que suficientes para justificar a aplicação de métodos indirectos, uma vez que a lei não faz depender a sua aplicação do número de ocorrências, mas tão somente da sua existência.
KK. No caso sub judice não se verificou uma ou outra omissão, inexactidão ou erro, de forma isolada, mas sim várias, nomeadamente ao nível dos proveitos, que determinaram a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis para apurar com exactidão o valor tributável das operações praticadas.
LL. Entende a FP, ao contrário do entendimento proferido pelo Tribunal a quo, que estamos em presença de factos constitutivos e de indícios mais que seguros de omissão de proveitos, facto que só por si determina a falta de credibilidade da contabilidade do impugnante e que inviabiliza o apuramento da matéria tributável com recursos a métodos directos.
MM. Nesta medida, tendo o Tribunal a quo, decidido da forma como decidiu, entende a FP, sempre com o respeito devido, que a douta sentença sob recurso errou no julgamento da matéria de facto, por errónea valoração da prova e, consequentemente, errou no julgamento de direito, por errada subsunção dos factos ao direito, violando as normas previstas nos art.s 87.º e 88.º da LGT.
NN. Em conclusão, e face a tudo o que vem exposto, enferma a douta sentença recorrida de erro de julgamento da matéria de facto, por errónea valoração da prova produzida e de erro de julgamento de direito, por errónea subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis in casu, designadamente os art.s 87 .º e 88.º da LGT.

Termina pedindo:
“Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento, com as legais consequências.”
***
Oportunamente notificados para o efeito, os Recorridos apresentaram as suas contra-alegações de recurso, nas quais concluem como se segue:

Termos em que se conclui:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, a qual julgou procedente a impugnação deduzida pelos recorridos.
II. Consideram os recorridos que a sentença proferida está devidamente fundamentada, faz correta apreciação dos factos e aplicação do Direito aos mesmos, não merecendo qualquer censura.
III. Apesar de tudo isso, vem interposto o presente recurso, competindo anotar, desde logo, que a Fazenda Pública cometeu novamente nas alegações agora apresentadas o erro – gravíssimo – cometido no relatório, que é o de comparar realidades incomparáveis, e com isso querer colocar em causa valores que são totalmente corretos, apenas justificados pela total confusão operada.
IV. Mais: para se entender as contas que foram agora feitas não foi tarefa fácil, porque as mesmas nenhum sentido faziam, tendo sido por exclusão de partes que se chegou aos valores que sustentam todas as alegações e que estão totalmente viciados, porque comparam o que não pode ser comparado.
V. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que, muito embora não se faça nenhuma ressalva no requerimento de interposição de recurso, a Fazenda Pública não põe em causa a anulação das correções feitas à categoria E, que se deve ter, assim, por assente.
VI. No que diz respeito ao Erro nos pressupostos quanto às correções relativas a custo das existências vendidas e variação de produção (ano de 2002) – pontos 5 a 37, verifica-se que a recorrente justifica o erro que invoca no ponto 15 das alegações, o qual remete para o Quadro 14 do RIT, no que concerne à imputação verificada em 2002, de custos às OEC [Obras Em Curso], relativamente aos Lotes 10 e 11 e à Urbanização (...).
VII. Retenha-se, desde já, que em tal mapa os custos incorridos em 2002 com aquelas obras foram, respetivamente, de € 5.962,12 e de € 608.203,95, num total de 614.166,07, sendo que aquele mesmo mapa, e para aquelas obras, evidencia os custos acumulados desde o início da construção até 31.12.2002 em € 1.579.572,33 e € 3.264.287,88, respetivamente.
VIII. No ponto 16 alega-se que “constatou-se que o valor total atribuído, pelo impugnante àquelas obras, concluídas e vendidas, conforme informação pelo mesmo prestada, diferia do valor constante na CC [Contabilidade de custos], em € 703 599.13 (Quadros 15 e 14, a fls. 12 e 13 do RIT), afirmação que é errónea.
IX. Aquela quantia de € 703.599,31 não representa qualquer diferença entre o valor total atribuído, pelo impugnante, àquelas obras, concluídas e vendidas e o valor constante da CC.
X. Alega-se diferença, nas obras concluídas e vendidas, entre o valor total atribuído pelo impugnante e o valor constante da CC, mas comparam-se valores que não correspondem ao assim descrito.
XI. Com efeito, para apurar aquela “diferença” de € 703.599,31 o ponto 16 remete para o Quadro 14, a fls 12 do RIT), no qual, como acima se explicitou, evidencia um total de custos incorridos em 2002 de € 614.166,07; este montante representa, como é óbvio, o valor de obra acrescido ao que transitava do ano anterior.
XII. O alegado no ponto 16, compara este total de custos incorridos em 2002 (€ 614.166,07) com o custo total (acumulado) das frações vendidas em 2002, quantificado em € 1.317.765,20, no Quadro 15, a fls. 13; daí a a legada diferença de 703.599,31 = 1.317.765,20 – 614.166,07).
XIII. Ou seja, a diferença de 703.599,31, alegada no ponto 16, resulta da comparação de montantes correspondentes a realidades bem diferentes: os custos incorridos no ano de 2002 e o custo total das frações vendidas em 2002, que são grandezas que representam realidades diversas e, de todo, incomparáveis: a primeira representa os custos suportados no ano para desenvolvimento das obras (variação de produção), e a outra, o custo total acumulado das obras vendidas no ano (custo das vendas) e que só existe caso sejam realizadas vendas no ano. Pode-se até ter acrescentado obra e não se ter vendido nada!
XIV. Acresce que o montante de € 1.317.765,20 (Quadro 15 a fls. 13), relativo ao custo das obras vendidas em 2002, corresponde à informação prestada pelo contribuinte e é a que se retira da Contabilidade de Custos.
XV. Não há, pois, qualquer diferença entre a informação prestada (Quadro 15 do RIT) e a constante da contabilidade.
XVI. Acontece é que um dos erros cometidos no RIT foi precisamente o de não corrigir o custo das vendas de 2002, face à correção dos custos acumulados até 31.12.2001, porquanto o RIT corrigiu as existências iniciais de 2002, (de 14.231.688,29 para 18.850.971,13, cf. Quadro 13 do RIT) não repercutindo tal correção no custo de vendas.
XVII. Aliás, é bem clara a decisão do tribunal a quo quando, da parte final de fls. 25, afirma: do relatório extrai-se que, de facto, a AT corrigiu o valor das existências iniciais de 14 231 688,29 para 18 850 971,13 (quadro) – facto que a recorrente não consegue pôr em causa, simplesmente porque é verdadeiro.
XVIII. E o ponto 17 das alegações enferma do mesmo erro de análise, em relação a outras obras (Business Park): compara novamente, custos incorridos em 2002 com o custo das obras vendidas.
XIX. Com efeito, o ponto 17 refere: verificou-se que o montante dos consumos imputados às obras, destes elementos (€ 84 307,46, Quadro 14, a fls. 12 do RIT), não correspondia ao montante (€ 3.473 835,55, Quadro 17, a fls. 14 do RIT) que seria de imputar….
XX. Ora, o que consta do quadro 14 (€ 84 307,46) respeita a custos imputados à obra durante 2002, enquanto o valor que consta do Quadro 17 (€3.473.835,55) respeita ao custo (acumulado) dos lotes vendidos naquele ano de 2002; não se pode afirmar que um daqueles montantes não “correspondia” ao outro, pois não são comparáveis atenta a natureza diferenciada de cada uma.
XXI. Como é óbvio, custos incorridos num dado ano no desenvolvimento de uma obra é realidade bem distinta do custo acumulado de construção ao longo dos anos e que representará o custo da venda no ano em que esta ocorrer.
XXII. A este propósito, o ponto 30 das alegações refere que não podiam os SIT, sob pena de subverter e tornar ilegal o método de correção efetuado, alterar os valores constantes da Contabilidade Geral ou analítica da impugnante, logo não podiam proceder à retificação do valor acumulado de 2002, a saber 21.627.287,30, porquanto este valor teve por base os valores extraídos da contabilidade de custos do impugnante.
XXIII. Se aquele valor acumulado de custos (21.627.287,30 – Quadro 14) foi determinado com base em valores extraídos da contabilidade, então tal valor acumulado não poderia ser ignorado no apuramento do custo das obras vendidas.
XXIV. O que não aconteceu, como acima se descreveu, relativamente aos Lotes 10 e 11 e à Urbanização (...), cujos custos acumulados naquele mapa foram ignorados, sendo os correspondentes custos de venda os constantes do Quadro 15 obtidos por informação do Impugnante, que os retirou da contabilidade e, por isso, não contemplavam os valores retificados pelo RIT (2ª coluna do Quadro 14) e que influenciaram aquele total de 21.627.287,30 – 5ª coluna do Quadro 14).
XXV. Mas, em boa verdade, reconhece-se que num caso (Business Park) aquele valor acumulado, apurado no Quadro 14, foi tido em consideração para apurar o custo das vendas.
XXVI. Com efeito, no Quadro 14, que apresenta aquele total acumulado de € 21.627.287,30, reportado a 31.12.2002, pode verificar-se que a parcela relativa ao Bussiness Park é de € 11.449.688,69, sendo este valor que é retomado no Quadro 17 para apurar o custo imputável à área vendida.
XXVII. Fica a questão: por que não foram estes mesmos valores acumulados igualmente utilizados para quantificar o custo das vendas dos Lotes 10 e 11 e à Urbanização (...), acima referidos?
XXVIII. Em vez disso foram utilizados, inexplicavelmente, os custos diretamente retirados da contabilidade que não continham, nem poderiam conter, a correção aos valores inicias de 2002 efetuadas no RIT.
XXIX. Mas acresce que, apesar de no caso da obra Bussiness Park ter sido considerado o valor acumulado corrigido pelo RIT para o cálculo do custo das vendas de 2002 – o que é teoricamente correto -, tal cálculo enferma, também ele, de erro.
XXX. Com efeito, retira-se do quadro 17 que sobre aquele valor acumulado 2002 (€ 11.449.688,69) foi aplicada a percentagem de 30,34% correspondente à área vendida por divisão da área vendida (41.657,07 m2) pelo total da área (137.300,51 m2), quando deveria considerar apenas a área sujeita a loteamento pois foi esta que determinou os custos incorridos.
XXXI. Ou seja, o RIT tratou a área expropriada, que não gera custos de loteamento (matéria de facto dada como provada – O) e não posta em causa), como área loteada e passível de venda.
XXXII. Sobre esta questão, alega-se ainda, no ponto 35, que se “… tem subjacente o princípio da fluição dos rendimentos, presentes ou futuros, ou seja, os custos incorridos são distribuídos em função da área vendida pelo total de áreas onde vão fluir rendimentos…”
XXXIII. Mas o princípio da fluição dos rendimentos, presentes ou futuros não pode ser desligado de um outro: o da especialização de exercícios que prescreve que os rendimentos obtidos num ano (vendas) devem balancear com os correspondentes custos incorridos.
XXXIV. Em matéria contabilística, ao tempo de 2002, vigoravam o Plano Oficial de Contabilidade e as Diretrizes Contabilísticas emanadas da Comissão de Normalização Contabilística.
XXXV. Entre essas Diretrizes temos a n.º 3/91 – Tratamento contabilístico dos contratos de construção, publicada na II série do Diário da República n.º 53, de 1992-3-04, que, no que ora importa determinava que segundo o método de contrato completado, os proveitos apenas são reconhecidos quando a obra contratada estiver concluída ou substancialmente concluída, sendo deduzidos os respetivos custos acumulados.
XXXVI. Ou seja, ao valor de venda (proveito) de um lote são de deduzir os custos acumulados com a produção desse lote, sendo que, no caso, os custos de loteamento não respeitam à área expropriada.
XXXVII. Não assiste, assim, qualquer razão à recorrente neste ponto, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida.
XXXVIII. Quanto ao invocado Erro nos pressupostos quanto às correções relativas a custo das existências vendidas e variação de produção (ano de 2003) – pontos 38 a 42, não assiste igualmente razão à recorrente.
XXXIX. No ponto 38 é transcrita parte da sentença, onde, na opinião da recorrida, é descrita de forma bem clara os erros cometidos pelos SIT na quantificação do custo das existências vendidas e da variação de produção de 2003.
XL. Como acima já se demonstrou, as correções relativas a “custo das existências vendidas” foram efetuadas sem o mínimo de consistência de critérios; ora são utilizados os valores informados pelo impugnante (retirados da Contabilidade), sem consideração das correções técnicas efetuadas, no próprio RIT, às existências iniciais, ora são tidos em conta os valores retificados das existências iniciais.
XLI. E como também acima se viu, quando o critério – teoricamente correto - considerou os custos acumulados corrigidos no RIT, foram praticados erros na sua aplicação e consequentemente na quantificação dos valores em causa.
XLII. Assim, como bem afirma a sentença, na parte final transcrita no alegado no ponto 38: “Acresce que os SIT ao não corrigirem o acumulado do ano de 2002 provocaram as divergências apontadas pelos Impugnantes de que ocorre uma subvalorização dos custos das vendas e a sobrevalorização das existências, o que afeta irremediavelmente o cálculo dos custos das vendas e das existências.
XLIII. Com efeito, se aos valores acumulados de 2002 (5.º coluna do Quadro 14) foram deduzidos os custos de vendas do Quadro 15, e não os calculados naquele Quadro 14, obviamente que as existências finais de 2002, constantes do Quadro 19 estão sobrevalorizadas, inquinando a valorimetria do custo das vendas de 2003.
XLIV. Na verdade, como já referido em relação a 2002, é evidente que a informação do contribuinte baseou-se na contabilidade, que regista em 2003 uma existência inicial de 10 523 496,44, pois se registasse o valor considerado pela administração tributária (16 835 686,55) já os custos a imputar àquelas obras vinham forçosamente acrescidos.
XLV. Ou seja, os valores deduzidos às existências, por venda das mesmas, são processados ignorando mais uma vez - pois tal erro já ocorreu relativamente a 2002 - que os valores daquelas existências iniciais foram fortemente corrigidos pela própria Administração tributária.
XLVI. Ignorando no apuramento dos custos de cada exercício os acréscimos efectuados às existências do ano anterior, o relatório está sistematicamente a sobrevalorizar os stocks do impugnante.
XLVII. Sobrevalorização que se pode explicitar, por exemplo, em relação a “Lotes 10 e 11” (matrizes 5336 e 5347).
XLVIII. Em 2002, para os mesmos imóveis, as frações têm um custo de 572,14/m2 quando se trata de apurar o custo das vendas, mas as frações ainda não vendidas ficam em stock a um custo de 1 434,17/m2.
XLIX. É manifesta a subvalorização do custo das vendas e a sobrevalorização das existências, como resultado evidente dos procedimentos errados perfilhados no relatório.
L. São as consequências da incoerência dos procedimentos adotados: corrigem-se valores de existências, mas ignoram-se tais correções quando se quantifica o custo das vendas, sendo que o erro tem efeitos cumulativos.
LI. Como resulta do quadro acima, relativamente a 2003, o custo das vendas é quantificado com base em 580,76/m2, mas a existência final passa a ser valorada a 2 007,60/m2 contra 1 434,17/m2 de 2002.
LII. Isto significa, que em 2003 a Administração tributária valorou, pelos caminhos sinuosos acima descritos, em 2 007,60 euros/m2 as frações em stock, enquanto o custo das frações vendidas foi quantificado em 580,76.
LIII. Ao considerar, como considerou, ilegais as liquidações efetuadas, a douta sentença proferida não padece de qualquer erro.
LIV. Quanto às Correções efetuadas com recurso à aplicação de métodos indiretos – pontos 43 e ss., não assiste igualmente razão à recorrente.
LV. Refere-se nas alegações produzidas (54) que, apesar de na sentença se referir que um dos fundamentos da impugnação é a falta de fundamentação da decisão de aplicação dos métodos indiretos, tal não corresponde à verdade, como se pode verificar pelos artigos 150.º e ss da petição, bem como no que se refere ao procedimento de revisão.
LVI. Por outro lado, e sobre os factos, alega no ponto 61, que “ …os SIT demostraram designadamente através da circularização junto dos respetivos adquirentes das frações, que os valores efetivos da venda não correspondem aos valores registados na contabilidade, através do confronto de meios de pagamento exibidos e contratos promessa, omitindo montantes significativos.”
LVII. E no ponto 62 prossegue “factos que são mais que suficientes para justificar a aplicação de métodos indiretos, uma vez que a lei não faz depender a sua aplicação do número de ocorrências, mas tão só da sua existência.
LVIII. Acontece que, as diferenças alegadas no ponto 61 foram objeto de correções técnicas, no capítulo III do RIT, ou seja, não foram consideradas omissões impeditivas de correção técnica, pelo que não podem ser fundamento para recurso de avaliação indireta a outras operações do impugnante.
LIX. De outra forma, todas as correções técnicas operadas, porque demonstrativas de desconformidade com a contabilidade, levariam sempre à aplicação por métodos indiretos, o que não se pode aceitar.
LX. Com efeito, do artigo 51.º do Código do IRC resulta que a tributação por métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da Lei Geral Tributária.
LXI. Porém, nos termos do n.º 4 do artigo 77.º da LGT, “A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável".
LXII. Destes normativos resulta que para decidir tributar por métodos indiretos não basta que a Administração indique factos que lhe permitam concluir pela existência de anomalias ou incorreções sendo também necessário que faça prova da impossibilidade da quantificação direta.
LXIII. Assim, no caso em apreço, verifica-se inexistir, sem margem para dúvidas, fundamento para o recurso a métodos indiretos, sendo certo que os alegados fundamentos em que se baseia o relatório em crise são suposições, por um lado, ou o próprio resultado da aplicação dos métodos diretos, por outro.
LXIV. Ora, no caso dos lotes vendidos, a decisão de tributação por métodos nada especifica quanto à impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, simplesmente porque tal impossibilidade não ocorre.
LXV. E a demonstração de que a impossibilidade da comprovação direta não se verifica está no facto de no mesmo relatório, e para a situação análoga da venda de frações, a administração ter recorrido à técnica de auditoria designada “circularização” para proceder às correções técnicas que se mostraram devidas.
LXVI. E procedeu bem ao efetuar a circularização pois as técnicas de auditoria são aplicáveis à Inspeção Tributária, conforme explicita o artigo 57.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.
LXVII. E por via da utilização dessa técnica deu cumprimento ao artigo 85.º da LGT que prescreve que “A avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta”.
LXVIII. Ou seja, só há que recorrer à avaliação indireta quando a direta se mostra inviável, não se entendendo como pode ser inviável apurar com exatidão valores de venda de lotes feitos, por exemplo e repete-se, a entidades bancárias…
LXIX. Acresce que, o artigo 6.º do Regime Complementar de Inspeção Tributária determina que o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo.
LXX. Se a Administração tributária tinha dúvidas sobre o rendimento real, ainda não assim não poderia partir, sem mais, para a fixação de rendimento por métodos indiretos.
LXXI. Pois que, “em caso de dúvida fundada sobre se o rendimento ou outros factos tributários declarados correspondem à realidade, em consequência de anomalias e incorreções da contabilidade ou dos livros de registo, a Administração Fiscal continua adstrita ao dever legal de investigação, na procura de elementos que lhe permitam apurar a matéria tributável efetiva, não podendo, de imediato, proceder à utilização dos métodos indiciários” – cfr. Relatório da Comissão Para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, pág. 23.
LXXII. É, pois, flagrante a violação do n.º 4 do artigo 77.º da LGT, por parte da Administração tributária no procedimento em análise, que a sentença recorrida não sancionou, e bem, porque não podia sancionar.
LXXIII. Não se pode aceitar como fundamento do recurso a métodos indiretos, por outro lado, a constatação de preços por m2 diferentes para frações pertencentes ao mesmo prédio, conforme consta do relatório a fls. 25.
LXXIV. Face a essa diversidade de preços por m2, o RIT lista, a fls. 27, as frações que foram objeto de correção técnicas no capítulo III do relatório e apura o respetivo o preço médio de venda por m2 em 1 055,08 euros.
LXXV. Este preço médio é depois aplicado às áreas de todas as frações vendidas para estimar os respetivos preços de vendas, conforme anexo 4 do relatório.
LXXVI. A mera constatação de preços por m2 diferenciados não pode constituir fundamento para recurso a métodos indiretos, já que é da natureza das coisas que o preço por m2 seja diverso para frações pertencentes ao mesmo prédio.
LXXVII. Desde logo, o relatório ignorou que a própria área de habitação é relativamente mais cara para as habitações mais pequenas pois estas apresentam maior densidade construtiva pelo peso relativo das áreas de maiores custos de construção como sejam a cozinha e casas de banho.
LXXVIII. Ignorou também que o preço por m2 é função da altura da fração, da exposição solar, da existência de varandas e terraços e outros fatores.
LXXIX. Relativamente à venda de lotes com o destino de “armazém/indústria”, o relatório também alega, a fls. 26, a existência de preços por m2 diferenciados para recorrer a métodos indiretos.
LXXX. E para a quantificação dos valores presumidos de vendas considera que todos os lotes vendidos o deveriam ser ao preço de 199,52 euros/m2, que é o valor solicitado pelo reclamante num processo de expropriação em contencioso.
LXXXI. Quanto ao referido no último item do ponto 57, ou seja, referência à alienação de diversos lotes com valores significativamente reduzidos quando comparados com o valor de € 199,52, pedido pelo impugnante em processo de expropriação, circunstância que não é bastante para fundar o recurso à avaliação indireta, como bem fundamente a sentença, a fls. 51.
LXXXII. Mesmo quanto a este ponto, a recorrente nada refere que infirme a douta sentença recorrida, que refere que “os critérios de fixação de indemnização por expropriação em sede extrajudicial são distintos dos aplicáveis em sede judicial” – remetendo-se, a esse propósito, para um acórdão da Relação de Coimbra que bem explica o porquê de tal diferença.
LXXXIII. Mais: sendo certo que é intrínseco a um processo negocial que as partes intervenientes comecem por extremar posições, tal circunstância foi objetivamente constatada pela Administração tributária, quando a fls. 26 do relatório afirma: os contribuintes contestam os valores propostos por uma comissão arbitral e indicam o montante de 199,52 euros..”.
LXXXIV. Ou seja, a Administração deu inteira validade ao montante pedido pelo impugnante e ignorou, liminarmente, o parecer de uma comissão arbitral que discordava de tal montante.
LXXXV. Foram juntos aos autos não só dois acórdãos da Relação do Porto, que concluem por um preço razoável de € 61,98 m2 e € 88,69 m2 para os referidos lotes,
LXXXVI. Como foram juntas diversas escrituras, pelas quais se verifica que foram adquiridos lotes por preços substancialmente inferiores ao fixado pela administração fiscal.
LXXXVII. Aliás, o excesso das estimativas fica bem patente se avaliarmos os lotes nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
LXXXVIII. Com efeito, a fórmula prevista naquele normativo (Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv) permite calcular o valor tributável tendo em conta os coeficientes relativos aos lotes em causa.
LXXXIX. Considerando os coeficientes previstos no CIMI e o valor máximo do coeficiente de localização e o custo médio de construção previsto na Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, poderemos calcular o valor de avaliação: que seria no máximo (o que ainda assim se não concede, dado que os valores declarados estão correctos) de 108 euros.
XC. O valor presumido no relatório (€ 199,52) afasta-se deste valor máximo de avaliação (€ 108,00) em 84,7 %, percentagem esta que é bem reveladora do excesso do valor presumido, dado o reconhecimento generalizado da razoabilidade da avaliação por recurso à metodologia prevista no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
XCI. Aliás, o preâmbulo da Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, que fixa os coeficientes, refere que o sistema de avaliação é uma garantia de transparência e de segurança jurídica.
XCII. É, pois, ainda por esta via, manifesto o exagero dos valores estimados.
XCIII. Este manifesto exagero é hoje ainda mais evidente pois se consultarmos o programa de simulação de avaliação para efeitos de IMI (disponível em www.e-financas.gov.pt), os valores de avaliação, reportados a 2006, são gritantemente inferiores aos da presunção efetuada pela Administração e relativos a 2002 e 2003, procedendo-se em 2006 à avaliação dos lotes ao preço médio de 98,30 euros por m2, quando o relatório presume valores de venda com base em 199,52 m2. (doc. 5 junto com a petição inicial).
XCIV. Estes pressupostos são intoleráveis para fundamentar o recurso a métodos indiretos e para a quantificação de estimativas de vendas.
XCV. Conforme se refere da sentença recorrida, “impunha-se à AT que: (i) fizesse referência à contabilidade do impugnante no que respeita à venda de frações não sujeitas a correções aritméticas e lotes; (ii) não consta do RIT quais os elementos contabilísticos solicitados ao contribuinte para prova dos valores constantes das declarações relativos às frações não sujeitas a correções aritméticas e lotes; (iii) não consta que a AT tenha solicitado fluxos financeiros para saber se estes estavam de acordo com os lançamentos efetuados na contabilidade ou se constavam adiantamentos; (iv) quais os dados constantes das contas de clientes e/ou registo diário de vendas; (v) alusão ao facto da contabilidade refletir ou não os movimentos relativos à atividade; (vi) alusão aos contratos-promessa das frações não sujeitas a correções aritméticas; (vii) indagação sobre a sisa/imt pago ou sobre a existência de contratos de empréstimo para aquisição das frações não sujeitas a correções aritméticas; (viii) fizesse uma análise dos preços declarados por fração, tipologia, área e caraterísticas de cada uma para permitir a comparabilidade; (ix) alusão aos registos contabilísticos da empresa e respetivos documentos de suporte, se os mesmos não refletiam a real situação tributária e se por via disso estava demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável.”
XCVI. Assim, ainda por esta via andou bem a douta sentença recorrida, não merecendo, uma vez mais, qualquer censura.
Termina requerendo:

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!
***

A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por concordar com as alegações e conclusões de recurso da entidade recorrente.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
***
Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa analisar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 10/07/2006, a AF emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 2006 5002260741 no valor de € 2.101.362,70 (declaração oficiosa) - Cfr. fls. 51 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Em 10/07/2006, a AF emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 2006 5002266920 no valor de € 1.662.150,40 (declaração oficiosa) - Cfr. fls. 52 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) As liquidações mencionadas nos pontos antecedentes tiveram por base as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto na sequência de acção de inspecção efectuada à actividade dos impugnantes – facto não controvertido.
D) Do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto de 19/12/2005 extrai-se o seguinte, sob a epígrafe “descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável- Impostos sobre o rendimento das pessoas singulares-IRS”
Rendimentos da categoria B (art.º 3.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares-CIRS – Rendimentos – Omissão de proveitos”:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
CUSTOS EXISTÊNCIAS
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 66 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto de 19/12/2005 extrai-se o seguinte, sob a epígrafe “IV- motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 92 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto de 19/12/2005 extrai-se o seguinte, sob a epígrafe “V- Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos”:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 94 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) Do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto de 19/12/2005 extrai-se o seguinte, sob a epígrafe “Direito de Audição”:
H) [imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 97 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
I) Do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto de 19/12/2005 extrai-se o seguinte, sob a epígrafe “rendimentos da categoria E (art.º 5.º e 6.º do CIRS)”:
J) [imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 74 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
K) Por ofício datado de 21/12/2005, os Impugnantes foram notificados do Relatório de Inspecção Tributária e da fixação por métodos indirectos do conjunto de rendimentos líquidos dos anos de 2002 e 2003 no valor de € 4.757.610,41 e € 3.975.472,68, respectivamente - Cfr. fls. 64 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
L) Em 17/05/2006, na sequência de pedido de revisão nos termos dos arts. 91.º e 92.º da LGT formulado pelos Impugnantes, os peritos reuniram tendo ficado consignado em acta a falta de acordo, nos seguintes termos:
Parecer do perito do contribuinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Parecer do perito da Fazenda Pública:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 248 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
M) Em 26/06/2006, o Sr. Director de Finanças do Porto (por delegação) decidiu indeferir o pedido de revisão mantendo os valores fixados com base no relatório de inspecção tributária de 19/12/2005, nos seguintes termos:
[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 257 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
N) Em 23/11/2006, os Impugnantes interpuseram reclamação graciosa contra as liquidações adicionais referidas em A) e B) - Cfr. fls. 2 e ss do PA (reclamação graciosa) apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
O) Por despacho de 30/10/2007, a reclamação graciosa foi indeferida nos termos constantes do relatório de inspecção em causa nos presentes autos - Cfr. fls. 2 e ss do PA (reclamação graciosa) apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
P) Do relatório inspectivo da sociedade “T., Lda.”, NIPC (…) extrai-se o seguinte no que ao caso releva:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 443 e ss do PA da sociedade “T., Lda.” apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Q) A parte expropriada do IC24 (processos 15-L/2001 e 16-L/2001) não foi sujeita a obras de loteamento e infra-estruturas.
Factos não provados
1) O custo respeitante a “Boucinha” no valor de € 2.657.632,85 respeita ao custo do terreno do Business Park.
Motivação
A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e nos ínsitos no processo administrativo que não foram impugnados.
A convicção do Tribunal relativamente ao facto referido em O) resultou da consideração do depoimento de M., Técnica Oficial de Contas do Impugnante de 1996 a 2006 que demonstrou ter conhecimento dos factos por causa das funções de TOC e responsável pela contabilidade daquele. Sobre esta matéria declarou que os custos diziam respeito aos trabalhos de loteamento de infra-estruturas da parte não expropriada e que a parte expropriada do IC24 (processos 15-L/2001 e 16-L/2001) não foi sujeita a tais obras.
A convicção do Tribunal relativamente ao facto não provado referido em 1) resultou da consideração do depoimento de M. que sobre esta matéria não conseguiu concretizar se o custo no valor de € 2.657.632,85 diz respeito a “Boucinha”, não conseguindo precisar os valores.
II.2. Fundamentação de Direito

Em causa está o recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença que julgou procedente a impugnação judicial interposta pelos Recorridos contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada na sequência das liquidações oficiosas de IRS e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2002 e 2003.

Tendo os aqui Recorridos colocado perante o Tribunal de primeiro julgamento da causa um conjunto de questões relativas às supramencionadas liquidações oficiosas, efetuadas na sequência de inspeção levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária (SIT), o mesmo julgou procedentes os vícios de (i) erro nos pressupostos do ato quanto às correções relativas a custos das existências vendidas e variação da produção; (ii) falta de fundamentação das correções relativas à categoria E de rendimentos; (iii) falta de fundamentação do ato relativamente aos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos, concretamente, por ter entendido que não ficou demonstrada a impossibilidade de apuramento direto da matéria tributável.

A ATA recorre invocando a verificação de erros de julgamento de facto (cf. art. 4.º das suas alegações de recurso).

Sucede, no entanto, que a qualificação que a Recorrente faz dos erros de julgamento que pretende assacar à sentença sob recurso não é correta.

Com efeito, o que pretende é questionar a aplicação do direito feita pelo Tribunal a quo, ao considerar verificados os supramencionados vícios do ato de liquidação em causa, e não, como refere, uma “errónea valoração da prova produzida nos autos”, pois é patente que não questiona a decisão de facto constante da sentença.

Efetivamente, não está em causa a invocação de um erro na apreciação da prova, que consiste no erro “de avaliação de um concreto meio de prova, i. e., um erro sobre que factos estão representados por um dado meio de prova”, que se concretiza “nas operações judiciais de análise crítica das provas (…)” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 31), mas sim o facto de a Recorrente não se conformar com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, de que o ato de liquidação oficiosa fez uma incorreta aplicação do direito ao caso concreto, assim violando normas substantivas de direito tributário.

Por outro lado, não é pela circunstância de a fundamentação do ato de liquidação constar da decisão de facto da sentença recorrida – aliás, corretamente, visto que se trata de um elemento fulcral do procedimento administrativo (documental) de formação do ato administrativo de liquidação oficiosa aqui em causa - que tal erro se transmuta num erro de julgamento de facto; nem a fundamentação do ato de liquidação oficiosa aqui em causa constitui um qualquer “facto consumado”, cuja legalidade esteja a salvo do escrutínio e apreciação dos Tribunais.

Refira-se, aliás, que a invocação de um (verdadeiro) erro de julgamento de facto implicaria necessariamente, desde logo, que a Recorrente cumprisse o ónus de especificação que é imposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º CPPT, e que, não o tendo feito, o seu recurso fosse imediatamente rejeitado.

Ora, o que a Recorrente invoca, e em síntese, é que no seu entender o Tribunal a quo não deveria ter julgado procedente o erro nos pressupostos do ato de liquidação quanto às correções efetuadas pelos SIT ao custo das existências vendidas e variação da produção relativamente aos exercícios de 2002 e 2003 - nas várias vertentes do mesmo, tal como alegado pelos Recorridos, respetivamente, (a) em relação à necessidade da correlativa correção das existências, quando vendidas; (b) no que diz respeito especificamente ao Business Park; e (c) relativamente ao exercício de 2003 -, e não deveria ter julgado procedente o vício de falta de fundamentação do ato relativamente aos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos, concretamente, por ter entendido que não ficou demonstrada a impossibilidade de apuramento direto da matéria tributável.

Assim sendo, em causa estarão erros de julgamento de direito, na sua modalidade de erros de “estatuição”, que consistem nos erros de interpretação ou aplicação stricto sensu, e que ocorrem quando se faz uma incorreta fixação dos efeitos da norma aplicável aos factos relevantes (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 27).

Refira-se ainda que a Recorrente se conforma com a decisão do Tribunal a quo de julgar procedente o vício de falta de fundamentação das correções relativas à categoria E de rendimentos.

Esclarecida que está a correta qualificação dos erros imputados pela Recorrente à sentença sob recurso, cabe proceder à respetiva apreciação.

Nas conclusões C a Z das suas alegações de recurso a Recorrente expõe as razões da sua discordância com a decisão do Tribunal a quo de julgar procedente o vício de erro nos pressupostos do ato quanto às correções relativas a custos das existências vendidas e variação da produção, tendo o mesmo, como foi já referido, sido apreciado nas três vertentes invocadas pelos Recorridos na sua PI, a saber, e em síntese, no que diz respeito à invocada (a) necessidade de uma correção correlativa aos custos das existências quando as mesmas são vendidas, (b) relativamente ao impacto dos alegados erros cometidos com esta correção na correção ao exercício de 2003; e (c) no que diz respeito especificamente ao Business Park.

No que diz respeito ao primeiro aspeto enunciado, na sentença sob recurso a decisão de julgar procedente o vício suportou-se nos argumentos que se passam a reproduzir:
(…)
Quanto à correcção “custos das existências vendidas” no valor de € 4.373.610,50, alegam os Impugnantes que:
a) O relatório de inspecção inicia os cálculos para apuramento do lucro tributável de 2002 substituindo o valor contabilístico das existências iniciais (14 231 688,29) pelo apurado no relatório de 2001 (18 850 971,13) por existirem deficiências ao nível de imputação dos custos e das existências finais das obras em curso;
b) Porém, desta alteração não retira as devidas consequências para o apuramento dos custos das existências vendidas de 2002, pois o relatório adiciona aquele valor das existências iniciais (18.850.97113) com os custos incorridos em 2002, repartidos por obra, apurando o acumulado em 31/12/2002 e a este valor acumulado, o relatório a fls. 15, retira o valor do “custos das vendas” para apurar o valor das existências finais de 2002, conforme totais do quadro 19, a fls. 15, sendo uma sequência de cálculo teoricamente lógica, mas a sua concretização enferma de erros inaceitáveis;
c) O valor acumulado em 31/12/2002 resulta da soma das existências iniciais com os custos incorridos em 2002, sendo que o valor das existências iniciais (18.850.971,13) não é o da contabilidade (14.231.688,29) por este ter sido rejeitado pela AT, mas este valor acumulado de custo das obras tem de ser necessariamente considerado para quantificar o custo das existências vendidas em 2002, pois os custos das vendas não é mais do que a parte do custo acumulado correspondente às existências que não foram vendidas;
d) Corrigido o valor das existências iniciais, é imperioso que se corrija os custos das existências quando as mesmas são vendidas, inexplicavelmente tal não aconteceu, pois a quantificação da “imputação anual (custo)” a retirar ao custo acumulado, a título de custo do ano, não considera minimamente a revalorização das existências iniciais efectuada pela própria Administração e, num caso em que a considerou, fê-lo de modo incorrecto, pois o total da “imputação anual (custo)” no montante de 4.791.600,75 pode ser repartido, conforme quadro 18 a fls. 14;
e) Estes valores resultam do Quadro 15, a fls. 13, e aí se afirma que os mesmos resultam de “informação prestada pelo contribuinte à nossa notificação de 20/10/2005”, mas como é evidente a informação do contribuinte baseou-se na contabilidade, que regista uma existência inicial de 14.231.688,29, pois se a mesma registasse o valor considerado pela AT (18.850.971,13) já os custos a imputar àquelas obras vinham forçosamente acrescidos, pelo que a quantificação dos valores deduzidos a título de custo das vendas ignora que os valores das existências iniciais foram fortemente corrigidos pela própria AT;
f) A informação prestada pelo contribuinte não podia tomar em consideração a revalorização das existências efectuada pela AT significando que a AT revalorizou as existências finais de 2001 – existências iniciais de 2002 – e não atendeu a tal facto para efeitos de quantificar o custo das existências vendidas;
g) Concluiu que no custo das vendas relativos a “Lote 10 e 11” e “Urb. S. José” não foi repercutido o acréscimo das existências iniciais, acréscimo este que a AT efectuou à matéria colectável de 2001 por correcção das existências finais.
Vejamos.
Assiste razão aos Impugnantes quando sustentam que o relatório de inspecção inicia os cálculos para apuramento do lucro tributável de 2002 substituindo o valor contabilístico das existências iniciais (14 231 688,29) pelo apurado no relatório de 2001 (18 850 971,13) por existirem deficiências ao nível de imputação dos custos e das existências finais das obras em curso, sendo que, de facto, o relatório adiciona aquele valor das existências iniciais (18.850.971,13) com os custos incorridos em 2002, repartidos por obra, apurando o acumulado em 31/12/2002, tal como se pode constatar do quadro 13 de fls. 12 do RIT.
Do quadro 14 de fls. 12 do RIT verifica-se que somam 18.850.971,13 aos custos incorridos em 2002 resultando um acumulado de 21.627.287,30.
Do relatório extrai-se que, de facto, a AT corrigiu o valor das existências iniciais de 14 231 688,29 para 18 850 971,13 (quadro 13).
No quadro 14 de fls. 12 do RIT, os SIT efectuam a imputação dos custos às obras indicando o valor de 18 850 971,13 (valor que os SIT tinham corrigido) como sendo o valor das existências iniciais e efectuam a imputação de custos no valor de € 2.776.316,17 (imputação de custos a cada uma das obras), aqui com base na contabilidade de custos dos Impugnantes, resultando um acumulado de 21.627.287,30.
A seguir, os SIT apuram as fracções vendidas e notificam o contribuinte para discriminar por fracção vendida o respectivo custo, discriminação que resulta do quadro 15 de fls. 13 do RIT.
No quadro 18 de fls. 14 do RIT, os SIT calculam os custos das obras vendidas, dos três lotes vendidos que ascendem a 4.791.600,75 e no quadro 19 de fls. 15 do RIT apuram o acumulado do montante das obras em curso da seguinte forma:
Total do acumulado de 31/12/2002 de todas as obras em curso (21.627.287,30) e retiram o custo das obras vendidas (4.791.600,75) resultando o acumulado de custos das obras em curso no final de 2002, num acumulado de 16.835.686,55.
No quadro 16 de fls. 14 do RIT, os SIT efectuam uma distribuição dos custos em função da área vendida pelo total de áreas onde vão fluir rendimentos para os contribuintes.
No quadro 18 de fls. 14 do RIT consta o resumo dos consumos imputados às obras vendidas em 2002 que os SIT efectuam com base na informação prestada pelo contribuinte resultando o valor total de 4.791.600,75.
No quadro 19 de fls. 15 do RIT, os SIT apuram o montante das obras em curso no final de 2002 que deve figurar no final do exercício de 2002 registando um acumulado de 31/12/2002 no valor de € 21.627.287,30, deduzem o montante de € 4.791.600,75 (que é o montante que resulta da informação prestada pelo contribuinte nos lotes 10 e 11, Urb. (…) e Business Park) resultando um valor de obras em curso final 2002 de 16.835.686,55.
Sucede que no quadro 19 ao imputarem custos no valor de € 4.791.600,75 consideraram o acumulado no valor de € 21.627.287,30 que resultou do quadro 14, mas neste tinha sido considerada uma imputação de custos no valor de 2.776.316,17 que, seguidamente, foram alterados, em parte, pela informação prestada pelo contribuinte e que passou para € 4.791.600,75. Assim, o valor de acumulado em 31/12/2002 também devia ter sido rectificado, o que não sucedeu e que altera os cálculos subsequentes.
Assim, nesta parte, assiste razão aos Impugnantes.
(…)
A Recorrente sustenta a sua divergência quanto a este segmento da sentença recorrida nas conclusões C a Q das suas alegações de recurso.

Ali refere que em 2001 o Impugnante foi objeto de um outro procedimento inspetivo no qual, à semelhança do posteriormente verificado em 2002 e 2003, foram detetadas deficiências ao nível da imputação de custos às obras e da relevação contabilística das existências finais das obras em curso, situação que despoletou uma correção à existências finais das obras em curso, em 31.12.2001, para EUR 18 850 971.13 (antes EUR 14 231 688.29), valor que transitou para 2002 como existência inicial, em 01.01.2002.
Acrescenta que por força das referidas deficiências encontradas na imputação de custos às obras e consequente irregularidade na mensuração das existências finais, em 2002 foram efetuadas correções, fixando o Custo das Existências Vendidas e dos Materiais Consumidos (CEVMC) em EUR 4 373 610.50 e o montante de “produtos acabados e em curso” (PAC) em EUR 2 680 723.23.

Refere ainda que as correções à imputação de custos às obras, com consequente reflexo na variação da produção, advieram das alterações da correção verificada na existência inicial de 2002, por força da correção às existências finais de 2001 e dos custos imputados às obras (frações/lotes) vendidas pela impugnante, no exercício da sua atividade.

Mais refere que o Quadro 11, a fls. 10 do RIT, reflete os valores extraídos da contabilidade de custos do impugnante e representam os montantes de matérias-primas, de subcontratos e de fornecimentos e serviços externos, cujo total, por obra, o impugnante fez refletir na sua contabilidade geral, a título de Custos (Gastos) incorridos no exercício.

Refere que tratando-se de obras em curso, uma das grandezas mais importantes nesta vertente, é o cálculo da variação de produção, que reflete a diferença algébrica entre as existências finais e as existências iniciais dos produtos acabados e intermédios (conta POC 33), de subprodutos, desperdícios, resíduos e refugos (conta POC 34), dos produtos e trabalhos em curso (conta POC 35), tendo ainda em conta, o movimento registado em regularização das existências (conta POC 38), conforme o Plano Oficial de Contabilidade (POC) em vigor à data.

Mais refere que esta variação de produção resulta, no caso em análise e em face aos elementos da contabilidade, da existência inicial de produtos acabados e de produtos e trabalhos em curso (contas POC 33 e 35), acrescida do montante de custos que, durante o exercício, são imputados aos mesmos produtos acabados e de produtos e trabalhos em curso (Quadro 14, a fls. 12 do RIT), subtraído dos custos imputados à obra vendida (por constituírem custos efetivos do exercício), por unidade/fração/lote, pelo que em 2002, a existência inicial de produtos acabados e produtos e trabalhos em curso ascendia, após correção ocorrida no exercício de 2001, a EUR 18 850 971.13.

Acrescenta que dos elementos da contabilidade de custos do impugnante se verificou que em 2002, na imputação de custos às obras em curso - e que consta no Quadro 14 do RIT, a fls. 12 -, se pode observar, que no que toca aos Lotes 10 e 11 e à Urbanização (...), compostos pelos empreendimentos supra identificados, a contabilidade apenas refletia os valores globais e não empreendimento a empreendimento, pelo que a convite dos SIT, o impugnante veio discriminar, fração a fração, o respetivo custo, constatando-se que o valor total atribuído por aquele às obras concluídas e vendidas diferia do valor constante na contabilidade de curso, em EUR 703 599.13 (Quadros 15 e 14, do RIT, fls. 12 e 13 do RIT).

Alega ainda que relativamente aos lotes de terreno para construção, Business Park, alvarás 2/2002 e 7/2002, processo 15-L/2001 e 16-L/2001, respetivamente, igualmente vendidos, se verificou que o montante dos consumos imputados às obras, não correspondia ao montante que seria de imputar caso o impugnante o tivesse efetuado de acordo a percentagem da área vendida sobre a área total, procedendo-se à respetiva correção, da qual resultou uma imputação de custos à obra vendida no montante de EUR 4 791 600.75 (EUR 116 716.24 + 1 201 048.96 + 3 473 835.55), quando a contabilidade mostrava, no total, EUR 698 473.53.

Acrescenta que as referidas correções tiverem por base o facto de a informação prestada pelo impugnante ser distinta da observada através da contabilidade bem como algumas deficiências graves que a contabilidade apresentava, mormente o desconhecimento do Critério Valorimétrico das Existências, a inexistência de Orçamentos, Contratos de Empreitada, Autos de Medição, e Contratos Promessa, motivo pelo qual se chegou a uma variação da produção (EUR 2 015 284.58) diferente da deduzida pelo impugnante (EUR 665 438.65), a qual influenciou negativamente o total dos proveitos conforme Quadro 31, a fls. 22 do RIT.

Argumenta que os SIT apuraram o montante das obras em curso no final de 2002, de EUR 16 835 686.55, deduzindo ao valor acumulado de EUR 21 627 287.30, o valor de EUR 4 791 600.75, conforme Quadro 19, fls. 15, do RIT, todavia, o valor de EUR 21 627 287.30, representado no Quadro 14, fls. 12, do RIT, traduz o valor acumulado a 31.12.2012, que resulta da soma do montante inicial das existências (obras em curso), no montante de EUR 18 850 971.13, com o valor de imputação de custos às obras de 2002, no montante de EUR 2 776 316.17 - este último obtido através da contabilidade de custos apresentada pelo impugnante, conforme demonstrado no Quadro 11, a fls. 10 do RIT.

Refere que a contabilidade de custos elaborada de forma acessória não demonstrava a determinação dos custos ocasionados pelo funcionamento dos seus diversos departamentos/produtos, pois não considerava a imputação às “frações vendidas”, centros de custo por excelência de uma contabilidade de custos, dos gastos ocorridos com as mesmas.

Mais alega que os SIT procederam com base na informação prestada pelo impugnante às correções de natureza meramente aritmética, quer aos rendimentos/proveitos, quer aos gastos/custos, nestes últimos por força das divergências verificadas na imputação às obras, suprindo dessa forma a lacuna referente à informação sobre a obra vendida, fundamental para a determinação dos gastos da produção vendida e da produção em vias de fabrico, com reflexo na VP e, consequentemente, nos rendimentos da empresa (Quadro 31, a fls. 22 do RIT).

Conclui a Recorrente que, contrariamente ao entendimento perfilhado na sentença recorrida os SIT não podiam “sob pena de subverter e tornar ilegal o método de correção utilizado” alterar os valores constantes da Contabilidade Geral ou Analítica do impugnante, procedendo à retificação do valor acumulado de 2002, a saber EUR 21.627.287,30, porquanto este valor teve por base os valores extraídos da contabilidade de custos do impugnante.

Vejamos.
Antes de mais, há que anotar que em momento algum da sua exposição a Recorrente explicita qual a norma ou princípio do direito da contabilidade foi afrontado pelo Tribunal.

Por outro lado, o argumento de que os SIT não podiam corrigir os valores da contabilidade geral ou analítica do Recorrido por si só é, obviamente, inconsequente.

Assim sendo, revela-se imperscrutável o fundamento para o dissenso da Recorrente relativamente à sentença sob recurso.

De facto, na sua PI (arts. 40.º a 67.º), os aqui Recorridos manifestaram a sua discordância relativamente à liquidação em causa por entenderem que, e atendendo a que alteração do valor das existências iniciais referentes ao exercício de 2002 teria necessariamente impacto no custo das existências vendidas (conta 61 do código de contas do POC), no RIT deveriam ter sido retiradas as devidas consequências dessa alteração, o que não sucedeu, mantendo-se intocados os valores registados na sua contabilidade.

Referem ainda que a informação que prestaram aos SIT em 20 de outubro de 2005 relativamente à imputação anual dos custos, se baseou nos registos constantes na sua contabilidade, na qual o valor das existências iniciais era o de EUR 14.231.688,29, e que, como tal, não levara em conta a alteração introduzida neste valor, por força do que foi apurado no RIT referente ao exercício de 2001, para EUR 18.850.971,13, pelo que a correção introduzida pelos SIT no valor das existências iniciais sem a correlativa alteração na imputação anual dos custos das existências vendidas introduzia um enviesamento nos valores a que os SIT chegaram.

Por sua vez o Tribunal a quo concluiu, como resulta do excerto acima reproduzido da sentença recorrida, que nem a informação dada pelos aqui Recorridos em 20 de outubro de 2005 foi levada em conta, pois, e como ali se refere, não refletida no apuramento demonstrado no quadro 19, referente aos valores das obras em curso no final de 2002.

Ora, e como é sabido, o valor do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, no âmbito do POC então em vigor, era efetivamente afetado pelo valor das existências iniciais, correspondendo à diferença entre o valor resultante da soma das existências iniciais e compras e o valor das existências finais retificadas pelo impacto de eventuais regularizações.

Não podia, por isso, ser ignorado o impacto da correção (de EUR 14.231.688,29 para EUR 18.850.971,13) do valor das existências iniciais no apuramento do custo das existências vendidas, como sucedeu, sob pena de, desta forma, se introduzir um enviesamento desfavorável aos Recorridos nos valores contabilizados.

Assim sendo, não pode deixar de se concluir que a Recorrente não tem razão neste segmento do seu recurso, que assim deve ser julgado improcedente, pois o que se constata é que o ato de liquidação padece de um erro de facto nos pressupostos, visto que não considerou os valores aportados pelos Recorrente, tal como refere a sentença, e um erro de direito nos pressupostos, ao fazer uma interpretação errada da regra contabilística aplicável, na medida que o que se constata é que foi alterado o valor das existências iniciais sem que essa alteração tenha sido considerada no valor do custo das existências vendidas.

Assim sendo, não padece a sentença recorrida, nesta parte, de qualquer erro de julgamento de direito, e muito menos ainda, do alegado “erro de julgamento da matéria de facto, porquanto fez errónea valoração da prova produzida nos autos” que lhe era imputado nas alegações da Recorrente, tal como já se explicitou supra.

Prossegue a Recorrente insurgindo-se quando à decisão do Tribunal a quo de julgar procedente o erro nos pressupostos do ato de liquidação que lhe fora imputado pelos Recorridos no que diz respeito ao apuramento do custo das existências vendidas e variação da produção do empreendimento Business Park.

No que diz respeito a esta questão, a sentença sob recurso sustenta a decisão proferida na seguinte fundamentação:
Quanto ao caso do “Business Park”, os Impugnantes alegam que:
a) A parcela da “imputação anual (custo)” relativa a Business Park – Q17, no montante de 3.473.835,55 já é calculada a partir dos custos “acumulado 31/12/2002” de 21.627.287,30 (quadro 14 de fls. 12 do RIT), porém a consideração dos custos acumulado para apurar o custo a imputar à parte vendida do “Business Park”, não é concretizada de modo correcto;
b) Com efeito, o custo das vendas do “” quantificado em 3.473.835,55 é apurado através dos seguintes passos, conforme fls. 1 do RIT: 1.º apuramento da percentagem da área vendida e 2.º aplicação da percentagem ao “custo acumulado 2002”:
c) Este procedimento, abstracta e teoricamente correcto, foi aplicado incorrectamente, pois a fls. 14, no quadro 16 os SIT repartem as áreas do “” e acrescem a informação da área vendida e com estes dados apuram a percentagem da área vendida e 30,34% por divisão da área vendida (41.657,07 m2) pelo total (137.300,51 m2) e de seguida aplicam esta percentagem ao “custo acumulado 2002” para quantificar o custos das vendas, mas o total da área inclui a parcela objecto de expropriação para construção do IC24 na qual, obviamente, não são efectuados trabalhos de loteamento;
d) Consequentemente, o “custo acumulado 2002” que respeita aos custos de loteamento, apenas deve ser imputado à área loteada, pois é esta que origina e suporta os custos, pelo que a percentagem de custos a imputar aos lotes vendidos seria de 53,07 por divisão da área vendida (41.657,07 m2) no total da área loteada (111.398,60 m2);
e) É o próprio relatório, quando pretende justificar o recurso a métodos indirectos, compara o preço de venda por m2 com o custo médio por m2, calculando este último por divisão do preço de compra por 111.398,60 (área total do loteamento) conforme expressa a fls. 26 do relatório, pelo que quando interessa que os custos dos lotes seja elevado, para justificar correcções nas respectivas vendas, o custo médio é apurado por divisão da área loteada – a que efectivamente suporta os custos, mas quando interessa que o custo seja baixo, para influenciar a matéria colectável, então já o apura com a consideração da área total, sendo mais uma prova da incoerência dos procedimentos do relatório.
Vejamos.
Assiste razão aos Impugnantes, neste particular, pois no cálculo do custo a imputar aos proveitos associados à obra Business Park foi considerada a área de expropriação do IC24 o que origina um custo mais baixo (cf. quadro 17 de fls. 14 do RIT). Com efeito, calculando:
Total da área vendida de 41.657,07 (Q 17) / total da área dos lotes vendidos 111.398,60 (Q 16) origina uma percentagem de 37,39 %, pelo que o custo acumulado de 2002 a imputar seria de 11.449.688,69 (Q 17) x 37,39% originaria um custo a imputar em 2002 de 4.281.038,6.
Ou seja, a AT tratou para efeitos de imputação de custos a área expropriada como área vendida, o que padece de erro, pois são realidades distintas. Com efeito, dispõe o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Assim, compete à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, sendo que a AT não cumpriu o ónus que sobre ela impendia, ou seja, não exarou no RIT (e, por isso, não demonstrou) que a parte expropriada foi sujeita a obras de loteamento e infra-estruturas, factualidade que não foi apurada pela AT, pelo que não poderia ter efectuado tal equiparação.
Acresce que resultou provado que a parte expropriada do IC24 (processos 15-L/2001 e 16-L/2001) não foi sujeita a obras de loteamento e infra-estruturas, pelo que no cálculo do custo a imputar aos proveitos associados à obra Business Park não poderia ter sido considerada a área de expropriação do IC24.
Assim, procede a alegação dos Impugnantes.

A Recorrente sustenta a sua divergência quanto a este segmento da sentença recorrida nas conclusões R a U das suas alegações de recurso.

Argumenta que o método de aferição e imputação de custos utilizado pelos SIT, no que toca a esta matéria, tem subjacente o “princípio da fluição de rendimentos”, presentes ou futuros, ou seja, os custos incorridos são distribuídos em função da área vendida pelo total de áreas onde vão fluir rendimentos para os contribuintes, in casu, venda de lotes e resultado atribuído pela expropriação.

Dado que os terrenos foram expropriados, e o impugnante exigiu uma indemnização que acabou por lhe ser atribuída, as parcelas expropriadas, em causa, geraram igualmente rendimento, motivo pelo qual, na sua tese, os custos teriam que ser imputados à área total, para onde “fluem” esses rendimentos.

Assim sendo, defende, também neste ponto que a sentença incorre em “erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto fez errónea valoração da prova produzida nos autos”.

Sobre a (errada) qualificação do erro que imputa ao julgamento feito na sentença recorrida remete-se para o que foi já referido supra.
Sucede que, e ao contrário do que pretende a Recorrente, também neste segmento a sentença sob recurso não padece de qualquer erro de julgamento.

Com efeito, também aqui a abordagem efetuada pelos SIT introduz um enviesamento no cálculo efetuado, que não encontra sustento nas regras do direito da contabilidade, ao contrário do que pretende.
Antes de mais, importa recordar que ficou provado na sentença sob recurso que a parte expropriada do IC24 (processos 15-L/2001 e 16-L/2001) não foi sujeita a obras de loteamento e infraestruturas (cf. ponto O, da fundamentação de facto), não tendo a Recorrente atacado a decisão de facto ali constante, que assim transitou em julgado.
Para o cálculo do custo das vendas de 2002 os SIT levaram em conta, relativamente a este projeto, a área total, incluindo a expropriada, que não gerou custos de loteamento.
Ora, e como referem os Recorridos, à data vigorava a Diretriz Contabilística n.º 3/91 – Tratamento contabilístico dos contratos de construção (DR, II série, n.º 53, de 1992-3-04), na qual se previa que segundo o método de contrato completado os proveitos apenas são reconhecidos quando a obra contratada estiver concluída ou substancialmente concluída, sendo deduzidos os respetivos custos acumulados ao valor de venda (proveito).
Pelo que os custos (da obra) geradores do rendimento não devem, no caso, ser considerados relativamente às áreas expropriadas, as quais, tal como resulta provado, não foram sujeitas a quaisquer obras de loteamento e infraestruturas, não tendo assim gerado rendimento concernente aos custos em questão.
Donde os custos devem ser deduzidos à obra, neste caso, atendo-se à área loteada, sob pena de sofrerem uma diluição artificial, ao serem consideradas para o efeito áreas que em nada contribuíram para a sua génese.

Assim sendo, também quanto a este segmento nada há a censurar à sentença recorrida.

Prossegue a Recorrente, colocando em causa o decidido na sentença sob recurso quanto ao erro sobre os pressupostos do ato de liquidação relativamente às correções referentes a custos das existências vendidas e variação da produção no que diz respeito ao exercício de 2003.

No que diz respeito a esta questão, a sentença sob recurso sustenta a decisão proferida na seguinte fundamentação:
(…)
Relativamente ao ano de 2003, os Impugnantes alegam que:
a) As correcções relativas a “custo das existências vendidas” e “variação de produção” são quantificadas, a exemplo do descrito em relação a 2002, por recurso a um emaranhado de pressupostos e um labirinto de cálculos onde se misturam valores contabilísticos com valores estimados no próprio relatório, sendo que em 2003 a incoerência do relatório torna-se ainda mais evidente, em resultado do efeito cumulativo dos procedimentos errados que foram adoptados;
b) Tal é patente porquanto os valores erroneamente determinados para as existências finais de 2002 são o ponto de partida (existências iniciais) para o cálculo das correcções propostas em 2003, pois o “custo das existências vendidas” é também quantificado pela diferença entre a soma das existências iniciais com os custos incorridos e o montante das existências finais;
c) O “custo das existências vendidas” está estritamente ligado ao valor das existências iniciais cujo valor (16.835.686,55) corresponde ao montante das existências finais de 2002 e que foi apurado com as deficiências acima descritas e sobre este valor de existências iniciais, erroneamente apurado, acumulam-se procedimentos também eles erróneos, retirando qualquer validade às correcções propostas no relatório;
d) A fls. 17- Quadro 22, o relatório adiciona àquele valor das existências iniciais (16.835.686,55) os custos incorridos em 2003, repartidos por obra, apurando os seguintes totais:
- Existências iniciais 16.835.686,55
- Imputação de custos 2003280.668,76
Acumulado 31/12/2003 17.116.355,31
e) A este “valor acumulado 31/12/2003” o relatório retira o valor do “custo das vendas” para apurar o valor das existências finais de 2003, conforme totais do quadro 26 a fls. 19:
Acumulado 31/12/2003 17.116.355,31
Imputação anual (custo) – 4.171.972,50
Existências finais 2003 12.944.382,81
f) Esta sequência de cálculo, teoricamente lógica, acumula erro sobre erro, pois o valor acumulado em 31/12/2003 resulta da soma das existências iniciais com os custos incorridos em 2003, sendo que o valor das existências iniciais não é o da contabilidade (10.523.496,44) por este ter sido rejeitado pela AT, mas sim o construído pela correcção proposta para 2002 (16.835.686,55);
g) E a exemplo do procedimento adoptado em relação a 2002, o relatório ignora o valor que ele próprio quantifica de “acumulado 31/12/2003” para apurar o custo das vendas das fracções, pois o custo das vendas (“imputação anual (custo)”) , no montante de 4.171.972,50 foi sendo repartido como segue de acordo com Quadro 25, a fls. 19:
Lote 10 e 11 – Q23 – Consumos/imputação ano €236.949,08
Urb. (…) – Q23 - Consumos/imputação ano€ 807.188,43
Business Park – Q24 - Consumos/imputação ano € 3.127.834,99
Total €4.171.972,51

h) Os dois primeiros valores resultam do Q 23, a fls. 18, sendo que a fls. 17 volta a afirmar-se que os mesmos resultam de informação prestada pelo contribuinte à nossa notificação de 20/10/2005, mas como já referido em relação a 2002, é evidente que a informação do contribuinte baseou-se na contabilidade, que regista em 2003 uma existência inicial de 10.523.496,44, pois se registasse o valor considerado pela AT (16.835.686,55) já os custos a imputar àquelas obras vinham forçosamente acrescidos, ou seja, os valores deduzidos às existências, por venda das mesmas, são processados ignorando mais uma vez – pois tal erro já ocorreu relativamente a 2002 – que os valores daquelas existências iniciais foram fortemente corrigidos pela própria AT.
i) Ignorando no apuramento dos custos de cada exercício os acréscimos efectuados às existências do ano anterior, o relatório está sistematicamente a sobrevalorizar os stocks do Impugnante, sobrevalorização que se pode explicar, por exemplo, em relação a “Lotes 10 e 11” (matrizes 5336 e 5347);
j) - Atente-se nos seguintes dados retirados do relatório:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

k) Pelo que o relatório considerou custos por m2 de 572,14 euros, em 2002 e 580,76 para 2003, relembrando-se que o “custos das vendas” resulta da informação prestada pelo contribuinte, ignorando-se todas as correções que foram efectuadas aso valores das existências.
l) Veja-se os custos por m2 que o relatório implicitamente considera nas existências para as fracções ainda não vendidas dos mesmos “lotes 10 e 11”:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Em 2002, para os mesmos imóveis, as fracções têm um custo de 572,14/m2 quando se trata de apurar o custo das vendas, mas as fracções ainda não vendidas ficam em stock a um custo de 1.434,17/m2, sendo manifesta a subvalorização do custo das vendas e a sobrevalorização das existências, como resultado evidente dos procedimentos errados perfilhados no relatório;
m) São as consequências da incoerência dos procedimentos adoptados: corrigem-se valores de existências, mas ignoram-se tais correcções quando se quantifica o custo das vendas e o erro tem efeitos cumulativos.
n) Como resulta do quadro acima, relativamente a 2003, o custo das vendas é quantificado com base em 580,76/m2 mas a existência final passa a ser valorada a 2.007,60/m2 contra € 1.434,17/m2 de 2002 e isto significa que em 2003 a AT valorou, pelos caminhos sinuosos acima descritos, em € 2.007,60/m2 as fracções em stock, enquanto que o custo das fracções vendidas foi quantificado em € 580,76 e assim se estima acréscimos ao LT que se qualificam de correcções técnicas por alegadamente terem sido quantificadas por avaliação directa.
Vejamos.
Analisando o RIT constata-se que na análise ao ano de 2003, os SIT partiram do valor de obras em curso em 31/12/2002 rectificados no valor de € 16.835.686,55, como se extrai do quadro 22 (fls. 17) que, como vimos, tem os erros supra enunciados (como vimos, no quadro 19 ao imputarem custos no valor de € 4.791.600,75 consideraram o acumulado no valor de € 21.627.287,30 que resultou do quadro 14 mas neste tinha sido considerada uma imputação de custos no valor de 2.776.316,17 que, seguidamente, foram alterados, em parte, pela informação prestada pelo contribuinte e que passou para € 4.791.600,75, pelo o valor de acumulado em 31/12/2002 também devia ter sido rectificado, o que não sucedeu e que altera os cálculos subsequentes). E se nos valores constantes do Quadro 26 o valor das Obras em curso final é calculado com base no acumulado de 31/12/2003 deduzido da imputação anual do Quadro 25, mas este valor já continha os erros que se imputou em 2002 tal afecta os subsequentes cálculos para o ano seguinte. Acresce que os SIT ao não corrigirem o acumulado do ano de 2002 provocaram as divergências apontadas pelos Impugnantes de que ocorre uma subvalorização do custo das vendas e a sobrevalorização das existências, o que afecta irremediavelmente o cálculo dos custos das vendas e das existências.
Ante o exposto, procede a alegação dos Impugnantes, neste particular.
(…)

A Recorrente sustenta a sua divergência quanto a este segmento da sentença recorrida nas conclusões V a Z das suas alegações de recurso.

Assim, e quanto a esta questão, e em síntese, reitera a argumentação que já invocara relativamente à decisão do Tribunal a quo quanto ao erro similar referente ao exercício de 2002.

Ora, e atendendo ao que já aqui foi decidido relativamente à correção referente ao exercício de 2002, há que concluir que a Recorrente não tem razão também neste segmento do seu recurso.
Com efeito, e como foi corretamente decidido na sentença sob recurso, tendo-se concluído que a correção referente a 2002 padece de erro nos pressupostos, tal constatação não pode deixar de afetar a correção referente a 2003, que é afetada indelevelmente pela invalidade da primeira, pois tal como é explicitado na sentença sob recurso, os valores (erradamente) apurados para as existências finais de 2002 correspondem aos valores das existências iniciais a que os SIT recorreram para proceder ao cálculo das correções referentes ao exercício de 2003.
Tanto é quanto basta para que se conclua que, também quanto a esta questão a Recorrente não tem razão, devendo o seu recurso ser julgado improcedente.

Por último, a Recorrente questiona a decisão da sentença a quo ao julgar procedente falta de fundamentação do ato relativamente aos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos, concretamente, por ter entendido que não ficou demonstrada a impossibilidade de apuramento direto da matéria tributável
No que diz respeito a esta questão, a sentença sob recurso sustenta a decisão proferida na seguinte fundamentação:

Métodos indirectos – falta de fundamentação
Por parte da AT, impõe-se o dever de controlar o normal cumprimento dos deveres que aos contribuintes estão cometidos e de evitar a fraude e evasão fiscal, atribuindo-se à AT um poder/dever de fiscalização, através da recolha e processamento dos dados das declarações e da verificação do seu conteúdo e de correcções de eventuais erros.
Sobre a AT impende, igualmente, o poder/dever de proceder a liquidação adicional, poder que não é discricionário, pois deve ser exercido nas condições, limites e pressupostos legalmente estipulados.
A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa, sendo um corolário do princípio da tributação pelo rendimento real: Cfr. art.º 85º, n.º 1, da LGT.
Assim, a avaliação indirecta depende da impossibilidade de proceder à avaliação directa, sendo que só neste caso é que é legítimo à AT determinar a matéria tributável com base em indícios, presunções ou outros elementos de que disponha. Acresce que a avaliação indirecta não desonera a AT do seu dever de investigar a real situação económica do sujeito passivo e de ter em conta na tributação os elementos de que disponha (interna ou adquiridos externamente, por via de acção inspectiva) e que sejam reveladores da real capacidade contributiva do sujeito passivo.
Nos termos do art.º 77.º, n.º 4 da LGT, a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
À AT cabe o ónus de provar os pressupostos da tributação por via da avaliação indirecta, demonstrando que a liquidação não pôde assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, expondo os elementos fácticos que a levaram a concluir nesse sentido: Cfr. art.º 74º, n.º 3, primeira parte, da LGT.
Se assim acontecer, caberá ao sujeito passivo alegar e provar factos que demonstrem que a AT podia e devia ter lançado mão de elementos existentes que permitiriam proceder à avaliação directa.
A Lei Geral Tributária define, de forma taxativa, os casos em que se verifica a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável: Cfr. art.º 87º e 88º.
A avaliação indirecta pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (Cfr. art.º 87º, b), da LGT), podendo essa impossibilidade resultar das anomalias e incorrecções elencadas no art.º 88º, da LGT, quando as mesmas inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
Os Impugnantes alegam que o lucro tributável foi também objecto de correcções por métodos indirectos, cujo valor, em relação a 2002, ascendeu a 2.705.998,59 e em relação a 2003, as presunções ascendem a € 2.234.501,54.
Defendem que no que concerne às estimativas na “venda de fracções urbanas” (omissão de proveitos), o relatório, a fls. 25, começa por justificar o recurso a métodos indirectos apelando às correcções fundamentadas e computadas no capítulo III, ou seja, às correcções técnicas acima analisadas, mas as correcções computadas no capítulo III, porque fundamentadas, foram acrescidas por avaliação directa que, uma vez realizada, deveria afastar a avaliação indirecta.
Prosseguem afirmando que a avaliação indirecta está sustentada no facto de terem sido efectuadas circularizações externas aos clientes/adquirentes de fracções de prédios, conforme fls. 4 do relatório e se a circularização conduziu a correcções fundamentadas relativamente a algumas fracções, certamente também confirmou que em relação às outras fracções nada haveria a corrigir, motivo pelo qual cai por terra tal fundamento como de recurso a métodos indirectos.
Colhe-se do probatório que a decisão do Sr. Director de Finanças do Porto (por delegação), datada de 26/06/2006 proferida no âmbito do pedido de revisão nos termos do art.º 91.º da LGT, foi no sentido de indeferir o pedido, porquanto: (i) face à factualidade evidenciada no RIT existem os pressupostos de tributação por métodos indirectos nos termos da al. b) do art.º 87.º e alínea a) do art.º 88.º da LGT, conforme ponto IVA – motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos de páginas 25 e 26; (ii) com base nos factos constantes do RIT entende o perito da AT que se encontra justificado o recurso à avaliação indirecta dadas as anomalias e imprecisões da contabilidade e não por outras razões.
Do parecer do perito da AT extrai-se que: (i) da acção inspectiva realizada foi possível constatar da existência de diversos factos a permitirem concluir que os elementos da escrituração não dão a reflectir a verdadeira situação patrimonial e os resultados efectivamente obtidos para os exercícios de 2002 e 2003, desde logo porque exercendo o reclamante a actividade de compra e venda de bens imobiliários foi verificado:
- Tendo vendido através da escritura pública de venda as fracções H-matriz 5336 e I- matriz 5347 não procedeu à adequada relevação contabilística;
- A venda da fracção Q-matriz 5484 foi relevada contabilisticamente pelo montante de € 37.500,00 quando segundo a escritura pública de venda o valor da transacção foi de € 79.800,00;
- Relativamente a um conjunto significativo e diversificado, segundo as tipologias, de fracções vendidas em 2002 e 2003 e como resultado e circularizações junto dos respectivos adquirentes determinando-se valores efectivos de venda que, comparados com os montantes contabilizados levaram ao apuramento do valor de € 180.824,43 omitindo aos proveitos (cabe aqui referir que os valores de venda foram comprovados através de meios de pagamento exibidos ou obtidos por derrogação do sigilo bancário. E é a partir deste conjunto de fracções que é obtido o preço médio de venda por m2 de € 1.055,08 superior aos preços contabilizados pelo reclamante para as restantes fracções significativamente reduzidas e com grandes oscilações comparativamente àquele, sendo por isso mesmo postos em causa;
- Tendo o reclamante procedido à alienação de diversos lotes de terreno também aqui se verificou a contabilização de diversos preços de venda/m2 de igual modo significativamente reduzidos quando comparados com o preço de € 199,52, valor este pedido pelo próprio reclamante, no processo judicial de expropriação e praticado na venda de três lotes, sendo que veio a servir de valor médio para a quantificação das vendas presumidas.
- É assim que se encontra justificado o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, dadas as anomalias e imprecisões na organização da contabilidade impeditivas da comprovação e quantificação directa e exacta da mesma.
Por sua vez, do RIT extrai-se que o recurso à avaliação indirecta, entre outros factos e considerandos, estribou-se no seguinte: “capítulo IV “motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos” 1- As correcções fundamentadas e computadas no capítulo III deste relatório permitem-nos concluir que o contribuinte omitiu proveitos nos seus registos contabilísticos”.
Os SIT concluem que estes factos, nomeadamente as omissões e irregularidades detectadas, indicam que os registos constantes da contabilidade do contribuinte, concretamente o valor das vendas, não merecem fiabilidade e dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do IRS, iriam utilizar método de avaliação indirecta, nos termos do art.º 39.º do CIRS e al. b) do art.º 87.º e 88.º da LGT.
Contudo, a afirmação contida no ponto 1 supra transcrita não pode servir para sustentar tal recurso, pois o que se extrai do capítulo III é que a AT concluiu que o Impugnante omitiu proveitos relativamente a vendas de imóveis registadas por montante inferior ao real após ter efectuada circularização externa a clientes/adquirentes de fracções de prédios urbanos situados em , Valongo comercializados pelo Sr. António Araújo e como resultado dessas circularizações verificaram os SIT que os preços registados não foram os registados, sendo que a diferença entre o montante registado e o montante da operação foi acrescido ao total dos proveitos do exercício. Ou seja, neste ponto, os SIT acresceram aos proveitos do exercício fundamentando correcções aritméticas, pelo que não se vislumbra em que medida tais correcções podem fundamentar o recurso à avaliação da matéria colectável por métodos indirectos, tendo em conta, designadamente, que esta última é subsidiária daquela.
No ponto 2, “capítulo IV “motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, os SIT exararam que “se analisarmos os preços praticados pelo contribuinte nas fracções (com os valores corrigidos – ver anexo 6), detectamos diversas anomalias”.
Quanto a este ponto, os Impugnantes afirmam que relativamente à “prática de preços diferentes por m2”:
a) O Relatório sustenta ainda o recurso a avaliação indirecta por ter constatado preços por m2 diferentes para fracções pertencentes ao mesmo prédio, descrevendo alguns exemplos a fls. 25 e face a essa diversidade de preços por m2, o relatório lista, a fls. 27, as fracções que foram objecto de correcções técnicas no capítulo III do relatório e apura o respectivo preço médio de venda por m2 em € 1.055,08 euros;
b) Este preço médio é depois aplicado às áreas de todas as fracções vendidas para estimar os respectivos preços de vendas, conforme anexo 4 do relatório;
c) A mera constatação de preços por m2 diferenciados não pode constituir fundamento para recurso a métodos indirectos, já que é da natureza das coisas que o preço por m2 seja diverso para fracções pertencentes ao mesmo prédio;
d) O relatório ignorou que a própria área de habitação é relativamente mais cara para as habitações mais pequenas, pois estas apresentam maior densidade construtiva pelo peso relativo das áreas de maiores custos de construção como sejam a cozinha e casas de banho e que o preço por m2 é em função da altura da fracção, da exposição solar, da existência de varandas e terraços e outros factores;
e) Ocorre falta de fundamentação e exagero dos valores presumidos no que toca às estimativas na venda de lotes;
f) Relativamente à venda de lotes com o destino de “armazém/indústria”, o relatório também alega, a fls. 26, a existência de preços por m2 diferenciados para recorrer a métodos indirectos e para a quantificação dos valores presumidos de vendas considera que todos os lotes vendidos o deveriam ser ao preço de 199,52 euros/m2 que é o valor solicitado pelo impugnante num processo de expropriação contencioso;
g) Estes pressupostos não fundamentam o recurso a métodos indirectos e quantificação de estimativas de vendas;
h) Por que razão na venda dos lotes não foi efectuada circularização dos clientes com vista a indagar de divergências, a exemplo do que foi efectuado na venda de fracções, uma vez que aplicada essa metodologia na venda de fracções, a sua aplicação impunha-se na venda de lotes tanto mais os adquirentes são empresas com contabilidade organizada e, por isso, com outra capacidade de responder adequadamente à circularização;
i) Não aceita a estimativa do valor dos lotes vendidos por recurso ao preço por m2 solicitado em processo de expropriação;
j) Conclui que não existe fundamento para o recurso a métodos indirectos, sendo certo que os alegados fundamentos em que se baseia o relatório em crise são suposições, por um lado, ou o próprio resultado da aplicação dos métodos directos, por outro, concluindo pela violação do art.º 77.º n.º 4 da LGT.
Colhe-se do probatório que os SIT exararam no RIT no “capítulo IV “motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos” sob o ponto 2) que “se analisarmos os preços praticados pelo contribuinte nas fracções (com os valores corrigidos – ver anexo 6), detectamos diversas anomalias:
a) No prédio inscrito na matriz sob o n.º 5336, para áreas iguais (84m2) o preço por m2 foi diferente: para a fracção H foi praticado um preço/m2 de 1.009,47 € e nas fracções P e U foi de € 890,71;
b) No prédio inscrito na matriz sob o n.º 5484, o preço por m2 variou entre 1.093,62 € e 797,57 €, já os preços por m2 das fracções cujos valores da escritura foram rectificados são de € 1.012,79 (H e M) e € 1.093,62 (G);
c) No prédio inscrito na matriz sob o n.º 5501, o preço por m2 variou entre € 1.078,62 e € 682,59, já os preços por m2 das fracções cujos valores constantes da escritura foram rectificados são de € 1.078,62 € e € 1.022,94 (I);
d) No prédio inscrito na matriz sob o n.º 5618, o preço por m2 variou entre e 1.338,24 e € 797,57, já os preços por m2 das fracções cujos valores constantes da escritura foram rectificados são de € 1.032 (A), € 1.338,24 (C), € 983,55 (M), € 1.065,14 (Q) e € 1.038,11 (T).
E no ponto 3) - venda dos lotes para construção com o destino de “armazém/indústria” – os SIT calcularam os preços por m2 dos lotes vendidos (anexo 3) e verificaram que no ano de 2002 o preço declarado de venda por m2 dos lotes variou entre 82,65 € (lote 1- processo 16-L) e € 199,52 (lote 28-processo 16-L e lotes 30 e 32 – processo 15-L), ou seja, uma variação de 141,40%; no ano de 2003 o preço médio de venda por m2 dos lotes variou entre 114, 21 (lote 43 – processo 16-L) e 182,70 (lote 39-processo 16-L) donde resulta uma variação de 60%; em processos judiciais a correr no TJ de Valongo em que os cônjuges são autores (processos em que foram expropriados) os contribuintes contestam os valores propostos por uma comissão arbitral e indicam o montante de € 199,52 como valor de mercado e praticado por si para o preço por m2 da indemnização a receber; os contribuintes pagaram por m2 pelos terrenos rústicos que integram o loteamento Esc. 2.030.000.000.00: 111.398,60 (área total do loteamento) = 18.223$00/m2 (90,90 €/m2).
Assim, os SIT verificaram discrepâncias nos preços praticados na venda das fracções cujo valor declarado foi corrigido por via de correcções aritméticas e variações de preços por m2 concluindo, assim, que estes factos, nomeadamente as omissões e irregularidades detectadas, indicam que os registos constantes da contabilidade do contribuinte, concretamente o valor das vendas, não merecem fiabilidade e dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do IRS, iriam utilizar método de avaliação indirecta, nos termos do art.º 39.º do CIRS e al. b) do art.º 87.º e 88.º da LGT.
E no capítulo V – critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, os SIT exararam que “para as áreas remanescentes, para as quais não foram aplicadas correcções técnicas, para as quais estamos certos que o valor de venda declarado pelo contribuinte está desfasado do real, vamos estimar um valor de venda com base neste preço médio encontrado”.
Assim, os SIT detectaram discrepâncias nos preços m2 e como resultado da circularização externa aos clientes/adquirentes de fracções de prédios urbanos situados em , Valongo comercializados pelo Sr. António Araújo verificaram que os preços registados não foram os registados, então concluíram que para as áreas remanescentes, para as quais não foram aplicadas correcções técnicas, estavam certos que o valor de venda declarado pelo contribuinte estava desfasado do real estimando um valor de venda.
Contudo, os factos recolhidos pela AT não servem para sustentar o recurso a métodos indirectos, pois a simples discrepância nos preços m2 para áreas iguais, a variação do preço declarado de venda, o preço reclamado pelos Impugnantes em processo expropriativo distinto do preço de venda e o preço pago por m2 não são circunstâncias bastantes para justificar o recurso a tal método, pois, para tanto, a AT deveria ter demonstrado que a liquidação não pôde assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.
Note-se que à AT cabe o ónus de provar os pressupostos da tributação por via da avaliação indirecta, demonstrando que a liquidação não pôde assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, expondo os elementos fácticos que a levaram a concluir nesse sentido: Cfr. art.º 74º, n.º 3, primeira parte, da LGT.
Para justificar tal método, impunha-se à AT que: (i) fizesse referência à contabilidade do Impugnante no que respeita à venda de fracções não sujeitas a correcções aritméticas e lotes; (ii) não consta do RIT quais os elementos contabilísticos solicitados ao contribuinte para prova dos valores constantes das declarações relativos às fracções não sujeitas a correcções aritméticas e lotes ; (iii) não consta que a AT tenha solicitado fluxos financeiros para saber se estes estavam de acordo com os lançamentos efectuados na contabilidade ou se constavam adiantamentos; (iv) quais os dados constantes das contas de clientes e/ou registo diário de vendas; (v) alusão ao facto da contabilidade reflectir ou não os movimentos relativos à actividade; (vi) alusão aos contratos-promessa das fracções não sujeitas a correcções aritméticas; (vii) indagação sobre a sisa/IMT pago ou sobre a existência de contratos de empréstimo para aquisição das fracções não sujeitas a correcções aritméticas; (viii) fizesse uma análise dos preços declarados por fracção, tipologia, área e características de cada uma para permitir a comparabilidade; (ix) alusão aos registos contabilísticos da empresa e respectivos documentos de suporte, se os mesmos não reflectiam a real situação tributária e se por via disso estava demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta na determinação da matéria colectável.
E no que concerne à circularização, os SIT exararam no RIT que foram efectuadas circularizações externas aos clientes/adquirentes de fracções e prédios urbanos situados em , Valongo comercializados pelo Sr. António Araújo e como resultado dessas circularizações verificaram que relativamente às fracções A, H e M do artigo 5484, fracção E e I do artigo 5501, fracções A, C, M, T e Q do artigo 5618 os preços praticados não foram os registados indicando as razões. Assim, não resulta do RIT se a circularização foi efectuada a todos os adquirentes das fracções, mormente aos adquirentes das fracções alvo de correcções por métodos indirectos e quais as conclusões dessa circularização, nem mesmo consta circularização aos adquirentes dos lotes.
Assim, não podia a AT concluir que para as áreas remanescentes, para as quais não foram aplicadas correcções técnicas, estavam certos que o valor de venda declarado pelo contribuinte estava desfasado do real estimando um valor de venda, sendo afirmação desacompanhada de qualquer indagação e fundamentação.
Acresce que da circularização que justificou as correcções aritméticas não se pode extrapolar, sem mais, para a conclusão de que estavam certos que o valor de venda declarado pelo contribuinte estava desfasado do real, tratando-se de afirmação conclusiva desacompanhada de factos que atestem essa realidade.
Cabia à AT alegar e provar que diligências efectuou para verificar que o valor declarado das áreas remanescentes estava desfasado da realidade, qual o valor de mercado, o que não sucedeu. Impunha-se saber o que a AT procurou e encontrou (ou não) na contabilidade ou clientes que justificaram o recurso a tal método, o que não sucedeu (sabemos apenas o resultado das circularizações relativas aos compradores de fracções sujeitas a correcções aritméticas).
Se os Impugnantes venderam através de escritura pública as fracções H-matriz 5336 e I- matriz 5347 e não procederam à adequada relevação contabilística e a venda da fracção Q-matriz 5484 foi relevada contabilisticamente pelo montante de € 37.500,00 quando segundo a escritura pública de venda o valor da transacção foi de € 79.800,00 (como refere o perito da AT para cujo parecer remete a decisão do Sr. Director da DF do Porto proferida no âmbito do procedimento nos termos do art.º 91.º da LGT), estas omissões deram lugar a correcções aritméticas, não podendo a AT, sem mais, considerar que com base nestas irregularidades está demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta na determinação da matéria colectável relativamente à venda das fracções e lotes não sujeitas a correcções aritméticas.
Afirma o perito da AT para cujo parecer remete a decisão do Sr. Director da DF do Porto proferida no âmbito do procedimento nos termos do art.º 91.º da LGT (em sintonia com o afirmado no RIT) que tendo o reclamante procedido à alienação de diversos lotes de terreno também aqui se verificou a contabilização de diversos preços de venda/m2 de igual modo significativamente reduzidos quando comparados com o preço de € 199,52, valor este pedido pelo próprio reclamante, no processo judicial de expropriação.
Mas não é circunstância bastante para fundar o recurso à avaliação indirecta, pois basta atentar que os critérios de fixação da indemnização por expropriação em sede extrajudicial são distintos dos aplicáveis em sede judicial. Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 26/11/2013, proc. n.º 2724/09.8TJCBR.C1 “os critérios de fixação da indemnização por expropriação em sede extra-judicial distinguem-se dos aplicáveis em sede judicial. 2. Enquanto na expropriação amigável ou extra-judicial a entidade expropriante pode propor ou fixar um preço/valor não enquadrado/delimitado pelos critérios legais aplicáveis, na expropriação litigiosa o valor da justa indemnização calculado em conformidade com os critérios legais estabelecidos. 3. Assim, frustrada a expropriação extra-judicial e seguindo-se os termos da expropriação litigiosa, o valor oferecido/proposto na fase amigável não vincula nem as partes nem o Tribunal em sede de expropriação litigiosa, sendo a indemnização fixada de acordo com as normas legais aplicáveis”.
Note-se que não basta encontrar irregularidades na contabilidade, tornando-se necessário que a AT alegue e demonstre que essas irregularidades inviabilizam o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos directos, ou seja, que a contabilidade não permite alcançar tal desiderato, o que não sucedeu.
Como se afirma no Acórdão do TCA Sul de 15/12/2010, proc. n.º 03795/10 “Na verdade, os fundamentos inscritos no relatório de inspecção tributária, suporte da síntese acima apresentada, únicos a considerar e relevantes neste aspecto, patenteiam que, se foram detectados custos indevidamente contabilizados na escrita da sociedade impugnante, divergências no valor de aquisição, declarado na escritura e o realmente pago, de determinada fracção habitacional, bem como, a venda de duas fracções contabilizada por preços inferiores aos dos custos registados para as mesmas, impendia sobre os serviços de fiscalização a tarefa de, simplesmente, por meras operações aritméticas, desconsiderar o montante desses custos impropriamente inscritos na contabilidade e corrigir os valores dos proveitos na directa medida da diferença apurada quanto às importâncias reais e declaradas de venda das três fracções autónomas habitacionais, individualmente identificadas. Trata-se, aqui, de realidades perfeitamente delimitadas, restritas, cujos elementos contabilísticos disponíveis e outros complementares apurados com segurança, permitem comprovar e quantificar com rigor, com objectividade, sem necessidade do recurso, derradeiro, a presunções”.
Assim, não está fundamentada e demonstrada a impossibilidade de apuramento da matéria tributável com recurso a métodos directos, pressuposto exigido pelo art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT.
(…)

A Recorrente sustenta a sua divergência quanto a este segmento da sentença recorrida nas conclusões AA a NN das suas alegações de recurso.

Ali começa por argumentar que apesar de na douta sentença, se referir como fundamento a falta de fundamentação da decisão de aplicação dos métodos indiretos, o que resulta da petição inicial e da própria decisão é que o que está em causa e vem alegado pelo impugnante, é a fundamentação do método utilizado, bem como a discordância quanto ao próprio método, o que, entende, se reconduz a questionar a quantificação daí resultante.

Ora, é patente que a Recorrente não tem razão.

Com efeito, o que resulta da PI dos Recorridos é que questionam o facto de a circularização efetuada pelos SIT apenas ter sustentado meras correções aritméticas relativamente a algumas das frações vendidas, mas já não em relação a outras, sem que do RIT resultem explicitadas as razões para tanto, o que levou a que tenham mesmo ali afirmado que, sendo o RIT omisso quanto às restantes frações, tal se deveria à circunstância de nada ter sido apurado que justificasse uma correção quanto ao valor da respetiva venda (cf. art. 153.º da PI).

É assim meridianamente claro que o vício que ali invocam é o de falta de fundamentação substantiva, pois o que alegam é que do RIT não resultam as razões pelas quais quanto a algumas frações a circularização efetuada entre os compradores permitiu que as falhas detetadas fossem supridas através de correções aritméticas, nada se dizendo quanto aos motivos pelos quais a mesma circularização não permitiu uma abordagem semelhante relativamente às restantes frações.

Prossegue a Recorrente alegando ter ficado “provado por parte da AT” a verificação dos pressupostos necessários ao recurso à avaliação indireta, porquanto, na sua tese, os mesmos resultam do teor do RIT e do parecer do perito da FP: o facto de o Recorrido não ter efetuado uma adequada relevação contabilística da venda das frações “H” e “I”, efetuadas através de escritura pública; o facto de a venda da fração “Q” ter sido relevada contabilisticamente pelo montante de EUR 37.500,00 quando, segundo a escritura pública, o valor da transação foi de EUR 79.800,00; a circunstância de relativamente a um conjunto significativo e diversificado, segundo as tipologias das frações vendidas, e como resultado da circularização junto dos respetivos adquirentes, se terem determinado os valores efetivos de venda, comprovados através de meios de pagamento exibidos ou obtidos por derrogação do sigilo bancário os quais, comparados com os montantes contabilizados, levaram ao apuramento do valor de EU 180.824,43 omitido aos proveitos; o facto de se ter constatado que alienação de diversos lotes de terreno foi feita por diversos preços de venda/m2, significativamente reduzidos quando comparados com o valor de EUR 199,52 pedido pelo Recorrido em processo judicial de expropriação, e praticado na venda de três lotes.

Conclui alegando que os SIT demonstraram através da circularização junto dos respetivos adquirentes das frações que os valores efetivos da venda não correspondiam aos valores registados na contabilidade, através do confronto de meios de pagamento exibidos e contratos promessa, factos que entende serem mais que suficientes para justificar a aplicação de métodos indiretos, uma vez que a lei não faz depender a sua aplicação do número de ocorrências, mas tão somente da sua existência.

Entende assim, e em suma, ter ficado demonstrada a falta de credibilidade da contabilidade do Recorrido.

Ora, não tem a Recorrente razão, pois o que se constata é que, efetivamente, não ficaram demonstradas no RIT as razões pelas quais as alegadas incorreções relevadas na contabilidade não podiam ser corrigidas através de correções aritméticas, nada havendo a censurar à sentença recorrida na decisão de considerar que não ficou revelada no RIT a impossibilidade de apuramento da matéria tributável através da avaliação direta.
Com efeito, é patente que as invocadas incorreções referentes às várias frações a que alude eram passíveis de ser corrigidas através de correções aritméticas.
Também resulta claro e conforme com as regras da experiência que podem existir várias razões válidas que justifiquem que vários lotes de terrenos sejam vendidos por preços diferentes, não bastando tal afirmação em abstrato para justificar o recurso à avaliação indireta.

Por último, e como foi já referido, do RIT nada resulta explicitado sobre os motivos que levaram os SIT a levar em consideração a circularização efetuada entre os compradores dos imóveis para procederem à correção do valor da venda de apenas algumas das frações e não de outras.
Donde nada há a censurar à sentença sob recurso quanto à decisão de julgar procedente o vício de falta de fundamentação substantiva.

Com efeito, e como é cuidadosa e exaustivamente explicitado na sentença sob recurso, do RIT não resulta devidamente fundamentada a decisão de recorrer à avaliação indireta da matéria coletável, atendendo a que esta é subsidiária da avaliação direta (cf. n.º 1 do art. 85.º da LGT), tendo por isso caráter excecional, só podendo ser espoletada pela Administração fiscal nos casos expressamente previstos na lei, e apenas em situações em que se conclua pela impossibilidade em determinar a matéria coletável através a avaliação direta, e a que, como é também abundantemente explicitado na sentença sob recurso, é à ATA que cabe o ónus de sustentar os motivos pelos quais a avaliação direta não é possível [cf. alínea b) do n.º 1 do art. 87.º e art. 88.º da LGT].

Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Não se conformando a Recorrente com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, de que o ato de liquidação oficiosa fez uma incorreta aplicação do direito ao caso concreto, assim violando normas substantivas de direito tributário, o erro que pretende assacar à mesma é um erro de julgamento de direito, e não de facto.

II. Nem é pela circunstância de a fundamentação do ato de liquidação constar da decisão de facto da sentença recorrida – aliás, corretamente, visto que se trata de um elemento fulcral do procedimento administrativo (documental) de formação do ato administrativo de liquidação oficiosa aqui em causa - que tal erro se “transmuta” num erro de julgamento de facto, pois a fundamentação do ato de liquidação oficiosa não constitui um qualquer “facto consumado” cuja legalidade esteja a salvo do escrutínio e apreciação dos Tribunais.

III. A invocação de um (verdadeiro) erro de julgamento de facto implicaria necessariamente, desde logo, que a Recorrente cumprisse o ónus de especificação que é imposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º CPPT, e que, não o tendo feito, o seu recurso fosse imediatamente rejeitado.

IV. O valor do custo das mercadorias vendidas, no âmbito do POC então em vigor, era afetado pelo valor das existências iniciais, correspondendo à diferença entre o valor resultante da soma das existências iniciais e compras e o valor das existências finais retificadas pelo impacto de eventuais regularizações.

V. Não podia, por isso, ser ignorado o impacto da correção do valor das existências iniciais no apuramento do custo das existências vendidas, como sucedeu, sob pena de, desta forma, se introduzir um enviesamento desfavorável aos Recorridos nos valores contabilizados.

VI. Os custos (da obra) geradores do rendimento não devem, no caso, ser considerados relativamente às áreas expropriadas, as quais, tal como resulta provado, não foram sujeitas a quaisquer obras de loteamento e infraestruturas, não tendo assim gerado rendimentos referente aos custos em questão.

VII. Tendo-se concluído que a correção referente a 2002 padece de erro nos respetivos pressupostos, tal constatação não pode deixar de afetar a correção referente a 2003, atendendo a que os valores (erradamente) apurados para as existências finais de 2002 correspondem aos valores das existências iniciais a que os SIT recorreram para proceder ao cálculo das correções referentes ao exercício de 2003.

VIII. Nada resultado explicitado no RIT sobre os motivos que levaram os SIT a levar em consideração a circularização efetuada entre os compradores de imóveis para procederem à correção do valor da venda de (apenas) algumas das frações, e não de outras, andou bem a sentença recorrida ao considerar procedente o vício de falta de fundamentação substantiva do ato de liquidação, pois é à ATA que cabe o ónus de sustentar os motivos pelos quais a avaliação direta não é possível [cf. alínea b) do n.º 1 do art. 87.º e art. 88.º da LGT].

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 23 de junho de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais – Tiago Afonso Lopes de Miranda.