Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00850/20.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/27/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:ARRESTO; ART. 136.º, N.º 1, ALÍNEA A) CPPT; FUNDADO RECEIO DA DIMINUIÇÃO DE GARANTIA DE COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁVEIS
Sumário:I. Verifica-se o requisito da existência de um fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, tal como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 136.º do CPPT, numa situação, como a dos autos, em que resulta indiciariamente provado que a devedora originária transferiu os seus inventários e atividade para uma sociedade anónima sem antes saldar créditos de elevado montante em execução fiscal, sendo o ora Recorrente, cujo património foi arrestado na qualidade de putativo responsável subsidiário pelas dívidas da devedora originária e simultaneamente o seu único sócio-gerente, e administrador único e membro do conselho de administração da sociedade beneficiária daquela transferência.

II. Com efeito, e em face da prova indiciária efetuada, é adequando concluir - num juízo sumário adequado à providência cautelar - que existe o risco de que o Recorrente venha a assumir idêntico comportamento inadimplente relativamente ao seu próprio património.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:N.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. RElatório
N., inconformado com a sentença proferida em 2020-06-23 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que determinou o arresto dos seus bens “até ao limite de € 847.277,07”, vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

I - Para que a providência cautelar fosse decretada de modo a abarcar as dívidas relativas a IRC, teria a AT, necessária e obrigatoriamente de demonstrar a existência de fundado receio de diminuição de garantias, por aquelas dívidas não poderem beneficiar da presunção prevista no artigo 136.º, n.º 5 do CPPT.
II - A factualidade alegada pela Fazenda Pública não permite preencher aquele conceito de “fundado receio” de diminuição das garantias de cobrança de créditos.
III - Entende o Recorrente que a AT não logrou provar o fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de créditos tributáveis, exigível os termos do artigo 136º n.º 1 alínea a) do CPPT.
IV - A decisão que decretou o arresto não devia ter sido proferida por não estarem verificados os pressupostos previstos para a sua concessão.

Termina pedindo:
TERMOS EM QUE SE REQUER que o presente recurso seja julgado procedente, determinando-se, em consequência, o levantamento do arresto
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A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso, sustentado no entendimento, em síntese, de que a ATA produziu prova indiciária de que o Recorrente se prepara para criar uma situação de inviabilidade de acionamento do seu património.
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Com dispensa de vistos prévios, atenta a natureza urgente do processo [cf. art. 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pelo Recorrente, por ter decretado o arresto de bens de que é proprietário sem que a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, ATA) tenha demonstrado a existência de um fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, tal como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 136.º do CPPT.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.1) FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão a proferir, resultou indiciariamente provada a seguinte factualidade:
1) A primeira Requerida, “F. LDA.”, é uma sociedade comercial unipessoal, constituída em 26/01/2007, inicialmente com a designação “N., LDA.”, cujo objeto social consiste no “Comércio, importação, e exportação de artigos de vestuário, acessórios de moda, artigos de marroquinaria e de calçado bem como de veículos automóveis e motociclos, suas peças e acessórios. Manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos” (cfr. certidão permanente de fls. 1001-107 do suporte eletrónico do processo).
2) Da certidão de registo comercial decorre que o único sócio, e gerente, da primeira requerida é N., aqui segundo requerido (cfr. certidão permanente de fls. 1001-107 do suporte eletrónico do processo).
3) No exercício de 2015 a primeira Requerida encontrava-se enquadrada no regime geral do IRC, e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA (cfr. informação de fls. 108-143 do suporte eletrónico dos autos).
4) A primeira Requerida foi objeto de uma ação inspetiva de âmbito geral e com extensão ao período de 2015, ao abrigo da OI 201801592 (cfr. informação de fls. 108-143 do suporte eletrónico dos autos).
5) No âmbito da inspeção identificada em 4), a AT elaborou “Projeto de Relatório de Inspeção Tributária”, do qual decorrem propostas de correção de natureza meramente aritmética, e com recurso a métodos indiretos, em sede de IRC, IVA e IRS (retenções na fonte), donde redunda imposto a pagar no montante global de € 847.277,07 (cfr. fls. 108-143 do suporte eletrónico dos autos).
6) No final de maio de 2020 encontram-se instaurados contra a primeira Requerida 58 processos de execução fiscal, cuja dívida exequenda ascende a 874.000,00 (cfr. informação de fls. 108-143 do suporte eletrónico dos autos).
7) Em 01/06/2020 foi elaborada Informação pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga, sobre a qual recaiu despacho de concordância de 02/06/2020 do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Braga, da qual consta, com relevância, o seguinte (cfr. informação de fls. 108-143 do suporte eletrónico dos autos):
“1. 1. DA AÇÃO INSPETIVA
Está em curso um procedimento de inspeção ao sujeito passivo F., LDA., com o NIF (...), ao abrigo da ordem de serviço n.º 012018 01592, de âmbito geral e com extensão ao período de 2015.
Em 2018-09-18, deu-se início à ação inspetiva, com a assinatura da ordem de serviço por N., com o NIF (...), na qualidade de sócio-gerente do SP, em conformidade com o disposto no artigo 51.º do RCPITA.
O prazo do procedimento de inspeção foi prorrogado por dois períodos de três meses, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º do RCP1TA.
No decurso da ação de inspeção verificou-se existirem entradas numa conta bancária particular do sócio-gerente, através de terminais de pagamento automático, associadas à atividade do sujeito passivo, as quais não se encontravam relevadas na contabilidade, mas que diziam respeito à atividade do sujeito passivo F..
Em consequência foi solicitado à senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do n.º 2 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), fosse autorizada a derrogação do sigilo bancário relativamente ao terceiro (sócio-gerente) N., com o NIF (...), relativamente ao ano de 2015 e à conta bancária em causa, facto indispensável para repor a justiça e verdade fiscal do sujeito passivo F., LDA.
Em 201 9-07-01 foi proferida a decisão final da senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual foi notificada ao terceiro N..
O prazo para conclusão do procedimento de inspeção foi suspenso, desde 2019-07-19, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 36.0 do RCPITA, por ter dado entrada, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, o recurso apresentado por N., relativo ao processo especial de derrogação do sigilo bancário.
O levantamento da suspensão do prazo para conclusão do procedimento inspetivo ocorreu em 2020-04-16, data do trânsito em julgado da sentença, que foi favorável à Autoridade Tributária e Aduaneira (A T).
(…)
Em 2016-12-07 foi registada na CRC a constituição da sociedade anónima N., S.A., com o NIF (…). Da apresentação n.º 12, daquela data, na CRC, consta como administrador único da sociedade: N., com o NIF (...), que a partir de 2019-07-15 consta ser membro do conselho de administração. Este N. é o sócio-gerente do sujeito passivo F..
Entre 2016 e 2019 verifica-se um decréscimo acentuado na faturação do SP F. (…) verifica-se que, entre 2017 e 2019, a F. deixou de exercer a atividade de comércio de artigos de vestuário, tendo transferidos os inventários e a atividade, em 2017, para a N., S.A.
A última declaração mensal de remunerações (DMR} entregue pela F. é referente ao período de 2017-05, pelo que, a partir desse mês não são conhecidos trabalhadores dependentes da F., o que comprova que esta deixou de exercer a atividade.
2.1.1. Do PATRIMÓNIO DA F., LDA.
Em termos patrimoniais, e com referência à data de 2020-06-01, das bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), não constam bens imóveis em nome da F..
Relativamente a veículos automóveis em nome da F., das bases de dados da AT consta registada uma viatura com a matrícula XX-XX-XX, de marca Renault, ligeiro de mercadorias. Conforme consta da contabilidade da F., relativa ao período de 2015, esta viatura foi adquirida em 2011, por 11.389,50 EUR e já foi completamente amortizada. Do balanço entregue com a IES / declaração anual referente ao período de 2018, (o último até agora entregue à AT), constam ativos fixos tangíveis, no montante de 141.122,60 EUR que, de acordo com a informação recolhida relativa a 2015, se presume tratar-se, essencialmente, de mobiliário de lojas, com valor de mercado reduzido ou nulo.
Do balanço acima referido, referente ao período de 2018, consta um capital próprio de 46.111,53 EUR, valor manifestamente insuficiente para garantir o pagamento das dívidas do SP F. ao Estado.
Do exposto conclui-se não serem conhecidos bens suficientes para garantir o pagamento dos tributos liquidados e em dívida e dos tributos em fase de liquidação.
2.2. DO SÓCIO-GERENTE N.
Conforme já referido, a sociedade unipessoal por quotas N., LDA – atual F., LDA. -foi constituída por contrato de sociedade de 2007-10-26.
Do artigo 3.º do contrato de sociedade consta como único sócio N., com o NIF (...). Conforme o artigo 5.0 do mesmo contrato, este sócio único foi nomeado gerente da sociedade.
No período de 2015, a que diz respeito o procedimento inspetivo, N. era gerente, de direito e de facto, do SP F., como se demonstra pelos seguintes documentos:
a) Ordem de serviço n.º 01201801592, em nome do SP F., assinada em 2018-09-18 por N., que assinou na qualidade de sócio-gerente do SP;
b) Notificação efetuada ao SP F., assinada em 2018-09-18 por N., que assinou na qualidade do representante do SP;
c) Ficha de representantes, (documento próprio do procedimento externo de inspeção onde se designa o representante do SP no procedimento e se identificam os responsáveis do SP e o contabilista certificado), assinada por N., que assina na qualidade de sócio-gerente do SP.
3. PROPOSTA DE ARRESTO
3.1. FUNDAMENTOS
3.1.1. Fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis
As diligências efetuadas no âmbito da ação inspetiva ao sujeito passivo, evidenciaram um conjunto de elementos indiciários sérios e objetivos que, articulados entre si, sustentam um fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários:
a) O sujeito passivo F., encontra-se inativo, tendo transferido a atividade, incluindo os inventários e os trabalhadores para uma outra empresa, a N., S.A.
b) O sujeito passivo F., já é devedor ao Estado de dívidas que se encontram em processos de execução fiscal e que já atingem o montante de 874 mil euros, a que acrescem juros de mora e custas. Estas dividas são anteriores às que vierem a ser geradas pelo procedimento de inspeção em curso. de património suficiente para garantir a cobrança dos impostos liquidados.
c) O sujeito passivo F. não dispõe de património suficiente para garantir a cobrança dos impostos liquidados.
3.1.2. Os tributos estão em fase de liquidação
Nos termos do preceituado nos n.º 5 2 e 3 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nos tributos periódicos, como é o caso do IRC e do IRS, considera-se que o tributo está em fase de liquidação a partir do fim do ano civil ou de outro período de tributação a que os respetivos rendimentos se reportem e no caso dos impostos de obrigação única, como sucede com o IVA, o imposto considera-se em fase de liquidação a partir do momento da ocorrência do facto tributaria, pelo que, tratando-se de impostos referentes ao período de 2015, é manifesto que os tributos se encontram em fase de liquidação.
3.1.3. Sobre o arresto de bens do responsável subsidiário
Nos termos previstos nos artigos 136.º do CPPT e 24.º da LGT, os gerentes e outras pessoas que exerçam funções de gestão em pessoas coletivas são subsidiariamente responsáveis, em relação a estas, pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo.
Assim, visando estas normas acautelar os interesses do credor tributário em caso de insuficiência de bens do devedor originário, tal deverá passar por acionar as providências cautelares atempadamente contra as pessoas a quem possa ser assacada a responsabilidade subsidiária.
Como já foi demonstrado, N. é, desde a constituição da sociedade e até ao presente, responsável subsidiário do sujeito passivo F., nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.
Relativamente ao responsável subsidiário, também subsiste o justo receio de ocultação e alienação de bens, uma vez que, confrontado com a responsabilização pelas dividas da sociedade devedora originária, poderá dissipar o património de que é titular, subtraindo-o à execução. E para isso releva o valor elevado das dívidas em causa.
3.2. PROPOSTA DE ARRESTO
Existindo fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributáveis e uma vez os tributos se consideram como já estando em fase de liquidação, nos termos do preceituado nos n.º 5 2 e 3 do artigo 136.º do CPPT, pois os factos tributários ocorreram no ano de 2015 e estando o projeto de relatório de inspeção tributária em fase de notificação, propõe-se que sejam desencadeados os mecanismos administrativos julgados convenientes à providência cautelar, tipificada pela figura do ARRESTO, nos termos do artigo 51.º da LGT, dos artigos 135.º e 136.º do CPPT e do artigo 391.º do Código de Processo Civil.
3.3. RELAÇÃO DOS BENS CONHECIDOS A ARRESTAR
Para acautelar os interesses do Estado indicam-se bens do sujeito passivo F., LDA. e de N., na qualidade de responsável subsidiário do SP, nos termos do n.º 1 e da última parte do n.º 4 do artigo 136.º do CPPT, que deverão ser tidos em conta de forma a garantir, ainda que parcialmente, a cobrança dos créditos tributários apurados:
3.3.1. Bens do sujeito passivo F., LDA.
1) Veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de marca Renault, com a matrícula XX-XX-XX.
3.3.2. Bens do responsável subsidiário N.
Não dispondo o sujeito passivo F. de bens suficientes para a garantia da cobrança dos créditos do Estado, indicam-se bens de N., com o NIF (…), na qualidade de responsável subsidiário do SP;
2) Prédio inscrito sob o artigo n.º 1917 da matriz predial urbana da união das freguesias de Braga (Maximinos, Sé e Cividade), registado em nome de N., com o NIF (...), com o valor patrimonial de atual 178.457,30 EUR, determinado em 2018. Conforme consta da matriz predial, trata-se de: «Prédio urbano destinado a uma habitação, composto de cave 1 divisão, quarto de banho e 2 arrumas; r/c com 2 divisões, cozinha e quarto de banho; 1° andar com 4 divisões e 3 quartos de banho, um anexo para garagem e arrumas e logradouro».
3) Embarcação com a matrícula XXXXXXXX, com 3,7t de arqueação bruta e 160.25kW de potência, registada em nome de N., com o NIF (…).
Conforme consta do registo, trata-se de um veículo tipificado na categoria F do imposto único de circulação: "Embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20 kW".
4) Quota que N., com o NIF (...), detém na sociedade por quotas F., LDA, com o NIF (...), de 100% no capital social de 100.000,00 EUR. Esta sociedade tem sede na Estrada (…), na área da Conservatória do Registo Comercial de Braga.
5) Quota que N., com o NIF (…), detém na sociedade por quotas I., LDA., com o NIF (…), de 1% no capital social de 5.000,00 EUR. Esta sociedade tem sede na Urbanização de (…), na área da Conservatória do Registo Comercial de Braga.
6) Ações que N., com o NIF (…); detenha na sociedade anónima N., S.A., com o NIF 514 207 280, com o capital social de 480.000,00 EUR. Esta sociedade tem sede na Urbanização de (…), na área da Conservatória do Registo Comercial de Braga.
7) Ações que N., com o NIF (...); detenha na sociedade anónima H., SGPS, S.A, com o NIF (…), com o capital social de 50.000,00 EUR. Esta sociedade tem sede na Urbanização de (…), na área da Conservatória do Registo Comercial de Braga.
8) Valores existentes na conta bancária, do responsável subsidiário N., com o IBAN PT50 (…), do Novo Banco”.
1.2) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base o exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, os quais não foram objeto de impugnação, conforme especificado em cada um dos pontos da factualidade provada.
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II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pelo Recorrente.

Com efeito, e como foi já referido, o Recorrente imputa à decisão recorrida o erro de julgamento de direito, por entender que nela se decretou o arresto de bens de que é proprietário sem que a ATA tenha demonstrado a existência de um fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, tal como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 136.º do CPPT.

Ora, desde já se adianta que o Recorrente não tem razão.
De facto, o que resulta da sentença recorrida a este respeito, é que, e em síntese, da factualidade indiciariamente provada resulta que “… tendo sobretudo presente o facto de a sociedade Requerida ser já executada no âmbito de 58 processos de execução fiscal cuja dívida ascende a € 874.000,00, e se encontrar inativa, tendo transferido a sua atividade, inventários e trabalhadores para a sociedade “N. S.A.”, aliada ao facto de que o segundo requerido é o único gerente da primeira requerida, e o único administrador da sociedade “N. S.A.”, revela aqui comportamentos suscetíveis de colocar em perigo as garantias de pagamento do credor tributário”.

Ou seja, e como foi já oportunamente referido nos presentes autos pelo Digno Magistrado do Ministério Público, sustentado na jurisprudência prolatada pelo Tribunal Central Administrativo Sul (doravante, TCAS) no proc. 09201/15, “a prova indiciária do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do crédito tributário não tem, obrigatoriamente, que ter por fundamento uma conduta activa (tentativa de dissipação do património pré-existente) do sujeito passivo de imposto”, antes podendo suceder, como é o caso, que “… seja de considerar provável que aqueles titulares de bens se preparem para criar uma situação em que seja inviável accionar os seus patrimónios para cobrança das dívidas, designadamente ocultando-os ou transferindo-os para a titularidade de pessoas que não possam ser accionadas para efectivar essa cobrança.” (cf. Acórdão proferido pelo TCAS em 2015-12-16, no proc. 09201/15, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

É neste preciso contexto que se move o Tribunal a quo na apreciação que faz da prova indiciariamente produzida pela ATA.

Com efeito, o que resulta dos autos, maxime da informação junta aos mesmos pela ATA nos termos do disposto no n.º 2 do art. 31.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), é que em 2016-12-07 foi registada na conservatória do registo comercial a constituição da sociedade anónima N., S.A. da qual consta como administrador único o Recorrente, que a partir de 2019-07-15 figura ainda como membro do respetivo conselho de administração; e que entre 2016 e 2019 se verificou um decréscimo acentuado na faturação do sujeito passivo F., que entre 2017 e 2019 deixou de exercer a atividade de comércio de artigos de vestuário, tendo em 2017 transferido os inventários e a atividade para a N., S.A. (cf. ponto 7, da fundamentação de facto).

O Recorrente é simultaneamente o único sócio e o gerente da F., sendo Requerido nos presentes autos de arresto precisamente na sua qualidade de putativo responsável subsidiário pelas dívidas da devedora originária (F.), atributo que, aliás, não questiona (cf. ponto 2, da fundamentação de facto).
Ou seja, resulta indiciariamente provado nos autos que a devedora originária, de que o Recorrente é sócio-gerente, foi descapitalizada através da transferência dos seus ativos para uma outra sociedade, da qual o Recorrente é administrador único e membro do conselho de administração.

Acresce que a F., cuja dívida perante o Estado em execução fiscal ascende a 874 mil euros, a que acrescem juros de mora e custas, tem como único património o veículo já arrestado nos presentes autos (um ligeiro de mercadorias, da marca Renault) (cf. ponto 7, da fundamentação de facto).

Ora, como vem sendo explicitado pela jurisprudência, “O receio justificativo do arresto deve fundar-se em factos objectivos e concretos e ser avaliado de um ponto de vista objectivo e em relação ao valor, quer do crédito, quer dos bens exequíveis (património) do devedor, quer do comportamento deste relativamente ao respeito pelos compromissos assumidos, tudo segundo critérios racionais de um credor medianamente cauteloso e prudente, por forma a criar neste o temor de ver insatisfeito o seu crédito, se o tribunal não intervier imediatamente e com urgência, prevenindo não só a morosidade inerente à máquina judiciária e o possível comportamento lesivo do devedor” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 2012-07-05 no proc. 213/12.2TBETZ.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido vai a doutrina, ao sublinhar que ainda que não baste um “qualquer receio para decretar o arresto” sendo “… necessário que este seja justo, fundamentando-se em factos positivos e concretos e não em meras desconfianças ou suspeitas por parte do requerente” [cf. CRUZ, Rita Barbosa da - O arresto. O Direito, Lisboa, a. 132 n. 1-2 (Jan - Jun 2000), p. 125], para que ocorra o “justo receio” digno de tutela bastará que se verifique o “… risco de o devedor agir com vista à ocultação ou sonegação, alienação ou dissipação dos seus bens ou ainda que se verifiquem quaisquer outras circunstâncias indiciadoras da possibilidade de um futuro desaparecimento dos bens que constituem a garantia patrimonial do seu crédito” [cf. CAMPOS, Paulo Silva – O arresto como meio de garantia patrimonial: uma perspetiva substantiva e processual. Revista de Direito das Sociedades, Coimbra, a. 8 n. 3 (2016), p. 761].

Note-se que a “descapitalização das empresas, através da transferência dos [seus] ativos” é uma das circunstâncias “normalmente integradas no leque das que justificam o arresto”, como, aliás, não poderia deixar de o ser (cf. neste sentido, GERALDES, António Abrantes – Temas da reforma do processo civil. 6 - Procedimentos cautelares especificados. Vol. IV. 4.ª edição. Coimbra: Almedina, 2010, p. 210-211).

Assim sendo, em face da prova indiciariamente trazida aos autos pela Requerente do arresto, há que concluir que em causa não estão meros juízos subjetivos do juiz ou do credor, ou simples conjeturas, mas antes circunstâncias que de acordo com as regras de experiência aconselham uma decisão cautelar imediata como fator potenciador da eficácia da ação executiva (cf. neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 02-04-2019 no proc. 959/11.2IDBGC-B.L1-5, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Com efeito, e tal como é referido na decisão sob recurso, tais circunstâncias resultam não apenas da situação económica e financeira da devedora originária, de diminuta solvabilidade, como ainda da ocorrência anómala da transferência do seu património e atividade para uma nova sociedade, atuação que não pode deixar de se catalogar como sendo reveladora do propósito de inadimplir. Por outro lado, e atendendo a que o ora Recorrente é não apenas o seu único sócio e gerente como também administrador único e membro do conselho de administração da N., S.A., não pode deixar de ser concluir, sempre num juízo sumário, adequado à natureza da providência cautelar em causa, que foi sua a decisão de transferir o património e a atividade da devedora originária.
Tanto basta para que se deva considerar justificado o justo receio de que, e à semelhança do sucedido relativamente ao património da devedora originária, o Recorrente venha a furtar-se ao cumprimento tomando idêntica decisão relativamente ao seu próprio património, transferindo-o ou dissipando-o com o intuito de incumprir, espelhando assim o comportamento já assumido em representação da devedora originária.

Nada há por isso a censurar à decisão sob recurso, que assim fez uma correta aplicação dos factos indiciariamente provados ao direito aplicável, sempre num juízo perfunctório, adequado ao meio processual em causa.
Pelo que o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, o Recorrente é condenado nas correspondentes custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT e art. 7.º, n.º 2 do RCP].
***
Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Verifica-se o requisito da existência de um fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, tal como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 136.º do CPPT, numa situação, como a dos autos, em que resulta indiciariamente provado que a devedora originária transferiu os seus inventários e atividade para uma sociedade anónima sem antes saldar créditos de elevado montante em execução fiscal, sendo o ora Recorrente, cujo património foi arrestado na qualidade de putativo responsável subsidiário pelas dívidas da devedora originária e simultaneamente o seu único sócio-gerente, e administrador único e membro do conselho de administração da sociedade beneficiária daquela transferência.

II. Com efeito, e em face da prova indiciária efetuada, é adequando concluir - num juízo sumário adequado à providência cautelar - que existe o risco de que o Recorrente venha a assumir idêntico comportamento inadimplente relativamente ao seu próprio património.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
*
Porto, 27 de julho de 2021 (em turno) - Margarida Reis (relatora) – Bárbara Teles – Conceição Silvestre

(A relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, o voto de conformidade com o presente acórdão dos restantes membros integrantes da formação de julgamento).