Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01017/14.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FGS; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO
Sumário:
Tendo o Fundo de Garantia Salarial reanalisado o pedido para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, proferindo novo ato, revogatório do originariamente objeto de impugnação, tendo o interessado vindo requerer o prosseguimento dos autos relativamente ao novo ato, à luz do referido Artº 64º do CPTA, não poderá ser declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:LDFMP
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a, aliás douta sentença recorrida determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para o prosseguimento dos seus ulteriores termos processuais, se nada mais a tanto vier a obstar.”
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
LDFMP, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente, em síntese, à anulação da decisão que deferiu parcialmente o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, inconformado com a decisão de 1ª instância que em 23 de fevereiro de 2015 julgou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, veio em 22 de abril de 2015, interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
I. O Recorrente LD não concorda com o vertido na Douta Sentença proferida pelo douto Tribunal "a quo", por vício de violação de Lei, mormente o art.º 3° do Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho
II. O aqui Recorrente discorda pois da Douta Decisão, na parte em que na mesma se entende que o Réu revogou a decisão impugnada, não existindo, como tal, qualquer utilidade no prosseguimento dos presentes autos.
III. Conforme se extrai dos presentes autos, designadamente dos documentos juntos e do processo administrativo, o então Diretor da Segurança Social, por ofício proferido em 07 de Fevereiro de 2014, deferiu parcialmente o requerimento apresentado pelo aqui Recorrente.
IV. O Recorrente LD, não concordou com o vertido na decisão proferida, bem como, com os fundamentos apresentados pelo Recorrido Instituto.
V. É convicção jurídica do Requerente, que os créditos requeridos se encontram vencidos, todos eles, em data posterior ao período previsto no artigo 319.°, n.º 1 da Lei 35/2004 de 29 de Julho.
VI. Neste sentido, o Requerente deduziu impugnação judicial, ao abrigo do preceituado nos artigos 46.º, 50.º e 51.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.'
VII. Na pendência da impugnação judicial supra, a chefe de equipa CL, através do ofício com data de 10 de Outubro do ano transato, e nos termos do despacho de 10 de Julho de 2014/ notifica o Recorrente LD informando que "(...) o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V. Exa. foi deferido parcialmente, tendo sido deduzidos os valores discriminados, a título de contribuições para a Segurança social e Retenção na fonte para efeitos de IRS (...)".
VIII. Os fundamentos para o deferimento parcial deste então ato administrativo foram os seguintes:
- os créditos requerido a título de indemnização (calculada a 45 dias) foi apenas assegurada pelo fundo de Garantia Salarial pelo valor reconhecido pelo Tribunal do Trabalho de Guimarães, na sentença proferida a 17 de Abril de 2012 (indemnização calculada a 30 dias);
- os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do n.º 1 do artigo 320.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho;
- parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referencia, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (Insolvência, Falência, recuperação de empresa ou Procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no n.º 1 do artigo 319.º, da Lei 35/2004/ de 2009 de Julho;
- o crédito requerido a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2011 é assegurado pelo fundo de Garantia Salarial apenas no valor reconhecido pelo Tribunal do Trabalho de Guimarães, na sentença proferida a 17 de Abril de 2012. O Tribunal de Guimarães apenas reconheceu uns proporcionais no global de 1.100,00 Euros (...)”.
IX. O Decreto-Lei 219/99, de 15/06, diploma que institui "(...) o Fundo de Garantia Salarial, que em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de Trabalho".
X. O artigo 3.º do diploma supra, sob a epigrafe "Créditos abrangidos" estabeleceu-se que:
"1º - O Fundo paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis que antecedem a data da propositura da ação ou da entrada do requerimento referidos no número 2.º
2.º - Os créditos referidos no número anterior são os que respeitam a:
a) retribuição, incluindo subsídios de férias e de Natal;
b} indemnização ou compensação devida por cessação do contrato de trabalho.
3.º - Caso o montante dos créditos vencidos anteriormente às datas de referência mencionadas no n.º 1 seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo 4.º, o Fundo assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após as referidas datas."
XI. A impugnação do ato administrativo notificado ao aqui Requerente foi efetuada através de processo de impugnação judicial, como resulta do preceituado nos artigos 46.º, 50.º e 51.º do CPTA.
XII. foi impugnado o ato administrativo emanado pelo aqui Recorrido Instituto de Garantia salarial, como resulta claramente do teor da petição inicial, em que é pedido que seja "(...) anulado o ato administrativo praticado em 21 de Fevereiro de 2014, nos termos do artigo 50º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, substituindo-o por outro, onde sejam incluídos os demais créditos requeridos pelo aqui Impetrante, conquanto a data de vencimento dos então créditos ocorreu em 01/09/2012, dentro do período de vigência a que alude o artigo 319.º, n.º 1 da Lei 35/2004 de 29 de Julho (...)."
XIII. Sendo este o ato administrativo o objeto do presente processo e não tendo ele sido anulado ou revogado na sua totalidade, não pode concluir-se pela existência de uma situação de impossibilidade superveniente da lide, pois esse ato mantém-se na ordem jurídica e é ele o objeto do processo.
XIV. Atente-se o parecer o Ministério Publico, datado de 07 de Julho de 2014, no qual pode ler-se: "(...) atenta a posição do FGA parece-nos de sobrestar na decisão, na medida em que a prática de novo ato sobre a mesma pretensão vai implicar a revogação, pelo menos parcial do ato em apreciação. Assim a fim de evitar atas inúteis, parece-me ser de solicitar ao Fundo de Garantia a remessa do novo ato logo que praticado, dando o conhecimento do mesmo ao Autor, o que se requer (...) "
XV. Decidiu mala douto Tribunal “a quo", no sentido de que o Recorrido fundo de Garantia terá revogado a decisão impugnada, isto é, o ato administrativo impugnado.
XVI. Não se pode assim colocar em termos de impossibilidade da lide, pois ela é possível em processo de impugnação judicial desde que subsista na ordem jurídica o ato que é objeto do processo,
XVII. E este ato, como bem entendeu o Ministério Publico do Tribunal “a quo” subsiste, pese embora não na sua totalidade, mas pelo menos parcialmente, mormente nos demais créditos não deferidos.
XVIII. Destarte, a inutilidade superveniente da lide, corolário de superveniente falta de interesse em agir pelo Impugnante, ora Recorrente, derivaria tão só da revogação total do ato administrativo em questão e não da revogação parcial, como facilmente se compreende que aconteceu.
XIX. A revogação do ato administrativo proferido em 07 de Fevereiro de 2014 poderia gerar uma situação de inutilidade superveniente da lide no processo de impugnação judicial instaurado Recorrente, se, na sequência dele, fosse efetivamente substituído por um outro ato, onde tivessem sido incluídos os demais créditos requeridos, conquanto a data de vencimento dos então créditos ocorreu em 01 de Setembro de 2012, dentro do período de vigência a que alude o artigo 319.°, n.º 1 da Lei 35/2004 de 29 de Julho.
XX. No caso em apreço, no mesmo despacho em que foi decidida a revogação, foi decidido novo ato parcial do requerimento apresentado pelo Recorrente LD, pelo que não se divisa qualquer momento em que, depois de proferido o ato impugnando, tenha sido proferido novo ofício onde fossem incluídos os demais créditos requeridos.
XXI. Por isso, não se pode entender que a presente impugnação judicial tenha deixado de ter interesse para o Impugnante LD.
XXII. Concomitantemente, justifica-se a continuação do processo, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo",
XXIII. Só assim a decisão final neste processo pode não ser violadora, nomeadamente, do artigo 319.°, n.º 1 da Lei 35/2004 de 29 de Julho e dos artigos 46.°, 50.° e 51.° todos do CPTA.
Termos em que, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a sentença recorrida.
Desta forma, pelo exposto, entende-se que se fará a costumada JUSTIÇA!”
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O aqui Recorrido/FGS veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 27 de janeiro de 2017, nas quais concluiu:
1. Salvo melhor opinião. a douta sentença proferida neste processo não merece qualquer censura ou reparo. Todavia dela foi interposto recurso pelo Autor que, no essencial, sustenta nas respetivas conclusões que, uma vez que o ato revogatório não deferiu totalmente o seu requerimento ao Fundo Garantia Salarial (adiante apenas designado por FGS), ele ainda tinha interesse na impugnação, logo, o Tribunal a quo não podia ter declarada extinta a instância.
2. Não assiste, porém, qualquer razão ao Recorrente. Senão vejamos:
3. No pedido formulado na sua petição inicial o Autor pediu a anulação do despacho proferido em 21/02/2014 pelo FGS, por violação de normas legais que enumerou.
4. Porém, este despacho foi, no decurso da ação, revogado pelo FGS. Na verdade,
5. em 10/07/2014, o FGS emitiu um novo ato administrativo em substituição do anterior,
6. O qual foi notificado ao Autor em 10/10/2014.
7. A douta sentença proferida pelo Tribunal o quo entendeu, e bem, que, uma vez que o Réu revogou o decisão Impugnada (datada de 21/02/2014), não há qualquer utilidade no prosseguimento dos presentes autos, tendo ficado prejudicado o conhecimento das questões suscitadas, pelo que, declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
8. Com efeito, o Tribunal não podia, sem mais, apreciar eventuais vícios deste segundo ato, tendo em conta os fundamentos invocados na petição inicial/contestação que estavam apenas direcionados para o primeiro ato.
9. Aliás, o artº 64º do CPTA, que prevê especificamente esta situação, refere que a revogação do ato e a sua substituição por outro ato que regula de novo a situação jurídico - que foi o que sucedeu no caso em apreço - gera a extinção da instância quando o autor não tenha requerido, como não requereu, o prosseguimento do processo contra o novo ato,
10. sendo que este requerimento deve ser feito dentro do prazo de impugnação do ato revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância.
11. Ora, embora por efeito do presente recurso não tenha, ainda, transitado em julgado a decisão que julgou extinta a instância.
12. o certo é que já foi ultrapassado o prazo de impugnação do ato revogatório – Cfr. artº 58°, 2. b) do CPTA.
13. Assim, sendo aqueles requisitos cumulativos para requerer o prosseguimento do processo contra o novo ato, deixou, também de ter interesse/utilidade o presente recurso pois o Tribunal está impedido de apreciar o ato revogatório que já se consolidou na ordem jurídica.
14. Em termos simples, diga-se que o FGS praticou dois atos, sendo que o segundo ato substituiu o primeiro. Por isso.
15. o Autor devia ter impugnado cada um dos atos, sendo que o segundo ato podia ter sido impugnado com mero requerimento de prosseguimento do processo, mas dentro do prazo de impugnação, isto é, dentro do prazo de 3 meses.
16. Cabia ao Autor o ónus de, atempadamente, requerer o prosseguimento do processo contra o novo ato, sendo que o não fez.
17. Agora, o Autor/Recorrente, sem qualquer pedido, pretende que o Tribunal, oficiosamente, aprecie o segundo ato praticado pelo FGS, à luz dos factos alegados na petição inicial, apenas porque o seu requerimento não foi totalmente deferido.
18. Ora, como vimos, não é isso que decorre da lei:
19. Pelo exposto, não pode ser assacada à douta sentença proferida qualquer erro ou vício que importe a sua revogação.
TERMOS EM QUE, mantendo a douta sentença farão V. Exas a habitual Justiça”
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Após vicissitudes processuais e procedimentais, que aqui não relevam, por Despacho de 2 de fevereiro de 2017 foi admitido o Recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 15 de fevereiro de 2017, veio a emitir Parecer em 27 de fevereiro de 2017, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a, aliás douta sentença recorrida determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para o prosseguimento dos seus ulteriores termos processuais, se nada mais a tanto vier a obstar.”
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, de modo a verificar se se mostrarão preenchidos os requisitos determinantes da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O tribunal de 1ª instância não fixou qualquer matéria de facto, em face do que se impõe firmar a principal factualidade relevante:
O aqui Recorrente requereu em 18/10/2012 o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho
Em 21/02/014 o FGS deferiu parcialmente a pretensão do aqui Recorrente para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho;
Em 21/05/2014 o aqui Recorrente impugnou junto do TAF de Braga o ato identificado em 2;
Por Despacho de 10/07/2014 o FGS revogou o ato referido em 2, mais deferindo parcialmente a pretensão do aqui Recorrente;
Em 02/09/2014, veio o aqui Recorrente requerer o prosseguimento da Ação contra o novo ato do FGS
Em 23/02/2015, foi no TAF de Braga proferida a seguinte decisão:
“Veio LDFMP intentar ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo contra o Fundo de Garantia Salarial, requerendo a anulação do Despacho proferido em 21 de Fevereiro de 2014, que deferiu parcialmente o requerimento do Autor e, ainda, a condenação do Réu no pagamento dos honorários do mandatário do Autor.
Citado o réu para, querendo, contestar, veio este dizer que o despacho impugnado foi revogado pelo seu autor e emitido novo ato em 10 de Julho de 2014 e requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Relativamente ao segundo pedido pugna pelo seu indeferimento.
Vejamos:
Conforme resulta dos autos, na pendência da presente ação, o Réu revogou a decisão impugnada, isto é, o ato administrativo impugnado deixou de existir na ordem jurídica, pelo que não há qualquer utilidade no prosseguimento dos presentes autos, ficando prejudicado o conhecimento das questões suscitadas.
Pelo exposto, declaro a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.”
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IV – Do Direito
Importa apreciar e decidir o suscitado, sendo que se acompanhará, no essencial, o entendimento adotado pelo Ministério Público no Parecer que emitiu nesta instância.
Efetivamente, o Autor veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida no TAF de Braga, a qual, com fundamento na revogação do ato objeto de impugnação, na pendência da presente ação, julgou extinta a instância, em resultado da declarada inutilidade superveniente da lide.
Defende o Recorrente que o tribunal a quo adotou errada interpretação e aplicação dos artigos 3.° do Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de junho, 319.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, 46.°, 50.° e 51.°, do CPTA, concluindo no sentido de dever ser revogada a Sentença e ordenado o prosseguimento da presente Ação.
Aqui chegados, importa verificar se estão reunidos os pressupostos tendentes à declarada inutilidade superveniente da lide.
Importa desde logo sublinhar que no TAF de Braga, o mais recente ato do FGS foi qualificado como um ato revogatório, sendo que é genericamente entendido que ato administrativo revogatório é aquele que visa extinguir ou fazer cessar os efeitos de ato anterior.
Como afirmou SÉRVULO CORREIA, a "revogação é o ato administrativo que tem por pressuposto um anterior ato administrativo e por conteúdo a destruição dos efeitos jurídicos deste ou a cessação dos mesmos para o futuro" (in Noções de Direito Administrativo, vol. I, págs. 471 a 478).
A Revogação, nas palavras de ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, "consiste na extinção de todos ou parte dos efeitos de um ato administrativo de um ato administrativo, provocada por um novo ato administrativo que se pratica, explícita ou implicitamente, com fundamento em inoportunidade ou inconveniência do primeiro. Por outras palavras: é uma decisão administrativa dirigida à cessação dos efeitos de outra decisão administrativa prévia, por se entender que os efeitos desta não são convenientes, não representam uma maneira adequada de prosseguir o interesse público em causa" (in Código do Procedimento Administrativo, 2.a ed., pág. 667).
O referido, não obsta à verificação da revogação implícita que, na expressão de SÉRVULO CORREIA, se verificará "sempre que de uma declaração de vontade exprimindo diretamente um certo conteúdo resulte necessariamente a pressuposição da existência de mais uma vontade do mesmo órgão ou agente dirigida à destruição ou cessação para o futuro dos efeitos jurídicos de um ato definitivo anterior" (obra citada, págs. 472/473).
Assim, "não se deve confundir o ato revogatório com um novo ato com conteúdo diferente e porventura contrário ao do ato anterior: este é um novo ato administrativo que substitui outro ato anterior dispondo para o futuro em termos opostos aos fixados neste. O ato anterior produziu os seus efeitos e deixa de vigorar porque o seu lugar foi tomado por outro ato de conteúdo diferente que implicitamente o revoga, Ora o ato de revogação tem por objeto direto e explícito destruir ou fazer cessar os efeitos do ato revogado sem, em si próprio, o substituir"
(MARCELLO CAETANO, in Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 531).
Relativamente a estas questões, afirma JOSÉ ROBIN DE ANDRADE que "(...) na medida em que produz exclusivamente efeitos destrutivos, a revogação pura e simples é necessariamente explícita, pois só pode ser implícita a revogação que resulta de ato cuja regulamentação material positiva é incompatível com os efeitos jurídicos produzidos por ato administrativo anterior. Por outras palavras, só pode ser implícita a revogação com nova regulamentação material, isto é, a revogação que, a par dos seus efeitos destrutivos típicos, produz efeitos positivos, regulando juridicamente ex novo a situação disciplinada pelo ato revogado" (in A Revogação dos Atos Administrativos, 2.ª edição, 1985, Coimbra Editora, págs. 39/40).
Mais refere o mesmo Autor que "a revogação implica por definição a ideia de uma extinção dos efeitos jurídicos de um certo ato administrativo por obra de um ato posterior." (in obra citada, págs. 24 e 25; realce no original).
Como resultava já do Artº 138º do CPA de 1991, a revogação pode ser espontânea (ou retratação), devendo-se, pois, aqui à iniciativa dos órgãos competentes ou, ao invés, provocada, que é justamente a efetuada a pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo.
Ainda a este respeito, e com relevância para o que se decidirá, refere o Artº 64.º do CPTA, sob a epígrafe "Revogação do ato impugnado com efeitos retroativos", que "1 - Quando, na pendência do processo, seja proferido ato revogatório com efeitos retroativos do ato impugnado, acompanhado de nova regulação da situação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova.
2 - O requerimento a que se refere o número anterior deve ser apresentado no prazo de impugnação do ato revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância.
3 - O disposto no n.º 1 é aplicável a todos os casos em que o ato impugnado seja, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos, e ainda no caso de o ato revogatório já ter sido praticado no momento em que o processo foi intentado, sem que o autor disso tivesse ou devesse ter conhecimento".
Em face do precedente enquadramento legal e doutrinário, vejamos a situação objeto de apreciação, em função do despacho de 10/07/2014, o qual tem manifestamente natureza revogatória do originário ato que havia sido objeto de impugnação.
Efetivamente o novel ato constitui um ato revogatório, na medida em que não se limitou a reproduzir o ato anterior, aditando-lhe embora outra fundamentação, constituindo antes um novo ato, cujo sentido e efeitos são inovatórios, definindo a situação em causa.
Na realidade, o Fundo de Garantia Salarial reanalisou a questão controvertida, tendo concluído pela ilegalidade da originária decisão objeto da presente ação, esclarecendo o sentido e alcance deste novo ato, explicitando a razão da nova decisão, substituindo e revogando o ato contenciosamente impugnado no âmbito da presente Ação.
Assim, sendo elemento estruturante do ato de revogação o seu efeito destrutivo, porque a prática do novo ato fez cessar os efeitos do anterior, objeto deste processo, importa concluir que já não se encontra em vigor o primeiro ato, em face do que os autos só poderão prosseguir para impugnação do ato revogatório, aplicando-se o estatuído no supra transcrito artigo 64.° do CPTA.
É incontornável que o Recorrente, no seguimento da prolação do novo ato, veio, em 3 de setembro de 2014, requerer o prosseguimento dos autos, o que à luz do referido Artº 64º do CPTA sempre determinaria o prosseguimento da tramitação processual, desta feita face ao ato de 10 de Julho de 2014.
Como sublinha o Ministério Público no seu Parecer emitido nesta instância, o tribunal a quo nem sequer emitiu pronúncia relativamente ao aludido requerimento do aqui Recorrente tendente ao prosseguimento da Ação, limitando-se singelamente a julgar extinta a instância, nos termos do artigo 277.°, alínea e), do CPC.
Com efeito, a possibilidade de alteração da instância, nos termos do art.º 64.° do CPTA, quando a revogação é meramente parcial, como é o caso dos autos, encontra-se legalmente prevista no n.º 3 do referido normativo.
Tendo o Recorrente tempestivamente, em 03/09/2014, requerido o prosseguimento da Ação relativamente ao novo ato, mais tendo requerido a sua anulação em virtude dos vícios de violação de lei que lhe imputava, tal determinaria que o tribunal a quo não poderia declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Nestes temos, é patente que a decisão proferida pelo tribunal a quo, e aqui recorrida, padece do invocado erro de julgamento, por inexistência de fundamento legal para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, impondo-se revogar a mesma, a qual deverá dar lugar a nova decisão que admita a alteração da instância, nos termos do art.º 64.º do CPTA, com o prosseguimento da Ação, para conhecimento e decisão sobre os vícios imputados ao ato revogatório.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a decisão recorrida, mais se determinando a baixa dos Autos ao TAF de Braga para prosseguimento dos seus ulteriores termos processuais, se nada mais a tanto vier a obstar.
Custas pela Entidade Recorrida
Porto, 9 de novembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira