Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00035/02 - PORTO
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2009
Relator:Francisco Rothes
Descritores:IRC – CUSTOS FISCAIS – PROVISÕES – INSTITUIÇÃO BANCÁRIA - ERRO NA INSCRIÇÃO CONTABILÍSTICA
Sumário:I - Não merece censura a actuação da AT que, face à contabilidade de uma contribuinte instituição de crédito, que indicava que uma provisão se destinava a fazer face a “riscos bancários gerais”, a desconsiderou como custo fiscal com o fundamento de que a mesma não estava prevista no Aviso n.º 3/95, de 30 de Junho, do Banco de Portugal, como realmente não está, uma vez que a relevância como custo fiscal das provisões específicas da actividade bancária, previstas à data na alínea d) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, dependia da respectiva previsão no referido aviso do Banco de Portugal (entidade em quem o legislador delegou a competência tributária de fixação da disciplina relativa à constituição das provisões próprias da actividade bancária e susceptíveis de serem consideradas como custos para efeitos de IRC).
II - É pacífico que, para além das provisões previstas naquela alínea, as instituições bancárias podiam constituir provisões relevantes como custos fiscais ao abrigo das demais alíneas do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, designadamente para fazer face «a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» (alínea c), daquele preceito).
III - Assim, sempre podia o Contribuinte demonstrar que as provisões por ele constituídas com a finalidade de ocorrer a obrigações e encargos decorrentes de acções judiciais só por lapso tinham sido inscritas na contabilidade como provisões “para riscos bancários gerais” e que tinham efectivamente sido constituídas ao abrigo do disposto na referida alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
IV - Isto, porque a declaração não tem efeitos constitutivos, admitindo-se que o contribuinte, ainda que não a tenha corrigido oportunamente, venha, mediante impugnação judicial (obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa obrigatória, no caso de autoliquidação e verificados que sejam os demais condicionalismos impostos no art. 131.º do CPPT), invocar a ilegalidade da liquidação que tenha tido origem em erro na declaração.
V - Nesse caso, contudo, exige-se ao contribuinte que alegue a factualidade pertinente à verificação do referido lapso e de que as provisões em causa respeitam todos os requisitos para a sua relevação como custos fiscais nos termos da alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
VI - Na ausência dessa alegação, o tribunal não pode oficiosamente dela indagar, pois nesta matéria os seus poderes de cognição estão limitados pela alegação (cf. art. 13.º do CPPT e 99.º da LGT).
VII - Seja como for, na situação descrita não pode fazer-se recair sobre a AT o ónus da prova desses requisitos, como se não tivesse havido o erro descrito em III (cf. arts. 74.º e 75.º da LGT).
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma inspecção ao “Banco , S.A.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrido), procedeu a quatro correcções à matéria colectável declarada pelo Contribuinte relativamente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e ao exercício do ano de 1998, das quais ora nos interessa apenas a resultante da desconsideração como custo fiscal do montante de Esc. 16.011.386$00 (€ 79.846,46) das provisões constituídas pela Contribuinte para “riscos bancários gerais”.
Porque o referido montante se destinava a provisionar perdas em acções judiciais em curso, a AT não o aceitou como custo fiscal com o fundamento que aquela provisão não se enquadrava na disciplina do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, como exigido nos termos do art. 33.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (() Todas as referências ao CIRC serão feitas para a versão em vigor à data dos factos, ou seja, para a versão anterior à revisão de que foi objecto por parte do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.-() Após a revisão operada pelo referido diploma legal, o art. 33.º corresponde ao art. 34.º.).
As correcções efectuadas determinaram uma liquidação adicional cuja anulação o Contribuinte pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto na presente impugnação judicial.

1.2 Tendo em visto demonstrar a ilegalidade daquela correcção, alegou o Contribuinte na petição inicial, em síntese, que as referidas provisões foram constituídas, não ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art. 33.º do CIRC, mas antes ao abrigo da alínea c) do mesmo preceito, sendo que às instituições de crédito deve ser permitida, não só a dedução das provisões impostas pelas normas prudenciais do sector, como também as demais previstas no CIRC; que estas devem ter-se por comuns a todas as actividades económicas, designadamente as respeitantes a obrigações e encargos resultantes de processos judiciais em curso, sob pena de ficaram «colocadas em condições fiscalmente mais gravosas do que a generalidade das demais empresas» e impedidas de «fazer face a situações de risco determinadas pela instauração, contra si, de processos judiciais», o que, atenta a natureza da actividade por elas exercida, «para além de irresponsável, se revelaria […] atentatório do próprio interesse público».

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (() Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto foi extinto, tendo-lhe sucedido na sua competência o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.) proferiu sentença na qual julgou a impugnação judicial totalmente procedente. Na parte que se refere àquela correcção, fazendo sua a argumentação do Impugnante, considerou que a questão a dirimir era a de «saber se às instituições de crédito é permitida a dedução de provisões impostas pelas normas do sector (constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal) ou se, para além dessas, ainda poderão ser deduzidas as demais provisões previstas no CIRC» e respondeu afirmativamente à questão.
Consequentemente, com o fundamento de que as provisões em causa foram constituídas ao abrigo da alínea c) do art. 33.º do CIRC e de que só as provisões constituídas ao abrigo da alínea d) do mesmo preceito ficam sujeitas à disciplina imposta pelo Banco de Portugal, concluiu pela ilegalidade da correcção resultante da desconsideração dessas provisões como custo fiscal.

1.4 Inconformada com essa sentença, a Fazenda Pública dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Em causa está o reforço/constituição da provisão designada pela impugnante de “provisão para riscos bancários gerais”, constituída para fazer face às perdas verificadas em acções judiciais em consequência de acções reclamadas judicial e extrajudicialmente contra a impugnante que, no entender da inspecção tributária, não se encontrando contempladas no nº 1 do Aviso do Banco de Portugal 3/95, de 30/06, foram objecto de correcção ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 33º do CIRC, como se refere no respectivo relatório;
2. Posteriormente em sede de reclamação graciosa e na presente impugnação, a impugnante alega que tais provisões foram constituídas, não ao abrigo da alínea d) do nº 1 do artº 33º do CIRC, mas ao abrigo do disposto na alínea c) do mesmo preceito;
3. Contrariamente ao decidido, entende a Fazenda Pública que a questão controvertida, não é tanto a de saber se a impugnante pode deduzir para efeitos fiscais as provisões constituídas para processos judiciais em curso ao abrigo da alínea c) do artº 33º e alínea h) do nº 1 do art. 23º do CIRC, pois sempre foi esse o entendimento da Administração Tributária, superiormente sancionado por despacho de 6/12/89 do SESEAF.
4. Mas sim a de determinar a natureza das provisões constituídas pela impugnante sob a designação de “Provisão para riscos bancários gerais”, em causa nos presentes autos, e quais as condições legalmente previstas para a sua aceitação como custos fiscais do exercício.
5. Segundo o Plano Oficial de Contabilidade (POC), a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate de uma simples estimativa de um passivo certo.
6. Na base desta consideração, estão os princípios contabilísticos da especialização dos exercícios e o da prudência, porquanto se pretende que a contabilidade traduza uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa.
7. Atentos estes princípios e procurando uniformizar a fiscalidade e a contabilidade, o legislador fixou, nos artºs 33º, nº 1, c) 23º, nº 1, h) e 18º do CIRC, na redacção vigente à data, regras precisas e objectivas quanto à constituição ou reforço das provisões para processos judiciais em curso, fiscalmente dedutíveis, as quais se aplicam no caso concreto:
Ø A constituição ou reforço da provisão deve estar apoiada em elementos objectivos e informações idóneas que justifiquem a natureza das obrigações e encargos derivados dos processos judiciais, o ano e o valor contabilizado;
Ø O valor das obrigações e encargos cobertos pela provisão devem ser dedutíveis para efeitos fiscais, como custo do exercício – encargos certos de montante indeterminado.
8. Os elementos constantes dos autos não são objectivos nem idóneos de forma a justificarem a aceitação das provisões como custo fiscal do ano de 1998, porquanto:
· não está provado a que critérios obedeceu a constituição das provisões no que respeita à quantificação dos valores contabilizados, nem sequer por referência ao valor das acções judiciais, de forma a aferir da correcção dos custos assim estimados;
· não está determinada a natureza dos encargos e obrigações que integraram essa quantificação para aferição da sua dedutibilidade para efeitos fiscais;
· não está provado de forma inequívoca, em que ano se verificou o risco de incorrência nos encargos e obrigações para os quais foram constituídas as provisões, determinação indispensável para a sua consideração ou não como custo fiscal do ano de 1998, atendendo ao princípio da especialização dos exercícios.
9. Não pode ter acolhimento, até porque contraria os princípios que vêm sendo enunciados, a tese de que a impugnante apenas constituía as provisões quando e na medida em que era prestada informação sobre o grau de risco e não quando a acção era intentada (prova testemunhal), sustentando assim critérios subjectivos quanto ao momento da constituição das provisões.
10. A instauração de acção judicial contra a impugnante, está muito além de apenas constituir uma referência simplista de risco de responsabilidade por obrigações e encargos, antes constitui um indício seguro e correspondente a um critério objectiva e legalmente definido, de que nesse momento existe um risco sério de lhe serem imputadas responsabilidades contra as quais se deve precaver.
11. A doutrina vigente é no sentido de que a constituição da provisão, é obrigatória para o contribuinte que dela se pretenda aproveitar, e também no sentido que tem de ser inscrita como tal no primeiro exercício em que ocorrerem os pressupostos previstos na lei.
12. Para que a constituição em 1998 das provisões para processos judiciais em curso em causa nestes autos, fossem aceites como custo fiscal, teria de ser demonstrado e provado pela impugnante, pois que tal ónus lhe cabe, face ao disposto no artº 342º do CC e hoje, artº 74º da LGT, que se verificaram nesse exercício os
13. Mesmo que se considere que as restantes acções deram entrada no tribunal ou foram conhecidas da impugnante no ano de 1998 e que reúnem os restantes requisitos legais para a sua admissibilidade como custo fiscal, no que não se concede pelas razões expostas, não poderão ser aceites, por clara violação do princípio da especialização dos exercícios enunciado no artº 18º do CIRC, a dotação das provisões respeitantes às acções interpostas pela “Klockner” e Ana Maria Bicho Rosa.
14. Tudo apontando para que tais acções tenham sido interpostas e conhecidos da impugnante em exercícios anteriores (1987 e 1996), não se pode aceitar que, por parte da impugnante, o risco da responsabilidade pelas obrigações e encargos se considere devidamente justificado em 1998, vários anos após a instauração dos respectivos processos judiciais contra a mesma.
15. Ascendendo o valor das dotações das provisões para fazer face a estas acções a 19 152 500$00, este valor, por si só, é superior à correcção fiscal de 16 011 386$00 ora em causa, correspondente ao saldo desta provisão, cuja dotação total no exercício de 1998 foi no montante de 24 067 969$00 à qual se deduziram reposições no valor de 8 056 583$00.
16. É de manter a correcção efectuada pela Administração Tributária ao resultado tributável declarado do exercício de 1998, por não consideração como custo fiscal das provisões ora em causa, embora por razões diversas das ora explanadas, pois que as mesmas se mostram indevidas por não obedecerem aos requisitos legalmente previstos para a sua constituição.
17. Ao não decidir desta forma, a douta sentença recorrida violou as disposições legais supracitadas.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida na parte que determina a anulação, e consequente, a respectiva liquidação, da correcção técnica às provisões para riscos bancários gerais» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.).

1.6 O Impugnante contra alegou, pugnando pela manutenção do decidido e sintetizando as suas alegações em conclusões do seguinte teor:
«
1.ª O Tribunal a quo julgou integralmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrido contra a liquidação adicional de IRC de 1998 melhor identificada nos autos, tendo decidido, no que releva para os presentes autos de recurso, pela anulação da mencionada liquidação adicional na parte em que desconsiderou o custo fiscal relativo a provisões constituídas para fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso.
2.ª Invoca aquele Tribunal a quo, como fundamento daquela decisão, a circunstância da aludida provisão ter sido constituída pelo recorrido ao abrigo da alínea c) do art. 33.º do CIRC e da Administração Tributária ter fundado a sua desconsideração fiscal ao abrigo da alínea d) do mesmo preceito;
2.ª [(() Por manifesto lapso, o Recorrido usou o n.º 2 duas vezes, lapso que se repercutiu na ulterior numeração das conclusões.)] Daquela decisão foi deduzido recurso pelo ilustre Representante da Fazenda Pública com fundamento no facto de não se verificarem, no caso presente, os pressupostos previstos na alínea c) do art. 33.º do CIRC, para a constituição da referida provisão, bem como na violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18.º, do CIRC.
3.ª Como se demonstrou nos presentes autos a aferição pretendida pelo ilustre Representante da Fazenda Pública da verificação ou não dos pressupostos previstos na alínea c) do art. 33.º do CIRC constitui questão que não só extravasa o objecto dos mesmos como, a ser admitida, traduziria uma clara fundamentação a posteriori do acto tributário legalmente vedada nos termos do regime fixado designadamente nos arts. 36.º e 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do art. 77.º, n.º 2, da LGT.
4.ª Razões pelas quais deve, sem mais, ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida;
5.ª Acresce que, mesmo julgando improcedente a conclusão anterior e que se imporia a eventual demonstração de verificação dos pressupostos que possibilitariam a constituição da provisão nos termos do art. 33.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, ainda assim, o presente recurso não seria de proceder;
6.ª Efectivamente, tendo o recorrido demonstrado no plano contabilístico e fiscal que a constituição da provisão em apreço havia sido efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do art. 33.º do CIRC e atenta a presunção de veracidade dos factos evidenciados pela contabilidade e seus elementos prevista no art. 75.º da LGT e a conjugação desta com a plena documentação do custo e a sua expressa previsão legal no art. 23.º do CIRC, as quais conduzem à sua imediata natureza de indispensabilidade, sempre seria sobre a Administração Tributária que recaía o ónus da prova de que os aludidos pressupostos não se verificam;
7.ª Ora, é precisamente este ónus que recaía sobre a Administração Tributária que a mesma não afastou em momento algum, nem afasta agora o ilustre Representante da Fazenda Pública no seu recurso, mantendo-se, assim, válida a presunção de veracidade da evidência contabilística e, por consequência, a presunção de que tais pressupostos se verificam, como, aliás, efectivamente se verificaram;
8.ª De igual modo, também improcede a alegada violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18.º do CIRC, uma vez que, como se demonstrou, o mesmo em nada obsta à constituição no exercício e nos termos e montantes pelos quais foi feita, da provisão sub judice;
9.ª Termos em que, também com estes fundamentos, improcede todo o alegado pelo ilustre Representante da Fazenda Pública, devendo julgar-se improcedente o rpesente recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

Por todo o alegado, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, na parte objecto do mesmo, a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA».

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público para emissão de parecer.

1.8 Os Juízes adjuntos tiveram vista do processo.

1.9 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quanto entendeu ilegal a correcção operada pela AT na matéria tributável declarada pelo Contribuinte para efeitos de IRC com referência ao exercício do ano de 1998 por ter desconsiderado como custo fiscal parte da provisão registada contabilisticamente como para “riscos bancários gerais”.

*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos:
«Com fundamento nos elementos existentes nos autos, considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:
1- Na sequência de exame à escrita levado a cabo pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Geral dos Impostos, foram efectuadas diversas correcções ao lucro tributável apurado pelo impugnante na declaração modelo 22 referente ao exercício de 1998;
2- Das conclusões da acção inspectiva constantes do relatório de inspecção, resulta que as correcções do resultado fiscal apurado pelo impugnante foram as seguintes:
a) acréscimo de € 79.864,46 (Esc. 16.011.386$00), relativos à não aceitação como custo fiscal do reforço da provisão para riscos bancários gerais constituída para fazer face a perdas verificadas em acções judiciais em consequência de acções reclamadas judicial e extra-judicialmente, contra o Banco, por se entender não estarem estas provisões previstas no Aviso 3/95 do Banco de Portugal;
b) acréscimo de € 39.981,55 (Esc. 8.015.582$00) correspondente ao valor dos encargos contabilizados na conta 6719 – “Outras Perdas Extraordinárias” – reputados como não indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos inerentes à actividade do Banco e não aceites fiscalmente nos termos do art. 23º do CIRC;
c) acréscimo de € 60.438,85 (Esc. 12.116.902$00), respeitante ao excesso de amortizações decorrentes da aplicação a determinados bens do activo corpóreo do regime de amortizações das despesas de instalação;
3- Por força das referidas correcções e da desconsideração dos prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, foi fixada adicionalmente quanto ao exercício de 1998, uma matéria colectável de € 14.341.113,30 (Esc. 2.875.135.076$00) e uma colecta de € 4.875.978,52 (Esc. 977.545.926$00) quando o impugnante não havia apurado qualquer matéria colectável nem, consequentemente, qualquer colecta;
4- A este valor acresce ainda a derrama no montante de € 487.597,85 (Esc. 97.754.593$00), imposto sobre despesas confidenciais no valor de € 4.937,52 (Esc. 989.884$00) e juros compensatórios no montante de € 1.307.830,95 (Esc. 262.196.565$00);
5- Tendo em consideração o crédito de imposto devido ao oponente em função da autoliquidação, perfaz o imposto a entregar pelo impugnante no montante de € 6.671.407,33 (Esc. 1.337.497.084$00);
6- Em 26/1/2001, a Administração Tributário procedeu à liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1998, na importância a pagar de Esc. 1.337.497.084$00, sendo a data limite para o efeito em 26/3/2002 – cfr. fls. 23 dos autos;
7- O impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em 6 – cfr. fls. 14 a 22 dos autos;
8- Em virtude da presunção de indeferimento tácito da referida reclamação graciosa, veio oponente impugnante interpor a presente impugnação, em 21/2/2002;
9- Na sequência do deferimento parcial das reclamações graciosas relativas aos exercícios de 1992 e 1993 e da fixação dos prejuízos fiscais corrigidos desses exercícios com repercussões nos exercícios subsequentes (incluindo o exercício de 1998), o impugnante deduziu nova reclamação graciosa com fundamento na ilegalidade superveniente do mesmo por desconsideração de prejuízos fiscais validamente apurados em exercícios anteriores – cfr. fls. 74 a 80 dos autos;
10- Em cumprimento do disposto no art. 111º, nº 4 do CPPT, foi ordenada a apensação dos autos de reclamação graciosa aos presentes autos – cfr. P.A. anexo;
11- A Administração Tributária, na sequência do deferimento parcial das reclamações graciosas relativas à fixação da matéria colectável dos exercícios de 1992 e 1993 do Banco Fonsecas e Burnay, S.A., fixou os prejuízos fiscais corrigidos desses exercícios em € 56.729.441,19 (Esc. 11.373.231.828$00) e € 2.136.071,77 (Esc. 428.243.941$00), respectivamente – cfr. fls. 84 e 86 dos autos;
12- Além da provisão correspondente a 1% sobre todo o crédito concedido (provisão para riscos gerais de crédito), o Banco efectuou provisões para outros riscos e encargos para fazer face a acções judiciais ou extrajudiciais contra o banco – cfr. depoimento da testemunha;
13- Estas provisões apenas eram efectuadas quando e na medida em que era prestada informação sobre o grau de risco da acção e não quando a acção era intentada – cfr. depoimento da testemunha.

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, na admissão por acordo e no depoimento da testemunha».

2.1.2 Para além dos factos fixados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto acima referidos e que damos como assentes, entendemos que relevam ainda para a decisão a proferir os seguintes:
14- O relatório da inspecção, quanto à correcção referida no item 2 a), dos factos que a 1.ª instância deu como provados é do seguinte teor:
«[…]
1.2.1.2 Provisões não dedutíveis
- 16.011.386$00, correspondente ao reforço da Provisão para riscos bancários gerais, a qual foi constituída para fazer face às perdas verificadas em acções judiciais em consequência de acções reclamadas judicial e extra-judicialmente, contra o banco.
De facto o nº 1º, do Aviso 3/95, de 30/06, não contempla este tipo de provisão pelo que a mesma foi corrigida ao abrigo da alínea d), do n.º 1, do artº 33º, do CIRC, conjugado com o nº 1º, da atrás citado Aviso 3/95»
(cf. cópia do relatório, a fls. 33).
15- A provisão em causa foi inscrita contabilisticamente na conta respeitante às provisões para “riscos bancários gerais” (como resulta da alegação do Impugnante e dos elementos constantes dos autos, designadamente a informação prestada no processo de reclamação graciosa, onde, nos pontos 3.2 e 3.3, deixou expresso que «o sujeito passivo vem informar que as referidas provisões foram constituídas com fundamento diferente do evidenciado contabilisticamente» e «[c]onsiderando o sujeito passivo um enquadramente diferente do evidenciado», o que tudo significa que a provisão em causa foi registada contabilisticamente na subconta “Para riscos bancários gerais” e não na subconta “Para outros riscos e encargos”).

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2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A AT, na sequência de uma acção de fiscalização ao “Banco , S.A.”, efectuou diversas correcções ao rendimento tributável declarado, de que resultou uma liquidação adicional de IRC, por não ter aceite diversos custos fiscais, entre os quais o respeitante ao reforço da provisão “para riscos bancários gerais”, na parte em que foi constituído pelo Contribuinte para fazer face a obrigações e encargos resultantes de processos judiciais em curso. Como fundamento para essa correcção, a AT externou a seguinte motivação: «o nº 1º, do Aviso 3/95, de 30/06, não contempla este tipo de provisão pelo que a mesma foi corrigida ao abrigo da alínea d), do n.º 1, do artº 33º, do CIRC, conjugado com o nº 1º, da atrás citado Aviso 3/95».
Na verdade, atento o teor da alínea d) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC (() Disposição legal que, na redacção aplicável, que é a da Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro (Orçamento Suplementar ao Orçamento do Estado para 1993), dispunha:
«As que, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal, tiverem sido constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro de Comunidade Europeia, bem como as que tiverem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Instituto de Seguros de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização, incluindo as provisões técnicas que as empresas seguradoras se encontram legalmente obrigadas a constituir».), é inquestionável que só eram admissíveis como custos fiscais as provisões para riscos bancários gerais (() Note-se que nos referimos à redacção da alínea d) anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento do Estado para 2000).) que fossem constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal (() Ao contrário do que sucede relativamente a outras provisões, em que o legislador enunciou o seu critério definidor e reservou para a AT o poder regulamentar de fixar as respectivas taxas e limites, neste caso delegou no Banco de Portugal o exercício do poder tributário de fixação da disciplina relativa à constituição das provisões próprias da actividade bancária e susceptíveis de serem consideradas como custos para efeitos de IRC (cf. art. 33.º, n.º 1, alínea d), do CIRC, na referida redacção). Como ficou dito no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Março de 1998, proferido no processo com o n.º 16.745, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 2001, págs. 34 a 38 e com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/144636bf876b7826802568fc0039aa0d?OpenDocument:
«Estamos perante um caso nítido de delegação do poder administrativo próprio de certa administração directa do Estado (a administração fiscal) numa outra administração não fiscal do Estado exercida por forma indirecta, numa administração levada a cabo através de institutos públicos, como é o caso do Banco de Portugal (2), cuja explicação se prende com o facto de este se encontrar melhor posicionado para surpreender e dar satisfação ao interesse público que aqui se resolve numa certa conciliação entre os interesses da obtenção de receitas fiscais com os da execução de uma correcta política monetária e financeira a ser concretizada por todos os agentes financeiros e que constitui uma específica atribuição do Banco de Portugal».-() Hoje, desde 1 de Janeiro de 2007, o próprio CIRC prevê o regime das provisões aplicável ao sistema financeiro, tipificando as provisões fiscalmente aceites, nos termos do art. 35.º-A, que foi aditado pelo art. 53.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).). Como também é inquestionável que as provisões para fazer face a obrigações e encargos resultantes de processos judiciais em curso não se incluem entre as provisões específicas constituídas de harmonia com a disciplina do Banco de Portugal, constante do referido Aviso com o n.º 3/95, de 25 de Junho (() Publicado no Diário da República, II série, 2.º Suplemento, n.º 149, de 30 de Junho de 1995.).
O Contribuinte impugnou essa liquidação com fundamento de que a provisão não fora constituída ao abrigo da alínea d) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, onde estão previstas as provisões específicas da actividade das instituições de crédito, mas antes ao abrigo da alínea c) do mesmo preceito legal, que prevê que sejam tidas como custos fiscais as provisões «que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício».
Toda a argumentação do Impugnante, visando demonstrar a ilegalidade da correcção em causa, foi no sentido de demonstrar que às instituições de crédito deve ser permitida, não só a dedução das provisões impostas pelas normas prudenciais do sector, como também as demais previstas no CIRC, que devem ter-se por comuns a todas as actividades económicas, e, entre estas, as respeitantes a obrigações e encargos resultantes de processos judiciais em curso.
E foi acolhendo essa argumentação que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente, como decorre da sentença, que elegeu como questão a apreciar e decidir a de saber «se às instituições de crédito é permitida a dedução de provisões impostas pelas normas do sector (constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal) ou se, para além dessas, ainda poderão ser deduzidas as demais provisões previstas no CIRC».
Mas, salvo o devido respeito, embora o Impugnante tenha pretendido deslocar o âmbito da controvérsia para essa questão, a verdade é que a AT nunca afirmou que o Contribuinte, enquanto instituição de crédito, não podia deduzir outras provisões senão as que fossem constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal e, seguramente, não foi com esse fundamento que procedeu à correcção ora em causa (() Se dúvida houver, veja-se o facto que aditamos sob o n.º 14, em que reproduzimos textualmente o teor do relatório da fiscalização na parte que serviu de fundamentação à correcção em causa.). O que a AT afirmou como fundamento desta correcção foi, isso sim, que as provisões em causa, que a Contribuinte declarou como constituídas para “riscos bancários gerais”, porque não previstas no Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, não podiam ser consideradas como custos fiscais ao abrigo da alínea d) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, o que, salvo o devido respeito, é algo bem diferente.
Sempre salvo o devido respeito, nem o Impugnante nem a sentença valorizaram um facto que, a nosso ver, é decisivo para a sorte da impugnação judicial: é que foi o Contribuinte quem, na sua contabilidade e, consequentemente, na sua declaração, inscreveu as provisões em causa como para “riscos bancários gerais”. Assim, ainda que na reclamação graciosa e na impugnação judicial tenha vindo alegar que as provisões em causa foram constituídas ao abrigo da alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, e não da alínea d) do mesmo preceito legal, o que a sentença aceitou sem mais, não podemos ignorar que, contabilisticamente, as inscreveu como “riscos bancários gerais”, ou seja, as mesmas não se encontravam correctamente evidenciadas na sua contabilidade.
Ou seja, a nosso ver, o Impugnante, eventualmente por uma menos bem conseguida compreensão do discurso fundamentador externado pela AT, deslocou o âmbito da questão controvertida para onde não existia controvérsia alguma e a sentença deixou-se convencer pela argumentação aduzida na petição inicial.
Na verdade, a AT nunca pôs em causa a possibilidade do Contribuinte constituir provisões para «ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» ao abrigo da alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC (() A própria Recorrente nos dá conta da existência de instruções da AT que consagram tal doutrina.).
Não pode ignorar-se que a fundamentação utilizada pela AT na desconsideração das provisões em causa como custo fiscal – a de que as mesmas não estão previstas no Aviso n.º 3/95, do Banco de Portugal – tem como pano de fundo o tratamento contabilístico que a Contribuinte deu a essas provisões, inscrevendo-as como para “riscos bancários gerais”, ao invés de o ter feito como para “encargos resultantes de processo judiciais em curso” (() Com interesse, veja-se o Anexo à Instrução n.º 15/98 do Banco de Portugal, que faz a lista das contas e delimita o seu âmbito, e onde expressamente se refere que às provisões “Para outros riscos e encargos” (em que inclui os resultantes de processo judiciais em curso) e “Para riscos bancários gerais” correspondem, respectivamente, as subcontas 613 e 619.).
Registada que ficou esta nota prévia relativa à fundamentação da correcção ora em causa e porque o Contribuinte veio sustentar, na reclamação graciosa e na presente impugnação judicial, que as provisões em causa foram constituídas ao abrigo da alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, ou seja, com um fundamento diverso do revelado contabilisticamente, logo podemos concluir que a questão controvertida nos autos é, afinal, como bem sustenta a Recorrente, a de saber qual a natureza das provisões inscritas na contabilidade sub a rubrica “provisão para riscos bancários gerais” e se estão verificadas as condições legalmente previstas para a sua aceitação como custos fiscais do exercício. Tal questão, contrariamente ao que defende o Recorrido, não pressupõe a aceitação de qualquer fundamentação a posteriori.
É certo que, como temos dito em muitas outras ocasiões, no contencioso tributário o tribunal não pode conhecer da legalidade do acto a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, sendo que apenas se poderão considerar como pressupostos do acto tributário aqueles que a AT fez constar da declaração fundamentadora que externou quando da prática do mesmo, não relevando outros eventuais fundamentos que não constem daquela declaração, ainda que porventura mais ajustados à concreta situação.
No entanto, não pode sustentar-se que a AT pretenda aduzir qualquer nova fundamentação para o acto tributário impugnado na parte em que este teve origem na correcção que ora consideramos.
O que sucede é que a Fazenda Pública, admitindo, se bem que não expressamente, que o Contribuinte possa demonstrar na presente impugnação judicial a ilegalidade da liquidação com fundamento num lapso por ele cometido na declaração (a declaração teve por base a contabilidade), faz no entanto depender o sucesso da impugnação da demonstração da verdadeira natureza das provisões em causa, bem como da comprovação de que estão verificados os requisitos para que as mesmas sejam consideradas dedutíveis como custos fiscais.
Note-se, previamente, que nada obsta a que um contribuinte invoque a ilegalidade da liquidação com fundamento num lapso por ele cometido num registo contabilístico e, consequentemente, na declaração de rendimentos para efeitos de IRC. Ou seja, sempre podia o Contribuinte demonstrar que as provisões por ele constituídas com a finalidade de ocorrer a obrigações e encargos decorrentes de acções judiciais e que, por lapso, tinha relevado contabilisticamente como “para riscos bancários gerais”, tinham efectivamente sido constituídas ao abrigo do disposto na referida alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
Isto, porque a declaração não tem efeitos constitutivos e a lei permite a impugnação judicial com fundamento em qualquer ilegalidade, quer ela tenha origem na actuação da AT, quer no erro do contribuinte na declaração (() Neste sentido, vide ALBERTO PINHEIRO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág. 205, que diz: «o acto tributário é impugnável sempre que ilegal, quer o seu conteúdo se identifique, quer divirja do da declaração do contribuinte».). Ainda que o contribuinte não tenho corrigido o lapso mediante a oportuna apresentação de declaração de substituição (cf. art. 59.º do CPPT), nada obsta a que venha ulteriormente, mediante impugnação judicial (obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa obrigatória, no caso de autoliquidação com fundamento não exclusivo em matéria de direito e de a autoliquidação não ter sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, como o impõe o art. 131.º do CPPT) invocar a ilegalidade da liquidação que tenha tido origem em erro na declaração.
Feitos estes considerandos em torno da fundamentação do acto tributário na parte que ora nos interessa e do objecto do processo e do recurso jurisdicional, e admitida que está a possibilidade de o Contribuinte impugnar judicialmente a liquidação com fundamento em erro praticado na declaração, resta-nos verificar se podemos ou não considerar demonstrados os requisitos constitutivos da subsunção das referidas provisões à alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC e, assim, se podem relevar como custos fiscais.
A Recorrente sustenta que não, enquanto o Recorrido sustenta que sim. Vejamos, sendo que se impõe também deixar algumas notas sobre a questão da distribuição do ónus da prova.

2.2.2 REQUISITOS PARA QUE AS PROVISÕES EM CAUSA FOSSEM ACEITES COMO CUSTO FISCAL – ÓNUS DA PROVA
Como vimos, ninguém questiona que podem relevar como custos fiscais as provisões que a Contribuinte tenha constituído para «ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que se determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» (cf. alínea c) do art. 33.º do CIRC). Não é por ser uma instituição bancária e, por isso, estar sujeita ao regime das provisões específicas das empresas do sector bancário, que o Contribuinte estava impedido de constituir provisões ao abrigo das demais alíneas do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
Por outro lado, com deixámos dito, não seria o facto de o Contribuinte, por lapso, não ter evidenciado devidamente na sua contabilidade um determinado montante que aí inscreveu a título de provisão a impedi-lo de em sede de impugnação judicial demonstrar tal erro e que se verificam os requisitos para que esse montante seja aceite como custo fiscal. No entanto, neste caso exige-se-lhe a alegação de toda a factualidade pertinente a demonstrar, quer a verificação do referido lapso contabilístico, quer que as provisões em causa respeitavam todos os requisitos necessários à sua relevação como custos fiscais.
Ora, compulsadas as petições, a da impugnação judicial e a da reclamação graciosa, não vislumbramos qualquer alegação nesse sentido. O Contribuinte limitou-se a alegar que as referidas provisões não aceites como custo fiscal pela AT foram constituídas, não ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art. 33.º do CIRC, mas ao abrigo da alínea c) do mesmo preceito e que às instituições de crédito deve ser permitida, não só a dedução das provisões impostas pelas normas prudenciais do sector, como também as demais previstas no CIRC.
Ou seja, o Contribuinte, porventura porque terá interpretado o discurso fundamentador com um sentido que ele não comporta, não entendeu necessário alegar, por um lado, que a provisão em causa não fora devidamente evidenciada na contabilidade por mero lapso e, por outro, toda a factualidade pertinente à verificação dos requisitos que permitissem subsumir essa provisão à alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
Na ausência dessa alegação, o tribunal não pode oficiosamente dela indagar, pois nesta matéria os seus poderes de cognição estão limitados aos factos alegados (cf. art. 13.º do CPPT e 99.º da LGT).
É certo que, tendo em conta a averiguação oficiosa desenvolvida pela AT na reclamação graciosa (onde não vigora o princípio do inquisitório pleno (() Cf. o art. 58.º da Lei Geral Tributária, que dispõe: «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».)), terão sido por ela apurados alguns factos pertinentes para ajuizar da possibilidade de subsumir a provisão em causa à alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
No entanto, a reclamação graciosa não mereceu deferimento (por formação da presunção de indeferimento) e está longe de ser conclusiva a esse respeito. Nem assim a Contribuinte se decidiu a alegar a factualidade necessária à verificação dos pressupostos necessários na petição inicial da impugnação.
Nem se diga, como o Recorrido, que era à Fazenda Pública, nos termos do disposto no art. 75.º da Lei Geral Tributária (Lei Geral Tributária) que competia o ónus da prova de que os pressupostos necessários para a constituição da provisão ao abrigo do art. 33º, n.º 1, alínea c), do CIRC, não se verificavam.
Essa asserção só seria válida caso a provisão tivesse sido devidamente evidenciada na contabilidade, o que, como deixámos já profusamente referido, não sucedeu. Na verdade, a provisão foi registada na contabilidade como sendo para “riscos bancários gerais” e, afinal, segundo o Impugnante, era para fazer face a “a obrigações e encargos decorrentes de acções judiciais”. Ora, a presunção de veracidade ínsita no art. 75.º da LGT, como decorre do próprio texto do preceito, só vale na medida em que a contabilidade estiver organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.
Ou seja, na situação descrita não vale a presunção de veracidade da contabilidade e, consequentemente, não pode fazer-se recair sobre a AT o ónus da prova desses requisitos, como se a provisão tivesse sido inscrita na contabilidade para “obrigações e encargos decorrentes de acções judiciais”, ao invés de para “riscos bancários gerais”. Recai, assim, o Contribuinte, de acordo com a regra do n.º 1 do art. 74.º da LGT (() Que segue a regra geral do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil: «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» ), o ónus da prova do factos constitutivos do seu direito a ver relevado como custo fiscal o montante da provisão em causa.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não merece censura a actuação da AT que, face à contabilidade de uma contribuinte instituição de crédito, que indicava que uma provisão se destinava a fazer face a “riscos bancários gerais”, a desconsiderou como custo fiscal com o fundamento de que a mesma não estava prevista no Aviso n.º 3/95, de 30 de Junho, do Banco de Portugal, como realmente não está, uma vez que a relevância como custo fiscal das provisões específicas da actividade bancária, previstas à data na alínea d) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, dependia da respectiva previsão no referido aviso do Banco de Portugal (entidade em quem o legislador delegou a competência tributária de fixação da disciplina relativa à constituição das provisões próprias da actividade bancária e susceptíveis de serem consideradas como custos para efeitos de IRC).
II - É pacífico que, para além das provisões previstas naquela alínea, as instituições bancárias podiam constituir provisões relevantes como custos fiscais ao abrigo das demais alíneas do art. 33.º, n.º 1, do CIRC, designadamente para fazer face «a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» (alínea c), daquele preceito).
III - Assim, sempre podia o Contribuinte demonstrar que as provisões por ele constituídas com a finalidade de ocorrer a obrigações e encargos decorrentes de acções judiciais só por lapso tinham sido inscritas na contabilidade como provisões “para riscos bancários gerais” e que tinham efectivamente sido constituídas ao abrigo do disposto na referida alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
IV - Isto, porque a declaração não tem efeitos constitutivos, admitindo-se que o contribuinte, ainda que não a tenha corrigido oportunamente, venha, mediante impugnação judicial (obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa obrigatória, no caso de autoliquidação e verificados que sejam os demais condicionalismos impostos no art. 131.º do CPPT), invocar a ilegalidade da liquidação que tenha tido origem em erro na declaração.
V - Nesse caso, contudo, exige-se ao contribuinte que alegue a factualidade pertinente à verificação do referido lapso e de que as provisões em causa respeitam todos os requisitos para a sua relevação como custos fiscais nos termos da alínea c) do art. 33.º, n.º 1, do CIRC.
VI - Na ausência dessa alegação, o tribunal não pode oficiosamente dela indagar, pois nesta matéria os seus poderes de cognição estão limitados pela alegação (cf. art. 13.º do CPPT e 99.º da LGT).
VII - Seja como for, na situação descrita não pode fazer-se recair sobre a AT o ónus da prova desses requisitos, como se não tivesse havido o erro descrito em III (cf. arts. 74.º e 75.º da LGT).
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida no segmento sob recurso e, consequentemente, manter a liquidação impugnada na parte que teve origem na correcção motivada pela desconsideração como custo fiscal das provisões em causa (identificadas na alínea a) do n.º 2 dos factos provados).

Custas pelo Recorrido, fixando-se a taxa de justiça em seis UC.


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Porto, 15 de Outubro de 2009


(Francisco Rothes)

(Fonseca Carvalho)

(Moisés Rodrigues)