Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00581/14.1BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 04/12/2018 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Cristina Travassos Bento |
Descritores: | ISENÇÃO DE IMI MONUMENTO NACIONAL ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
Sumário: | I - Numa acção administrativa especial, toda a matéria relativa à defesa da entidade demandada deve, nos termos do artigo 83º do CPTA, ser vertida, de forma articulada na contestação. Não padece, pois, de omissão de pronúncia, a sentença que não aprecia os fundamentos apenas invocados em sede de alegações, dado não se tratarem de fundamentos de conhecimento superveniente. II - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | A... |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I.Relatório A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que na acção administrativa especial deduzida por A..., devidamente identificado nos autos, a condenou a reconhecer a isenção de IMI ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 7..., fracção A. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “Em face de todo o exposto supra, a Recorrente formula as seguintes conclusões: 1.ª Por via do presente recurso pretende o Recorrente reagir contra a sentença proferida a 2017-03-23 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que determinou a anulação da decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI relativo ao prédio urbano propriedade do Recorrido e a condenação da Recorrente a praticar os atos administrativos necessários ao reconhecimento daquela isenção; 2.ª A decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de: (i) nulidade, atento o facto de ter omitido pronúncia sobre questões, tendo sido suscitadas, deveriam ter sido apreciadas; (ii) subsidiariamente parede de erro de julgamento, atento o facto de não ter apreciado devidamente a prova inclusa nos autos e de não ter interpretado corretamente a lei aplicável ao caso vertente; e (iii) cumulativamente de padece de inconstitucionalidade, pelo facto de a interpretação efetuada pelo referido areópago ofender os princípios (iii.a) da igualdade tributária, (iii.b) da capacidade contributiva, (iii.c) da justiça fiscal, (iii.d) da autonomia local, (iii.e) da participação na decisão e (iii.f) de reserva de lei. ~I ~ 3.ª A sentença padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido duas questões sobre as quais se deveria ter pronunciado; 4.ª Por via da Ação Administrativa Especial deduzida pelo Recorrido, visou este último colocar em crise o indeferimento do pedido de isenção de IMI em torno do prédio urbano do qual é proprietário; 5.ª Além da Contestação tempestivamente deduzida, a Recorrente apresentou ainda as suas alegações finais, por via das quais: (i) salientou o exercício de confundibilidade de conceitos jurídico-patrimoniais em que incorreu a Recorrida; (ii) alertou para a indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio; (iii) salientou o erro veiculado na certidão emitida pelo IGESPAR; e (iv) suscitou a inconstitucionalidade da interpretação propalada pelo Recorrido; 6.ª Cada uma destas questões era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor; 7.ª O tribunal a quo entendeu que a questão a decidir se limitava ao seguinte: «Ao Tribunal cumpre apreciar e decidir da isenção de IMI do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 7..., fracção A.»; 8.ª Contudo, não só este “elenco de questões” fixado pelo tribunal a quo veio omitir (i) a questão da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e (ii) a questão referente às inconstitucionalidades da interpretação feita pela Recorrida; 9.ª Como também – e mais importante ainda – a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquelas duas questões não despiciendas; 10.ª A problemática em torno (i) da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e (ii) das inconstitucionalidades da interpretação feita pela Recorrida, constituem verdadeiras questões e não meros argumentos; 11.ª Tão-pouco o tribunal a quo justificou – como se lhe impunha – a razão ou as razões que o levaram a não conhecer das restantes questões em causa suscitadas pela Recorrente; 12.ª A problemática em torno (i) da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e (ii) das inconstitucionalidades da interpretação feita pelo Recorrido não eram (nem são) questões cuja resolução da (única) questão delimitada pelo tribunal a quo; 13.ª Ainda que o tribunal a quo tenha aderido à tese propalada pelo Recorrido, permanece por conhecer: (i) se a interpretação sobre o benefício fiscal aqui em causa poderá ser aplicado a uma universalidade de prédios, quando bem se sabe que uma universalidade não se subsume no conceito fiscal de prédio patente no artigo 2.º do Código do IMI; e (ii) se a interpretação veiculada pela Recorrida é ainda conforme aos princípios da igualdade tributária, da justiça fiscal e da capacidade contributiva; 14.ª A sentença não padece de uma “mera” fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa”; 15.ª Acresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão – i.e., a de convencer os seus destinatários – o tribunal a quo coartou um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Recorrente: o recurso para o Tribunal Constitucional; 16.ª Face ao exposto, deverá a sentença sub judice ser declarada nula; ~II ~ 17.ª Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a mesma sentença padece de erro de julgamento; 18.ª Uma das circunstâncias que motivou o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo reside no facto deste ter confundido os conceitos de Classificação e de Designação patentes na LBPC; 19.ª Analisada a evolução do conceito de Classificação ao longo das sucessivas leis nacionais do património cultural durante o século XX, verifica-se que: (a) na Monarquia Constitucional previa-se uma única graduação de Classificação (Monumento Nacional); (b) na 1.ª República previam-se duas graduações de Classificação (Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público); (c) no Estado Novo previam-se três graduações de Classificação (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio); (d) no início da 3.ª República foi introduzido o conceito de Categoria e alargadas as graduações de Classificação, sendo nunca foram aplicadas em virtude da Lei 13/85 não ter sido regulamentada; e (e) durante a 3.ª República e até ao surgimento da LBPC continuaram a ser aplicadas as graduações de Classificação criadas pelo Estado Novo; 20.ª A inegável tecnicidade do Direito do Património Cultural levou a que o tribunal a quo tenha incorrido em várias confusões, designadamente à utilização indiferenciada de conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam a Categoria, a Classificação e a Designação, razão pela qual alega que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional; 21.ª O artigo 15.º da LBPC veio consagrar três conceitos jurídico-patrimoniais distintos e com um recorte técnico preciso, a saber: (a) a Categoria, (b) a Classificação e (c) a Designação; 22.ª São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15.º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições, para o que releva no caso sub judice, constam da Convenção da UNESCO de 1972; 23.ª São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15.º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal, organizadas numa escala de graduação decrescente; 24.ª A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional (artigo 15.º/3), ou seja, ao monumento, conjunto ou sítio (i.e., categorias) que se encontre classificado como sendo de Interesse Nacional (i.e., classificações) é-lhe ainda atribuída a designação de Monumento Nacional; 25.ª Ao afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional o tribunal a quo incorreu num erro de análise, na medida em que: (a) confundiu os atuais conceitos de Classificação e de Designação; e (b) confundiu o conceito de Designação introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional que vigorou entre o início da vigência do Decreto 20.985 de 1932 e a entrada em vigor da LBPC; 26.ª Desde 2001 que não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, logo é manifestamente impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional; 27.ª O Centro Histórico do Porto está classificado desde 2010-07-30, com a publicação do Aviso n.º 15173/2010, portanto, seria manifestamente impossível classificar em 2010, como Monumento Nacional, um bem cultural com uma classificação que não existe desde 2001; 28.ª Por outro lado, o conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 não equivale ao conceito de designação de Monumento Nacional constante da LBPC, pelo que também é manifestamente impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional; 29.ª Outra confusão e imprecisão prende-se com a circunstância de se afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como sendo Monumento Nacional em decorrência direta daquele ter sido “classificado como Património Mundial da UNESCO”, quando, na realidade, não existe qualquer classificação da UNESCO; 30.ª A “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da LBPC é tão só uma lista que está a cargo do Comité do Património Mundial; 31.ª Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem, pois a classificação de um bem cultural depende sempre de prévio procedimento administrativo de Classificação (cfr. artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015 e de 1991; artigo 18.º da LBPC e artigo 1.º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro); 32.ª A inscrição do Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial não foi precedida de qualquer procedimento administrativo visando um ato de classificação, uma vez que: (a) o Comité do Património Cultural da UNESCO não integra a Administração Pública portuguesa; (b) o Estado Português não delegou no Comité do Património Cultural da UNESCO a realização de um procedimento administrativo de classificação do Centro Histórico do Porto; (c) o Estado Português jamais procedeu à abertura de qualquer procedimento administrativo de classificação previamente à candidatura do Centro Histórico do Porto à inscrição na “Lista do Património Mundial”; 33.ª Ainda que ao arrepio do basilar princípio da legalidade fosse minimamente defensável (por recurso à analogia) que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” constitui uma classificação, tal “procedimento da UNESCO” sempre seria inválido, porquanto não houve, por exemplo, lugar a audição prévia por parte dos interessados que in casu reveste a forma de consulta pública; 34.ª Mais, ainda que, ao arrepio do basilar princípio da legalidade fosse minimamente defensável (por recurso à analogia) que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” constitui uma classificação, tal “classificação como Património Mundial da UNESCO” sempre seria ineficaz, porquanto não houve publicação da decisão do Comité do Património Mundial no jornal oficial português (até, porque, as decisões daquele comité não se inserem nos atos de publicação obrigatória no Diário da República – cfr. artigo 119.º da Constituição); 35.ª O artigo 72.º do Decreto-Lei 309/2009 ao determinar a abertura oficiosa de um procedimento de classificação após a inclusão de um bem na lista da UNESCO, mais não está a dizer ao intérprete da lei que até àquela abertura oficiosa não existia tal classificação, pelo que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” não constitui qualquer Classificação, mas, sim, “apenas” na atribuição de um novo estatuto honorífico ao bem em causa: de bem cultural nacional passa a ser (também) um bem cultural mundial; 36.ª Da articulação do Aviso n.º 15.173/2010, de 30 de julho, da LBPC e do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, resulta que: (a) somente com a publicação do Aviso n.º 15.173/2010 é que o Centro Histórico do Porto foi classificado; (b) ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não procedeu a qualquer classificação do Centro Histórico do Porto, apenas inseriu mais um registo numa lista de bens culturais de valor mundial; (c) de entre as três categorias possíveis (i.e., Monumento, Conjunto e Sítio) o Centro Histórico do Porto insere-se na categoria de Conjunto; (d) o Centro Histórico do Porto estará, quanto muito, classificado como de Interesse Nacional, logo é manifestamente impossível afirmar aquele está classificado como Monumento Nacional; 37.ª Além de o tribunal a quo não ter interpretado corretamente a lei aplicável (nomeadamente o Aviso n.º 15.173/2010), ele não apreciou devidamente a certidão emitida pelo IGESPAR do Norte, pois a mesma enferma e veicula um grave erro e assevera uma realidade que não existe; 38.ª Com o pedido de isenção de IMI em apreço, efetuado em 3.8.2012, o R. juntou certidão do IGESPAR, emitida em 22.9.2011, tendo decorrido entre a emissão da certidão referida e o pedido de isenção mais de 10 meses. Sendo que as certidões emitidas pelo IGESPAR perdem a sua validade decorridos 6 meses após a sua emissão, pelo que a realidade material que o R. com a mesma pretendia demonstrar em termos probatórios já não podia nem pode ser atestada pela mesma, razão pela qual a Recorrida impugnou o respectivo documento, para os devidos efeitos. 39.ª Não obstante claudicar a força probatória do documento referido, ainda assim acresce referir que a factualidade material que o R. pretendia comprovar com o dito documento é diversa da que faz parte do objecto da presente lide porquanto o certificado na referida certidão não consubstancia o procedimento exigido pela Lei para o reconhecimento de isenção requerida. - cfr fls. 8. do processo administrativo junto aos autos; 40.ª Acresce que a referida certidão tinha por efeito autorizar a transmissão onerosa do direito de propriedade dos imóveis em questão e não a instrução do processo para obtenção de de isenção de IMI nos termos do actual artigo 44.º n.º 1 alínea n) do EBF. 41.ª Não é minimamente compreensível que a dita certidão certifique que, quer o prédio urbano quer o Centro Histórico do Porto, estão ambos classificados como Monumento Nacional à luz da LBPC, quando desde 2001: (a) não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal; e (b) o conceito de Classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 não equivale ao conceito de Designação de Monumento Nacional constante da LBPC, isto é, Classificação não é a mesma coisa que Designação; 42.ª A certidão em causa nunca poderia atestar que o prédio urbano aqui em causa está classificado como Monumento Nacional porquanto aquele prédio não está inscrito na “Lista do Património Mundial da UNESCO”, mas apenas o Centro Histórico do Porto, distorcendo, assim, quer aquilo que consta da referida lista quer aquilo que consta do teor do Aviso n.º 15.173/2010; 43.ª O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF refere-se aos prédios classificados como Monumentos Nacionais à luz das leis estado-novenses que antecederam a LBPC, porquanto estas leis (face à ausência de regulamentação da Lei 13/85) só previam três classificações possíveis (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio); 44.ª O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF reporta-se à classificação de Monumento Nacional que vigorou no nosso ordenamento jurídico à entrada em vigor da LBPC, Classificação aquela que não pode ser confundida com o conceito de Designação de Monumento Nacional patente, para o que ali releva, nos artigos 15.º/3 e 15.º/7 da LBPC; 45.ª Ainda que assim não fosse o tribunal a quo continuaria desprovido de razão, porquanto o conceito de Conjunto constante do artigo 1.º da Convenção da UNESCO de 1972 admite que no seio daquele último possam existir imóveis desprovidos de valor cultural, sendo por isso abusiva a interpretação de que todos os prédios que inseridos no interior de um “conjunto”, se encontram, apenas por esse facto, isentos de IMI; 46.ª Este é, aliás, o entendimento subscrito pela própria Direção Geral do Património Cultural (que assim contraria o errado entendimento veiculado nas certidões emitidas pela Delegação Regional), a qual refere que «(…) tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de “Conjunto”, não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos»; 47.ª Apesar da similitude das duas expressões, a classificação do Centro Histórico do Porto como bem cultural de “Interesse Nacional” (artigo 15.º/3 da LBPC e Aviso n.º 15173/2010) não equivale à classificação como “Monumento Nacional” (artigo 24.º do Decreto 20.985 de 1932), pois que – mesmo olvidando o basilar princípio da legalidade e se concedesse supremacia a analogia – o próprio legislador patrimonial não previu, até hoje, um mecanismo de conversão/equivalência patrimonial-fiscal entre a classificação estado-novense “Monumento Nacional” (patente no Decreto 20.985 de 1932) e a classificação “Interesse Nacional” (patente na LBPC), sendo que tal matéria é da competência do legislador patrimonial [artigo 165.º/1-g) da Constituição], sob pena de violação da separação de poderes; 48.ª O erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo é ainda revelado pela indiferença perante o facto de o benefício fiscal em causa estar indissociavelmente recortado sobre o conceito fiscal de prédio, ou seja, a isenção patente no artigo 44.º/1-n) do EBF só pode ser atribuída a um prédio, pelo que a noção deste necessariamente terá de ser encontrada à luz do artigo 2.º do CIMI; 49.ª O raciocínio do tribunal a quo padece de um grave equívoco, qual seja o de que o conjunto denominado Centro Histórico do Porto é UM PRÉDIO, quando, o Aviso n.º 15.173/2010 é bem claro ao referir que aquele centro histórico pertence à categoria de Conjunto (n.º 1 do Aviso), ou seja, um conjunto nunca poderá ser UM prédio (no sentido fiscal), mas sim uma PLURALIDADE de prédios; 50.ª A acrescer à confusão de conceitos, à ausência de conversibilidade de classificações e à não verificação de um pressuposto legal para a aplicação da isenção de IMI, o equívoco empreendido pelo tribunal a quo atenta contra a unidade do sistema jurídico e conduz a resultados absurdos, como claramente demonstram dois exemplos; 51.ª Se se considerasse que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo do esvaziamento do artigo 44.º/10 do EBF e do artigo 112.º/3 do CIMI, ou seja, tal entendimento traduzir-se-ia na atribuição de uma isenção fiscal a prédios em ruínas, apenas por se encontrarem dentro de um conjunto inscrito na “Lista de Património Mundial” da UNESCO, frustrando os fins extrafiscais visados pelo próprio legislador fiscal (i.e., políticas públicas de reabilitação urbana e de conservação do património cultural) quando, através da diferenciação das taxas de IMI, pretendeu compelir os proprietários de prédios naquelas condições a efetuar a sua recuperação; 52.ª Ora, o legislador não pretendeu recompensar e, menos ainda, incentivar comportamentos lesivos para a comunidade, como sejam, os riscos normalmente associados à existência de prédios em ruínas, designadamente, os riscos para a segurança de pessoas, veículos e construções adjacentes, os riscos para a saúde pública, bem como de depreciação estética ou patrimonial do espaço envolvente; 53.ª Se se considerasse ainda que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo e desproporcionado de todo e qualquer prédio localizado no interior de um conjunto ser insusceptível de ser adquirido por usucapião (artigo 34.º da LBPC), resultado este ainda mais absurdo e desproporcionado quando aplicado às paisagens culturais, como é exemplo a Região Vinhateira do Alto Douro, pois que, a ser assim, desde 2001 que não mais é possível a realização de escrituras públicas de usucapião nos concelhos de Mesão Frio, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Côa e que toda e qualquer escritura pública de usucapião referente a prédios ali localizados é nula; 54.ª Aliando estes dois exemplos à presunção patente no artigo 9.º/3 do Código Civil e à consideração da unidade do sistema jurídica a que alude o n.º 1 daquele mesmo artigo e código, não se poderá deixar de concluir pela exigência da classificação individual de cada um dos prédios que integram o conjunto Centro Histórico de Porto; 55.ª Acresce que este é o entendimento veiculado pela Doutrina mais relevante (JOSÉ CASALTA NABAIS, NUNO SÁ GOMES, CARLOS PAIVA e MÁRIO JANUÁRIO) e pela Jurisprudência (designadamente do próprio Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto) produzidas sobre esta matéria, a par da própria doutrina administrativa da Direção-Geral do Património Cultural; 56.ª Pelo que, não tendo a Recorrida demonstrado que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício do artigo 44.º/1-n) do EBF e que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não encontra suporte factual e legal; ~III ~ 57.ª Além de padecer de erro de julgamento, a interpretação subjacente à decisão proferida pelo tribunal a quo padece ainda de várias inconstitucionalidades; 58.ª A interpretação proposta pelo tribunal a quo é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, o Recorrido pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados; 59.ª A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do princípio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado; 60.ª A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que o Recorrido, enquanto proprietário de um prédio urbano destituído de valor cultural, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efetivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa à Recorrida traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural; 61.ª A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam; 62.ª Defendendo o tribunal a quo que o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996 como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área daquele centro, sendo que parte da sua receita local, foi, de uma assentada só, decidida indiretamente por um organismo (i.e., Comité do Património Mundial) que: (a) não integra os órgãos do Estado Português; (b) não dispõe de qualquer competência legal em matéria tributária no território português; (c) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Estado Português no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996; (d) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Município do Porto no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996. 63.ª Em decorrência do acabado de afirmar, a interpretação dada pelo tribunal a quo viola o princípio da participação, porquanto nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto; 64.ª Finalmente, a interpretação veiculada pelo Recorrido e pelo tribunal a quo padece ainda de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que acabaram por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo; 65.ª Apesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efetuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112.º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêm nenhum mecanismo a ela atinente; 66.ª E em decorrência direta desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44.º/1-n) do EBF a classificação de Interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932; 67.ª E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei; 68.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.” Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Ministério Público junto deste Tribunal absteve-se de emitir parecer, no entendimento de que a relação jurídico-material controvertida não implicava a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores ou bens referidos no artigo 9.º, n.º 2 do CPTA. Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízes-Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento. I.1 - DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR As questões suscitadas pela recorrentes nas alegações de recurso e delimitadas pelas respectivas conclusões - artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - são as de saber se a sentença recorrida incorreu em (i) nulidade por omissão de pronúncia; (ii) erro de julgamento de facto e de direito. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 Dos Factos II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1. O prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 7..., fracção A, a que correspondia o anterior artigo 2…º da freguesia da Sé, situa-se na Rua…, Porto – cfr. fls. 21 a 24, 32, 34 do processo administrativo (PA) junto aos autos e fls. 42 e 43 dos autos. 2. Foi publicado em 12.07.2012 no Diário da República, 2ª série, n.º 134 o aviso n.º 9562/2012 de onde decorre o seguinte: “(…) a Assembleia Municipal em sessão ordinária realizada em 4 de Junho de 2012, deliberou, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), aprovado pelo Decreto-lei nº 307/2009, de 23 de Outubro, aprovar a delimitação da área de reabilitação urbana do Centro Histórico do Porto. (…)” – cfr. fls. 9 do PA junto aos autos. 3. Em 22.09.2011 o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico certificou que as fracções A a I do prédio sito na Rua…, Porto está classificado como monumento nacional pelo artigo 15º do Decreto n.º 107/2001 e ainda que fazem parte integrante do conjunto denominado Zona histórica do Porto, classificado como imóvel de interesse público – cfr. fls. 8 do PA junto aos autos. 4. Em 3.08.2012 A... apresentou pedido de isenção de IMI relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 2…, fracção A – cfr. fls. 5 do PA junto aos autos. 5. O requerimento descrito em 4. foi indeferido por despacho de 25.01.2013 –cfr. fls. 11 do PA junto aos autos. 6. A... apresentou em 8.03.2013 recurso hierárquico junto do Ministro das Finanças – cfr. fls. 1 a 4 do PA junto aos autos. 7. Em 13.11.2013 o recurso hierárquico a que se alude em 6) foi indeferido – cfr. fls. 40 do PA junto aos autos. ** |