Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00016/04.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS 1999, 2000 E 2001; AVALIAÇÃO INDIRETA DA MATÉRIA COLETÁVEL; VENDA DE ANIMAIS VIVOS; ATIVOS BIOLÓGICOS;
PERDAS DA ATIVIDADE; PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO E DA VERDADE MATERIAL.
Sumário: I. A avaliação indireta não tem caráter sancionatório, antes tendo por objetivo “estabelecer a matéria tributável daqueles sujeitos passivos que não tenham cumprido com as suas obrigações ou não o tenham feito corretamente”.

II. Estando em causa a alegada não faturação da venda de animais vivos (gado), deveriam os SIT ter mobilizado o seu dever de obediência ao princípio do inquisitório e da verdade material com vista ao apuramento junto das entidades competentes do número de animais abatidos por razões sanitárias, ou, caso tal não fosse possível, deveriam ter levado em conta o rácio de animais degenerados no universo considerado, de acordo com os padrões do setor de atividade.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. RElatório

Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida em 2013-01-28 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por A., assim anulando as liquidações adicionais de IRS referentes aos exercícios de 1999, 2000 e 2001 e correspondentes juros compensatórios, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
1 - A presente Impugnação Judicial foi interposta contra a liquidação de IRS, reativa ao ano de 1999, 2000 e 2001, decorrente de ação inspetiva, na qual foram invocados pela Impugnante, ora Recorrida, fundamentos relativos à falta de verificação dos pressupostos legais para aplicação de métodos indiretos de tributação e erro na respectiva quantificação;
2 - Por douta sentença de 28/01/2013, proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, a referida Impugnação Judicial foi julgada procedente, decisão com a qual não pode a Fazenda Pública concordar;
3 - Com efeito, entendeu o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” “...que o método utilizado pela AF na determinação da matéria tributável por avaliação indirecta transporta em si mesmo uma causa de excesso de quantificação, na medida da não consideração dos custos de aquisição das reses arroladas nos anexos 1 a 3 do P.A”;
4 - Ora, a AT apurou os valores em falta com base no livro de Registo dos animais, por n.º de brinco e data de saída da exploração;
5 - Ao número de animais apurado em falta - com base nos elementos antes indicados - foi apurado o preço médio de cada tipo de animal, tendo em conta os valores constantes das facturas processadas e registadas na escrita do sujeito passivo;
6 - Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” na análise efetuada pelo Mm.º Juiz, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro de julgamento na apreciação da prova - ao considerar que as reses vendidas sem facturação não constavam dos custos aquando da sua aquisição;
7- E não fez uma correcta aplicação do direito ao considerar que relativamente ao ano de 2001, foi alterado o método de apuramento das omissões, que como consequência apurou um valor superior a 149.739,37€ previsto como limite máximo para aplicação do regime simplificado, concluindo que a AT “...tomou um método alternativo ao usado em singelo em anos anteriores”;
8 - Com todo o respeito que é devido, o Mm.º Juiz também não fez uma correcta aplicação do direito ao desconsiderar o que impõe a lei no n.º 6 do art. 31.º do CIRS;
9 - O que conduziu à decisão por tal procedência o que conduzirá indubitavelmente à anulação da douta sentença;

Termina pedindo:

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Ex.ªs., deve ser dado provimento ao presente recurso e, ei consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.
***

O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
***

Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

Fundamentação
De facto
Atentas as posições das partes e considerando os documentos juntos com os articulados e integrantes do PA, julgo provados os seguintes factos suficientes para a discussão e ou a decisão do objecto do processo:
1
Nos anos de 1999 a 2001 o impugnante estava colectado em IRS exercendo as actividades de Produção Agrícola Associada (CAE 1300) e comércio por grosso de gado vivo prestação de serviços (CAE 51230).
2
Omitiu a entrega de declarações periódicas de IRS de 1999 a 2001, que só veio a fazer em 17/7/2003, se bem que expressamente notificado para o fazer no prazo de 15 dias, por cartas registadas de 14/9/2001 (relativamente aos anos de 1999 a 2000) e de 22/11/2002 (relativamente ao ano de 2001 (cf. cópias no PA, tomo I).
3
O Impugnante foi alvo, entre 27/2 e 30/6/2003, de um procedimento de inspecção que incidiu sobre os exercícios de 1999 a 2001, no âmbito e após o qual, com data de 26/8/2003, foi elaborado o relatório final de fls. do tomo II do PA apenso, que se dá por integralmente reproduzido, com seus anexos 1 a 3 (no tomo I do P.A.), no qual foram efectuadas, à matéria colectável, correcções meramente aritméticas e também correcções por métodos indirectos.
4
No que respeita às correcções meramente aritméticas destaca-se o seguinte segmento do relatório:
a) Omissões nos proveitos (declarados).
No exercício de 2000 verificou-se a existência de divergências entre os valores declarados e os registados como segue:
(…)
Total: 16270,59 Correcções: 3395,21
A diferença verificada fica a dever-se à omissão da Fact. n.º 419 de 680.000$00, de 11.12.00 (3395,22€), na declaração de rendimentos.
c) - Omissões aos proveitos (registados e declarados)
Verificam-se as seguintes omissões aos proveitos registados e declarados:
c 1) - Ano de 1999
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
c 2) - Ano de 2000
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
c 3) – Ano de 2001
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
5
No que toca ás correcções da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, é o seguinte o teor do relatório final:
IV - MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
a) - O sujeito passivo possui o livro de registo de animais, exigido pelo Ministério da Agricultura, onde faz a identificação dos animais, e a respectiva entrada e saída da exploração.
Confrontadas as facturas processadas a clientes e a data de saída dos animais, verificámos diversas omissões na facturação dos mesmos a clientes, nos anos de 1999, 2000 e 2001, conforme relações que compõem os anexos n.ºs 1, 2 e 3, respectivamente.
Dessas relações conclui-se que o sujeito passivo, não facturou na venda a clientes:
No ano de 1999:
33 novilhos e 5 vacas. No ano de 2000:
84 novilhos e 29 vacas. No ano de 2001:
32 novilhos e 21 vacas.
- A subfacturação evidenciada anteriormente, são indícios seguros de que a contabilidade, não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que iremos determinar, o resultado efectivamente obtido, nos anos de 1999 e 2000 e as vendas e prestações de serviços no ano de 2001, pela aplicação dos métodos indirectos/indiciários, nos termos do art.º 39.º do CIRS e art.ºs 87.º a 90.º da lei Geral Tributária (L.G.T.).
V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
ANO de 1999
O sujeito passivo omitiu aos proveitos a venda de 33 novilhos e 5 vacas, que estão relacionados no anexo n.º 1 e que já foram referidos no ponto IV.
O apuramento destas omissões aos proveitos vão ser efectuadas (sic) pelos métodos indirectos/indiciários.
Vamos valorizar cada novilho em 85.000$00 e cada vaca em 80.000$00.
Estes valores foram apurados pelo preço médio de cada tipo de animal, tendo em atenção as facturas, o número de animais e o preço total desses animais, nas facturas processadas a clientes e registadas na escrita do sujeito passivo, no ano de 1999, anexo n.º 4.
Assim temos:
Vendas omitidas e apuradas pelos métodos indirectos/indiciários:
3 novilhos x 85.000$00 = 2.805.000$00
5 vacas x 80.000$00 = 400.000$00
3.205.000$00 ou 15.986,47€
O resultado apurado pelos métodos indirectos indiciários no exercício do ano de 1999 é o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
ANO de 2000
O sujeito passivo omitiu aos proveitos a venda de 84 novilhos e 29 vacas, que estão relacionados no anexo n.º 2 e que já foram referidos no ponto IV.
Por lapso constam do anexo n.º2, os animais referidos na factura n.º 419 de 11.12.2000 e já descrita no item III. Essa factura corresponde à venda de 5 novilhos, pelo que iremos corrigir na omissão aos proveitos a venda de 5 novilhos. A omissão aos proveitos passará a corresponder à venda de 79 novilhos (84 - 5 = 79).
O apuramento destas omissões aos proveitos vão ser determinadas (sic) pelos métodos indirectos /indiciários.
Vamos valorizar cada novilho em 100.000$00 e cada vaca em 65.000$00. Estes valores foram apurados pelo preço médio de cada tipo de animal (novilho e vaca), tendo em atenção as facturas, o número de animais e o preço total, desses animais, nas facturas processadas a clientes e registadas na escrita do sujeito passivo, no ano de 2000, anexo n.º4.
Assim temos:
Proveitos - Vendas
79 novilhos x 100.000$00 = 7.900.000$00
29 vacas x 65.000$00 = 1.885.000$00
9.785.000$00 ou 48.807,37€
O resultado apurado pelos métodos indirectos /indiciários no exercício do ano de 2000 é o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
ANO DE 2001
O sujeito passivo omitiu aos proveitos a venda de 32 novilhos e 21 vacas, que estão relacionadas no anexo n.º 3 e que já foram referidos no ponto IV.
O apuramento destas omissões aos proveitos vão ser determinados (sic) pelos métodos indirectos/indiciários.
Vamos valorizar cada novilho em 120.000$00 e cada vaca em 85.000$00. Estes valores foram apurados pelo preço médio de cada tipo de animal (novilho e vaca), tendo em atenção as facturas, o número de animais e o preço total, desses animais, nas facturas processadas a clientes e registadas na escrita do sujeito passivo, no ano de 2001, anexo n.º4.
Assim temos;
Proveitos omitidos aos registos:
Proveitos - Vendas
32 novilhos x 120.000$00 = 3.840.000$00
21 vacas x 85.000$00 = 1.785.000$00
5.625.000$00 ou 28.057,38€
O total dos proveitos apurados pelos métodos indirectos /indiciários no exercício do ano de 2001 é o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Às prestações de serviços registadas e declaradas não foram efectuadas quaisquer correcções. Apuramento do rendimento colectável pelo regime simplificado (n.º 2 do art.º 31.º do CIRS):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6
Este relatório foi aprovado pelo Sr. Director de Finanças Adjunto, por despacho de 1/9/2003, pelo qual foi fixado o rendimento tributável total corrigido nos termos seguintes:
1999: 43 533,95 €
2000: 69 275,87 €
2001: 56 615,53 €.
7
O impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável nos termos dos artigos 91.º e sgs da LGT.
8
Dá-se aqui por reproduzida a acta do debate entre os peritos da AF e do aqui impugnante, a fs. do tomo 2 do P.A., onde não se chegou a acordo.
9
Em consequência, pelo Sr. Director de Finanças Coimbra foi proferido o despacho n.º 11/03, de 28 de Outubro, cuja cópia a fs. do tomo II do PA aqui se dá como reproduzida, confirmando os valores obtidos no relatório, a saber: 43 533,95 € para 1999, 69 275,87 € para 2000 e 56 615,53 para 2001.
10
Com base nestes valores de matéria tributável foram emitidas as liquidações de IRS aqui impugnadas (cf. supra).
11
No ano de 2001 o impugnante remeteu para destruição os 14 espécimenes de gado bovino com os n.ºs de identificação constantes dos docs. 58 a 64 da PI, três dos quais - H 600604, H562604 e H193210 - constam da lista de animais não facturados saídos da exploração do Impugnante no ano de 2001: Cf. docs. 58 a 64 da PI e anexo 3 do relatório, no vol. 1 do P.A.
12
Nenhum dos animais identificados nos anexos 1 a 3 do relatório da inspecção se identifica com algum dos identificados nos docs. 4 a 57 da PI.
Factos não provados
Não se provou:
Que a mulher do Impugnante exercesse em nome próprio e exclusivo a actividade de compra e venda de gado (artigo 10.º da PI).
A relevar fiscalmente, tal exercício só se poderia provar documentalmente, o que o Impugnante não fez, além de que é o contrário que resulta das declarações de rendimentos que Impugnante e mulher, tardiamente, vieram a apresentar relativamente aos anos de 1999 a 2001.
Que as cabeças de gado identificadas nos documentos n.ºs 4 a 57 da PI fossem todas ou algumas cabeças de gado identificadas nos anexos 1 a 3 do relatório como não tendo saído sem serem "facturados" (cf. artigo 15 da PI).
Isso decorre do confronto entre os documentos e da prova de que nenhum dos animais identificados nos anexos 1 a 3 se identifica com algum dos identificados nos docs. 4 a 57 da PI.
Que os 17 animais provenientes da exploração do Impugnante e identificados no doc. 65 da PI tivessem sido remetidos para destruição por motivos sanitários (artigo 15 da PI).
O documento junto pelo Impugnante, à falta de menção de sujeito emissor e de quaisquer referências ao motivo do abate das reses não pode provar aquela alegação do Impugnante, sendo certo que se trata de facto obviamente carecido prova documental.
Que a factura n.º 419 de 2000 tenha sido levada à declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2000 (cf artigo 22.º da PI)
Pelo contrário, o que consta e resulta do relatório - e não foi oferecida prova alguma em contrário - é que essa factura não foi tida em conta na declaração de rendimentos do ano, o que não quer dizer que não possa ter sido emitida e até registada na contabilidade do Impugnante.
Que as facturas n.ºs 376 de 1999, e 31, 34, 443 e 445 de 2001 tenham sido registadas na contabilidade do Impugnante (artigo 22 da PI).
Não é aduzido motivo algum para pôr em causa a veracidade do relatório, que o infirma expressamente.
As demais facturas referidas no artigo 22.º da PI são mencionadas a propósito das declarações de autoliquidação de IVA, pelo que não interessa aqui referi-las.
*

II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente.

Começa a Recorrente por imputar à sentença um “erro de julgamento na apreciação da prova” ao ter considerado que o método de avaliação indireta utilizado pelos SIT transportaria em si mesmo “uma causa de excesso na quantificação”, na medida em que não teriam sido considerados os custos de aquisição dos animais arrolados nos anexos 1 a 3 do PA (cf. conclusões 3 a 6 das suas alegações de recurso).

Assim, a Recorrente discorda desta abordagem por um lado, porque em momento algum o Recorrido refere esta questão (cf. art. 6.º das alegações de recurso) e por outro, atendendo a que os SIT apuraram o número de animais que entenderam não terem sido faturados através do confronto com o livro de “registo de animais”, por número de brinco e data de saída da exploração, tendo apurado o preço médio de cada tipo de animal tendo em conta os valores constantes nas faturas processadas e registadas na contabilidade do sujeito passivo.

Mais alega a Recorrente que a sentença sob recurso não fez uma aplicação correta do direito ao considerar que relativamente ao ano de 2001 foi alterado o método de apuramento das omissões, não assim interpretado corretamente o disposto no n.º 6 do art. 31.º do CIRS (cf. conclusões 7 e 8 das alegações de recurso).

Desde logo, não pode deixar de se dar razão à Recorrente quanto ao primeiro fundamento da sua discordância com a sentença em causa.

De facto, em momento algum do processo de impugnação judicial em questão ou do procedimento administrativo que o antecedeu o aqui Recorrido suscitou esta questão.

Por outro lado, e ainda que a mesma tivesse sido suscitada, não poderia ter ganho de causa, atendendo a que o método a que os SIT recorreram para apurar o preço dos animais alegadamente não faturados foi, de facto, o de encontrar o preço médio dos animais tendo em conta os valores constantes nas faturas processadas e registadas na contabilidade do sujeito passivo.

Assim sendo, seria totalmente inverosímil considerar que o próprio Recorrido na formação dos preços que praticou não tenha levado em conta os custos em que incorreu na aquisição dos animais que veio a vender.

No entanto, e ainda que a Recorrente tenha razão neste aspeto, as liquidações em causa não podem subsistir.

Vejamos.
Em causa está a correção efetuada pelos SIT, originada pela circunstância de terem detetado que o Recorrido, que possuía um “livro de registo” de animais exigido pelo Ministério da Agricultura no qual fazia constar a identificação dos animais e as datas das suas entradas e saídas na exploração, não ter faturado todos os animais cuja saída ali se encontrava inscrita para exercícios de 1999, 2000, e 2001.
Os animais em questão foram listados pelos SIT em 3 relações, que constituem os anexos 1 a 3 ao RIT.
Sucede que desde o momento em que os SIT efetuaram a inspeção tributária que originou as liquidações de IRS em causa que o Recorrente vem afirmando que não vendeu todos os animais constantes da listagem elaborada pelos SIT.
Assim, suscitou esta questão em sede de audiência prévia (como resulta a fls. 17 do RIT, no vol. II do PAT), tendo os SIT deixado exarado no RIT, a este propósito, que “não se consegue perceber pelos elementos indicados pelo s.p., se os há, quais os animais que diz não ter vendido” (idem).
Posteriormente, a questão voltou a ser suscitada pelo representante do Recorrido no procedimento de revisão da matéria tributável, tendo ali argumentado que a diferença detetada pelos SIT dizia respeito a “animais abatidos em diversos matadouros, mas impróprios para venda por falta de condições sanitárias” (cf. fls. 2 da ATA n.º 031/A/ LGT e fls. 2 do Despacho n.º 11/03, ambos no vol. II do RIT), tendo ficado exarado na ata do procedimento (com n.º 031/A/LGT) que o perito do contribuinte terá referido “ser necessário solicitar ao INGA relação dos animais abatidos e subsidiados”.
Perante esta alegação, a ATA limitou-se a concluir que o Recorrido não provara esta afirmação, por não ter apresentado documentos emitidos pelos matadouros (cf. fls. 4 do Despacho n.º 11/03, ambos no vol. II do RIT).

Por fim, o Recorrido retomou este argumento na sua PI, ali afirmando, uma vez mais, que destas listagens constam animais que remeteu para vários matadouros “para destruição” (cf. art. 15.º da PI) e que em relação a esses animais não poderia ter emitido fatura, pois o seu “preço” era apenas um subsídio.

A este propósito na sentença sob recurso foi dado como não provado que “Que as cabeças de gado identificadas nos documentos n.ºs 4 a 57 da PI fossem todas ou algumas cabeças de gado identificadas nos anexos 1 a 3 do relatório como não tendo saído sem serem facturados (cf. artigo 15 da PI)” e que “… os 17 animais provenientes da exploração do Impugnante e identificados no doc. 65 da PI tivessem sido remetidos para destruição por motivos sanitários (artigo 15 da PI)(cf. pág. 11 da sentença), encontrando-se a mesma transitada em julgado neste segmento.

Ora, dos presentes autos decorre que em causa está um negócio, que se percebe ser familiar, de produção agrícola e comércio por grosso de gado vivo, caracterizado por alguma informalidade na respetiva documentação (recorde-se a propósito que o próprio Recorrido deixou alegado na PI que não sabe ler, cf. art. 2.º da PI), circunstância que, de resto, acabou por estar na origem da correção efetuada com recurso à avaliação indireta.

Por outro lado, e apesar da insistência do Recorrido – que, recorde-se, patenteia um frágil nível de instrução - no argumento, aliás, totalmente plausível, de que nem todos os animais constantes das listagens efetuadas pelos SIT, estariam em condições “sanitárias” de ser vendidos, tendo alguns sido abatidos por esse motivo, os SIT não mobilizaram o seu dever de respeito pelo princípio do inquisitório e da verdade material.

Recorde-se que a Administração fiscal na sua atividade procedimental deve respeito, entre outros, ao princípio do inquisitório e da verdade material, tal como decorre do disposto no art. 58.º da LGT, e especificamente no que diz respeito à atividade inspetiva, do disposto no art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) sendo que a busca da verdade não se limita às situações em que a mesma beneficie a Administração.

Com efeito, “porque a efetivação do princípio da investigação é um direito dos contribuintes, são anuláveis os atos tributários e outros, conclusivos de procedimentos, em que se mostre que a administração não cumpriu, dentro dos limites do razoável, com as obrigações que para ela decorre de tal princípio.” (cf. MORAIS, Rui Duarte - Manual de procedimento e processo tributário. Reimpressão da edição de 2012. Coimbra: Almedina, 2016, pág. 66).

Por outro lado, e independentemente de o aqui Recorrido não ter conseguido provar quantos e quais os animais que alega terem sido abatidos por razões sanitárias, decorre das regras de experiência comum, constituindo presunção judicial (cf. artigos 349.º e 351.º do Código Civil - CC), ou ainda que assim não se entendesse, sempre deveria ser considerado facto notório, nos termos do disposto nos artigos 514.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e, do CPPT, que a atividade a que se dedicava implica o comércio de seres passíveis de degeneração.

Com efeito, é facilmente percetível e alcançável pelas regras da experiência comum que os animais podem sofrer de enfermidades ou outras alterações fisiológicas que comprometam a sua qualidade sanitária com vista à respetiva comercialização.

Assim sendo, a primeira constatação a que se chega é a de que, perante o alegado pelo Recorrido, os SIT deveriam ter mobilizado o seu dever de respeito pelo princípio do inquisitório e da verdade material, procurando apurar o sucedido.

Por outro lado, e ainda que não o tivessem logrado fazer, sempre deveriam ter investigado e apurado o que é que neste setor económico se deve considerar como percentagem aceitável de quebra normal, e que aplicassem o rácio obtido ao conjunto de animais não faturado pelo Recorrido.

Com efeito, e como é sabido, a avaliação indireta não tem caráter sancionatório, pois o seu objetivo não é sancionar o incumprimento dos deveres de cooperação pelo contribuinte, mas tão só “estabelecer a matéria tributável daquele sujeitos passivos que não tenham cumprido com as suas obrigações ou não o tenham feito corretamente”, pelo que através dela procura-se “determinar somente o valor efetivo da obrigação tributária que não foi cumprida e de maneira alguma, a fixação de uma matéria tributável diferente e quiçá mais elevada do que aquela que se teria estabelecido através da avaliação direta (…)” (cf. RIBEIRO, João Sérgio – Tributação Presuntiva do Rendimento. Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 214).

Ou seja, a finalidade da avaliação indireta é de, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração fiscal disponha, determinar “o rendimento real, ainda que presumido ou supostamente obtido, mas atendendo às condições de exploração do contribuinte” (cf. LOPES, Cristina Mota e MARTINS, António – A Tributação por Métodos Indiretos. Uma Análise do Enquadramento Jurisprudencial dos Pressupostos Contabilístico-Fiscais. Coimbra: Almedina, 2014, pág. 43; destacado nosso).

É, aliás, o que decorre do disposto no n.º 2 do art. 83.º da LGT, norma na qual se dispõe que avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis (ainda que) a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.

Assim sendo, é de concluir que as liquidações de IRS em questão, referentes aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, são inválidas por padecerem de erro nos respetivos pressupostos de direito, pois a ATA fez uma incorreta interpretação dos preceitos referentes ao seu dever de respeito pelo princípio da verdade material e do inquisitório, assim como do disposto no supracitado n.º 2 do art. 83.º da LGT, do qual decorre que ainda que através de indícios, presunções, ou outros elementos de que disponha, a ATA deve através da avaliação indireta apurar tanto quanto possível o valor dos rendimentos ou bens tributáveis.

Por outro lado, os vícios em questão afetam todas as liquidações em causa, ficando assim igualmente decidido o recurso no que diz respeito aos argumentos invocados pela Recorrente relativamente à liquidação referente ao exercício de 2001.

Donde o presente recurso deve ser julgado improcedente, e a sentença recorrida mantida, ainda que com diversa fundamentação.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. A avaliação indireta não tem caráter sancionatório, antes tendo por objetivo “estabelecer a matéria tributável daqueles sujeitos passivos que não tenham cumprido com as suas obrigações ou não o tenham feito corretamente”.

II. Estando em causa a alegada não faturação da venda de animais vivos (gado), deveriam os SIT ter mobilizado o seu dever de obediência ao princípio do inquisitório e da verdade material com vista ao apuramento junto das entidades competentes do número de animais abatidos por razões sanitárias, ou, caso tal não fosse possível, deveriam ter levado em conta o rácio de animais degenerados no universo considerado, de acordo com os padrões do setor de atividade.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida, ainda que com a fundamentação (diversa) aqui acolhida.
*
Custas pela Recorrente.

Porto, 23 de julho de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais – Manuel Escudeiro dos Santos (em substituição).