Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01155/14.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, ÓNUS DA PROVA, INDÍCIOS, REGULARIZAÇÃO DE EXISTÊNCIAS, TRANSMISSÃO DE BENS, PRESUNÇÃO LEGAL, IVA
Sumário:I - No caso de facturas falsas, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.

II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.

III - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.

IV – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

V - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.

VI – A circunstância de uma sociedade ter a sua actividade cessada não impede um sujeito passivo que pagou imposto de poder deduzir esse IVA relativo a facturas emitidas por essa empresa.

VII – Se o contribuinte é alvo de uma acção inspectiva em que a Administração Tributária procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.

VIII – Não poderá a AT socorrer-se da presunção se os registos contabilísticos e os respectivos documentos de suporte revelam, desde logo, transmissão de bens.

IX – Os erros, omissões e inexactidões constatados na contabilidade do contribuinte e a sua eventual incongruência com elementos extra – contabilísticos podem ser corrigidos pela AT, observando o ónus probatório que lhe incumbe nos termos do artigo 74.º da LGT.

X – Não cumpre a AT esse ónus se se limita a afirmar que ocorreu afectação permanente de bens da empresa a uma sócia, sem demonstrar que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do IVA, ou seja, sem provar que existiu uma transmissão de bens para efeitos de sujeição a IVA; não estando reunidos os requisitos para proceder a correcções e liquidar IVA, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) ex vi artigo 1.º, ambos do Código do IVA.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C., Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua de (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23/11/2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 12132920, referente ao período 0806T no valor de €26.033,06; n.º 12132922, referente ao período 0812T com o valor de €2.000; e n.º 12132924, referente ao período 0903T, esta no valor de €118.551,37; e ainda as liquidações adicionais referentes aos correspondentes juros compensatórios com os números 12132921, no valor de €4.362,14; 12132923, no valor de €295,23 e 12132925, no valor de €16.369,83; tudo no valor global de €167.611,63.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1. Face à prova produzida em Tribunal, bem como face aos documentos juntos ao processo administrativo, entende a impugnante e ora recorrente que devem ser dados como provados os seguintes factos:
- facto n° 1 da factualidade dada como não provada pelo Tribunal recorrido,
- factos n°s 14, 20, 21, 22, 23 e 24 da petição inicial da Impugnante.
2. Face à prova produzida em Tribunal, bem como face aos documentos juntos ao processo administrativo, entende a impugnante e ora recorrente que devem ser dados como não provados os seguintes factos:
- facto n° 9 da factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido;
- facto n° 10 da factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido;
- facto n° 11 da factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido.
3. Para tanto relevam os depoimentos das testemunhas J., A., P., A., A., A. e F., cujos depoimentos estão gravados, bem como os documentos juntos ao processo administrativo e ainda o facto de a Impugnada não ter apresentado a testemunha por si arrolada, não tendo havido contraditório quanto ao que consta do relatório inspectivo.
4. Assim, face aos meios probatórios indicados pela Impugnante neste seu recurso, devem dar-se como provados e não provados os factos, a que se referem os n°s 1 e 2 destas conclusões.
5. É o que se requer nos termos do art. 662° do CPC.
6. Assim e face ao que resulta das conclusões anteriores, o IVA constante das facturas n°s 396, 397 e 398 emitidas pela sociedade E., Lda. foi devidamente liquidado e pago pela Impugnante, pelo que
7. O IVA, que foi cobrado à sociedade impugnante pela sociedade E., Lda. e que consta das ditas facturas, foi correctamente deduzido pela sociedade impugnante.
8. Ao não considerar válida a dedução do IVA liquidado à Impugnante pela sociedade E., Lda., foi violado o art. 20° do CIVA.
9. Face à prova produzida em Tribunal, bem como face aos documentos juntos ao processo administrativo, entende a impugnante e ora recorrente que devem ser dados como provados os seguintes factos:
- As existências de tecidos, avaliados em 723.552,37 €, entregues à sócia M. encontravam-se nas instalações da Impugnante à data em que foi feita a operação (2009);
- Os tecidos que compunham estas existências tinham sido adquiridos sem liquidação, nem dedução do Imposto sobre Valor Acrescentado, por se tratarem de tecidos importados do espaço comunitário, ao abrigo do art. 14° do RITI;
isto no que se refere aos factos não provados, conforme o que consta da douta sentença recorrida.
10. Face à prova produzida em Tribunal, bem como face aos documentos juntos ao processo administrativo, entende a impugnante e ora recorrente que deve ser dado como provado o seguinte facto:
- em 2012 (ano da inspecção) desses tecidos apenas não se encontravam nas instalações da impugnante 5% dos tecidos (existências) conferidos em 2009.
11. Para tanto relevam os depoimentos das testemunhas, A., J., A., A. e P., cujos depoimentos estão gravados, bem como os documentos juntos ao processo administrativo e ainda o facto de a Impugnada não ter apresentado a testemunha por si arrolada, não tendo havido contraditório quanto ao que consta do relatório inspectivo.
12. Assim, face aos meios probatórios indicados pela Impugnante neste seu recurso, devem dar-se como provados e não provados os factos, a que se referem os n°s 9 e 10 destas conclusões.
13. É o que se requer nos termos do art. 662° do CPC.
14. A operação contabilística denominada “regularização de existência” é uma operação permitida por lei e porque não constitui nenhuma transmissão onerosa de bens não está sujeita à liquidação de IVA - os bens não foram lançados no comércio.
15. Acresce que os tecidos dados em cumprimento são tecidos de importação intracomunitária, pelo que, atento o regime legal que se aplica à importação de tais tecidos, tal situação não obriga à liquidação de IVA - bem pelo contrário.
16. Por essa razão, também - mesmo que se queira considerar a presunção da transmissão onerosa de bens prevista no art. 26° do CIVA - não há in casu lugar à liquidação do IVA, porque não houve dedução de tal imposto.
17. Seja como for, à data da referida operação contabilística todos os bens, que foram objecto da mesma, estavam nas instalações da sociedade impugnante, assim se mantendo à data da inspecção, ao serviço da sociedade impugnante, com excepção de bens no valor de 42,000 €, valor admitido por lei para ofertas.
18. Não há lugar a liquidação de qualquer IVA, tendo sido violados os arts. 1.º, 20.º e 26.º do CIVA e ainda nos arts. 14.º/19.º do RITI.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos expostos, como é de lei e de JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, no que respeita às correcções da matéria tributável para efeitos de IVA.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados:
1. A Sociedade Impugnante, C., Lda., com o CAE 47510, referente ao comércio a retalho de têxteis em estabelecimentos especializados, cuja actividade consiste na compra a venda a retalho de toda a gama de tecidos, a qual exerce desde 01.01.1986, foi sujeita a uma inspecção tributária, determinada pelas Ordens de Serviço OI20111234, OI201201352 e DI201200884, com incidência temporal nos exercícios de 2008 e 2009, a qual decorreu entre 07.02.2012 e 26.09.2012, com prorrogação do prazo devidamente comunicada ao Sujeito Passivo, com âmbito geral em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e de Imposto sobre o Valor Acrescentado – cf. Relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
2. A realização da acção inspectiva identificada em 1., ficou a dever-se a uma informação no âmbito de uma acção inspectiva interna onde se detectou a existência de fortes indícios de utilização de facturas, no exercício de 2008, que não consubstanciavam prestações de serviços efectivas, facturas essas emitidas pela empresa “E., Lda.”, NIPC (…), empresa cessada oficiosamente em sede de IVA com data reportada a 31.12.2001, sendo que esta, foi, em simultâneo, objecto de uma acção de inspecção – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
3. Apuraram os serviços de inspecção, relativamente às obrigações declarativas da sociedade impugnante que: “o Sujeito Passivo não apresenta faltas declarativas e/ou pagamento, contudo a empresa apresenta baixos resultados, destacando-se os últimos anos em que apresenta elevados valores de existências finais e elevados saldos na conta de suprimentos” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
4. Pela análise da contabilidade da Impugnante, apuraram os Serviços de Inspecção que se encontravam registadas em imobilizado, na conta 42, as facturas emitidas por “E.,, Lda.” as facturas:

Facturas Data Base tributável IVA Total
396 31.05.2008 82 644.63 17 355.37 100 000
397 30.06.2008 41 322.31 8 677.69 50 000
399 31.12.2008 10 000 2 000 12 000
TOTAIS 133 966.94 28 033.06 162 000
5. Como meio de pagamento das facturas identificadas em 4., apuraram ainda os serviços de inspecção tributária, que foram emitidos três cheques, cujas cópias foram exibidas:

Facturas Recibo Data Valor Meio de pagamento Banco Data
396 0095 30.07.08 100 000 CH 9322032504 Banif 30.07.08
397 0097 30.07.08 50 000 CH 0522032503 Banif 30.07.08
399 099 30.01.09 12 000CH 7325963442 €7000;
CH 8225963441 €5000
Banif 30.01.09
6. Nas facturas identificadas em 4., consta a descrição “serviços efectuados nas V/ Instalações na Rua (…)”, tendo o Sujeito Passivo indicado que as obras ali mencionadas se referem à remodelação de todo o primeiro andar, onde se constatou funcionarem os serviços administrativos e de exposição de modelos confeccionados – cf. relatório de inspecção tributária de fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
7. Relativamente aos cheques identificados em 5., verificaram os serviços de inspecção tributária: “das cópias dos cheques constata-se que foram emitidos ao portador, não tendo sido possível identificar as contas bancárias onde foram depositados, sendo visível em dois deles (cheques n.º 7325963442 e 8225963441) a data de 02.02.2009 como data do depósito” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
8. Relativamente ao emitente das facturas, considerando a inspecção a que este Sujeito Passivo foi sujeito, apurou-se que a empresa “E.,, Lda.” (…) encontra-se cessada em sede de IRC, desde 21.10.2008, tendo sido dissolvida e liquidada oficiosamente. Em sede de IVA, a empresa esteve enquadrada no Regime Normal Trimestral, até 31.12.2001, data em que foi cessada oficiosamente nos termos do n.º2 do art. 34º do CIVA.
Da consulta ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, constata-se que a empresa é não declarante em sede de IVA e de IR, desde o ano de 2000” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
9. Inquirido em sede de inspecção tributária o sócio-gerente da sociedade emitente, este prestou extensas declarações, das quais se destaca:
2. A empresa teve ao seu serviço no ano de 2008 apenas o seu sócio E. e um trabalhador (…) o qual esteve ao serviço até finais de Setembro daquele ano;
3. No ano de 2008 foram realizados apenas pequenos trabalhos de construção civil, pequenas reparações em obras particulares, (…) um pequeno trabalho que realizou na empresa C. & Cia. Lda., na Rua (…);
4. (…) o valor foi relativamente pequeno já que se tratou de serviços de pintura de tectos e escada que dá acesso à cave e outros pequenos trabalhos, não tendo efectuado qualquer trabalho de reparação no telhado;
5. Estes trabalhos foram pagos a dinheiro, já que quer a empresa quer o seu sócio declarante não possuíam, nem possui actualmente, qualquer conta bancária;
(…)
7. Não possui em sua posse qualquer livro de facturas da sociedade, não se recordando neste momento de ter emitido qualquer factura no ano de 2008, designadamente para a empresa C. & Cia. Lda., para a qual prestou pequenos serviços naquele ano;
8. Não emitiu para a sociedade C. & Cia. Lda., as facturas n.º 396 datada de 31.05.2008, no valor de €100 000; a 397, datada de 30.06.2008, no valor de €50 000 e a 399, datada de 31.12.2008, no valor de €12 000, dado que não realizou trabalhos que justificassem a emissão das facturas, nem tão pouco teria capacidade para executar trabalhos daquela monta.
9. Nunca recebeu qualquer cheque emitido por aquela empresa C., para pagamento de quaisquer serviços, já que os trabalhos realizados foram de pequena monta, e o pagamento dos mesmos foi efectuado em dinheiro.
10. No ano de 2008 o Sr. C., sócio da empresa C. (…), pessoa que era do seu relacionamento pessoal desde há vários anos, contactou-o para fazer aqueles trabalhos de pintura e pequena reparação no prédio do Porto, tendo-lhe na mesma data solicitado que lhe facultasse o livro de facturas da sociedade para emitir a factura correspondente aos trabalhos executados. Porém, desde aí e até à presente data, apesar das várias insistências para devolver o livro, nunca o fez, escusando-se com o argumento “agora não trato disso”.
11. O declarante encontra-se reformado desde 2007, tendo desde aí realizado apenas alguns biscates, como foi o caso na empresa C. (…), até Setembro de 2008, não tendo realizado quaisquer outros trabalhos desde essa data, limitando-se a cuidar da sua esposa que se encontra doente” – cf. relatório de inspecção tributária constante de fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
10. Ainda relativamente ao emitente de facturas, apurou o serviço de inspecção tributária:
“Como resultado da inspecção ao Sujeito Passivo emitente foi concluído que dada a inexistência de estruturas fixas e de pessoal da sociedade E.,, Lda., e por outro as declarações do sócio-gerente desta sociedade, resultam indícios claros que as facturas em causa não correspondem a operações efectivamente realizadas, porquanto não possuía capacidade para a realização de serviços do montante constante das facturas. Pois que tendo apenas um único colaborador, a sociedade apenas teria capacidade para a prestação de pequenos serviços de reparação de construção civil, como é alegado pelo seu sócio-gerente.
Por outro lado, e também no âmbito da acção realizada ao emitente, constatou-se que os cheques utilizados para pagamento das facturas e emitidos ao portador não foram movimentados e/ou levantados por qualquer representante da empresa E.,, Lda., uma vez que, das informações obtidas das entidades bancárias não foi fornecida qualquer indicação de contas bancárias tituladas pela empresa ou pelo seu sócio, tendo-se concluído pela não verificação de movimentos bancários em seu nome no ano de 2008” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
11. Concluíram, assim, os serviços de inspecção tributária:
“Assim, e não obstante se ter constatado no local que foram efectuadas obras, não sendo possível confirmar o valor em causa pois não nos foram fornecidos elementos adicionais, além dos já referidos (facturas e cheques), existem fortes indícios de que não foram efectuadas pelo emitente das facturas.
Logo, não correspondendo as facturas a operações efectivamente realizadas, considera-se indevidamente deduzido o IVA nelas mencionado, no total de €28.033,06, sendo €26.003,06 para o período 0806T e €2000 para o período 0812T, uma vez que no ano de 2008 o Sujeito Passivo encontrava-se enquadrado em sede de IVA no regime normal trimestral” – cf. relatório de inspecção tributária constante de fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
12. Relativamente à regularização de existências, apuraram os serviços de Inspecção Tributária:
Da análise efectuada à coerência entre os valores da contabilidade e os valores constantes dos inventários apresentados, verificamos que na Declaração IES, relativa ao exercício de 2009, o Sujeito Passivo procedeu, em 31.01.2009, à regularização de mercadorias que possuía em stock no montante de €870 015, 41.
Como contrapartida, esta regularização de existências visou saldar a conta da ainda sócia M. C. (…), cujo montante de suprimentos em saldo, à data de 31.12.2008, se cifrava em €970 640, 28, tendo-se constatado para o efeito, que os respectivos lançamentos contabilísticos, tinham como suporte uma declaração (documento n.º 50/01.00019 de 31.01.2009) em que é referido que as mercadorias foram entregues à sócia.
Todavia, tratando-se duma afectação de mercadorias a fins alheios à empresa, neste caso entregues à sócia, teria que ser liquidado o respectivo IVA, o que não aconteceu.” – cf. relatório de acção inspectiva a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
13. Ainda em sede de inspecção tributária, foi feita uma contagem, referência a referência, tendo em conta o inventário de mercadorias elaborado pelo Sujeito Passivo, e “depois de se procederem a várias correcções na metragem das peças, constatou-se que de facto as mercadorias relacionadas totalizavam o valor de €160 917, 67, e não o valor de €884 452, 15, conforme declarado pelo Sujeito Passivo” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
14. Justificando a diferença apurada, identificada em 13., €723 534, 48 Sujeito Passivo entregou uma declaração onde relaciona as mercadorias em falta, o destino dado às mesmas e os montantes que foram atribuídos:

Elaboração de montras 158 197, 06
Expositores “manequins” 130 795, 69
Ofertas a Terceiros 267 871, 77
Utilização para uso pessoal 48 433, 77
Artigos com defeito 118 254, 08
Total 723 552, 37

Cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes e declaração de fls. 31, ambas do Processo Administrativo apenso aos autos;
15. Analisada esta declaração do Sujeito Passivo, concluíram os Serviços de Inspecção tributária:
Dos vários destinos dados às mercadorias em faltam foi unicamente justificada a falta das mercadorias que foram destinadas à elaboração de “expositores e manequins”, uma vez que, conforme conferimos, estes, embora não fazendo parte do inventário como tal, encontram-se em armazém, no montante de €130 795, 69.
Relativamente às ofertas a terceiros foram exibidas algumas declarações de algumas instituições de solidariedade social, mas que não referem datas nem montantes da doação das respectivas mercadorias.
Assim, na ausência de documentos válidos e comprovativos, designadamente comunicações efectuadas pelo Sujeito Passivo nos termos do determinado no Ofício-Circulado n.º 35264/86 de 24/10, do SIVA, sobre destruição de mercadorias, será devido imposto relativamente às mercadorias em falta, cujo valor total é de €592 756, 68, nos termos do citado art. 86º do CIVA” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 3 e seguintes e declarações constantes de fls. 28 verso e seguintes, todas do Processo Administrativo apenso aos autos;
16. Notificada a Impugnante para efeito do exercício do direito de audição, veio exercê-lo por requerimento que deu entrada junto da Direcção de Finanças do Porto, Área de Inspecção Tributária, em 22.10.2012 – cf. documento constante e fls. 52 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
17. Analisados os fundamentos entenderam os Serviços de Inspecção não fazer alterar o conteúdo do Relatório, porque:
Relativamente ao primeiro ponto da exposição: A) IVA indevidamente deduzido por utilização de facturas fictícias (…)
Há a referir o seguinte:
§ Na acção de inspecção levada a cabo ao Sujeito Passivo “E.,, Lda.” empresa emitente das facturas em causa, ficou concluído, inclusive pelas próprias declarações proferidas pelo seu sócio gerente, que a empresa não possuía estruturas fixas nem pessoal, para realizar trabalhos de construção civil, e, que estes foram pagos em dinheiro já que quer a empresa quero o seu sócio não possuíam qualquer conta bancária;
§ Por outro lado é normal na actividade de construção civil que obras de montante elevado como aquelas exigiram a existência de contratos de empreitada escritos e autos de medição que o Sujeito Passivo não apresentou.
Logo, e ao contrário do que o Sujeito Passivo vem rebater no direito de audição, com o que atrás se transcreveu, o que está aqui em causa, não é se as obras foram ou não foram efectuadas, se foi aquele valor, se recorreu ou não a empréstimo bancário, mas sim se as obras foram realizadas pelo emitente das facturas, pois só confere direito à dedução o imposto constante das facturas ou documentos equivalentes que respeitem a transacções verdadeiras.
Assim, e tendo em conta as declarações do sócio gerente da “E.,, Lda.”, e a não exibição de outros documentos, que comprovem que as obras foram efectuadas pelo emitente das facturas, não provando a veracidade das mesmas, o IVA nelas constante foi indevidamente deduzido, pois conforme refere o n.º3 do art. 19º do CIVA, não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Relativamente ao segundo ponto da exposição – B) Regularizações de existências – Falta de Liquidação de IVA (…)
Quanto à primeira situação, entrega de bens à sócia, é de referir que segundo a alínea f) do n.º3 do art. 3º do CIVA, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, (…) a fins alheios à empresa, é considerada transmissão de bens, e como tal sujeita a imposto, determinado nos termos do n.º2 do art. 16º do mesmo código.
Quanto à existência ou não das mercadorias em armazém (…) segundo nos foi informado no decurso da acção pelo responsável da empresa, tratava-se de mercadorias consideradas “monos” e que ainda se encontravam em armazém, fazendo as mesmas parte dum inventário de “monos”, cuja relação, onde constavam as referências, quantidades e valores, nos foi fornecida, com um valor total de €884 452, 15.
Todavia, dessa relação de “monos”, e conforme conferência física por nós efectuada, no decurso da visita, apenas se verificou existirem e armazém mercadorias no montante de €291 713, 36, dos quais €130 795, 69 são referentes a expositores “manequins”.
Quanto aos artigos com defeito (€118 254, 08) e os utilizados na elaboração de montras (€158 197, 36), como não existiam em armazém, ao contrário do agora alegado pelo Sujeito Passivo, foi em tempo oportuno solicitado ao Sujeito Passivo que nos informasse se os mesmos haviam sido destruídos e da existência ou não da respectiva comunicação à Administração Tributária, tendo respondido por escrito que apenas registou a regularização de existências, não comprovando qualquer destruição.
Relativamente às ofertas a terceiros (€267 871, 77) e tal como já referido no projecto de correcções as declarações exibidas não referem datas nem montantes das respectivas doações, não comprovando que foi esse o destino dado às mercadorias em causa, logo não constituem documentos válidos para suportar os movimentos contabilísticos efectuados, sendo estes da responsabilidade do Sujeito Passivo.
Confirmando as correcções propostas no projecto, não se encontrando os bens em armazém no total de €592 756, 68 (884 452, 15 – 291 713, 36), e conforme estipulado no art. 86º do CIVA, presumem-se os mesmos transmitidos, sujeitos a liquidação do IVA, nos termos da alínea f) do n.º3 e alínea b) do n.º2 do art. 16º, ambos do já referido código, apurando-se imposto em falta à taxa de 20%, no montante de €118 551, 37, com referência à data de 31.012009 (…) data em que o Sujeito Passivo contabilizou a referida regularização de existências".
– Cf. relatório de acção inspectiva, constante de fls. 3 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, documento para qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
18. Sobre o Relatório de Inspecção Tributária, pelo Chefe de Equipa, foi emitido parecer de confirmação dos elementos constantes do mesmo, tendo sido submetido à consideração superior – cf. fls. 1 do Processo Administrativo apenso aos autos;
19. Em 31.10.2012, o Chefe de Divisão, por subdelegação da DF Adjunta, conforme aviso n.º 15058/2011.DR n.º214, 2ª Série, de 8 de Novembro de 2011, foi lavrado despacho de concordância, determinando-se ainda a notificação nos termos da lei – cf. despacho constante de fls. 1 dos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
20. Foram, então, emitidas as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos 0806T e 0812T e 0903T, estas com os números 12132920, 12132922 e 12132924, determinando os montantes de imposto a pagar de €26.033,06, €2 000 e €118.551,37 e ainda, relativas a juros compensatórios, as liquidações com os números 12132921, 12132923 e 12132925 nos valores de €4.362,14, €295,23 e €16.369,83, respectivamente, fixando a data limite de pagamento voluntário em 31.01.2013 – facto que é admitido pela sociedade Impugnante na Petição Inicial e mencionado tanto no Processo Administrativo referente à Reclamação Graciosa como ao Recurso Hierárquico, bem como ainda, de parte das liquidações juntas aos autos a fls. 15 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
21. Em 27.03.2013, a Sociedade Impugnante instaurou, junto do Serviço de Finanças do Porto 5 Reclamação Graciosa, nos termos do requerimento constante de fls. 5 e seguintes do Processo Administrativo referente à Reclamação Graciosa e que se encontra apenso aos autos, documento para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
22. Em sede de Reclamação Graciosa foi elaborado parecer onde se aprecia o pedido formulado pelo Sujeito Passivo, do qual se destaca:
“(…) o relatório da acção de inspecção que serviu de fundamento à liquidação reclamada descreve com clareza o enquadramento legal dos factos tributários postos em causa, bem como as disposições legais que determinaram as correcções técnicas efectuadas à matéria colectável.
E tanto assim é que, na Petição Inicial de Reclamação Graciosa ora em apreço, a reclamante revela ter compreendido os motivos e os critérios que determinaram as correcções efectuadas, criticando-os especificamente.
Assim, permite-nos concluir no sentido da suficiência da fundamentação.
(…)
Quanto à dedutibilidade do IVA constante nas facturas emitidas pela empresa E.,, Lda., o relatório é claro quando transcreve as declarações prestadas pelo sócio gerente da referida empresa nas quais este confirma que no ano de 2008, apenas fez pequenos trabalhos de construção civil para a reclamante e que os mesmos foram pagos em dinheiro, uma vez que nem a empresa nem o seu sócio possuíam qualquer conta bancária à data.
Do relatório resulta que a inexistência de estruturas fixas e de pessoal da sociedade E.,, Lda., impossibilitavam a capacidade da mesma para realizar prestações de serviços dos montantes constantes das facturas em causa cujo total ascende a €162 000, pelo que, são claros os indícios de que, as facturas em análise não corresponderam a operações efectivamente realizadas.
Tal como foi, claramente informado no relatório de inspecção, tendo em conta as declarações do sócio gerente da E.,, Lda. e o facto de o reclamante não vir apresentar aos autos qualquer outro documento que prove que as obras foram de facto realizadas pelo emitente da factura, o IVA nelas constante foi indevidamente deduzido, uma vez que, não se poderá deduzir imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado preço constante da factura ou documento equivalente, conforme o disposto no n.º3 do artigo 19º do CIVA.
(…) quanto à falta de liquidação de IVA na regularização das existências, tal como já havia sido referido no relatório, a entrega dos bens à sócia, constitui uma afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal ou e geral fins alheios à empresa que nos termos da alínea f) do n.º3 do artigo 3º do CIVA, constitui uma transmissão de bens, e como tal sujeita a imposto, determinado nos termos da alínea b) do n.º2 do artigo 16º do mesmo diploma.
Quanto à alegada contradição que a reclamante diz existir pelo facto de ter sido aceite pelo inspector a verba €130.795,69, sob a rubrica “expositores manequins” com o fundamento que se encontravam no armazém, e não ter sido aceite as rubricas de “elaboração de montras” e “artigos com defeito”, afirmando que essas peças também estariam nas instalações, o relatório também é claro neste ponto quando afirma que os mesmos não existiam em armazém, e que inclusivamente foi em tempo útil solicitado à reclamante se os mesmos teriam sido destruídos e a sua comunicação sido efectuada à Administração Tributária, que respondeu que não tinha qualquer comprovativo da sua destruição.
Quanto ao valor das ofertas a terceiros de €267.871,77, e tal como o referido no relatório, os documentos comprovativos desta afectação não são válidos como suporte dos movimentos contabilísticos, visto não referirem datas nem sequer os montantes das doações, pelo que é da sua responsabilidade não ter os documentos formalmente correctos.
Quanto aos bens de uso pessoal, os mesmos consubstanciam uma afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, pelo que estão sujeitos a IVA” – cf. parecer datado de 08.05.2013, constante de fls. 28 e seguintes do Processo Administrativo referente a Reclamação Graciosa e que se encontra apenso aos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
23. Sobre o parecer identificado em 22., em 24.05.2013 foi lavrado despacho pelo qual, nos termos e com os fundamentos ali constantes, se projecta o indeferimento da Reclamação Graciosa, mais foi determinada a notificação á Reclamante para efeitos do exercício de audição prévia – cf. despacho de fls. 28 do Processo Administrativo refente à Reclamação Graciosa apenso aos autos;
24. Em 08.08.2013 deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 5 Recurso Hierárquico, nos termos do requerimento constante de fls. 4 e seguintes do Processo Administrativo referente ao Recurso Hierárquico e que se encontra apenso aos autos, documento para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
25. Em sede de Recurso Hierárquico foi elaborado parecer onde consta: “relativamente aos fundamentos que sustentam a decisão de indeferimento total dos argumentos apresentados em sede de Reclamação Graciosa, somos de parecer que os mesmos devem persistir, encontrando-se o seu conteúdo e enquadramento legal explanados no ponto 3 da presente informação, não tendo sido apresentados novos elementos que alterem o sentido da decisão proferida”, analisando de seguida cada um dos argumentos esgrimidos pelo Reclamante, conclui, nos termos de fls. 30 e seguintes do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico que se encontra apenso aos autos, informação para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
26. Este parecer conclui: “deste modo, face ao exposto e considerando que os fundamentos do presente Recurso Hierárquico em nada alteram o sentido da decisão proferida, somos de parecer não se verificarem razões para revogar o acto recorrido, propondo-se o indeferimento do pedido na totalidade” – cf. conclusão constante da informação de fls. 30 e seguintes do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico apenso aos autos;
27. Sobre esta informação, recaiu despacho de concordância, indeferindo-se o Recurso Hierárquico, nos termos ali propostos – cf. despacho constante de fls. 29 do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico apenso aos autos;
28. Em 18.02.2014, via fax, com o n.º de saída 10991, foi a Sociedade Impugnante notificada da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico – cf. notificação de fls. 38 do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico apenso aos autos;
29. Em 16 de Maio de 2014 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Petição Inicial que deu origem à presente Impugnação Judicial – cf. carimbo aposto no rosto da Petição Inicial a fls. 3 dos autos, numeração referente ao processo físico;
Mais ainda se provou que:
30. Durante o ano de 2008 a Sociedade Impugnante levou a cabo obras de beneficiação na sua loja a Rua de (…);
31. Estas obras abrangeram a cave, o rés-do-chão e o segundo andar, neste último houve uma grande alteração, foi ainda instalado um programa informático e um servidor, e a sua execução prolongou-se por cerca de 8 meses;
32. O Sr. E., trolha, trabalhou nas obras identificadas em 30..

FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que a sociedade E.,, Lda., da qual era sócio-gerente E., tenha sido a responsável pela realização das obras que a Impugnante levou a cabo, no ano de 2008, na sua loja do Porto (obras identificadas o facto provado n.º30);
2. Que as existências de tecidos, avaliadas em €723 552, 37, entregues à sócia M. C., se encontrassem nas instalações da Impugnante;
3. Que os tecidos que compunham estas existências tenham sido adquiridos sem liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado
Inexistem quaisquer outros factos, não provados, com relevância para a boa decisão da causa.
***
MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como daqueles que foram juntos pelo Impugnante juntamente com a Petição Inicial, especificados em cada um dos pontos relativos aos factos provados, dos quais estes resultam com toda a evidência.
Atendeu-se ainda à prova testemunhal produzida, designadamente as testemunhas: J., J., A., P., A., A., A., P. e F..
Estes depoimentos, porque prestados de forma clara e coerente, foram relevantes na fixação dos factos provados n.º30, 31 e 32.
Todas as testemunhas disseram de forma inequívoca que no ano de 2008 a loja da Rua (…) foi objecto de umas obras de remodelação que abrangeram a cave, o rés-do-chão e o 2º andar; este 2º andar até essa altura nem era propriedade da Impugnante, que nessa altura o adquiriu, ali “fizeram 2 casas de banho, gabinetes com divisórias e umas escadas do 1º andar para o rés-do-chão”, conforme explicado pela testemunha A..
Mais disseram que estas obras foram muito grandes, que a sua execução se prolongou no tempo, confirmando, todas as testemunhas (com excepção do despachante, J. e de P.) disseram que o emitente de facturas, E., trabalhou nas obras.
Quanto ao facto de não se dar como provado que as obras realizadas na loja de (…), tenham sido realizadas pela sociedade E.,, Lda., tal resulta, também, para além do já mencionado no Relatório de inspecção tributária, desde logo as declarações do próprio E., bem como por terem apurados estes Serviços, que aquela sociedade não dispunha de qualquer estrutura, desde logo funcionários, que lhe permitisse levar a efeito uma obra daquela envergadura; tal resulta ainda dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos as quais, na tentativa de corroborar a versão da Impugnante acabaram por a tornar inverosímil.
Vejamos:
São unânimes em afirmar que as obras foram realizadas, o que também não foi posto em causa pela Administração Tributária, e que o E. trabalhou nas mesmas.
Contudo, afirmam que este era o responsável pelas obras em causa, tendo trabalhado com mais uns 4 ou 5 funcionários, não identificados; o Sr. Egas era um “trolha que habitualmente lá trabalhava, até era amigo da família”, o que vai ao encontro das declarações do mesmo; que disse fazer pequenos biscates, trabalhos para os quais dispunha de meios.
Disse ainda a testemunha A., referindo-se ao Sr. E. que “ele andava sempre embriagado”, ilustrando ainda esta informação dizendo que “uma vez adormeceu na cave com a trincha na mão”. Ora, custa muito a acreditar que, uma empresa como a Impugnante, tenha entregue uma obra que veio a importar o pagamento de €162 000, a um empreiteiro, já por si conhecido, que andava sempre embriagado ao ponto de adormecer a meio do serviço.
Mais disseram as testemunhas que as obras foram feitas sem orçamento, veja-se o depoimento de A., electricista, que afirmou que “trabalhou sempre sem orçamento”, trabalhava ao dia, apresentava uma factura e eles pagavam-lhe.
Isto até contraria desde logo que as facturas pagas tenham sido as da sociedade emitente, E.,, Lda.
Por outro lado a testemunha A., depois de explicar que o E. era sempre quem fazia as obras necessárias à sociedade, concretizou dizendo “era sempre o Egas que fazia estas obras, sempre que era necessário algum arranjo”, disse ainda que a sociedade não trabalhava com orçamentos.
Também esta alegação da Impugnante, que a testemunha em causa, um funcionário da sociedade, é difícil de aceitar; por um lado, atentas as regras da experiência, que presidem à apreciação da prova produzida nos autos, dizem exactamente o contrário, que na realização de obras, inda por cima desta monta, se trabalha com orçamento; por outro lado também não é muito credível que um funcionário da loja saiba como é que a sociedade trabalha, considerando a natureza da informação em causa, que nada tem a ver com a actividade comercial em causa entrando mesmo numa decisão de administração.
Relativamente ao facto não provado n.º2, a verdade é que não feita prova de molde a demonstrar algo diverso do que foi apurado pelos serviços de inspecção tributária; apesar de ser dito que todos os tecidos se encontravam na loja, a verdade é que, veja-se facto provado n.º14, pretende a Impugnante que seja considerada a existência de tecidos por si reputados como “artigos com defeito”, no valor de €118 254, 08.
Ora, este valor de artigos com defeito, mesmo considerando que possa, ser artigos caros, sempre importará numa quantidade relevante de tecidos; o que é contraditório com o que foi dito em sede de inquirição de testemunhas. Disse A. (casado com uma das sócias da sociedade Impugnante), que muitas vezes recebe mercadoria “confere mercadoria, se tiver defeito é imediatamente devolvida ao fornecedor”, também a testemunha A. (funcionário da sociedade durante mais de 30 anos) disse que os artigos quando chegam com defeito são logo devolvidos.
A versão das testemunhas inquiridas nos autos, que revelam conhecimento relativo ao modo de funcionamento da sociedade, é aquela que mais se aproxima daquilo que as regras da experiência também ditam, que os artigos com defeito são devolvidos ao fornecedor, não se vão acumulando até existir na loja um lote de tecidos que importa em €118 254, 08, pelo que se considera ser de manter o decidido em sede de inspecção tributária relativamente a este item.
No que concerne a €267 871, 77 referentes a “ofertas a terceiros”, subscreve-se o que foi dito pelo relatório de inspecção tributária, por se considerar que não foi feita qualquer prova fidedigna, que justifique estas doações; apesar das testemunhas referirem que são doados alguns tecidos, a verdade é que nada é concretizado relativamente a estas doações; as declarações juntas em sede de acção inspectiva – fls.28 verso e seguintes do aditamento ao Processo Administrativo apenso aos autos – a verdade é que as mesmas são vagas não nos permitindo retirar o pretendido efeito. Realça a declaração junta emitida pela Sociedade Filarmónica de Crestuma, que refere a oferta de tecidos com vista a novo fardamento, o que não parece possível com restos de tecidos, ou tecidos com defeito, desde logo porque, atendendo mais uma vez às regras da experiência, não parece credível que houvesse tecido nestas condições, igual, que permitisse um novo fardamento à Filarmónica; ou que este fardamento ficasse adequado, com tecidos de alta-costura.
Também não juntou a Impugnante qualquer prova da alegada aquisição de todos estes tecidos, sem liquidação de IVA (facto não provado n.º3), se por um lado os tecidos não foram localizados na sua íntegra, nem sequer sabemos que tipo de tecido estaria em causa, desconhecemos a sua origem, bem como se na aquisição foi, ou não, liquidado este imposto; na demonstração do alegado não foi junta qualquer documentação que comprovasse a alegação do Impugnante.”
*
2. O Direito

A sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação judicial, quanto a uma primeira questão tratada, por a ora Recorrente não ter logrado demonstrar a materialidade das operações tituladas nas facturas emitidas por E.,, Lda., na sequência de a Autoridade Tributária (AT) ter desconsiderado o direito à dedução do IVA constante dessas facturas inscritas na contabilidade do contribuinte, tendo concluído existir motivo válido para não aceitar a dedução do IVA incorporado nas facturas n.º 396, n.º 397 e n.º 399, sendo por isso legais as correcções operadas ao abrigo do artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA.
A aqui Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, desde logo, quanto à decisão da matéria de facto, defendendo, face à prova produzida em tribunal, bem como face aos documentos juntos ao processo administrativo, dever ser dada como provada a matéria vertida no ponto 1 da factualidade não provada, bem como a descrita nos artigos 14, 20, 21, 22, 23 e 24 da petição inicial, e dever ser dada como não provada a matéria vertida nos pontos 9, 10 e 11 da factualidade provada.
Sustenta, portanto, ter demonstrado a materialidade dos serviços prestados, tendo o IVA constante das facturas n.º 396, n.º 397 e n.º 399 emitidas, em 2008, pela sociedade E., Lda. sido devidamente liquidado e pago pela Recorrente, pelo que esse IVA, que foi cobrado à sociedade impugnante pela sociedade E., Lda. e que consta das ditas facturas, foi correctamente deduzido pela sociedade Recorrente. Conclui que, ao não se considerar válida a dedução do IVA liquidado à Recorrente pela sociedade E., Lda., foi violado o artigo 20.º do Código do IVA.
Está na base desta argumentação procedimento inspectivo que foi motivado pelo facto de a Recorrente apresentar baixos resultados e existir informação interna no sentido de que facturas emitidas pela empresa E.,, Lda., no exercício de 2008, poderiam não consubstanciar prestações de serviços efectivas, na medida em que essa empresa emitente estava cessada oficiosamente em sede de IVA com data reportada a 31/12/2001 e, em sede de IRC, desde 21/10/2008, tendo sido dissolvida e liquidada oficiosamente, detectando-se que as facturas n.º 396, n.º 397 e n.º 399, emitidas por E.,, Lda., continham uma descrição onde apenas constava a seguinte menção: “serviços efectuados nas v/ instalações na Rua (...)”. Foram solicitados à Recorrente esclarecimentos e documentos, mas, ainda assim, permitiram à AT extrair as conclusões/indícios referidos nos pontos 7, 8, 9, 10, 11 e 17 do probatório, que reproduzem, parcialmente, a fundamentação vertida no relatório de inspecção tributária (RIT), dando origem a liquidações de IVA, referentes aos períodos de 0806T e de 08/12T, nos montantes de €26.033,06 e de €2.000, e respectivos juros compensatórios.
Começando pelos pontos 9, 10 e 11 do probatório impugnados, se bem compreendemos a sentença recorrida, a Meritíssima Juíza “a quo” parece olvidar que nos presentes autos estamos perante um contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, onde o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto.
Observamos que o julgador em primeira instância ficou convencido sobre a existência dos pressupostos da norma em discussão no pleito, considerando legais as correcções operadas ao abrigo do artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA, dando como provados vários factos que constam do relatório de inspecção tributária e como não provado que a sociedade E.,, Lda., da qual era sócio-gerente E., tenha sido a responsável pela realização das obras que a Impugnante levou a cabo, no ano de 2008, na sua loja do Porto (obras identificadas no facto provado n.º 30).
Sufragamos a ideia de que o ponto de partida para a interpretação das regras de repartição do ónus da prova deve ser feita por reporte à previsão da norma que consagra o direito invocado pela AT na fundamentação do acto. Situando-se o problema ao nível da subsunção dos factos à norma jurídica invocada, pois que as regras de repartição do ónus da prova devem ser interpretadas e aplicadas à luz do direito substantivo, onde cada litigante tem de provar todos os pressupostos, positivos e negativos, das normas favoráveis à sua pretensão – cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, (1995), página 222.
Analisando o probatório, é forçoso alertar e sublinhar para a importante distinção entre considerar provado que a AT realizou os actos de inspecção descritos no probatório, com recolha das informações aí referidas, e julgar provado o que aquela concluiu na fiscalização levada a cabo. Ou seja, é distinto o juiz dar como provada a percepção do inspector aquando da elaboração do relatório, de dar como provado directamente o que lá foi vertido.
A verdade é que a decisão recorrida aponta para um acolhimento directo no probatório de diversos factos, sem cuidar que, por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
E, in casu, afigura-se-nos que a sentença acolheu directamente as conclusões da AT, designadamente, julgando provados os pontos 9, 10 e 11 da decisão da matéria de facto, demonstrando a Recorrente, no presente recurso, não se conformar com tal julgamento.
Relativamente às regras do ónus da prova vigente no nosso direito interno, nas situações em que as facturas não corresponderão a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não terão tido lugar, cumpre, desde já, assinalar que a nossa jurisprudência vem entendendo, pacífica e reiteradamente, que compete à AT, no exercício da sua actividade fiscalizadora, provar a existência dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção da matéria tributável - cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).
No caso em apreço, uma vez que as liquidações adicionais impugnadas resultam da não aceitação da dedução do IVA incorporado em facturas em relação às quais se entendeu que não titulavam verdadeiras operações comerciais, cabia à AT demonstrar a pertinência do seu juízo, mediante a enunciação dos indícios objectivos e credíveis que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondiam prestações reais.
Somente demonstrados os referidos indícios, passa a competir ao contribuinte o ónus de provar que as operações tituladas pelas facturas não aceites pela AT se realizaram efectivamente com aquele emitente e pelos valores nelas inscritos, sob pena de as mesmas não poderem ser aceites para efeitos de dedução do IVA.
O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.
Este imposto funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.
Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.
O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.
Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (actualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redacção do D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013 que “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).
Do acórdão de Tribunal de Justiça (TJ) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Bonik, de 6 de Dezembro de 2012, C-285/11, reiterado pelo acórdão Maks Pen EOOD, de 13 de Fevereiro 2014, C-18/13 resulta que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, instituído pela legislação da União Europeia, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante.
Seguindo de perto aqueles acórdãos, temos que o direito a dedução previsto nos artigos 167. ° e seguintes da Directiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Porém, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objectivo reconhecido e incentivado pela Directiva IVA, pelo que os sujeitos passivos não podem fraudulenta ou abusivamente invocar as normas do direito da União, competindo às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objectivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, seja quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude fiscal, seja quando um sujeito passivo sabia ou deveria saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, o que faz que seja considerado participante nessa fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributadas que efectuou a jusante, incumbindo às autoridades fiscais competentes fazer prova bastante de que os elementos objectivos estão reunidos (neste segundo caso, de acordo com o TJ, o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objectivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações) e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades fiscais em causa provaram a existência desses elementos objectivos.
No Despacho proferido pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Caso Menidzherski Biznes Reshenia, Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da protecção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma factura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa factura quando as operações a que esta última se refere não foram efectivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida factura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as facturas em causa no processo principal dizem respeito.” - cfr. referência no Acórdão do TCA Sul, de 22/02/2018, proferido no âmbito do processo 08959/15.
Ora, a sentença recorrida limitou-se a levar ao probatório as conclusões da AT, sem efectuar qualquer apreciação, em concreto, dos indícios recolhidos pela mesma, tão-pouco se eles seriam fundados ao ponto de justificar as correcções operadas; iniciando a sua análise pela questão da materialidade dos serviços titulados pelas facturas emitidas por E.,, Lda.
A Recorrente invoca erro de julgamento no tocante à apreciação que o tribunal recorrido fez da matéria de facto. Mas, antes de mais, reiteramos, importa analisar se a AT cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, isto é, do seu direito de tributar – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Pois que na correcta aplicação das regras do ónus da prova estão em causa juízos de direito, sendo de apreciar por recurso à interpretação de regras legais.
Assim, não importará, por ora, atender, de forma ampla, ao invocado erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que ele se direcciona, em grande medida, em relação à materialidade das operações, factualidade que se coloca a jusante da análise a desenvolver quanto ao comportamento da AT, que se mostra vertido na fundamentação constante do RIT e reproduzido nos pontos 3 a 11 e 17 da decisão da matéria de facto, mas que a Recorrente questiona ao impugnar os pontos 9, 10 e 11 da mesma.
Ora, como consta do RIT, onde se enunciam os indícios em que a AT sustenta o seu juízo de falsidade das facturas em causa nestes autos, os factos-índice em que assentou a actuação da AT são:
- A empresa emitente das facturas não possuía estruturas fixas nem pessoal (para realizar trabalhos que justificassem o valor global de €162.000,00);
- A sociedade emitente esteve enquadrada, em sede de IVA, no Regime Normal Trimestral até 31/12/2001, data em que foi cessada oficiosamente. Em sede de IRC, encontra-se cessada desde 21/10/2008, tendo sido dissolvida e liquidada oficiosamente. A empresa é não declarante, em sede de IVA e IRC, desde o ano 2000;
- Solicitados, não foram exibidos contratos de empreitada, autos de medição ou quaisquer outros elementos, além das facturas e cheques, que comprovassem o valor das obras efectuadas;
-Declarações do sócio-gerente da sociedade emitente das facturas: tinha apenas um único colaborador, tendo somente capacidade para a prestação de pequenos serviços de reparação de construção civil, nos quais se incluiu, em 2008, um pequeno trabalho que realizou na empresa Recorrente, na Rua (...);
- Da descrição das facturas consta apenas a seguinte menção: “serviços efectuados nas v/ instalações na Rua (...)”;
- Cheques utilizados para pagamento das facturas emitidos ao portador.
Salientamos, desde já, conforme consta da sentença recorrida e do RIT, que a AT não questiona que as obras tenham sido efectuadas ou que a Recorrente tenha recorrido a um empréstimo bancário para as pagar. Coloca unicamente em causa que as obras tenham sido realizadas pelo emitente das facturas, pois só confere direito à dedução o imposto constante de facturas ou documentos equivalentes que respeitem a transacções verdadeiras.
A AT suportou as suas conclusões praticamente só nas declarações do sócio-gerente da E.,, Lda., empresa emitente das facturas, e na falta de exibição de outros documentos que comprovassem que as obras tivessem sido efectuadas pelo emitente das facturas.
Porém, ressalta do RIT que, em simultâneo com a presente fiscalização, a empresa emitente foi também objecto de uma acção de inspecção. Assim, não pode deixar de nos ocorrer que o sócio-gerente da mesma se apresentava, aquando das declarações em sede fiscalizadora, como interessado directo na desconsideração dos valores inscritos nas facturas em apreço.
A verdade é que a empresa emitente das facturas se apresentava à AT como não declarante desde 2000 e, por outro lado, o seu sócio-gerente reconhece ter realizado um pequeno trabalho, em 2008, na Recorrente, na Rua (...) (entre outros pequenos trabalhos de construção civil, pequenas reparações em obras particulares). Nessas declarações não pôde precisar qual o valor dos serviços prestados à Recorrente, mas afirmou terem-se tratado de serviços de pintura de tectos e de escada de acesso à cave e outros pequenos trabalhos. Tem sempre subjacente um elevado grau de subjectividade o que serão ou terão sido “pequenos” trabalhos, tanto mais que também afirmou que a empresa emitente teve ao seu serviço, no ano de 2008, o próprio sócio E. e um trabalhador de nome M..
Não será de desvalorizar, pura e simplesmente, as declarações do sócio-gerente da sociedade emitente, mas o certo é que a AT não reuniu prova do volume, da quantificação e do respectivo preço devido pelos trabalhos que terão sido realizados pela mesma na Rua (...)(segundo afirma o sócio-gerente), tendo, antes, optado por concluir que as obras não foram efectuadas pela sociedade E.,, Lda.; o que tem o efeito de mitigar o seu valor probatório. E para a redução do valor probatório destas declarações também contribui a circunstância de apenas em relação à emitente terem sido recolhidos indícios de fraude (empresa não declarante desde o ano de 2000 e cessada oficiosamente em 31/12/2001 para efeitos de IVA; os escassos recursos humanos também são uma ilação das declarações do gerente) e de este ser interessado directo na desconsideração do valor que consta das facturas, dado que assim o montante do IRC a pagar pela sociedade E.,, Lda. seria menor do que aquele que seria devido caso fossem utilizados os preços indicados nas facturas. Note-se que, a este respeito, nada foi dito pela AT no RIT.
Efectivamente, a Recorrente, conforme está vertido no RIT, afirmou que as obras foram efectuadas e que esta indicou, no local, que se tratou da remodelação de todo o primeiro andar, onde se constatou funcionarem os serviços administrativos e de exposição de modelos confeccionados. Mais uma vez, foi o próprio gerente da sociedade emitente, também fiscalizada, que afirmou não ter capacidade para executar trabalhos daquela monta, mas que foi o sócio da empresa Recorrente, C., que o contratou para fazer aqueles trabalhos de pintura e pequena reparação no prédio no Porto, denominando “biscates” o trabalho efectuado na referida Rua (...). É somente com base neste circunstancialismo que a AT conclui pela inexistência de estruturas fixas e de pessoal da sociedade E.,, Lda., sendo das declarações do seu gerente que a AT retira a ilação que resultam indícios claros de que as facturas em causa não correspondem a operações efectivamente realizadas, porquanto não possuía capacidade para a realização de serviços do montante constante das facturas. Pois que, tendo apenas um único colaborador, a sociedade apenas teria capacidade para a prestação de pequenos serviços de reparação de construção civil, como é alegado pelo seu sócio-gerente.
Perante este contexto, tudo parecia apontar para uma simulação do valor constante das facturas. Todavia, como os factos recolhidos foram muito vagos e genéricos, não se tendo dilucidado a quantificação da obra, nem concretizado o preço/valor dos referidos “pequenos trabalhos” ou sequer, de forma objectiva, por que motivo os trabalhos efectivamente executados na Rua (...) não terão sido “pequenos”, a AT limitou-se a desconsiderar totalmente as três facturas em apreço, afirmando, mesmo, não estar aqui em causa se as obras foram ou não efectuadas, se foi ou não aquele valor, se recorreu ou não a empréstimo bancário, mas sim se as obras foram realizadas pelo emitente das facturas, concluindo existirem indícios fundados que as obras não foram efectuadas por esse emitente.
Lembramos que se o juízo da AT assenta em ter considerado que o montante das facturas em causa (cujo IVA foi deduzido) excede o valor das operações realmente efectuadas, bastar-lhe-á demonstrar a existência de indícios sérios de que o preço referido nas facturas foi simulado, passando então a competir ao contribuinte o ónus de provar que esse preço é o real.
Para que o Tribunal considere que a AT podia proceder à liquidação adicional de IVA com aquele fundamento não basta que verifique se a AT fundamentou formalmente a sua actuação, ou seja, se disse por que se convenceu de que não há lugar às deduções de imposto constante das referidas facturas, mas haverá também que aferir da correcção do juízo formulado pela AT, ou seja, se este se deve ter como objectiva e materialmente fundamentado.
Estando em causa três facturas respeitantes à prestação de serviços de construção civil, se a única fundamentação objectiva aduzida pela AT para considerar que o preço referido nas facturas excedia o preço real das operações e, consequentemente, que não havia lugar à dedução do imposto nelas liquidado, era a de que o emitente das facturas não declarou nem entregou o IVA liquidado, que não tinha meios/capacidade para executar obra de tal envergadura e que os cheques emitidos pela contribuinte para o pagamento dessas facturas foram emitidos ao portador, não podia ter-se aquele juízo por materialmente fundamentado. E terá sido, eventualmente, por esse motivo que a AT não motivou o acto através da simulação do preço mencionado nas facturas.
Na verdade, aqueles factos, por si só, não indiciam suficientemente que somente parte do valor dos cheques tenha servido para pagar ao emitente das facturas, não sendo de excluir, sem mais, que os serviços referidos naquelas facturas tenham realmente sido prestados por aqueles valores, tanto mais que, como veremos, não logrou a AT averiguar o destino dos cheques.
Efectivamente, a AT satisfez-se com indícios pouco consistentes, por isso não podia pretender afirmar que o preço constante das facturas excedia o preço real por que as operações foram realizadas, como, de facto, não fez, dado que, como vimos, não concretizou o que seriam “pequenos trabalhos” ou sequer, nessa sequência, se existia, por exemplo, qualquer desproporção entre os valores facturados e os valores de mercado dos serviços prestados ou qualquer divergência entre os valores das facturas em causa e de outras emitidas para serviços semelhantes.
No contencioso tributário, que é de mera anulação, insistimos, o tribunal não pode conhecer da legalidade do acto impugnado a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, sendo que apenas se poderão considerar como pressupostos do acto tributário aqueles que a AT fez constar da declaração fundamentadora (parte integrante do próprio acto e dele coeva) que externou aquando da prática do mesmo.
Por isso, somente importa continuar a averiguar, da motivação constante do RIT, se existem indícios fundados que as obras (que ocorreram) não foram realizadas pelo emitente das facturas.
Da análise aos meios de pagamento, a AT apurou que foram emitidos quatro cheques ao portador nos montantes inscritos nas correspondentes facturas. Em circunstâncias normais, os cheques deveriam ter sido emitidos e depositados a favor da sociedade emitente das facturas. Contudo, das cópias dos cheques, refere-se no RIT, que não foi possível identificar as contas bancárias onde foram depositados. Esclarece, ainda, o RIT que na acção de inspecção realizada ao emitente se constatou que não foram movimentados e/ou levantados por qualquer representante da empresa E.,, Lda., uma vez que, das informações obtidas das entidades bancárias, não foi fornecida qualquer indicação de contas bancárias tituladas pela empresa ou pelo seu sócio, tendo-se concluído pela não verificação de movimentos bancários em seu nome no ano de 2008. Porém, o certo é que a AT não demonstrou o percurso dos cheques, dado que nem sequer foi feita prova de que os cheques emitidos para pagamento dos serviços prestados tenham sido descontados de qualquer conta da Recorrente, tão-pouco se apurou o destino dos cheques emitidos, ficando a dúvida se, pelo menos alguns, terão sido levantados ao balcão ou, eventualmente, endossados. Em suma, desconhece-se o circuito/fluxo financeiro subjacente às operações em apreço. Na ausência de factos objectivos acerca do meio de pagamento utilizado, não será possível encontrar indícios de falta de pagamento e, consequentemente, de que os serviços não tenham sido efectivamente prestados pela emitente das facturas.
Na verdade, o artigo 75.º, n.º 1 da LGT estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
Para além de os cheques, que terão servido para pagamento das facturas, terem sido emitidos ao portador, a AT não recolheu ou encontrou, a este propósito, irregularidades na contabilidade ou na escrita da Recorrente. A maioria dos factos restantes, destacados pela AT na fundamentação do acto, decorreram de ilações das declarações do gerente da emitente das facturas, que, como vimos, tinha ponderosos motivos para negar o recebimento de tais quantias. Resta, portanto, a consulta ao sistema informático da AT, que permitiu constatar ser a empresa emitente não declarante desde o ano 2000.
A AT deve demonstrar a existência de “indícios fundados” (indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no artigo 75.º da LGT, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.
Os indícios de falsidade da facturação mencionados referem-se ao emitente das facturas ou ao valor alegadamente exagerado inscrito nas facturas, descurando, quer a contabilidade da empresa utilizadora das facturas, quer a realidade da actividade da mesma; elementos cuja junção aos autos importaria ao juízo de relacionação entre os factos recolhidos e os dados da experiência, com vista à emissão de um juízo consistente baseado em indícios sérios.
Relativamente a esses indícios (externos), importa ainda salientar que a Recorrente não tem obrigação de verificar se os seus prestadores cumprem com as obrigações declarativas ou se dispõem de capacidade técnica e/ou humana para prestar os serviços contratados, cabendo-lhe apenas aferir da conformidade do serviço final prestado com o previamente contratado. Logo, se o serviço é prestado nos moldes pretendidos pela Recorrente, que invoca que efectuou um contrato de empreitada verbalmente e que acompanhou todos os dias a evolução dos trabalhos de remodelação de todo o primeiro andar do n.º 30 da Rua (...), esta, naturalmente, presume que o prestador tem a capacidade técnica e humana, própria ou subcontratada, para a prestação daquele mesmo serviço.
Competindo à AT provar a existência de indícios sérios de que as operações facturadas não correspondem à realidade, esta poderá, contudo, recorrer à prova indirecta, isto é, a factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. E indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”.
Porém, os indícios devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística.
Lembramos que a adequação formal da contabilidade não é garantia nem indício consistente da existência das operações documentadas. Uma coisa é a aparência formal que se retira da documentação, outra muito diferente é a materialidade das operações que lhe subjazem. Reversamente, eventuais erros ou insuficiências de contabilidade não constituem indícios sérios de facturação falsa, se não forem integrados com outra factualidade que para isso aponte.
Relendo a motivação ínsita no RIT, é forçoso concluir que a AT não reuniu indícios suficientes de que a facturação é falsa. Realmente, as circunstâncias respeitantes ao emitente das facturas também não constituem indícios sérios de que ele não prestou os serviços em questão: o facto de não ser um contribuinte cumpridor dos seus deveres não constitui indício fundado da falsidade das operações tituladas pelas facturas.
Tivemos necessidade de proceder a uma análise individualizada de cada indício autonomizado pela AT, porque alguns não são verdadeiros factos (factos-índice), por se reconduzirem a conclusões ou juízos de valor (por exemplo, a ilação que é retirada das declarações do gerente da emitente – inexistência de estruturas fixas e de pessoal da sociedade emitente). Somente após a triagem da factualidade será possível verificar quais os factos a considerar, aí sim, de forma integral, global e articulada.
Os exemplos destacados servem apenas para espelhar a necessidade de uma abordagem prévia individual dos indícios, a fim de autonomizar os que poderão consubstanciar verdadeiros factos-índice. Na medida em que se constatou que todos eles são demasiado frágeis e insubsistentes, também vistos globalmente e de forma integrada continuamos a concluir que seria imperiosa uma mais profunda e abrangente investigação da parte da AT.
Apesar de a prova que a AT tem que realizar não ter de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível; A verdade é que a AT não reuniu factos ponderosos e objectivos fortemente indiciadores de que as facturas em causa são falsas, não sendo suficiente, como vimos, apelando a um critério de bom senso e razoabilidade, a falta de contrato escrito de empreitada ou de autos de medição e a empresa emitente não ser declarante, principalmente quando ficou demonstrado que as obras foram realizadas, que foram efectuados trabalhos e foram emitidos diversos cheques, no valor de €162.000,00, para pagamento das referidas prestações de serviço.
De facto, a AT não necessita de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende (cfr. nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 16/11/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0600/15). Mas, ainda assim, tem de provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
Em suma, in casu, não existe adequação entre os factos em que a AT se sustenta e a conclusão de que as facturas identificadas não correspondem a serviços efectivamente prestados, mesmo de forma articulada e concatenada entre si, principalmente quando foram emitidos cheques para eventual pagamento das operações. Os factos-índice, por si só, considerados globalmente, mesmo desconsiderando toda a restante factualidade apurada, mas com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, não permitem extrair a inexistência da prestação de serviços por parte de E.,, Lda., por alguns serem inconclusivos e outros pouco rigorosos, designadamente, por a sua maioria assentar em declarações de quem é interessado nessa inexistência.
Aliás, a circunstância de a sociedade E.,, Lda. ter a sua actividade cessada (oficiosamente) não impede a Recorrente de poder deduzir o IVA relativo a facturas emitidas por essa empresa – cfr. Acórdão do STA, de 13/09/2017, proferido no processo n.º 1923/13, a propósito desta matéria, reiterando-se entendimento anterior adoptado no Acórdão do STA, de 20/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 0974/09.
Acresce resultar da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não basta que se constate que o IVA dedutível seja referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspendido ou cessado a sua actividade, sendo necessário também que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução estava implicado numa fraude cometida pelo emissor da factura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações, designadamente, não basta, para recusar o direito à dedução, constatar que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da factura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é requerido tinha a qualidade de sujeito passivo (cfr. nesse sentido, Acórdão do Tribunal de Justiça, casos conjuntos Mahagében kft e Péter Dávid, nos processos apensos C-80 e C- 142/11, de 21/06/2012:
“1) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), 220.°, n.° 1, e 226.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante de imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o montante do imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram fornecidos, pelo facto de o emitente da fatura correspondente a esses serviços ou por um dos seus fornecedores ter cometido irregularidades, sem que essa autoridade demonstre, com base em elementos objetivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações.
2) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), e 273.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa o direito a dedução com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da fatura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é pedido tinha a qualidade de sujeito passivo, dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, ou com o fundamento de que o referido sujeito passivo não dispõe, além da referida fatura, de outros documentos suscetíveis de demonstrar que essas circunstâncias estão reunidas, apesar de os requisitos materiais e formais previstos na Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução estarem preenchidos e de o sujeito passivo não dispor de indícios que justifiquem a suspeita da existência de irregularidades ou de fraude por parte do referido emitente.)”
Assim, temos de concluir que a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si recaía, pois não fez prova dos requisitos legais que lhe permitiam a sua actuação ao abrigo do artigo 82.º, n.º 1, do Código do IVA. Errou, pois, a sentença ao dar como provados os pontos 9, 10 e 11 do probatório.
Na medida em que, sobre esta matéria da “facturação falsa”, a maioria das questões se apresenta colocada neste recurso a jusante, nomeadamente, o invocado erro de julgamento de facto, no segmento que relevaria se se tivesse devolvido à Recorrente o ónus da prova da materialidade das operações (o que não sucedeu, como vimos), resta julgar prejudicado o conhecimento dessas questões, dado que a presente apreciação é suficiente para revogar, nesta parte, a sentença recorrida, merecendo, portanto, censura essa decisão onde foi julgada improcedente a impugnação deduzida.
Pelo exposto, não se encontram reunidos os pressupostos para a não-aceitação da dedução do IVA, pelo que, nesta parte, assiste razão à Recorrente, devendo a liquidação de IVA respectiva ser anulada, e a sentença, também nesta parte, revogada.

A sentença recorrida julgou, ainda, improcedente a presente impugnação judicial, quanto a uma segunda questão tratada, por considerar ser devido IVA por operação de regularização de existências. Decidiu, portanto, que a operação de afectação de um conjunto de tecidos a uma das sócias da Recorrente, por conta de suprimentos prestados à sociedade, é uma transmissão de bens sujeita a imposto, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA. Assim concluiu, além do mais, por a aqui Recorrente não ter demonstrado que esses tecidos foram adquiridos sem liquidação de IVA.
Mais uma vez, a Recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto, relativamente à factualidade que contende com o julgamento desta questão. Defende deverem ser dados como provados os seguintes factos que foram considerados não provados:
- As existências de tecidos, avaliados em €723.552,37, entregues à sócia M. C., encontravam-se nas instalações da Impugnante à data em que foi feita a operação (2009);
- Os tecidos que compunham estas existências tinham sido adquiridos sem liquidação, nem dedução do Imposto sobre Valor Acrescentado, por se tratarem de tecidos importados do espaço comunitário, ao abrigo do artigo 14.º do RITI.
Ainda face à prova produzida em Tribunal, bem como face aos documentos juntos ao processo administrativo, entende a ora Recorrente que deve ser dado como provado o seguinte facto:
- em 2012 (ano da inspecção) desses tecidos apenas não se encontravam nas instalações da impugnante 5% dos tecidos (existências) conferidos em 2009.
À semelhança do que referimos anteriormente, o julgador continuou a utilizar a mesma técnica na decisão da matéria de facto, optando por levar ao probatório directamente o que consta do relatório de inspecção tributária. De novo, o Tribunal “a quo” ficou convencido sobre a existência dos pressupostos das normas em discussão no pleito, considerando legais as correcções operadas ao abrigo dos artigos 86.º e 3.º, n.º 3, alínea f), ambos do Código do IVA, dando como provados vários factos que constam do relatório de inspecção tributária. Como já concluímos supra, tal julgamento, que acolheu directamente as conclusões da AT, não pode manter-se nesses termos.
Insistimos na importância de analisar, como ponto de partida, se a AT cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, isto é, do seu direito de tributar – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim, importará, por ora, desenvolver a análise do comportamento da AT, que se mostra vertido na fundamentação constante do RIT e reproduzido nos pontos 12, 13, 14, 15 e 17 da decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, para averiguar se a AT demonstrou factos constitutivos do seu direito de tributar IVA, basearemos a nossa análise nesta motivação vertida no RIT:
“(…) Quanto à primeira situação, entrega de bens à sócia, é de referir que segundo a alínea f) do n.º3 do art. 3º do CIVA, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, (…) a fins alheios à empresa, é considerada transmissão de bens, e como tal sujeita a imposto, determinado nos termos do n.º2 do art. 16º do mesmo código.
Quanto à existência ou não das mercadorias em armazém (…) segundo nos foi informado no decurso da acção pelo responsável da empresa, tratava-se de mercadorias consideradas “monos” e que ainda se encontravam em armazém, fazendo as mesmas parte dum inventário de “monos”, cuja relação, onde constavam as referências, quantidades e valores, nos foi fornecida, com um valor total de €884 452, 15.
Todavia, dessa relação de “monos”, e conforme conferência física por nós efectuada, no decurso da visita, apenas se verificou existirem e armazém mercadorias no montante de €291 713, 36, dos quais €130 795, 69 são referentes a expositores “manequins”.
Quanto aos artigos com defeito (€118 254, 08) e os utilizados na elaboração de montras (€158 197, 36), como não existiam em armazém, ao contrário do agora alegado pelo Sujeito Passivo, foi em tempo oportuno solicitado ao Sujeito Passivo que nos informasse se os mesmos haviam sido destruídos e da existência ou não da respectiva comunicação à Administração Tributária, tendo respondido por escrito que apenas registou a regularização de existências, não comprovando qualquer destruição.
Relativamente às ofertas a terceiros (€267 871, 77) e tal como já referido no projecto de correcções as declarações exibidas não referem datas nem montantes das respectivas doações, não comprovando que foi esse o destino dado às mercadorias em causa, logo não constituem documentos válidos para suportar os movimentos contabilísticos efectuados, sendo estes da responsabilidade do Sujeito Passivo.
Confirmando as correcções propostas no projecto, não se encontrando os bens em armazém no total de €592 756, 68 (884 452, 15 – 291 713, 36), e conforme estipulado no art. 86º do CIVA, presumem-se os mesmos transmitidos, sujeitos a liquidação do IVA, nos termos da alínea f) do n.º3 e alínea b) do n.º2 do art. 16º, ambos do já referido código, apurando-se imposto em falta à taxa de 20%, no montante de €118 551, 37, com referência à data de 31.012009 (…) data em que o Sujeito Passivo contabilizou a referida regularização de existências".
Desde logo, sobressai que a correcção tem por base o artigo 86.º do Código do IVA, cuja norma encerra uma presunção legal que estabelece que as mercadorias que não foram encontradas em armazém se consideram transmitidas: “salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais”.
Ora, é nossa convicção não ser de aplicar à situação esta presunção, uma vez que, assumidamente, o sujeito passivo pretendeu, em 31/01/2009, regularizar mercadorias que possuía em stock e, como contrapartida desta regularização de existências, visou saldar a conta da sócia M. C., no que tange a suprimentos em saldo.
Acentuamos que foi assumidamente, visto que a AT efectuou uma análise à coerência entre os valores da contabilidade e os valores constantes dos inventários apresentados, tendo verificado que na Declaração IES, relativa ao exercício de 2009, a Recorrente procedeu, em 31/01/2009, à regularização de mercadorias que possuía em stock no montante de €870.015,41. E observou também que, como contrapartida, esta regularização de existências visou saldar a conta da ainda sócia M. C. (…), cujo montante de suprimentos em saldo, à data de 31.12.2008, se cifrava em €970.640,28, tendo-se constatado para o efeito que os respectivos lançamentos contabilísticos tinham como suporte uma declaração (documento n.º 50/01.00019 de 31.01.2009) em que é referido que as mercadorias foram entregues à sócia.
Não existe, portanto, qualquer dúvida que os bens foram afectados/entregues à sócia, não havendo, por isso, lugar a qualquer presunção de transmissão. Concluiu, no entanto, a AT que, tratando-se de uma afectação de mercadorias a fins alheios à empresa, neste caso entregues à sócia, teria que ser liquidado o respectivo IVA, o que não aconteceu.
Salientamos que, de acordo com a motivação vertida no RIT, somente após ser confrontada com esta eventual irregularidade (falta de liquidação do IVA) é que a Recorrente declarou desconhecer que tal regularização estivesse sujeita a imposto, afirmando que, então, procederia à anulação da operação, uma vez que as mercadorias, de facto, ainda se encontravam em armazém.
É fulcral, desde já, evidenciar que a operação de regularização de existências foi registada na contabilidade em 31/01/2009 e que a opção da AT de contagem das mercadorias correspondentes e que constavam de um inventário em separado, porque seriam “monos”, somente se verificou aquando da inspecção tributária em 2012. Assim, não se poderá ter a veleidade de lograr convencer que uma contagem realizada em 2012 reflectirá o que estaria em armazém em 31/12/2008.
Julgamos ter ocorrido uma confusão de factos ou mesmo uma subversão dos mesmos, pois não podemos escamotear que existe uma declaração, um documento interno contabilístico, atestando que as mercadorias foram entregues à sócia, bem como os respectivos registos na contabilidade e os inventários apresentados, reportados ao final de 2008 e a 31/01/2009. Não se poderá simplesmente ignorar a operação real que esteve subjacente a tais registos contabilísticos e tentar ficcionar uma outra realidade, somente para obter um resultado onde não fosse devido imposto. Mas que, ainda assim, a AT continuou a encontrar meio de liquidar IVA em falta, por via da aplicação da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA.
A AT deve, de forma clara, na fundamentação do acto, apresentar e descrever os factos concretos, enquadrando-os legalmente. Será essa motivação que permitirá sindicar cabalmente o acto; observando-se, in casu, alguma obscuridade geradora de equívocos.
Vejamos. Se o contribuinte é alvo de uma acção inspectiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.
Todavia, se bem entendemos, estamos a sindicar uma operação contabilística ocorrida em 31/01/2009, de regularização de mercadorias em stock, que foram entregues à sócia M. C.. Não pode aqui aproveitar qualquer presunção legal assente sobre factos registados na contabilidade.
Com efeito, os eventuais erros, omissões ou inexactidões constatados na contabilidade do contribuinte e a sua eventual incongruência com elementos extra – contabilísticos podem ser corrigidos pela AT, observando o ónus probatório que lhe incumbe nos termos do artigo 74.º da LGT.
Ora, não ficou demonstrado que os bens não tivessem sido entregues à referida sócia, sendo até natural, atento o volume de stock espelhado pelo montante de €870.015,41, que essas mercadorias, denominadas “monos”, tivessem permanecido nas instalações da Recorrente, sem que se questione que tivessem passado a ser da sócia. Se a realidade fáctica (através da contabilística) aponta para a transmissão desses bens para a citada sócia, é irrelevante o que a mesma tenha efectuado com os tecidos/mercadorias (não importa se ofereceu parte a terceiros ou se outra parte ainda estava em manequins ou em expositores – não existe qualquer prova apontada no RIT no sentido de os bens não terem passado a ser da sócia desde 31/01/2009).
Neste contexto, como vimos esclarecendo, inexiste qualquer fundamento para sustentar a correcção no artigo 86.º do Código do IVA (presunção), uma vez que estaremos, de facto, perante uma afectação de bens. Resta apurar se esta afectação, em 31/01/2009, está sujeita a IVA, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA, conforme consta da fundamentação da AT no RIT.
Como vimos, a AT sustenta que a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à empresa, é considerada uma transmissão de bens, e, como tal, sujeita a imposto.
Recordamos que, nos termos do artigo 1.º, alínea a) do Código do IVA, as transmissões de bens a título oneroso estão sujeitas a IVA. Sendo que, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do mesmo Código, consideram-se, ainda, transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo 3.º, ressalvado o disposto no artigo 26.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Realmente, da fundamentação do acto, consta expressamente que se verificou uma afectação permanente de bens da empresa à referida sócia, mas nenhuma menção é feita à dedução do imposto.
Na verdade, para que os bens afectos à sócia tivessem que estar sujeitos a IVA, nos termos apurados pela AT, esta teria que ter demonstrado que, relativamente a esses concretos bens, tinha havido dedução total ou parcial do imposto, o que não resulta, de todo, da decisão da AT.
Tal facto consubstancia mais um requisito para que se possa entender a afectação em crise como transmissão de bens e, consequentemente, para que essa operação registada contabilisticamente estivesse sujeita a liquidação de IVA. Note-se que a Recorrente, na petição de impugnação, alerta para o facto de estes bens terem sido adquiridos sem pagamento de IVA, por se terem tratado de transacções intracomunitárias, pelo que, necessariamente, não terá ocorrido dedução do mesmo. Contudo, a AT não averiguou, nem demonstrou, a existência de dedução de IVA quanto aos bens que foram afectos à sócia da empresa; sendo que isso se lhe impunha, tanto mais que, em sede de inspecção tributária à escrita da Recorrente, teve acesso aos documentos e registos da sua contabilidade, que permitiria confirmar se ocorreu ou não dedução de IVA quanto aos concretos bens em apreço.
Nesta conformidade, é forçoso concluir que a AT, mais uma vez, não cumpriu o ónus probatório que sobre si recaía, pois não fez prova de todos os requisitos legais que lhe permitiam efectuar esta correcção, tributando a Recorrente.
Logo, também sobre esta matéria da “regularização de existências”, a maioria das questões se apresenta colocada neste recurso a jusante, pelo que resta julgar prejudicado o conhecimento das mesmas, merecendo, portanto, igualmente quanto a este ponto, censura o julgamento efectuado na sentença recorrida.
Pelo exposto, urge conceder total provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, com todas as legais consequências.

Conclusões/Sumário

I - No caso de facturas falsas, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
III - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
IV – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
V - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.
VI – A circunstância de uma sociedade ter a sua actividade cessada não impede um sujeito passivo que pagou imposto de poder deduzir esse IVA relativo a facturas emitidas por essa empresa.
VII – Se o contribuinte é alvo de uma acção inspectiva em que a Administração Tributária procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.
VIII – Não poderá a AT socorrer-se da presunção se os registos contabilísticos e os respectivos documentos de suporte revelam, desde logo, transmissão de bens.
IX – Os erros, omissões e inexactidões constatados na contabilidade do contribuinte e a sua eventual incongruência com elementos extra – contabilísticos podem ser corrigidos pela AT, observando o ónus probatório que lhe incumbe nos termos do artigo 74.º da LGT.
X – Não cumpre a AT esse ónus se se limita a afirmar que ocorreu afectação permanente de bens da empresa a uma sócia, sem demonstrar que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do IVA, ou seja, sem provar que existiu uma transmissão de bens para efeitos de sujeição a IVA; não estando reunidos os requisitos para proceder a correcções e liquidar IVA, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) ex vi artigo 1.º, ambos do Código do IVA.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios impugnados.
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Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias. Nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que a Recorrida não contra-alegou.

Porto, 28 de Janeiro de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira