Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00824/11.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PROPRIEDADE DE FARMÁCIA DE OFICINA; AÇÕES NOMINATIVAS; ENCERRAMENTO;
Sumário:1-O Decreto-lei n.º 307/2007, de 31.08 instituiu a universalização do acesso á propriedade de farmácias, acabando com a limitação do acesso à propriedade de uma farmácia apenas a quem preenchesse a condição prévia de ser farmacêutico.

2- A possibilidade de qualquer pessoa singular ou sociedade comercial adquirir a propriedade de uma farmácia de oficina foi condicionada ao limite máximo de 4 farmácias por titular, prescrevendo-se que as sociedades proprietárias de farmácias têm obrigatoriamente de possuir o respetivo capital representado por ações nominativas.

3- Nos termos do artigo 14.º, n.º 2, quer na versão do DL 307/2007, quer na versão da Lei 16/2013, a obrigatoriedade das sociedades comercias proprietárias de farmácias deterem o capital social representado por ações nominativas, estende-se às sociedades comerciais proprietárias indiretas de farmácias.

4- Compete ao INFARMED nos termos do artigo 25.º do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013, controlar e fiscalizar o cumprimento do disposto no artigo 14.º/2 do DL 307/2007, alterado pela Lei 16/2013, impedindo que uma sociedade comercial anónima em que o capital social não é representado por ações nominativas, possa ser proprietária, ainda que de forma indireta, de uma farmácia de oficina, ordenando, para o efeito, sempre que tal se verifique, o encerramento e cancelamento do respetivo alvará . *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P., S.A., e Outra
Recorrido 1:INFARMED
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I. RELATÓRIO

1.1. P., S.A., ambas com sede na Rua (…), (…), intentaram ação administrativa especial contra o INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, com sede no Parque (…) (…), pedindo que seja determinada (i) a anulação dos atos praticados pelo R., consubstanciados, respetivamente, no cancelamento do alvará n.º 3464, datado de 17/03/2009, atribuído para funcionamento da Farmácia e no subsequente encerramento da mesma, (ii) a anulação do ato praticado pelo R. de declaração de extinção, por inutilidade superveniente, do procedimento de transferência da Farmácia S., (iii) a condenação do R. ao averbamento no alvará da Farmácia S. da transmissão das participações sociais representativas do capital social da A. P., S.A., (iv) a condenação do R. ao averbamento no alvará da Farmácia S. da transferência de localização da mesma farmácia e (v) a condenação do R. a reparar os danos provocados às AA. em consequência da prática dos atos administrativos ilegais acima mencionados e da omissão das condutas a que se achava legalmente vinculado.

Alegaram, para o efeito, em síntese, quanto ao ato que determinou o cancelamento do alvará e o encerramento da Farmácia S., que o mesmo viola o disposto nos artigos 14.º, n.º 2, e 15.º do atual regime jurídico da farmácia de oficina (aprovado pelo Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08 – doravante RJFO), porquanto a Autora/P., S.A. provou, não só que não ultrapassa o limite legal de farmácias imposto por lei, como que a circunstância de haver sociedades em relação de domínio consigo cujas ações são escriturais ao portador não impede que se controle o respeito pelo dito limite legal.
Mais alegaram que o ato em crise viola o artigo 16.º, alíneas b), d) e e), conjugado com o artigo 17.º, do RJFO, uma vez que não se verifica qualquer situação de incompatibilidade relativamente às entidades que participam no capital do grupo societário em que as Autoras se inserem. Defenderam, ainda, que aquele ato viola o art.º 53.º do RJFO, bem como os artigos 5.º, n.º 2, e 6.º-A do anterior CPA, pois que a sua atuação nunca determinaria o cancelamento do alvará e o subsequente encerramento da Farmácia S., mas unicamente a nulidade do negócio da compra e venda das participações sociais da Autora/P., S.A..
O ato em causa viola os princípios da boa fé e da proporcionalidade e incorre no vício de forma por falta de fundamentação.
Quanto ao ato que determina a extinção do procedimento de transferência da localização da Farmácia S., alegam que o mesmo viola o disposto nos artigos 23.º e seguintes da Portaria n.º 1430/2007, de 02/11, porquanto não se descortina na legislação aplicável qualquer fundamento para o não averbamento da transferência da localização da farmácia, cumpridos que estão todos os requisitos legais e regulamentares.
Aduziram ainda que que a atuação ilegal do R. lhes causou avultados e graves prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, estando preenchidos os pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do R..

1.2. Regularmente citado, o R. apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, alegando, em suma, que não se verifica nenhum dos vícios assacados pelas Autoras aos atos impugnados, o que determina a sua validade e a improcedência de todo o peticionado.

1.3. Foi proferido despacho saneador, no qual se determinou que a instrução relativa ao pedido deduzido sob a alínea e) da parte final da petição inicial fosse diferida para momento posterior ao da apresentação das alegações escritas.
1.4. Em 22.10.2015, o TAF do Porto proferiu sentença, que julgou a presente ação totalmente improcedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto, julga-se improcedente a presente ação administrativa especial e, em consequência, absolve-se o R. dos pedidos».

1.5. Inconformadas com esta decisão, as Autoras interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que seja concedido provimento ao recurso e que a decisão recorrida seja revogada.
Concluíram as suas alegações da seguinte forma:
«
a) O actual regime jurídico-administrativo da farmácia de oficina, constante do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, assume, tanto no plano dos princípios, como das regras, um carácter indiscutivelmente inovador quando confrontado com a teleologia dos preceitos contemplados na Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, e no Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968, que corporizavam o regime jurídico antecedente.

b) Entre aqueles princípios assume especial relevância o princípio do livre acesso ou da liberdade de acesso à propriedade de farmácia de oficina, sendo esta concebida como uma empresa na qual se exerce uma actividade empresarial vocacionada para a produção de bens e serviços ao público.

c) Aquele princípio estruturante do novo regime da farmácia de oficina congrega ou concretiza-se num conjunto de (sub)princípios irradiantes, irredutivelmente presentes numa ordem económica constitucionalmente concebida à luz das regras do mercado e da concorrência, como seja a liberdade de empresa e de iniciativa económica, a liberdade de aquisição e de transmissão de farmácias por qualquer modo e a liberdade de acesso de todos a este sector do mercado.

d) Como decorrência directa do mencionado princípio, hoje todas as pessoas singulares e todas as sociedades comerciais, independentemente de qualquer obrigatoriedade de a pessoa singular ou dos sócios serem titulares do grau habilitante de farmacêutico, podem aceder à propriedade da farmácia de oficina; circunstância que exprime a universalização do acesso a este sector económico ou de mercado, pondo fim ao regime monopolístico anterior.

e) Fazendo apelo o princípio da liberdade de acesso à propriedade de farmácia a (outras) liberdades constitucionais fundamentais, maxime a liberdade de iniciativa económica, esta, enquanto liberdade fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, impõe que lhe seja aplicado o regime específico próprio destes, em especial quanto aos limites às restrições legislativas. É neste contexto que deve ser entendido o limite legal ao número de farmácias de que uma pessoa singular ou sociedade comercial pode ser proprietária, exploradora ou gestora (quatro farmácias, em simultâneo, por cada proprietário).

f) Foi com base nos limites às restrições de direitos, liberdades e garantias que o legislador pautou a sua opção restritiva no que respeita à consagração legal do limite numérico de quatro farmácias por qualquer pessoa singular ou sociedade comercial que já seja ou pretenda ser proprietário (explorador ou gestor), directo ou indirecto, de farmácias. O respeito pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso permitiu ao legislador atingir uma posição de equilíbrio entre a liberdade de acesso à propriedade de farmácias e o acautelamento de possíveis “tentações” de oligopólio.

g) Para alcançar aquele objectivo de equilíbrio ou de concordância entre liberdades constitucionais fundamentais e a necessidade de salvaguarda de outros bens constitucionalmente protegidos, o legislador, para além do referido limite numérico de farmácias de que se pode ser proprietário, impôs, no caso de o proprietário ser uma sociedade comercial, que o respectivo capital social seja representado por acções nominativas, em ordem a facilitar o conhecimento imediato de eventuais sociedades accionistas que sejam titulares de um direito de propriedade indirecta sobre a farmácia, por se encontrarem numa relação de domínio ou de grupo com aquela sociedade, proprietária directa da empresa farmacêutica.

h) O legislador pretende impor o requisito da nominatividade tão só e apenas às sociedades comerciais por acções proprietárias directas de farmácias e não estender ad infinitum esse «ónus» a todas as outras sociedades comerciais cujo capital social se encontre titulado por acções e que, eventualmente, possam manter com aquela sociedade comercial uma relação de domínio ou de grupo e, por essa razão, sejam proprietárias indirectas das mesmas. Com isto não se quer dizer que seja irrelevante a existência efectiva de uma cascata («cadeia poligonal») de relações societárias em que pode resultar a teia de relações de domínio ou de grupo para efeitos de determinação da propriedade indirecta de uma farmácia e da verificação do limite legal de quatro farmácias por proprietário; o que não se aceita é que, para se atingir um tal objectivo de conhecimento imediato de todas as sociedades proprietárias indirectas de uma farmácia, nomeadamente por via do exercício de um influência dominante, detida directamente por uma sociedade comercial por acções, o legislador tivesse feito impender, em «cascata», o «ónus» da nominatividade sobre todas elas.

i) Estender a obrigatoriedade de acções nominativas a todas as sociedades proprietárias indirectas de farmácias, para além dos custos financeiros e burocráticos inerentes, significaria estabelecer uma restrição inquestionavelmente desproporcionada aos princípios do livre acesso à propriedade de farmácia a sociedades comerciais cujo capital se encontrasse representado por acções, a começar, desde logo, pelo direito de aquisição da empresa.

j) Nestes termos, a exigência de nominatividade das acções, à partida concebida como um simples condicionalismo formal, destinado a proporcionar ou a facilitar à Administração o conhecimento das eventuais sociedades comercias proprietárias indirectas de uma farmácia, para efeitos de cômputo do limite numérico de quatro farmácias, redundaria numa restrição desnecessária e desproporcionada ou, mesmo, lesiva do núcleo essencial dos direitos ou liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, constitucionalmente consagradas, bem como num manifesto atentado às liberdades comunitárias/europeias de empresa, de mercado e de concorrência.

k) Considerando que a exigência legal de nominatividade tem única e exclusivamente como destinatárias as sociedades comerciais tituladas por acções que sejam proprietárias directas de farmácias, a Administração deve lançar mão de outros meios adequados ao seu dispor para tomar conhecimento da existência de sociedades passíveis de ser juridicamente qualificadas como proprietárias indirectas de farmácias, com vista a apurar se elas ultrapassam ou não o limite numérico de quatro farmácias. Os poderes inquisitórios e os meios (de prova) ao dispor da Administração competente, em sede procedimental e instrutória, conjugados com a obediência ao princípio da boa-fé e aos deveres procedimentais de colaboração que impendem sobre os interessados, funcionam como meios adequados, exigíveis e proporcionados à salvaguarda daquele limite numérico, em sede de propriedade indirecta de farmácias por sociedades cujo capital social seja titulado por acções.

l) Ao contrário do que sucedia no anterior regime, vigora actualmente o princípio da liberdade negocial ou da livre transmissibilidade da farmácia que concebe a farmácia como um objecto de negócio integralmente inserido no comércio jurídico, razão pela qual o alvará, uma vez atribuído aquando da abertura ao público de uma nova farmácia, não caduca com a alteração ou transmissão da propriedade. No entanto, este princípio da liberdade negocial ou da livre transmissibilidade da farmácia não deixa de conhecer certos limites e/ou determinados condicionamentos legais.

m) Neste contexto, afiguram-se pertinentes os deveres de comunicar ao INFARMED, no prazo de 30 dias, para efeitos de averbamento, a celebração de negócios jurídicos que tenham por objecto a venda, o trespasse, o arrendamento e ou cessão de exploração da farmácia, bem como a transmissão de partes sociais, quotas ou acções de sociedade comercial proprietária de farmácia, os quais impendem sobre o outorgante referido no alvará.

n) A obrigatoriedade jurídica desta comunicação suscita a questão da autonomização dos efeitos jurídicos dela resultantes: se estiver em causa a celebração de negócios jurídicos que têm como objecto a farmácia de oficina, tais como a venda, o trespasse, o arrendamento e a cessão da exploração, o acto de averbamento funciona como uma espécie de condição suspensiva da eficácia do negócio jurídico translativo da propriedade, ou seja, se o outorgante do negócio não comunicar a venda ou trespasse da farmácia ao INFARMED e este não proceder ao averbamento, entendido como um acto conformador de relações jurídicas entre particulares, a propriedade não se transmite ou não se altera,

o) pois que, sem o acto de averbamento, o negócio jurídico-privado é ineficaz; ao invés, caso o negócio jurídico tenha apenas como objecto a transmissão de participações no capital social da sociedade proprietária da farmácia, o dever de comunicação já não se destina a produzir aquele mesmo efeito mediato. Aqui, a lei é mais permissiva, na medida em que só existe o dever de comunicação ao INFARMED, não se aplicando, pois, o requisito previsto no n.º 3 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, por força do qual a alteração da propriedade da farmácia depende do averbamento no alvará. E, aliás, compreende-se porquê: é que, neste caso, não existe juridicamente uma alteração da propriedade da farmácia, mas tão só da titularidade das acções, mantendo-se a mesma sociedade como proprietária da farmácia.

p) Nesta sequência, é ilegítimo que o INFARMED venha a lançar mão do meio coactivo de encerramento da farmácia se, após ter procedido à verificação da conformidade do negócio jurídico com as disposições legais imperativas aplicáveis, vier a concluir ou a suspeitar que os negócios jurídicos de transmissão de acções violam tais disposições legais.

q) O único meio legítimo que lhe resta, do ponto de vista jurídico-constitucional e jurídico-administrativo, é levar os factos ao conhecimento do Ministério Público para que este desencadeia a respectiva acção de nulidade do negócio, de acordo com o previsto no artigo 53.º, podendo eventualmente desencadear um processo contra-ordenacional, do qual se excluiu a hipótese da aplicação da sanção acessória de encerramento do estabelecimento.

r) Tal significa que os poderes autónomos que legalmente podem assistir ao INFARMED em sede de encerramento da farmácia e do seu exercício, sem que previamente tenha sido desencadeada a acção de nulidade do negócio jurídico, têm de ser entendidos em termos restritivos ou limitados, sob pena de, numa outra interpretação, ser forçosa a inconstitucionalidade material do regime legal.

s) Relativamente ao cancelamento do alvará, este meio sancionatório também não pode ser aplicado no âmbito do regime jurídico da farmácia por falta de fundamentação/habilitação legal, visto que em nenhum dos preceitos que integram aquele regime se vislumbra consagração expressa deste poder ou a sua atribuição ao INFARMED, pese embora o acolhimento deste instituto possa resultar, tão só e em geral, do artigo 5.º, n.º 2, alínea m), do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26 de Julho (Lei Orgânica do INFARMED) e, agora, também, no mesmo art.º 5.º, n.º 2, alínea m), da Lei n.º 46/2012, de 24 de Fevereiro, que, ainda assim, enquanto normas de mero reenvio, fazem depender o seu exercício dos «termos da lei», que não se acham regulamentados.

t) Acresce, ainda, que o INFARMED carece de qualquer fundamento para não averbar no alvará a transferência de localização da farmácia S., não só porque se trata de um acto constitutivo de direitos e, por isso, irrevogável por razões de mérito, mas também porque, ainda que se entendesse não ser este um procedimento autónomo do procedimento de transmissão de participações sociais da P., S.A., o certo é que este último não enferma de qualquer ilegalidade eventualmente capaz de contaminar o procedimento de transferência de localização.

u) Por fim, deve igualmente reconhecer-se o direito das Autoras, ora alegantes, à indemnização pelos danos já sofridos e por aqueles que se continuem a produzir até à decisão de anulação ou declaração de nulidade dos actos praticados pelo INFARMED com base em responsabilidade por facto ilícito da Administração, uma vez que estão congregados todos os pressupostos tendentes à respectiva efectivação.

v) Nestes termos, todos os actos administrativos praticados pelo INFARMED em colisão com as normas constitucionais e legais são anuláveis e, mesmo, nulos, neste último caso, por violação ou ofensa do conteúdo essencial dos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica, de empresa e de propriedade privada, bem como por vício de usurpação de poder.

w) Este cenário em nada se altera com a Lei n.º 26/2013, de 8 de Fevereiro, que veio, com efeitos retroactivos (e não meramente retrospectivos) não só determinar que todas as sociedades proprietárias, directas ou indirectas, de farmácias têm de ter o seu capital social representado por acções nominativas, como, além disso reconfigurar a própria noção de proprietário indirecto, que passa a ser qualquer sociedade que detenha uma participação, ainda que mínima numa sociedade proprietária directa de farmácia e, bem assim, os respectivos accionistas, independentemente da expressão que a sua participação social tenha no capital da sociedade proprietária indirecta.

x) Tal determinou, outrossim, que este preceito se aplique a participações encadeadas no capital de uma ou mais sociedades e que o seu controlo seja feito, independentemente do nível de participação e da sua percentagem, até ao titular de cada acção ou participação social permitida.

y) Tal exigência de nominatividade das acções é, desde logo, desproporcionada, porque o INFARMED teria forma de fiscalizar e controlar os limites legais quantitativos postos à titularidade de farmácias por proprietário e o regime de incompatibilidades e impedimentos, sem que assim tivesse que ser.

z) Mas é, sobretudo, atentatório do regime aplicável à restrição de direitos liberdades e garantias – art.os 18.º, n.os 2 e 3 da CRP –, na medida em cerceia, de forma desproporcionada, o acesso à propriedade de farmácias e ao exercício desta actividade económica, seja pelos constrangimentos burocráticos e financeiros subjacentes à alteração da estrutura de participações de uma sociedade (conversão de acções ao portador em acções nominativas), que pode comprometer definitivamente a respectiva aquisição, seja porque põe em causa, retroactivamente, a validade do negócio de transmissão das participações sociais da P., S.A. (art.º 53.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto), com isso afectando, inadmissivelmente, o princípio da protecção da confiança e os princípios da certeza e da segurança jurídicas e atacando o núcleo essencial dos direitos em causa – direito de propriedade privada e de livre iniciativa económica privada.

aa) Além disso, a reconfiguração da noção de proprietário (explorador ou gestor indirecto) indirecto de farmácia, com um seu alargamento desmesurado, que, além do mais viola princípios basilares de ordem pública do direito societário comum, que apontam para a clara distinção entre sociedade e sócio como pessoas juridicamente autónomas, tornando as sociedades proprietárias de farmácias absolutamente transparentes, projecta-se numa exponenciação, para lá do razoável, dos limites quantitativos à propriedade de farmácias e do regime de incompatibilidades e impedimentos, que passam a ser aplicáveis a quaisquer sociedades e respectivos accionistas, independentemente da medida da sua participação no capital da sociedade proprietária directa de farmácias, isto é, mesmo que a respectiva participação não seja uma participação de controlo ou de comando, vale por dizer, uma participação com influência dominante.

bb) Ora, tal, para lá do juízo absoluto de censura que deve ser dirigido a esta solução legal do ponto de vista da sua conformidade material com a CRP, dada a sua manifesta desproporcionalidade, sem que, por outro lado, se visa a salvaguarda de quaisquer outros bens ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos, é, sobretudo, atenta a respectiva retroactividade, absolutamente inadmissível, pondo mesmo em causa o núcleo essencial dos direitos de propriedade e de livre iniciativa económica privada. se aplicável a situações ocorridas antes da sua entrada em vigor, porquanto os seus destinatários tinham como pressuposto que estes limites à propriedade de farmácias e o regime de incompatibilidades e impedimentos só eram aplicáveis no plano das relações inter-societárias (nunca atingindo os accionistas individualmente considerados) e que, além disso, se inscreviam necessariamente no contexto de relações de domínio ou de grupo, em que uma sociedade detivesse uma participação de controlo ou de comando – com influência dominante – sobre a sociedade proprietária directa da farmácia.

cc) Por fim, também se deve ter por inadmissível, a aplicação retroactiva da nova redacção dada ao art.º 42.º pelo Decreto-Lei n.º 171/2012, de 1 de Agosto, que veio erigir a fundamento autónomo de encerramento da farmácia a falta dos averbamentos obrigatórios, quando tal não sucedia à data em que tal foi determinado pelo INFARMED relativamente à farmácia S., sendo que, ainda assim, continua o mesmo a carecer de norma legal habilitante (norma de competência) para ditar o cancelamento do alvará da farmácia em causa, por falta da regulamentação legal necessária para o efeito e isto na medida em que a validade dos actos administrativos se tem de aferir pelas normas em vigor à data da respectiva prática (tempus regit actum).

dd) No fundo, o que temos é uma intervenção legislativa profundamente infeliz, que, movida pelo intuito único de garantir que as Autoras não acedessem à propriedade de farmácias – leis individuais e concretas –, foi muito para além do que lhe era permitido jurídico-constitucionalmente, violando de forma flagrante e ostensiva, em todos os seus segmentos aplicativos, a disciplina contida no art.os 18.º, n.os 2 e 3 da CRP.


NESTES TERMOS, e nos mais de Direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso apresentado, revogando-se, em consequência, a douta sentença recorrida.»

1.6.O R. INFARMED contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

«1.ª A norma constante do artigo 4.º da Lei 16/2013 não é inconstitucional, na medida em que apenas aplica ao DL 307/2007 um conjunto de normas que fazem uma interpretação autêntica do regime existente, isto é, apenas aplica um conjunto de normas que visa clarificar o regime já existente.

2.ª O DL 307/2007 sempre estabeleceu diversas regras, imperativas, para a abertura e funcionamento das farmácias de oficina, nomeadamente, no que diz respeito à sua propriedade por sociedades comerciais.

3.ªNos termos do artigo 25.º do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013, cabe ao INFARMED o controlo e a fiscalização dessas regras, já que é o INFARMED quem emite o alvará necessário para a abertura e funcionamento de uma farmácia, assim como, é a este Instituto que cabe averbar nos alvarás a alteração de propriedade ou a transferência de localização de uma farmácia.

4.ªNo presente caso, o INFARMED estava vinculado à prática do ato de cancelamento do Alvará n.º 3664, uma vez que, se não o fizesse, estaria a violar o artigo 14.º/2 do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013, não permitir que uma sociedade comercial anónima em que o capital social não é representado por ações nominativas, fosse proprietária, ainda que de forma indirecta, de uma farmácia.

5.ªPor outro lado, estaria a impedir que fosse controlado e fiscalizado o respeito pelo limite de quatro farmácias relativamente aos titulares da Farmácia S., conforme determina o artigo 15.º do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013.

6.ª Além do já referido, o INFARMED também estava vinculado à prática daquele ato já que o facto da sociedade Farmácia Selecção, S.A. ter adquirido a totalidade do capital social da sociedade P., S.A. – Actividades em Saúde, S.A. (sociedade detentora da Farmácia S.), implicaria também o desrespeito pelo artigo 16.º do DL 307/2007, já que poderia haver sociedades indirectamente proprietárias da Farmácia S. que, derivado da sua actividade, estariam impedidas de deterem farmácias.

7.ª Refira-se ainda que, o INFARMED é um verdadeiro garante da legalidade do funcionamento das farmácias, motivo pelo qual se o INFARMED se eximir desse papel estará a defraudar a lei e a violar o Principio da Legalidade a que se encontra vinculado pela Constituição da República Portuguesa e pelo artigo 3.º do CPA, pelo que, a vinculação ao cancelamento do Alvará da Farmácia S. é absoluta.

8.ª Por outro lado, e ao contrário do defendido pelas ora Recorrentes, o ato de cancelamento do Alvará n.º 3664, é totalmente proporcional, uma vez que, i) é adequado à cessação de uma situação de manifesta ilegalidade originada pela transmissão de participações sociais da sociedade proprietária da Farmácia S., ii) é necessário, já que é a única forma de fazer cessar, em tempo útil, a referida situação, e iii) é proporcional stricto sensu, já que os custos de tal ilegalidade seriam muito maiores que o benefício trazido pela manutenção do funcionamento daquela farmácia.

9.ªAlém disso, o referido ato não viola o artigo 6.º-A do CPA, uma vez que, o princípio da boa-fé tem sempre que se adaptar ao interesse público legalmente definido.

10.ªAcresce que, através de uma simples leitura da Deliberação n.º 154/CD/2010, resulta evidente que o ato de cancelamento do Alvará n.º 3664, não viola os artigos 124.º e 125.º do CPA.

11.ªNestes termos, improcede em absoluto o pedido de impugnação do ato de cancelamento do Alvará da Farmácia S..

12.ªPor tudo quanto supra se concluiu, aquando do cancelamento do Alvará daquela Farmácia, o INFARMED outra alternativa não tinha que não fosse a de também declarar extinto, por inutilidade superveniente, o procedimento de transferência cuja declaração de aptidão do local foi solicitada pela Farmácia S. para o Centro Comercial (...).

13.ªIsto porque, o pedido de transferência da Farmácia S. ficou irremediavelmente prejudicado com o cancelamento do Alvará daquela farmácia porquanto, se tornou supervenientemente inútil, fato que determina a extinção do procedimento nos termos do artigo 112.º/1 do CPA.

14.ªDe fato, com o Alvará cancelado (o que significa falta de autorização para estar em funcionamento e aberta ao público) naturalmente que o procedimento de transferência da Farmácia S. não produzirá qualquer efeito prático porquanto, a referida farmácia não pode estar aberta ao público.

15.ªDesta forma, resulta inequívoco a total improcedência do pedido de anulação da declaração de extinção, por inutilidade superveniente, do processo da Farmácia S..

16.ªPor tudo quanto já se concluiu anteriormente, e sem necessidades de considerações adicionais, dada a manifesta legalidade dos atos impugnados, improcede por inteiro o pedido das ora Recorrentes em condenar o INFARMED ao averbamento no Alvará da Farmácia S. da transmissão das participações sociais da sociedade P., S.A. – Actividades em Saúde, S.A. e da transferência de localização da mesma farmácia.

17.ªPor fim, também se diga que é improcedente o pedido de condenação à reparação dos alegados danos provocados pelos atos impugnados.

18.ªDe fato, nos termos dos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e do artigo 483.º do Código Civil, não estão reunidos os requisitos necessários para que o INFARMED seja civilmente responsabilizado por esses alegados danos.

19.ªIsto porque, o INFARMED não praticou nenhum ato ilícito e/ou culposo, uma vez que, este Instituto estava legalmente vinculado a cancelar o Alvará da Farmácia S. e consequentemente extinguir, por inutilidade superveniente, o procedimento de transferência daquela farmácia, para fazer cessar a manutenção de uma situação de manifesta ilegalidade originada pela transmissão das participações sociais da sociedade proprietária da Farmácia S..

20.ª Não ocorreu nenhuma ilicitude porquanto, os atos impugnados não violam qualquer disposição constitucional, legal ao regulamentar, nomeadamente não violam os artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 25.º, 42.º e 45.º/1 do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013, nem o artigo 27.º/6 da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro.

21.ªAliás, apenas haveria ilicitude, nomeadamente por violação do Princípio da Legalidade a que o INFARMED se encontra constitucionalmente vinculado, se se mantivesse a situação de ilegalidade provocada pela transmissão das participações da sociedade proprietária da Farmácia S..

22.ªPor outro lado, não pode haver qualquer tipo de censura aos atos praticados pelo INFARMED, uma vez que, os atos impugnados não podem deixar de ser considerados como legalmente exigíveis e de acordo com o padrão da diligência do titular de um órgão zeloso e cumpridor.

23.ª A isto acresce que, os danos também não podem ser imputados ao INFARMED, já que, i) não tendo sido feito o averbamento de alteração de propriedade, não pode haver uma certeza absoluta quanto ao terminus do procedimento de transferência da Farmácia S., além de que, ii) as ora Recorrentes não alegaram quaisquer fatos que permitam suportar que a sua imagem tenha ficado afectada com os atos impugnados.

NESTES TERMOS,
Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes, mantendo-se o douto Acórdão recorrido, com as legais consequências.»
*
1.7.O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n. º1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
1.8. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Nos presentes autos, as questões que a este tribunal cumpre ajuizar, cifram-se em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto á subjunção jurídica que efetuou por ter julgado:
(i) que o requisito da nominatividade das ações também se impõe às sociedades que sejam proprietárias indiretas de farmácias, o que configura uma restrição desproporcionada aos princípios do livre acesso à propriedade de farmácias por sociedade comerciais cujo capital se encontre representado pro ações, lesiva do núcleo essencial dos direitos e liberdade fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas e um manifesto atentado às liberdades comunitárias/ europeias de empresa, de mercado e de concorrência;
(ii) que o INFARMED podia lançar mão do meio coativo de encerramento de farmácia, quando o que se impunha nesses casos é que comunicasse o facto ao Ministério Público para que este desencadeasse a ação de nulidade do negócio;
(iii) que o INFARMED podia proceder ao cancelamento do alvará e recusar o averbamento da transferência de localização da farmácia S.;
(vi) que não lhes assiste o direito a serem indemnizadas pelos danos sofridos e dos que venham ainda a verificar-se,
- sendo todos os referidos atos proferidos pelo INFARMED anuláveis ou nulos por violação dos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica, de empresa e de propriedade privada bem como por vício de usurpação de poder.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO
3.1. O Tribunal de que proveio a decisão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
«
1) A propriedade da Farmácia S., sita na Av. (…), concelho (…), distrito de (…), está averbada no alvará n.º 3464, de 17/03/2009, em nome da sociedade P., S.A. (doravante, P., S.A.), cujo único acionista era, à data em que o alvará foi atribuído, o farmacêutico Dr. N. (doc. de fls. 216 a 219 do suporte físico do processo).

2) Em 16/12/2009 o acionista único da P., S.A., Dr. N., celebrou com a sociedade Farmácia S., S.A. um “contrato de compra e venda de ações e cessão de crédito”, pelo qual aquele vendeu a esta, que adquiriu, a totalidade das ações sobre a P., S.A. (cfr. doc. de fls. 253 a 265 do suporte físico do processo).

3) Em 30/12/2009 deu entrada no Infarmed um pedido de averbamento no alvará da Farmácia S. da transmissão da totalidade das ações representativas do capital social da P., S.A. a favor da Farmácia S., S.A., na sequência da celebração do contrato indicado no ponto antecedente (doc. de fls. 108 a 113 do suporte físico do processo).

4) Em 19/01/2010, através do ofício n.º 002558, foram solicitados à P., S.A. os seguintes documentos: declaração da Farmácia S., S.A. do preenchimento dos requisitos previstos nos art.os 15.º e 16.º do Decreto-lei n.º 307/2007, cópia autenticada do contrato de constituição da Farmácia S., S.A., fotocópia do cartão de pessoa coletiva da P., S.A., documento comprovativo de que o capital social da Farmácia S., S.A. é representado por ações nominativas, bem como identificação completa de todos os titulares das referidas ações (Portaria n.º 290/2000, de 25 de Maio), certidão atualizada do registo comercial da Farmácia S., S.A. ou envio do número de acesso para consulta “on-line” da respetiva certidão permanente (doc. de fls. 108 a 113 do suporte físico do processo).

5) Em 14/04/2010, foi enviado à sociedade S. – S. G. P. S., S.A. o ofício n.º 018638, comunicado à P., S.A. pelo ofício n.º 019186, de 16/04/2010, com o seguinte teor:
“Assunto: Processo de regularização da propriedade da Farmácia S. – (...) (…) Sendo a sociedade S. – S.G.P.S., S.A. a única acionista da sociedade Farmácia S., S.A., e tendo em vista a regularização da propriedade da farmácia supra identificada, vimos pelo presente solicitar a V. Exa. o envio de documento comprovativo de que o capital social da sociedade S. – S.G.P.S., S.A. é representado por ações nominativas, bem como a identificação completa de todos os titulares, nos termos da Portaria n.º 290/200, de 25 de maio”
(cfr. doc. de fls. 114 do suporte físico do processo).

6) Em 19/04/2010 a S. – S.G.P.S., S.A. apresentou resposta ao ofício identificado no ponto anterior, da qual consta o seguinte:
“(…) A S. – S.G.P.S., S.A., enquanto única acionista da Farmácia S., S.A., que, por sua vez, é única acionista da P., S.A., não está obrigada pelo referido art.º 14.º a possuir o seu capital social representado por ações nominativas. A S. – S.G.P.S., S.A. tem o seu capital social representado por ações escriturais ao portador em conta aberta junto de um intermediário financeiro atuando na qualidade de representante do emitente, não tendo, por isso, a S. – S.G.P.S., S.A. a obrigação de possuir o registo das emissões de valores mobiliários junto do emitente no modelo aprovado pela Portaria 290/2000 de 25 de maio” (cfr. doc. de fls. 115 do suporte físico do processo).

7) Em 12/05/2010, o Gabinete Jurídico e de Contencioso do Infarmed (doravante, GJC) emitiu o parecer n.º GJC/237/2010/6.1.1., do qual consta, além do mais, o seguinte:
Como é sabido, o Decreto-lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, estabelece um limite de 4 farmácias por pessoa.
Este limite respeita à detenção, gestão, exploração ou propriedade direta ou indireta.
É por isso que, no caso de a proprietária da farmácia ser uma sociedade anónima, as ações são obrigatoriamente nominativas, por forma a poder saber –se em concreto quem são os titulares dessas participações sociais.
No caso de encadeamento de sociedades, este conhecimento tem de ir sempre até à pessoa singular detentora da última participação social.
(…) Ora, no caso vertente, se apenas as ações da sociedade proprietária da farmácia forem nominativas e as mesmas pertencerem a uma ou mais sociedades anónimas cujos titulares das respetivas ações sejam desconhecidos, estará a alcançar-se um fim que a Lei expressamente visou proibir.
(…) Caso a sociedade requerente não clarifique a situação e os titulares das respetivas ações continuem a ser entidades com acionistas ou detentores de participações sociais desconhecidos, o Infarmed deverá abster-se de proceder ao averbamento e deverá participar os factos ao Ministério Público, para efeito de declaração de nulidade do respetivo trespasse a favor da sociedade anónima
(cfr. doc. de fls. 118 e 119 do suporte físico do processo).

8) Em 17/06/2010 a P., S.A. apresentou nova resposta, reiterando o teor da resposta mencionada no ponto 6) e juntando documentos relativos à titularidade do capital social da S. – S.G.P.S., S.A. (cfr. docs. de fls. 120 a 132 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9) Em 23/07/2010 o GJC emitiu novo parecer, sob o n.º 382/2010/6.1.1., do seguinte teor:
“Face às explicações dadas pela empresa e atendendo a que as várias sociedades encadeadas têm ações nominativas exceto uma, mas que esta apenas tem dois acionistas, que são também sociedades com ações nominativas, parece que, neste momento, não está demonstrado que se tenha visado um fim que a lei quis proibir.
Não obstante, a DIL [Direção de Inspeção e Licenciamentos, doravante DIL] deverá verificar periodicamente a estrutura acionista da sociedade cujas ações não são nominativas.
Pode, assim, prosseguir-se com o averbamento requerido”
(cfr. doc. de fls. 133 do suporte físico do processo).

10) Em 26/07/2010 a DIL emitiu um memorando onde se concluiu o seguinte:
“(…) O GJC pronunciou-se hoje que poderá a DIL proceder ao averbamento requerido pela entidade, devendo a DIL verificar periodicamente a estrutura acionista da sociedade cujas ações não são nominativas.
No entendimento desta direção tal proposta do GJC não nos parece viável, dada a impossibilidade de verificarmos diariamente os acionistas das sociedades em causa”
(cfr. doc. de fls. 134 a 139 do suporte físico do processo).

11) Em 09/08/2010, pelo ofício n.º 038988, foi a P., S.A. novamente notificada para “clarificar a situação e os titulares das respetivas ações que continuem a ser entidades com acionistas ou detentores de participações sociais desconhecidos, sob pena de o Infarmed se abster de proceder ao averbamento da propriedade e de deferir o respetivo pedido de transferência”, tendo aquela apresentado resposta em 23/08/2010, reiterando o que já alegara anteriormente (cfr. docs. de fls. 140 a 144 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

12) Em 06/09/2010 foi emitido parecer pelo Diretor do GJC, Dr. A., do qual consta o seguinte:
“(…) O problema aqui é que o Decreto-Lei 307/2007 não é minimamente claro nesta matéria, no caso de encadeamento de sociedades, e só indirectamente podemos exigir que as ações sejam nominativas, com o argumento de que se estaria a alcançar “um fim que a lei quis proibir” e, por isso, o negócio seria nulo. Este é, no entanto, um argumento cuja solidez é discutível.
(…) Deste modo e para resumir:
a) A proprietária da Farmácia S. tem de remeter ao Infarmed a listagem dos acionistas das várias sociedades encadeadas – de salientar que os dados em causa não carecem de autorização da CNPD, porque são dados constantes de registos públicos;
b) Julga-se que o facto de existir uma sociedade, que não é a proprietária direta da farmácia e que apenas tem dois acionistas, com ações ao portador, não deve obstar ao averbamento;
c) Se a requerente não apresentar ao Infarmed as listagens em causa, no prazo que lhe for fixado, deve o processo ser declarado extinto por deserção e proceder –se ao encerramento da farmácia por falta de alvará”
(cfr. doc. de fls. 145 a 147 do suporte físico do processo).

13) Em 21/09/2010 a P., S.A. remeteu ao Infarmed a lista de acionistas da S. S.G.P.S., S.A. (cfr. doc. de fls. 149 a 165 do suporte físico do processo).

14) Em 04/10/2010 foi emitido novo parecer pelo Diretor do GJC, Dr. A., sob o n.º 438/2010/11.1.1, do qual consta o seguinte:
“Independentemente de outras considerações, relacionadas com sociedades anónimas acionistas da S. S.G.P.S., S.A., verifica-se que são accionistas desta sociedade a L. (empresa da indústria farmacêutica), a F-. e o M. (entidades do “Universo ANF”), bem como diversas companhias de seguros não-vida que, como se sabe, são prestadoras de cuidados de saúde em matéria de acidentes de trabalho. Poderá, por isso, estar-se perante impedimentos previstos no artigo 16.º, alíneas b), d) e e), por referência ao artigo 17.º, ambos do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto”
(cfr. doc. de fls. 166 do suporte físico do processo).

15) Em 12/10/2010 foi proferido despacho pela Vogal do Conselho Diretivo do Infarmed, Dr.ª C., do seguinte teor:
“Tendo em conta o exposto proceda-se ao cancelamento do Alvará e notifique-se a entidade em sede de audiência prévia”
(cfr. doc. de fls. 167 do suporte físico do processo).

16) Em 29/10/2010 a P., S.A. apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia (cfr. doc. de fls. 168 a 201 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

17) Por requerimento de 26/10/2009, apresentado pelo então accionista único Dr. N., a P., S.A. solicitou ao Infarmed a transferência da localização da Farmácia S. para o Centro Comercial (...), freguesia da (...), concelho (...) (cfr. doc. de fls. 230 do suporte físico do processo).

18) Por ofício n.º 059038, de 02/12/2009, foi-lhe comunicado que, “por despacho de 27/11/2009 do Conselho Diretivo do Infarmed (…), foi considerado apto, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 24.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro de 2007, no que se refere ao local, ao espaço e ao quadro farmacêutico, o pedido de transferência da Farmácia S., sita na Avenida (...) , (…)” (cfr. doc. de fls. 231 do suporte físico do processo).

19) Em 19/04/2010 a P., S.A. apresentou no Infarmed um pedido de realização de “vistoria às novas instalações da Farmácia S., sitas na localidade de (...): Centro Comercial (...) (…)” (cfr. doc. de fls. 232 do suporte físico do processo).

20) Por ofício n.º 026256, de 25/05/2010, foi-lhe comunicado que, “por vistoria realizada no dia 12 de Maio de 2010 e despacho superior de 21 de Maio de 2010, verificou-se a conformidade das instalações com a planta e memória descritiva aprovadas pelo Infarmed, I.P. e todos os requisitos legais estabelecidos” (cfr. doc. de fls. 233 do suporte físico do processo).

21) Em 28/05/2010 deu entrada no Infarmed requerimento da P., S.A. solicitando “a emissão do alvará das novas instalações da Farmácia S., enviando para o efeito cheque do pagamento da quantia referida no artigo 34.º, n.º 2, alínea e) da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro (1.000€), o original do anterior alvará foi entregue neste Instituto em 30.12.2009, no Processo de Alteração da Propriedade” (cfr. doc. de fls. 234 do suporte físico do processo).

22) Em 08/11/2010 a P., S.A. enviou novo requerimento ao Infarmed solicitando o averbamento da nova localização da Farmácia S. no respetivo alvará (cfr. doc. de fls. 202 a 204 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

23) Em 29/11/2010, foi a P., S.A. notificada do ofício n.º 055840, de 18/11/2010, nos termos do qual lhe foi dado a conhecer o teor da deliberação final n.º 154/CD/2010 do Conselho Diretivo do Infarmed, no âmbito dos procedimentos tendentes ao averbamento no alvará da Farmácia S. da transmissão das participações sociais para a Farmácia S., S.A. e da mudança de localização daquela farmácia, segundo a qual:
“(…) Verifica-se, porém, que uma das sociedades, a S. – S.G.P.S., S.A. tem o seu capital social representado por ações escriturais ao portador em conta aberta junto de um intermediário financeiro, pelo que não dispõe de ações nominativas, facto que viola o disposto no n.º 2 do artigo 14.º e o n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto.
(…)
Mesmo no caso de sociedades com ações nominativas, os diversos titulares, individuais ou sociedades, não podem ter nenhuma das incompatibilidades previstas no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto. No caso em apreço, são acionistas da S. S.G.P.S., S.A. a sociedade L. (empresa da indústria farmacêutica), a F-. e o M. (entidades do “Universo ANF”); bem como diversas companhias de seguros não-vida, que são prestadoras de cuidados de saúde em matéria de acidentes de trabalho, situações que constituem incompatibilidades previstas no artigo 16.º, alínea b), d) e e), por referência ao artigo 17.º, ambos do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto.
A requerente não procedeu à regularização desta situação, facto que impede o averbamento da alteração das participações sociais da sociedade. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, as farmácias podem ser encerradas pelo Infarmed quando não cumpram os requisitos de abertura e funcionamento. De entre estes requisitos, consta o averbamento no alvará da transmissão das participações sociais, como decorre do n.º 3 do artigo 25.º e da alínea b) do artigo 19.º do mesmo Decreto-Lei. A farmácia não pode funcionar sem alvará devidamente averbado. O Conselho Diretivo do Infarmed dispõe, nos termos da alínea m) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 31 de Agosto, de competência para, nos termos da lei, ordenar o encerramento das farmácias, procedendo, se necessário, ao cancelamento dos respetivos alvarás.
Paralelamente e no âmbito do processo de transferência solicitado pela Farmácia S. para o Centro Comercial (...), sito em (...), (...), (...), foi realizada vistoria em 12 de Maio de 2010, às novas instalações.
Apesar de o relatório de vistoria evidenciar o cumprimento das exigências em termos de aptidão do local, o alvará não foi emitido, dada a situação de ilegitimidade da requerente (n.º 1 do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo), decorrente da alteração das participações sociais entretanto comunicada e do não averbamento no alvará, pelas razões anteriormente expostas.
(…) Além disso, este pedido fica prejudicado e torna-se supervenientemente inútil com o cancelamento do alvará, facto que determina a extinção do procedimento (artigo 112.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).
Delibera, nos termos de facto e de direito expostos:
a) Cancelar o Alvará n.º 3464, datado de 17 de Março de 2009, para funcionamento da Farmácia S., sita na freguesia de (...), concelho de (...), distrito de (...), e ordenar o encerramento da mesma farmácia, por não cumprimento dos requisitos de abertura e funcionamento;
b) Declarar extinto, por inutilidade superveniente, o procedimento de transferência cuja declaração de aptidão do local foi solicitada pela Farmácia S. para o Centro Comercial (...), sito em (...), (...), (...)”
(cfr. doc. de fls. 108 a 113 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

24) A Farmácia S. S.A. é detida a 100% pela S. – S.G.P.S., S.A. (cfr. doc. de fls. 120 a 126 do suporte físico do processo).

25) A S. – S.G.P.S., S.A. é detida a 82,48% pela S. S.G.P.S., S.A. e a 17,52% pela S., B.V. (cfr. doc. de fls. 120 a 126 do suporte físico do processo).

26) A S. S.G.P.S., S.A. é detida a 0,006% pela L. , Lda., a 0,0713% pela F-., Gestão Participações S.G.P.S. Lda., a 0,0347% por várias entidades do grupo M. e a 0,0347% pela A., S.A. (acordo e doc. de fls. 149 a 165 do suporte físico do processo).

27) As ações das sociedades P., S.A., Farmácia S., S.A. e S. S.G.P.S., S.A. são acções nominativas (cfr. doc. de fls. 120 a 126 do suporte físico do processo).

28) As ações da sociedade S. – S.G.P.S., S.A. são ações escriturais ao portador (cfr. docs. de fls. 115 e 120 a 126 do suporte físico do processo).

29) Por decisão de 28/06/2011, proferida em processo cautelar que correu termos neste Tribunal sob o n.º 824/11.3BEPRT-A, apenso à presente ação, foi decretada a suspensão de eficácia do ato de declaração de extinção, por inutilidade superveniente, do procedimento de transferência de localização da Farmácia S. (cfr. decisão de fls. 271 a 287 do suporte físico do processo cautelar apenso sob o n.º 824/11.3BEPRT-A).

30) Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27/01/2012, no âmbito de recurso interposto da decisão referida no ponto antecedente, foi revogada “a decisão judicial impugnada no segmento em que havia decretado a pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em referência, não a decretando com todas as legais consequências” (cfr. acórdão de fls. 486 a 503 do suporte físico do processo cautelar apenso sob o n.º 824/11.3BEPRT-A).
*
Factos Não Provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito».
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III.B. DO DIREITO
3.2. Dos Erros de Julgamento Assacados à Decisão Recorrida
3.2.1. As Autoras pretendem obter a reapreciação da decisão proferida pelo TAF do Porto, com vista á sua revogação, sustentando que todos os atos administrativos proferidos pelo INFARMED são anuláveis, ou mesmo nulos por violação ou ofensa do conteúdo essencial dos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica, de empresa e de propriedade privada, bem como por vício de usurpação de poder – conclusão V)- cenário que em nada se altera com a Lei n.º 16/2013, de 8 de fevereiro, que veio, com efeitos retroativos (e não meramente retrospetivos) não só determinar que todas as sociedades proprietárias, diretas ou indiretas, de farmácias têm de ter o seu capital social representado por ações nominativas, como, além disso reconfigurar a própria noção de proprietário indireto, que passa a ser qualquer sociedade que detenha uma participação, ainda que mínima numa sociedade proprietária direta de farmácia e, bem assim, os respetivos acionistas, independentemente da expressão que a sua participação social tenha no capital da sociedade proprietária indireta- conclusões W), X),Y), Z), aa) e bb).

As Recorrentes insurgem-se assim contra a decisão recorrida por a mesma ter julgado a atuação do INFARMED adequada ao quadro normativo aplicável e em vigor e, por conseguinte, ter julgado improcedentes os pedidos de declaração de nulidade ou anulação das decisões que determinaram o encerramento da Farmácia S., o cancelamento do respetivo alvará e a inutilidade superveniente do pedido de averbamento da transferência de localização daquela farmácia.

3.2.3. Antes de prosseguirmos para a análise dos erros de julgamento imputados à decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo, importa ter presente o teor dessa decisão, na parte em que efetuou um, aliás, proficiente enquadramento normativo da questão relativa ao direito de acesso à propriedade das farmácias, quer nas suas linhas gerais, quer no pertinente aos concretos contornos do caso, que passamos a transcrever:
«(…)
Quer o ato que determinou o cancelamento do alvará e o encerramento da Farmácia S., quer o ato que determinou a extinção do procedimento de transferência da localização daquela farmácia foram praticados pelo R. ao abrigo do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, o qual veio estabelecer o novo regime jurídico das farmácias de oficina (doravante, RJFO), revogando os anteriores diplomas que disciplinavam esta matéria (nomeadamente, a Lei n.º 2125, de 20/03/1965, e o Decreto-lei n.º 48547, de 27/08/1968).
Com este novo regime pretendeu-se, em síntese, modificar “um regime jurídico desadequado e injustificadamente limitador do acesso à propriedade, afastando as regras que a restringiam exclusivamente a farmacêuticos”, bem como “equilibrar o livre acesso à propriedade e evitar a concentração, através de uma limitação, proporcional e adequada, a quatro farmácias”. Além disso, o novo diploma legal “reforça o regime de incompatibilidades em relação à propriedade, exploração e gestão de farmácias, quer direta, quer indiretamente”, pautando-se, ainda, “pela transparência e pelo rigor no que respeita aos negócios jurídicos sobre a titularidade de farmácias” (cfr. preâmbulo do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08 – sublinhado nosso).
O texto do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, sofreu, entretanto, sucessivas alterações, as quais foram introduzidas pela Lei n.º 26/2011, de 16/06 (com início de vigência a 17/06/2011), pelo Decreto-lei n.º 171/2012, de 01/08 (com início de vigência a 02/08/2012) , pela Lei n.º 16/2013, de 08/02 (com início de vigência a 01/03/2013), pelo Decreto-lei n.º 128/2013, de 05/09 (com produção de efeitos a partir de 04/08/2013), pelo Decreto-lei n.º 109/2014, de 10/07 (com produção de efeitos a partir de 30/06/2014) e, por fim, pela Lei n.º 51/2014, de 25/08 (com início de vigência a 26/08/2014).
Com interesse para a decisão da causa, importa atentar nas modificações introduzidas pela Lei n.º 16/2013, de 08/02. Com efeito, este diploma teve exclusivamente em vista a alteração dos art. os 14.º, 15.º, 17.º e 24.º do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, preceitos esses que, entre outros, são expressamente invocados pelas AA. e pelo R., e cuja interpretação e aplicação são, pois, requeridas no presente processo.
De acordo com a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 67/XII (da qual viria a resultar a Lei n.º 16/2013), a experiência da aplicação do regime inicial do Decreto-lei n.º 307/2007 aconselhou “a introdução de modificações e alterações que reforcem e clarifiquem a verificação e fiscalização da observância das limitações definidas à propriedade de farmácias”. Nesta senda, “a presente proposta de lei visa clarificar o regime da propriedade de farmácia no que respeita aos respetivos impedimentos, relativamente ao facto de a obrigatoriedade de serem nominativas as acções representativas do capital das sociedades comerciais proprietárias de farmácias dizer também respeito às ações das sociedades que participem direta ou indiretamente no capital daquelas sociedades, de modo a abranger as participações sociais encadeadas”. Acresce, também, a necessidade de “clarificação do regime da propriedade de farmácia e os respetivos impedimentos quanto ao que se entende por pessoa que detém ou exerce a propriedade, a exploração ou a gestão indireta de uma farmácia, bem como de permitir a verificação do cumprimento do limite máximo de farmácias por pessoa, a qualquer nível da participação no capital e a qualquer percentagem deste, até ao titular de cada ação ou outra participação social permitida” (sublinhado nosso).
No que respeita à aplicação no tempo das referidas alterações, prevê o art.º 4.º da Lei n.º 16/2013, de 08/02, uma norma transitória com repercussões diretas na situação vertida nos autos. Segundo aquele artigo, “aos processos pendentes em juízo à data da entrada em vigor da presente lei aplicar-se-ão, com as devidas adaptações, as normas dela constantes de modo a garantir o efeito do n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto” (sublinhado e negrito nosso).
Ou seja, retira-se da norma supra transcrita que a nova redacção conferida pela Lei n.º 16/2013, de 08/02, aos art. os 14.º, 15.º, 17.º e 24.º do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, é diretamente aplicável, com as adaptações que se revelem necessárias, aos processos judiciais que estejam pendentes nos tribunais na data da entrada em vigor daquele diploma.
Ora, in casu, constata-se que a presente ação corria termos neste Tribunal aquando do início da vigência da Lei n.º 16/2013, de 08/02, que ocorreu em 01/03/2013. Assim sendo, conclui-se que são aplicáveis à situação vertida nos autos os art. os 14.º, 15.º, 17.º e 24.º do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 16/2013, de 08/02.
Alegam, porém, as AA. a inconstitucionalidade material da disposição transitória contida no referido art.º 4.º da Lei n.º 16/2013, de 08/02, porquanto a mesma assumiria um caráter retroativo contrário aos princípios da confiança legítima, da segurança e da certeza jurídicas, e em violação da proibição de retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (in casu, da liberdade de empresa e de iniciativa económica e do direito de propriedade privada), consagrada no art.º 18.º, n.º 3, da CRP.
Julgamos, todavia, que a norma transitória do art.º 4.º da Lei n.º 16/2013 não se revela materialmente inconstitucional.
É certo que o novo regime jurídico da farmácia de oficina veio elevar a princípio geral, neste domínio específico de atividade (e conforme resulta da motivação expressa no respetivo preâmbulo, citado supra), o livre acesso ou a liberdade de acesso à propriedade de farmácia de oficina, como manifestação da liberdade de empresa e de iniciativa económica (cfr. art. os 3.º e 14.º, n.º 1, do RJFO). Tais direitos fundamentais têm vindo a ser entendidos como direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, para efeitos de aplicação do respetivo regime material (cfr. art. os 17.º e 18.º da CRP). O novo RJFO veio, porém, prever algumas restrições e limites no que se refere à propriedade das farmácias, tendo em conta a natureza da atividade que estas prosseguem e o interesse público que lhe está associado (cfr. art. os 14.º, n.os 2 e 3, 15.º, 16.º e 17.º do RJFO).

Ora, o n.º 3 do art.º 18.º da CRP, ao estabelecer o regime material dos direitos, liberdades e garantias, veio determinar que as leis restritivas “não podem ter efeito retroativo”. Nas palavras de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a proibição incide sobre a chamada retroatividade autêntica, em que as leis restritivas de direitos afetam posições jusfundamentais já estabelecidas no passado ou, mesmo, esgotadas. Ela abrangerá também alguns casos de retrospetividade ou de retroatividade inautêntica (a lei proclama a vigência para o futuro mas afeta direitos ou posições radicadas na lei anterior) sempre que as medidas legislativas se revelarem arbitrárias, inesperadas, desproporcionadas ou afetarem direitos de forma excessivamente gravosa (…). A razão de ser deste requisito está intimamente ligada à ideia de proteção da confiança e da segurança aos cidadãos, defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus atos passados ou às situações transatas efeitos jurídicos com que razoavelmente não podiam contar” (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 394 – sublinhado nosso).
No caso concreto, a aplicação imediata aos processos pendentes da nova redação das normas dos art.os 14.º, 15.º, 17.º e 24.º do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, configura, em rigor, um caso de retrospetividade ou de retroatividade inautêntica, porquanto as situações que se esgotaram e se decidiram por completo no passado escapam à aplicação daqueles preceitos. Estes apenas afetam situações originadas no passado na medida em que, como se viu, se encontrem abrangidas por processos judiciais ainda pendentes no momento da sua entrada em vigor: ou seja, tais normas aplicam-se para o futuro a processos ainda pendentes, embora resultantes de factos ocorridos no passado.
Aqui chegados, cumpre relembrar que o normativo presente no art.º 4.º da Lei n.º 16/2013 só poderá ser julgado inconstitucional se ofender de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado as expectativas dos seus destinatários, em violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP).
O Tribunal Constitucional (TC) já se pronunciou, por diversas vezes, sobre o sentido de tal inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva. No acórdão n.º 287/90, de 30/10/1990, adiantou que “a ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão)” (sublinhado nosso).
No acórdão n.º 285/92, de 22/07/1992, o TC realçou que “não há, com efeito, um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes”, acrescentando que “o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal” (sublinhado nosso).».
3.3.4. A fundamentação jurídica em que o Tribunal a quo se estribou para julgar a presente ação improcedente não convenceu as Recorrentes.
Considerando que os factos essenciais sobre os quais cumpre verificar se a subsunção jurídica realizada pelo Tribunal a quo enferma dos erros de julgamento que lhe são imputados pelas Recorrentes, se encontram estabilizados, uma vez que não foi interposto recurso contra o julgamento da matéria de facto, afigura-se-nos oportuno, prima facie, recordar que factos são esses de modo a uma melhor compreensibilidade e contextualização das questões decidendas que temos em mãos nesta instância recursiva.
3.2.5. Prosseguindo nesse intento, os atos proferidos pelo INFARMED e impugnados na ação que as autoras intentaram, dizem respeito à “Farmácia S.”, á qual foi atribuído, em 17.03.2009, o alvará n.º 3464 17.02.2009, então averbado em nome da sociedade P., S.A. , constituída por um único acionista (o farmacêutico Dr. N.)- vide ponto 1) dos factos assentes.
Em 26.10.2009, a sociedade P., S.A. solicitou ao Infarmed a transferência da localização da “Farmácia S.” para o Centro Comercial (...), freguesia da (...), concelho (...)- vide ponto 17 dos factos assentes.
Entretanto, em 16/12/2009 o acionista único da P., S.A., celebrou com a sociedade Farmácia S., S.A. um “contrato de compra e venda de ações e cessão de crédito”, pelo qual aquele vendeu a esta, que adquiriu, a totalidade das ações sobre a P., S.A.- vide ponto 2 dos factos assentes.
A 30/12/2009 deu entrada no Infarmed um pedido de averbamento ao alvará da “Farmácia S.” da transmissão da totalidade das ações representativas do capital social da P., S.A. a favor da Farmácia S., S.A.- vide ponto 3 dos factos assentes.
Nessa sequência, a 19/01/2010, o Infarmed solicitou à P., S.A. os seguintes documentos: declaração da Farmácia S., S.A. do preenchimento dos requisitos previstos nos art.os 15.º e 16.º do Decreto-lei n.º 307/2007, cópia autenticada do contrato de constituição da Farmácia S., S.A., fotocópia do cartão de pessoa coletiva da P., S.A., documento comprovativo de que o capital social da Farmácia S., S.A. é representado por ações nominativas, bem como identificação completa de todos os titulares das referidas ações (Portaria n.º 290/2000, de 25 de Maio), certidão atualizada do registo comercial da Farmácia S., S.A. ou envio do número de acesso para consulta “on-line” da respetiva certidão permanente- ponto 4 dos factos assentes.
Em 14/04/2010, foi enviado à sociedade S. – S. G. P. S., S.A. o ofício n.º 018638, comunicado à P., S.A. pelo ofício n.º 019186, de 16/04/2010, com o seguinte teor:
“Assunto: Processo de regularização da propriedade da Farmácia S. – (...) (…) Sendo a sociedade S. – S.G.P.S., S.A. a única acionista da sociedade Farmácia S., S.A., e tendo em vista a regularização da propriedade da farmácia supra identificada, vimos pelo presente solicitar a V. Exa. o envio de documento comprovativo de que o capital social da sociedade S. – S.G.P.S., S.A. é representado por ações nominativas, bem como a identificação completa de todos os titulares, nos termos da Portaria n.º 290/200, de 25 de maio”- vide ponto 5 dos factos assentes.
Em 9/04/2010 a S. – S.G.P.S., S.A. respondeu alegando que “(…) enquanto única acionista da Farmácia S., S.A., que, por sua vez, é única acionista da P., S.A. , não está obrigada pelo referido art.º 14.º a possuir o seu capital social representado por ações nominativas. A S. – S.G.P.S., S.A. tem o seu capital social representado por ações escriturais ao portador em conta aberta junto de um intermediário financeiro atuando na qualidade de representante do emitente, não tendo, por isso, a S. – S.G.P.S., S.A. a obrigação de possuir o registo das emissões de valores mobiliários junto do emitente no modelo aprovado pela Portaria 290/2000 de 25 de maio”- ponto 6 dos factos assentes.
Posteriormente, o Infarmed proferiu a deliberação n.º 154/CD/2010, pela qual decidiu: « a) Cancelar o Alvará n.º 3464, datado de 17 de Março de 2009, para funcionamento da Farmácia S., sita na freguesia de (...), concelho de (...), distrito de (...), e ordenar o encerramento da mesma farmácia, por não cumprimento dos requisitos de abertura e funcionamento; b) Declarar extinto, por inutilidade superveniente, o procedimento de transferência cuja declaração de aptidão do local foi solicitada pela Farmácia S. para o Centro Comercial (...), sito em (...), (...), (...)»- vide ponto 23 dos factos assentes.
Apurou-se ainda que: (i) a Farmácia S. S.A. é detida a 100% pela S. – S.G.P.S., S.A.; (ii) a S. – S.G.P.S., S.A. é detida a 82,48% pela S. S.G.P.S., S.A. e a 17,52% pela S., B.V.; (iii) a S. S.G.P.S., S.A. é detida a 0,006% pela L. , Lda., a 0,0713% pela F-., Gestão Participações S.G.P.S. Lda., a 0,0347% por várias entidades do grupo M. e a 0,0347% pela A., S.A.; (iv) as ações das sociedades P., S.A. , S.A., Farmácia S., S.A. e S. S.G.P.S., S.A. são ações nominativas e que (v) as ações da sociedade S. – S.G.P.S., S.A. são ações escriturais ao portador- vide pontos 24 a 28 dos factos assentes.
3.3.5. Sem colocar em crise os factos assentes na sentença recorrida, sendo os mais relevantes os que se acabaram de elencar, as Recorrentes perfilham um entendimento diferente do que foi adotado pelo Tribunal a quo quanto à subsunção jurídica, prefigurando a atuação do Infarmed como violadora do quadro legal e do princípio constitucional da liberdade de iniciativa privada.
Vejamos se assiste razão ás Recorrentes nas criticas que aduzem contra a sentença sob sindicância.
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3.4. Do Encerramento da Farmácia S..
3.4.1.A tese defendida pelas Recorrentes nas conclusões de recurso para concluírem pelo erro de julgamento quanto à manutenção do ato que ordenou o encerramento da “Farmácia S.” vem espelhada nas conclusões A) a R) e V) a bb).
As Recorrentes, reconhecendo que o regime jurídico-administrativo da farmácia de oficina implementado pelo DL 307/2007, de 31.08., tem um caráter inovador em relação ao regime que constava da Lei n.º 2125, de 20/03/1965, e no DL 48 547, de 27.08.1968, particularmente quanto ao acesso à propriedade de farmácia de oficina, tendo-se passado a prever a liberdade de acesso de todos a este sector do mercado, ou seja, a universalização do acesso, e não apenas o acesso reservado àqueles que fossem detentores do grau habilitante de farmacêutico, colocando um ponto final no regime monopolístico anterior, entendem que este principio da liberdade de acesso, sendo um princípio estruturante que contende com o princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica, deve estar sujeito ao regime dos direitos e liberdades fundamentais quanto aos limites/ restrições que o legislador ordinário estabeleça.
O legislador do D.L. 307/2007, de 31.08, quando estabeleceu o limite legal ao número de farmácias de que uma pessoa singular ou sociedade comercial pode ser proprietária, exploradora ou gestora (quatro farmácias, em simultâneo, por cada proprietário), respeitou o regime constitucional previsto para a restrição de direitos, assegurando uma posição de equilíbrio entre a liberdade de acesso à propriedade de farmácias e o acautelamento de possíveis “tentações” de oligopólio.
Ainda em ordem a esse objetivo de concordância entre liberdades constitucionais fundamentais e a necessidade de salvaguarda de outros bens constitucionalmente protegidos, o legislador, impôs, no caso de o proprietário ser uma sociedade comercial, que o respetivo capital social seja representado por ações nominativas.
3.4.2. Ora, é em relação á extensão e alcance deste limite que as Recorrentes divergem do entendimento perfilhado pelo Infarmed e acolhido pelo Tribunal a quo.
Para as Recorrentes, o limite consubstanciado na obrigatoriedade das sociedades comerciais que sejam proprietárias de farmácias terem o seu capital representado por ações nominativas apenas abrange as sociedades que sejam proprietárias diretas de farmácias e não as sociedades proprietárias indiretas de farmácias.
Sublinham que se assim fosse, para além dos custos financeiros e burocráticos inerentes, tal significaria estabelecer uma restrição inquestionavelmente desproporcionada aos princípios do livre acesso à propriedade de farmácia a sociedades comerciais cujo capital se encontrasse representado por ações, a começar, desde logo, pelo direito de aquisição da empresa, e redundaria numa restrição desnecessária e desproporcionada ou, mesmo, lesiva do núcleo essencial dos direitos ou liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, constitucionalmente consagradas, bem como num manifesto atentado às liberdades comunitárias/europeias de empresa, de mercado e de concorrência.
E adiantam que para alcançar o objetivo pretendido - apurar se ultrapassam ou não o limite numérico de quatro farmácias- a Administração deve lançar mão de outros meios adequados ao seu dispor, usando dos poderes inquisitórios e dos meios (de prova) ao seu dispor, em sede procedimental e instrutória, que conjugados com a obediência ao princípio da boa-fé e aos deveres procedimentais de colaboração que impendem sobre os interessados, funcionam como meios adequados, exigíveis e proporcionados à salvaguarda daquele limite numérico, em sede de propriedade indireta de farmácias por sociedades cujo capital social seja titulado por ações.
E, verificada uma situação em que se suscite a questão de terem sido violados tais limites, entendem que o Infarmed terá de recorrer ao Ministério Público para que, conforme estabelecido no art.º 53.º intente a competente ação e não proceder ao encerramento da farmácia como fez.
Por fim, acrescentam que este cenário em nada se altera com a Lei n.º 16/2013, de 08.02, que veio, com efeitos retroativos, e não meramente retrospetivos, como se afirmou na decisão recorrida, determinar que a obrigatoriedade das ações nominativas se aplique a participações encadeadas no capital de uma ou mais sociedades e que o seu controlo seja feito, independentemente do nível de participação e da sua percentagem, até ao titular de cada ação ou participação social permitida.
Entendem que tal exigência de nominatividade das ações é desproporcionada, porque o INFARMED teria forma de fiscalizar e controlar os limites legais quantitativos postos à titularidade de farmácias por proprietário e o regime de incompatibilidades e impedimentos, seja porque põe em causa, retroativamente, a validade do negócio de transmissão das participações sociais da P., S.A. (art.º 53.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto), com isso afetando, inadmissivelmente, o princípio da proteção da confiança e os princípios da certeza e da segurança jurídicas e atacando o núcleo essencial dos direitos em causa – direito de propriedade privada e de livre iniciativa económica privada.
O que dizer?
3.4.3. É um facto que em Portugal, o acesso à propriedade de farmácias esteve durante longos anos sujeito a fortíssimas restrições que apenas foram abolidas com a entrada em vigor do D.L. 307/ 2007, de 31.08.
Até então, a exploração e a propriedade de farmácias era disciplinada pela Lei n.º 2125, de 20.03.1965, pelo Decreto-Lei nº 48 547, de 27.08.1968, e pela Portaria nº 806/87, de 22.09.
Do regime legal constituído por esses diplomas, resultava, no essencial, como imagem marcante do panorama nacional quanto a esta questão, uma forte limitação no direito de acesso à propriedade de farmácias, uma vez que o alvará para o funcionamento das farmácias só podia ser concedido a quem fosse farmacêutico ou a sociedades em nome coletivo ou por quotas cujos sócios fossem todos farmacêuticos e enquanto o fossem, caducando em todos os casos de transmissão, salvo nas hipóteses previstas na lei (Base II, nºs 1 e 2, da Lei nº 2125).
Por conseguinte, as farmácias não podiam funcionar sem um farmacêutico responsável que assumisse e exercesse efetiva e permanentemente a direção técnica, em regra, sem o respetivo proprietário farmacêutico (artigos 83º e 84º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48 547).
Nos termos dessa legislação, eram nulos todos os contratos de transferência de farmácias celebrados fora dos casos permitidos por lei ou contra o nela previsto quanto à propriedade das farmácias ou suscetíveis de produzir um efeito jurídico igual ao que a lei quis proibir (vide artigo 76º, nº 2, do Decreto-Lei nº 48 547).
3.4.4. Foi este stato quo que se pretendeu alterar radicalmente com a aprovação do D.L. 307/2007, de 31/8, por via do qual se deixou de limitar a possibilidade de ser-se proprietário de uma farmácia à condição prévia de ser-se farmacêutico, permitindo-se o acesso á propriedade de farmácias, quer a pessoas singulares, quer a pessoas coletivas, embora com a limitação de ninguém poder deter mais do que 4 farmácias, de modo a impedir uma situação de oligopólio num setor de mercado reconhecidamente relevante no domínio da saúde pública, como os tristes tempos em que vivemos o confirmam exuberantemente.
Esta mudança de paradigma foi em muito provocada pela evolução que se registou no âmbito da União Europeia neste setor de mercado, referindo-se expressamente no preâmbulo do DL 307/2007 que «Pretende-se equilibrar o livre acesso à propriedade e evitar a concentração, através de uma limitação, proporcional e adequada, a quatro farmácias». E muito impulsionada por a nível interno se ter constatado, conforme se confessa no racional do diploma, que «a legislação anterior fomentou, ao longo do tempo, a criação de situações fictícias em relação à propriedade, por força de um regime extraordinariamente restritivo da transmissão da propriedade entre farmacêuticos.
Com a alteração do regime jurídico da propriedade permitir-se-á a regularização dessas situações, desde que observem os requisitos e os limites de titularidade e respeitem as incompatibilidades em relação à propriedade, exploração e gestão de farmácias.»
3.4.5. De notar que a universalização do acesso á propriedade de farmácias de oficina foi rodeada de precauções por parte do legislador, em ordem a evitar a concretização de ambições oligapolistas neste setor.
E daí que se tenha previsto no D.L. 307/2007, de 31.08 o impedimento a que qualquer pessoa singular ou sociedade comercial possa ser proprietária de mais do que 4 farmácias, e bem assim, instituído mecanismos destinados a assegurar por parte da Administração o controle efetivo dessa limitação, obstando à titularidade de mais do que quatro farmácias por proprietário (pessoa singular ou sociedade comercial).
Esta preocupação, o legislador anunciou-a desde logo no preâmbulo do diploma, afastando-se qualquer dúvida interpretativa que pudesse surgir, quando aí cuidou de consignar que «a propriedade das farmácias fica reservada a pessoas singulares e a sociedades comerciais, possibilitando-se, consequentemente, um apertado controlo administrativo da respectiva titularidade.
Atendendo às particularidades do sector e à salutar concorrência entre farmácias, este decreto-lei reforça o regime de incompatibilidades em relação à propriedade, exploração e gestão de farmácias, quer directa quer indirectamente.»
E, bem assim, que «este novo regime caracteriza-se pela transparência e pelo rigor no que respeita aos negócios jurídicos sobre a titularidade de farmácias, cominando-se com a nulidade aqueles que sejam celebrados contra as regras agora instituídas ou que produzam um efeito prático idêntico ao que o diploma quis proibir».
Acontece que o regime do DL n.º 307/2007, de 31.08, foi sofrendo alterações ao longo do tempo de que destacamos, por relevantes para a situação em juízo, as introduzidas pela Lei n.º 16/2013, de 08.02, que as Recorrentes sustentam ser inaplicável ao caso em juízo por se tratar de uma lei nova, posterior aos atos impugnados e, ainda que assim não fosse, por o seu regime jurídico colidir com o princípio constitucional de liberdade de iniciativa económica, comportando uma restrição desproporcionada do direito de acesso à propriedade de farmácias de oficina por parte de sociedades comerciais cujo capital não esteja representado por ações nominativas e que pretendam ser proprietárias indiretas de farmácias de oficina.
Mas sem razão.
3.4.6. No artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 26/2013, passou a constar que «São obrigatoriamente nominativas as ações representativas do capital das sociedades comerciais proprietárias de farmácias, bem como das que participem, direta ou indiretamente, no capital de sociedades proprietárias de farmácias».
E no artigo 4.º, o legislador estabeleceu expressamente e de forma inequívoca que «Aos processos pendentes em juízo à data da entrada em vigor da presente lei aplicar-se-ão, com as devidas adaptações, as normas dela constantes de modo a garantir o efeito do n.º1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto».
Entendeu o Tribunal a quo, por força da previsão legal constante da citada norma, que as alterações operadas pela Lei n.º 16/2013 ao regime jurídico das farmácias de oficina se aplicam aos processos pendentes, como é o caso da situação em juízo, daí não decorrendo a violação de direitos ou de legitimas expectativas dignas de proteção.
E a argumentação jurídica avançada pelo tribunal a quo, dada a sua solidez e consistência, não merece censura, colhendo a nossa inteira concordância.
A interpretação aí veiculada, além de respeitar os textos legais, é a que melhor se coaduna com a sua teleologia e com a consideração e ponderação de todos os interesses em presença.
Embora as Recorrentes concordem que não é irrelevante a existência efetiva de uma «cadeia poligonal» em que pode resultar a teia de relações de domínio ou de grupo para efeitos de determinação da propriedade indireta de uma farmácia e da verificação do limite legal de quatro farmácias por proprietário, não aceitam que para se atingir um tal objetivo de conhecimento imediato de todas as sociedades proprietárias indiretas de uma farmácia, nomeadamente por via do exercício de uma influência dominante, detida diretamente por uma sociedade comercial por ações, o legislador tivesse feito impender, em «cascata», o «ónus» da nominatividade sobre todas elas, porquanto, para além dos custos financeiros e burocráticos inerentes, tal significaria estabelecer uma restrição inquestionavelmente desproporcionada ao princípio do livre acesso, lesiva do núcleo essencial dos direitos ou liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, bem como num manifesto atentado às liberdades comunitárias-europeias de empresa, de mercado e de concorrência-vide conclusões a) a j).
A seu ver, para alcançar esse desiderato – o de tomar conhecimento da existência de sociedades passíveis de serem juridicamente qualificadas como proprietárias indiretas de farmácias, com vista a apurar se elas ultrapassam ou não o limite numérico de quatro farmácias - a Administração devia lançar mão de outros meios adequados ao seu dispor. Assim, embora se afigurem pertinentes os deveres de comunicar ao INFARMED, no prazo de 30 dias, para efeitos de averbamento, a celebração de negócios jurídicos que tenham por objeto a venda, o trespasse, o arrendamento e ou cessão de exploração da farmácia, bem como a transmissão de partes sociais, quotas ou ações de sociedade comercial proprietária de farmácia, os quais impendem sobre o outorgante referido no alvará, sem o que o negócio jurídico-privado é ineficaz, sustentam que quando o negócio jurídico tenha apenas como objeto a transmissão de participações no capital social da sociedade proprietária da farmácia, o dever de comunicação já não se destina a produzir aquele mesmo efeito mediato. Neste caso, a lei é mais permissiva, na medida em que só existe o dever de comunicação ao INFARMED, não se aplicando o requisito previsto no n.º 3 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, por força do qual a alteração da propriedade da farmácia depende do averbamento no alvará- vide conclusões k) a n).
Por isso, entendem ser ilegítimo que o INFARMED lance mão do meio coativo de encerramento da farmácia quando, após ter procedido à verificação da conformidade do negócio jurídico com as disposições legais imperativas aplicáveis, venha a concluir ou a suspeitar que os negócios jurídicos de transmissão de ações violam tais disposições legais. Nessas situações, impõe-se-lhe, antes, do ponto de vista jurídico-constitucional e jurídico-administrativo, levar esses factos ao conhecimento do Ministério Público para que este desencadeie a respetiva ação de nulidade do negócio, de acordo com o previsto no artigo 53.º do DL 307/2007. Isto significa que os poderes autónomos que legalmente podem assistir ao INFARMED em sede de encerramento da farmácia e do seu exercício, sem que previamente tenha sido desencadeada a ação de nulidade do negócio jurídico, têm de ser entendidos em termos restritivos ou limitados, sob pena de, numa outra interpretação, ser forçosa a inconstitucionalidade material do regime legal – conclusões o) a q).
3.4.7. Todas estas questões foram suscitadas na ação e sobre todas elas o Tribunal de 1.ª instância tomou posição, nos termos que constam do seguinte segmento da decisão recorrida, que passamos a transcrever:
«Dispõe o art.º 14.º do RJFO (na redação da Lei n.º 16/2013) que “podem ser proprietárias de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais ” (n.º 1) e que “são obrigatoriamente nominativas as ações representativas do capital das sociedades comerciais proprietárias de farmácias, bem como das que participem, direta ou indiretamente, no capital de sociedades proprietárias de farmácias” (n.º 2 – sublinhado e negrito nosso).
O n.º 1 do art.º 15.º estabelece um limite máximo de quatro farmácias por titular, limite esse que se aplica a qualquer sociedade comercial que detenha ou exerça, direta ou indiretamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias.
Segundo o art.º 17.º, na sua versão atual, “considera-se que uma pessoa detém ou exerce o direito de propriedade, a exploração ou a gestão indireta de uma farmácia quando a mesma seja detida, explorada ou gerida: b) por sociedade em cujo capital aquela participe” (n.º 1), definição que “é aplicável às participações encadeadas no capital de uma ou mais sociedades” (n.º 2). Acresce que “o cumprimento do limite legal de detenção ou de exercício da propriedade, da exploração ou da gestão indireta de uma farmácia deve ser verificado a qualquer nível da participação no capital, bem como a qualquer percentagem deste, até ao titular de cada ação ou outra participação social permitida” (n.º 3 – sublinhado e negrito nosso).
Retira-se da leitura dos preceitos enunciados que qualquer sociedade comercial que participe, de forma direta ou indireta, no capital de uma sociedade que seja a proprietária direta de uma farmácia tem de possuir acções nominativas. Compreende-se a exigência deste requisito, porquanto visa permitir a verificação do limite de quatro farmácias por proprietário: se as ações forem ao portador, o emitente não tem a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos respetivos titulares, faculdade que lhe assiste se as ações forem nominativas (cfr. art.º 52.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei n.º 486/99, de 13/11). Daí que as ações ao portador se transmitem por mera entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado ou por registo na conta deste (cfr. art.º 101.º, n.os 1 e 2, do Código dos Valores Mobiliários).
In casu, resulta da factualidade provada (pontos 2, 24 e 25) que a A. P., S.A., proprietária direta da Farmácia S., é uma sociedade anónima cujo capital se encontra representado por ações nominativas. Estas ações são detidas, na sua totalidade, pela sociedade anónima e ora A. Farmácia S., a qual possui igualmente ações nominativas. O capital social da A. Farmácia S. é, por sua vez, detido, a 100%, pela sociedade anónima S. – S.G.P.S., S.A..
Sucede, porém, que a S. – S.G.P.S., S.A. tem o seu capital titulado por ações ao portador (cfr. pontos 27 e 28 dos factos provados). Trata-se, ainda, de uma entidade que exerce indiretamente o direito de propriedade, a exploração ou a gestão da Farmácia S., pois que, atento o encadeamento de participações sociais acima descrito, satisfaz os requisitos da alínea b) do n.º 1, conjugado com o n.º 2, do art.º 17.º do RJFO.
Assim sendo, conclui-se que a representação do capital da S. – S.G.P.S., S.A. por ações ao portador não se encontra em conformidade com o disposto no art.º 14.º, n.º 2, do RJFO.
Não colhe a argumentação das AA. no sentido de o R. ter à sua disposição outros mecanismos para efetuar o controlo do limite das quatro farmácias por proprietário e de as AA. terem provado quem são as atuais acionistas da S. – S.G.P.S., S.A. (cfr. ponto 25 dos factos provados). Tal interpretação atenta diretamente contra a exigência legal prevista no já citado art.º 14.º, n.º 2, além de poder dar lugar à abertura de exceções não consentidas pelo legislador.
O entendimento da A. nos termos do qual a exigência de nominatividade das ações de todas as sociedades envolvidas redundaria numa restrição desnecessária e desproporcionada do núcleo essencial dos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, bem como das liberdades europeias de empresa, de mercado e de concorrência não pode aceitar-se, ponderado o interesse público subjacente à previsão do limite de quatro farmácias por proprietário, a necessidade do seu controlo administrativo e o forçoso anonimato dos titulares de ações ao portador.
Sublinhe-se, aliás, que não estamos perante uma verdadeira restrição de direitos (neste caso, dos direitos de iniciativa económica e propriedade privada, que assumem a natureza de direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhes aplicável o regime material previsto no art.º 18.º da CRP). Estamos, sim, perante um limite ou condicionamento ao exercício desses direitos.
Como refere Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2000, pp. 329-330), “a restrição tem que ver com o direito em si, com a sua extensão objetiva; o limite ao exercício de direitos contende com a sua manifestação, com o modo de se exteriorizar através da prática do seu titular. A restrição afeta certo direito (em geral ou quanto a certa categoria de pessoas ou situações), envolvendo a sua compressão ou, doutro prisma, a amputação de faculdades que a priori estariam nele compreendidas; o limite reporta-se a quaisquer direitos. A restrição funda-se em razões específicas; o limite decorre de razões ou condições de caráter geral, válidas para quaisquer direitos [a moral, a ordem pública e o bem-estar numa sociedade democrática (…)]. O limite pode desembocar ou traduzir-se qualificadamente em condicionamento, ou seja, num requisito de natureza cautelar de que se faz depender o exercício de algum direito. (…) O condicionamento não reduz o âmbito do direito, apenas implica, umas vezes, uma disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu exercício, outras vezes um ónus”.
Também o TC distinguiu já as duas situações. No acórdão n.º 99/88, de 28/04 (publicado no DR, II Série, n.º 193, de 22/08/1988), pode ler-se que “uma distinção básica deverá logo ter-se aqui em conta, dentro das intervenções legislativas ou das normas legais respeitantes a direitos fundamentais (…): a que decorre justamente entre as normas restritivas desses direitos (normas que encurtam ou estreitam o seu conteúdo e alcance) e as meramente condicionadoras do respetivo exercício (normas que não visam aquele objetivo da redução das faculdades ou potencialidades integradoras do direito em causa, e se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício). Com efeito, enquanto as primeiras, para se legitimarem constitucionalmente, haverão de responder ao conjunto de exigências e cautelas a esse respeito consignadas no art.º 18.º, n.os 2 e 3, da lei fundamental, já tais exigências e cautelas não se põem, por definição, quanto às segundas, as quais, assim, desde logo e designadamente, não necessitam de uma credencial ou provisão constitucional expressa, autorizando ao legislador a sua emissão” (sublinhado e negrito nosso).
Ora, no caso concreto, e ao contrário do que alegam as AA., a norma do art.º 14.º, n.º 2, do RJFO (que estabelece a exigência de nominatividade das ações) não configura propriamente uma restrição aos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, mas antes um mero condicionamento a que tem de obedecer o respetivo exercício. Nesse sentido, toda e qualquer sociedade comercial pode ser proprietária de uma farmácia, impondo-se-lhe, para tanto, que possua ações nominativas. E justamente por não revestir a natureza de uma norma restritiva, haverá de excluir-se que a mesma contenha uma restrição desnecessária e desproporcionada aos direitos fundamentais em causa, por referência ao n.º 2 do art.º 18.º da CRP.
Claro está que, “como é oportunamente advertido por Vieira de Andrade, (…) ‘a distinção entre condicionamento e restrição é fundamentalmente prática, já que não é possível definir, com exatidão, em abstrato os contornos das duas figuras’, pelo que ‘muitas vezes é apenas um problema de grau ou de quantidade’. E que, sendo assim, não bastará considerar as coisas na perspetiva ‘estrutural’, antes adotada, para se concluir pela não inconstitucionalidade das normas em apreço, e sempre será preciso aferir da justeza dessa conclusão à luz de um ponto de vista ‘material’ ou ‘substantivo’. Ponto de vista que, ao fim e ao cabo, há-de reconduzir-se ainda (tal qual sucede com as restrições de direitos) a um critério de adequação e proporcionalidade” (cfr. o acórdão do TC n.º 99/88 acima citado – sublinhado nosso).
Sucede que, mesmo de um tal ponto de vista, julgamos que a solução não pode ser diferente. A exigência de nominatividade das ações a todas as sociedades comerciais que participem, direta ou indiretamente, no capital de sociedades proprietárias de farmácias (conforme resulta expressamente do atual art.º 14.º, n.º 2) não é desnecessária, nem desproporcional, antes adequada e ajustada, em face do interesse público subjacente à previsão do limite de quatro farmácias por proprietário, da necessidade do seu controlo administrativo e do anonimato dos titulares de ações ao portador.
Pelo exposto, conclui-se que o ato impugnado não viola os art.os 14.º,n.º 2, e 15.º do RJFO.»
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3.4.8. Não podemos estar mais de acordo com a decisão proferida pelo tribunal a quo. Quer o encerramento, quer o cancelamento do alvará da “Farmácia S.” são perfeitamente justificados em face dos factos apurados e do quadro normativo em que se subsumiram.
E contrariamente ao afirmado pelas Recorrentes, as decisões sobreditas do Infarmed não colidem com quaisquer princípios constitucionais como é o caso do princípio da liberdade de acesso á iniciativa económica.
As limitações que o legislador introduziu no âmbito do direito de acesso à propriedade de farmácias de oficina, não configuram nenhuma violação ou ofensa do conteúdo essencial dos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica, de empresa e de propriedade privada.
E se dúvidas existiam quanto à obrigatoriedade das sociedades detentoras de farmácias terem o seu capital representado por ações nominativas se estender também às sociedades que apenas fossem proprietárias indiretas, a Lei n.º 16/2013, de 8 de Fevereiro, cuidou de as dissipar totalmente.
E como vimos, aquela lei – cfr. artigo 4.º- previu expressamente a sua aplicação aos processos pendentes, no que tange a este domínio.
A sua aplicação, tal como foi defendido na decisão sob sindicância, não traduz qualquer violação ao do princípio da irretroatividade da lei.
3.4.9.O princípio constitucional da irretroatividade da lei tem um âmbito de aplicação bem definido, apenas contemplando as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3 da CRP). Fora desse domínio, o princípio geral é o de que a lei apenas dispõe para o futuro (n.º 1, 1.ª parte, do artigo 12.º do Cód. Civil), mas sem que esteja excluído que o legislador ordinário atribua eficácia retroativa à nova lei (2.ª parte do referido preceito legal).
Acresce que o princípio geral de que a lei só dispõe para futuro cede quando a lei nova dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Em tais casos, entender-se-á que o âmbito de aplicação da lei nova abrangerá as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor ( n.º2, 2.ª parte do mesmo dispositivo).
No caso em análise, tal como sustentado na decisão recorrida «a norma do art.º 14.º, n.º 2, do RJFO (que estabelece a exigência de nominatividade das ações) não configura propriamente uma restrição aos direitos e liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, mas antes um mero condicionamento a que tem de obedecer o respetivo exercício».
Na linha da jurisprudência firmada pelo TC (veja-se acórdão citado na decisão recorrida) a norma do n.º2 do art.º 14.º do RJFO reconduz-se ao universo das normas « meramente condicionadoras do respetivo exercício (normas que não visam aquele objetivo da redução das faculdades ou potencialidades integradoras do direito em causa, e se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício).»
Nesse sentido, toda e qualquer sociedade comercial pode ser proprietária de uma farmácia, impondo-se-lhe, para tanto, que possua ações nominativas. E justamente por não revestir a natureza de uma norma restritiva, haverá de excluir-se que a mesma contenha uma restrição desnecessária e desproporcionada aos direitos fundamentais em causa, por referência ao n.º 2 do art.º 18.º da CRP.
3.4.10. Referindo-se especificamente a situações de retrospetividade ou retroatividade inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90 afirma solenemente que não haver «um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados.
(…) O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos um investimento de confiança ma manutenção do regime legal».
Sob este prisma não se divisa que se mostrem lesados ou violados quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos de que as Recorrentes fossem titulares.

A exigência de nominatividade das ações não constitui uma restrição ao direito de acesso à propriedade de farmácias e nessa medida a norma do n.º2 do artigo 14.º do RJFO não corporiza uma restrição de direitos liberdades e garantias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º, n.os 2 e 3 da CRP, apenas condicionando o exercício desse direito à demonstração de certo facto- as sociedades, sejam proprietárias diretas ou indiretas, têm de possuir o capital social representado por ações nominativa.
Tal exigência, contrariamente ao defendido pelas Recorrentes, não tem a virtualidade de cercear de forma desproporcionada, o acesso à propriedade de farmácias e ao exercício desta atividade económica, nem afeta o princípio da proteção da confiança e os princípios da certeza e da segurança jurídicas.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 85/2010, seguindo a jurisprudência do citado Ac. 287/90, referindo-se a situações de retrospetividade teve também já oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, por referência dois pressupostos essenciais:
«a) a afectação das expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não foi ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (…) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção.
Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 (...) que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, «não há (...) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados»”.
Sendo que «(...) a protecção das alegadas expectativas invocadas pela ora recorrente jamais pode colidir, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis. A menos que os requisitos de protecção da confiança, tal como têm sido reconhecidos e aceites na jurisprudência constitucional, estejam integralmente verificados»

Ademais, o Recorrido pautou a sua intervenção por estritos critérios de legalidade, estando a sua atuação devidamente justificada à luz deste princípio norteador de toda a atividade administrativa, consagrado no artigo 3.º do CPA ( na versão vigente à data dos atos).

3.4.11. Acresce referir que o DL 307/2007, de 31.08, sempre estabeleceu diversas regras, imperativas, para a abertura e funcionamento das farmácias de oficina, nomeadamente, no que diz respeito à sua propriedade por sociedades comerciais. Assim, no seu artigo 14.º, sob a epígrafe “Proprietárias de farmácias “ previa-se que:
«1 - Podem ser proprietárias de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais.
2 - Nas sociedades comerciais em que o capital social é representado por ações, estas são obrigatoriamente nominativas.».
Este artigo 14.º, n.º2, por força da alteração introduzida pela Lei 16/2013 passou a dispor: «São obrigatoriamente nominativas as ações representativas do capital das sociedades comerciais proprietárias de farmácias, bem como das que participem, direta ou indiretamente, no capital de sociedades proprietárias de farmácias».
Constando do artigo 14.º, n.º2 na versão originaria do D.L. 307/2007 que nas sociedades comercias em que o capital é representado por ações as mesmas têm de ser obrigatoriamente nominativas, a consideração de que essa exigência se estende às sociedades comerciais proprietárias indiretas de farmácias é uma interpretação que do ponto de vista teleológico é a mais consentânea com o propósito do legislador de impedir a constituição de situações de oligopólio em relação à detenção de farmácias de oficina e, por outro lado, trata-se de interpretação que não colide com o teor literal da norma, antes se apresenta como perfeitamente enquadrável no texto desse preceito.
A alteração operada pela Lei 16/2013 apenas tornou explicita uma abrangência que já resultava implícita no teor do artigo 14.º, n.º 2 do DL 307/2007, de 31.08.
Aliás, constava do seu preâmbulo como tivemos ensejo de referir que « Atendendo às particularidades do sector e à salutar concorrência entre farmácias, este decreto-lei reforça o regime de incompatibilidades em relação à propriedade, exploração e gestão de farmácias, quer directa quer indirectamente.»
Acresce que, nos termos do artigo 25.º do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013, cabe ao INFARMED o controlo e a fiscalização dessas regras, pelo que se impunha ao INFARMED que tivesse agido como agiu, por força do disposto no artigo 14.º/2 do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013, assim impedindo que uma sociedade comercial anónima em que o capital social não é representado por ações nominativas, fosse proprietária, ainda que de forma indireta, de uma farmácia.
Só assim, então, como depois da entrada em vigor da Lei 16/2013, estaria a agir de forma adequada, controlando e fiscalizando o respeito pelo limite de quatro farmácias relativamente aos titulares da Farmácia S., conforme determina o artigo 15.º do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013.
As razões pelas quais falha razão ás Recorrentes estão bem esclarecidas na decisão recorrida.
A interpretação e aplicação do direito efetuada no aresto em crise não constitui qualquer afronta a disposições constitucionais e/ou legais.

Termos em que improcedem os apontados fundamentos de recurso.
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3.5. Do Cancelamento do Alvará da Farmácia S..
3.5.1.As Recorrentes sustentam que relativamente ao cancelamento do alvará, este meio sancionatório também não pode ser aplicado no âmbito do regime jurídico da farmácia por falta de fundamentação/habilitação legal, visto que em nenhum dos preceitos que integram aquele regime se vislumbra consagração expressa deste poder ou a sua atribuição ao INFARMED, pese embora do acolhimento deste instituto possa resultar, tão só e em geral, do artigo 5.º, n.º 2, alínea m), do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26 de Julho (Lei Orgânica do INFARMED) e, agora, também, no mesmo art.º 5.º, n.º 2, alínea m), da Lei n.º 46/2012, de 24 de Fevereiro, que, ainda assim, enquanto normas de mero reenvio, fazem depender o seu exercício dos «termos da lei», que não se acham regulamentados.
3.5.2. Foi a seguinte a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância quanto ao ato de cancelamento do alvará: «Alegam as AA. que o ato em causa é ilegal porquanto à violação dos preceitos atrás referidos - art.os 14.º, n.º 2, e 15.º, 16.º e 17.º do RJFO – nunca poderia corresponder, em caso algum, uma decisão de cancelamento do alvará com o correspondente encerramento da farmácia. Segundo as AA., o averbamento da transmissão de partes sociais da A. P., S.A. no alvará da Farmácia S. não é requisito de abertura desta farmácia, não havendo, contrariamente ao pretendido pelo R., qualquer fundamento para o encerramento daquela com base no desrespeito desse requisito. Alegam que a única consequência legal associada à infração das disposições referidas seria a nulidade do negócio da compra e venda das participações sociais da A. P., S.A., nos termos do art.º 53.º do RJFO.
Defende o R. que, nos termos do art.º 42.º, n.º 1, do RJFO, as farmácias podem ser encerradas quando não cumpram os requisitos de abertura e funcionamento, sendo que, de entre estes requisitos, consta o averbamento no alvará de transmissões das participações sociais. Alega, ainda, que não estava vinculado a solicitar ao Ministério Público a ação de declaração de nulidade do negócio de transmissão das ações da A. P., S.A., encontrando-se, ao invés, legalmente obrigado a impedir, em tempo útil, que a Farmácia S. continuasse a funcionar em total desrespeito pelos art.os 14.º, n.º 2, 15.º, n.º 1 e 16.º, alíneas b), d) e e), do RJFO.
Vejamos o que dispõe o RJFO quanto a esta matéria. Estabelece o art.º 25.º que “as farmácias só podem abrir ao público depois de lhes ser atribuído o respetivo alvará, emitido pelo Infarmed” (n.º 4), sendo que “a alteração da propriedade ou a transferência da localização da farmácia dependem de averbamento no alvará” (n.º 5 – sublinhado e negrito nosso). Acresce que “o Infarmed indefere os pedidos de emissão ou averbamento de alvará que não cumpram o preceituado no presente decreto-lei” (n.º 6).
Nos termos do art.º 42.º, n.º 1, “sem prejuízo de outras sanções que ao caso couberem, as farmácias, postos farmacêuticos móveis e postos de medicamentos podem ser encerrados pelo Infarmed quando não cumpram os requisitos de abertura e funcionamento, designadamente não disponham de alvará, ou o mesmo não contenha os averbamentos obrigatórios nos termos do presente decreto-lei, ou não disponham de diretor ou responsável técnico” (sublinhado e negrito nosso).
Dispõe, por sua vez, o art.º 48.º, n.º 1, alínea f), que constitui contraordenação muito grave, conducente à aplicação de coima, “a abertura da farmácia ao público sem a atribuição do respetivo alvará ou a falta de averbamento em casos de alteração da propriedade ou de transferência da localização, previstas nos n.os 3 e 4 do artigo 25.º, bem como a transferência da localização de farmácia sem a autorização prevista no artigo 26.º” (sublinhado e negrito nosso). Nestes casos, o art.º 49.º, alínea b), permite a aplicação da sanção acessória de encerramento do estabelecimento infrator.
O art.º 45.º, n.º 1, prevê, ainda, que “a fiscalização do cumprimento das disposições do presente decreto-lei cabe ao Infarmed”.
Acresce que, segundo o art.º 5.º, n.º 2, alínea m), do Decreto-lei n.º 269/2007, de 26/07 (que aprovou a orgânica do Infarmed), em vigor à data dos factos (entretanto revogado pelo Decreto-lei n.º 46/2012, de 24/02), compete ao Conselho Diretivo do Infarmed “ordenar , nos termos da lei, a proibição de fabrico, importação, distribuição e comercialização de medicamentos e de produtos de saúde, bem como o encerramento dos estabelecimentos referidos na alínea anterior, procedendo, se necessário, à suspensão, revogação ou declaração de caducidade das autorizações concedidas e ao cancelamento dos respetivos alvarás” (sublinhado e negrito nosso).
De salientar, por fim, o disposto no art.º 53.º do RJFO, nos termos do qual “são nulos os negócios jurídicos celebrados contra o disposto no presente decreto-lei ou que produzam, ou possam produzir, um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir” (n.º 1), incumbindo “ao Ministério Público, oficiosamente ou na sequência de iniciativa do Infarmed, propor as ações de nulidade e requerer as providências que ao caso couberem, com vista a evitar que os negócios jurídicos celebrados em infração ou fraude à lei produzam efeitos” (n.º 2).
Aplicando as disposições legais supra referidas ao caso em apreço, julgamos que não assiste razão às AA..
Com efeito, resulta claro que a alteração da propriedade da Farmácia S., através da aquisição das participações sociais da A. P., S.A. pela A. Farmácia S., tinha de ser averbada no respetivo alvará. Este averbamento obrigatório configura, não um requisito de abertura da farmácia (o que aconteceria com a emissão do alvará propriamente dita), mas um requisito do seu regular e normal funcionamento. Certo é também que o R. se encontra vinculado a indeferir os pedidos de averbamento que colidem com o disposto no regime jurídico da farmácia de oficina, o que ocorreu in casu.
Ora, tendo a Farmácia S. continuado em funcionamento e mantido a situação fáctica cujo averbamento no alvará foi (legalmente) recusado, ela funcionava sem um alvará devidamente regularizado. Como vimos, o art.º 42.º, n.º 1, do RJFO, conjugado com o art.º 5.º, n.º 2, alínea m), do Decreto-lei n.º 269/2007, de 26/07, permite ao Infarmed ordenar o cancelamento do alvará e, forçosamente, o encerramento da farmácia, pois que esta não pode laborar sem o respetivo título de atividade.
Conclui-se, portanto, que o não averbamento da transmissão das participações sociais constituiu fundamento válido para o encerramento da Farmácia S..
Diga-se, por fim, que não decorre do art.º 53.º do RJFO, conjugado com as disposições legais acima indicadas, que a única atuação possível do R. contra a ilegalidade verificada era solicitar ao Ministério Público a propositura de uma ação de nulidade do negócio jurídico de compra e venda das participações socias. Trata-se de vias de atuação alternativas ou complementares, consoante os casos, tudo dependendo do caso em concreto e da apreciação feita pelas competentes entidades administrativas.»
Pelo exposto, conclui-se que o ato impugnado não viola os art.os 14.º, n.º 2, e 15.º, 16.º, 17.º e 53.º, do RJFO.».
3.5.3.A fundamentação jurídica avançada pelo Tribunal a quo é esclarecedora e sólida quanto às razões fático-jurídicas que propulsionaram o julgamento realizado, constando no aresto recorrido, cristalinamente explicitadas, as razões pelas quais assistia ao INFARMED o poder de ordenar o cancelamento do alvará da farmácia em causa nestes autos, e, por conseguinte, a falta de fundamento da pretensão das Recorrentes, a tal não obstando o disposto no artigo 53.º do DL 307/07.
3.5.4. A previsão legal do artigo 53.º do DL 307/07, apenas consagra uma via alternativa, disponível, para que o INFARMED, caso pretenda recorrer ao Ministério Público para obter a declaração de nulidade do negócio jurídico de compra e venda das participações sociais, lance mão desse mecanismo.
Essa previsão legal apenas contempla a possibilidade, mas não a obrigatoriedade de recorrer ao Ministério Público.
A previsão constante do artigo 53.º do DL 307/2007 não é uma via de sentido único ou obrigatório para o INFARMED reagir contra situações como a que constitui objeto dos presentes autos.

Dir-se-á, aliás, que perante situações como esta, a nosso ver, em nome da boa administração do interesse público, o que se impõe é que a Administração/INFARMED, ponha fim às situações ilegais que detete pelos meios mais expeditos ao seu alcance e não através de alternativas que, garantidamente, se traduzirão num alongamento temporal de situações contra legem, e envolvendo outros meios, com maior dispêndio de recursos.
No caso, a opção de recurso ao Ministério Público seria estender no tempo uma situação para a qual o quadro legal prevê outros mecanismos, expeditos, como o cancelamento do alvará e o encerramento da farmácia, que lhe permitem legalmente mas de motu próprio, sem delongas e com menos dispêndio de recursos impedir o funcionamento de uma farmácia em relação à qual não se comprovou, como era exigível que tivesse sucedido que quem a detém, explora ou gere não detenha, explore ou exerça a gerência de mais do que 4 farmácias.

Termos em que improcedem os fundamentos de recurso aduzidos pelas Recorrentes, impondo-se confirmar a decisão recorrida.
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3.6. Do Averbamento no Alvará da Transferência de Localização da Farmácia.
3.6.1. Uma vez mais as Recorrentes insurgem-se contra o decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, asseverando que o INFARMED carece de qualquer fundamento para não averbar no alvará a transferência de localização da “Farmácia S.”. E têm esse entendimento, não só porque consideram que se trata de um ato constitutivo de direitos e, por isso, irrevogável por razões de mérito, mas também porque, ainda que se entendesse não ser este um procedimento autónomo do procedimento de transmissão de participações sociais da P., S.A., o certo é que este último não enferma de qualquer ilegalidade eventualmente capaz de contaminar o procedimento de transferência de localização.
Mas, também aqui, sem razão.
3.6.2. Como bem decidiu o Tribunal a quo «A Portaria n.º 1430/2007, de 02/11, aplicável à data dos factos (entretanto revogada pela Portaria n.º 352/2012, de 30/10), regula os vários trâmites do procedimento de transferência de farmácias. O art.º 23.º determina que o proprietário que pretenda transferir a sua farmácia dentro do mesmo município deve apresentar um pedido ao Infarmed, instruído com diversos documentos. Este, por sua vez, recebido o requerimento, analisa os documentos remetidos e decide sobre a aptidão ou inaptidão do local, do espaço e do quadro farmacêutico para a abertura ao público da nova farmácia (art.º 24.º).
Se a decisão for favorável (aptidão), “o proprietário da farmácia deve requerer ao Infarmed, I. P., a realização de uma vistoria às novas instalações” (n.º 1 do art.º 27.º). Realizada a vistoria e caso o Infarmed considere que a farmácia cumpre as normas legais e regulamentares, o proprietário da farmácia é notificado para proceder ao pagamento da quantia exigida para o averbamento do alvará em conformidade [art.os 27.º, n.º 5 e 34.º, n.º 2, alínea e)].
Por fim, “no prazo de cinco dias a contar do pagamento referido no número anterior, o Infarmed, I. P., averba a nova localização da farmácia no respetivo alvará”, concluindo-se, assim, o procedimento (art.º 27.º, n.º 6). Nos termos da formulação legal, este ato final de averbamento configura um ato vinculado do Infarmed que, uma vez realizada a vistoria, cumpridas as normas legais e regulamentares em vigor e efetuado o pagamento acima indicado, deve proceder ao averbamento requerido.
Ora, conforme factualidade provada, todos estes trâmites foram cumpridos pela A. P., S.A. no procedimento de transferência da localização da Farmácia S., tendo aquela procedido ao pagamento final da verba prevista no art.º 34.º, n.º 2, alínea e), da Portaria (ponto 21 dos factos provados). Neste cenário, seríamos levados a concluir que o R. omitira, ilegalmente, a prática de um ato vinculado ao recusar o averbamento requerido nos termos em que o fez.
Sucede, porém, que, no decurso deste procedimento ocorreram vicissitudes que, como bem alega o R., colocadas numa situação de prejudicialidade, acabaram por prejudicar ou afetar irremediavelmente a tomada de uma decisão final nesse procedimento. Com efeito, importa relembrar que o alvará da Farmácia S., na pendência do procedimento de transferência da sua localização, veio a ser cancelado devido ao não averbamento da alteração da sua propriedade, atentas as ilegalidades verificadas. Ora, neste caso, deixa de fazer sentido averbar a transferência de localização de uma farmácia que, por ter o alvará cancelado, não pode estarem funcionamento. Tal averbamento só revestiria utilidade, em particular para a requerente, se o respetivo alvará fosse plenamente eficaz, o que não é o caso do alvará da Farmácia S..
Nos termos do art.º 112.º, n.º 1, do CPA, “o procedimento extingue-se quando o órgão competente para a decisão verificar que a finalidade a que ele se destinava ou o objeto da decisão se tornaram impossíveis ou inúteis”. Neste sentido, bem andou o R., portanto, ao declarar extinto o procedimento de transferência da localização da farmácia por inutilidade superveniente.
Improcede, ainda, a alegação das AA. de que este ato violaria o disposto no art.º 140.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPA, (porquanto comportaria uma revogação ilegal de atos constitutivos de direitos) uma vez que o ato que determinou a extinção do procedimento de transferência da localização da Farmácia S., por inutilidade superveniente não é, desde logo, um ato de revogação.
Termos em que o ato impugnado não viola os art.os 23.º e segs. Da Portaria n.º 1430/2007, de 02/11.».
A decisão sob sindicância é para manter. A fundamentação jurídica não merece qualquer reparo e é irrebatível, não tendo os argumentos avançados pelas Recorrentes a virtualidade de abalarem o decidido.
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3.7. Do Direito à Indemnização pelos Danos Sofridos e Venham a Produzir-se.
3.7.1. As Recorrentes clamam também pelo direito a serem indemnizadas uma vez que todos os atos administrativos praticados pelo INFARMED são nulos ou anuláveis.
Os fundamentos adiantados pelas Recorrentes para afirmarem a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilicitos contra o INFARMED já foram por nós infirmados nos termos que antecedem, pelo que o pedido indemnizatório carecerá de improceder.
De acordo com o disposto nos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, e do artigo 483.º do Código Civil, a responsabilidade civil decorrente de factos ilícitos está dependente da verificação de determinados pressupostos, a saber: do facto, da ilicitude, da culpa, do nexo de causalidade e do dano.

A verificação dos referidos pressupostos são imprescindiveis para que o direito indemnizatório com fundamento em responsabilidade civil por facto ilicito se afirme e, consequentemente, para que o INFARMED seja civilmente responsabilizado por esses alegados danos.

No caso, de toda a exegese que efetuamos a conclusão que se retira é que o INFARMED não praticou nenhum ato ilícito e/ou culposo, antes se lhe impunha que atuasse no sentido de fazer cessar a manutenção de uma situação de manifesta ilegalidade originada pela transmissão das participações sociais da sociedade proprietária da Farmácia S., que conhecia.

Os atos impugnados, como se apurou, foram ditados pelo princípio da legalidade, tendo o seu fundamento nas disposições legais aplicáveis, mormente nos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 25.º, 42.º e 45.º/1 do DL 307/2007, tanto na versão anterior como na versão posterior à entrada em vigor da Lei 16/2013.

Termos em que improcedem os fundamentos de recurso aduzidos em prol do direito indemnizatório a que as Recorrentes se arrogam.
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IV-DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelas Apelantes, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Registe e notifique.
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Porto, 30 de abril de 2020.


Helena Ribeiro
Conceição Silva
Alexandra Alendouro