Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00228/09.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS, ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.

II - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de fluxos financeiros como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A. e Outra
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 02/09/2019, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A. e Outra, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativas aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1 – A Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, em primeiro lugar, por ter considerado que não existe fundamentos para a tributação como adiantamento por conta de lucros, por a AT ter considerado existir tal adiantamento em função da mera liquidez da sociedade E (...), Lda., sem observação das regras que depende o mesmo, coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos Impugnantes, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS, baseando-se no entendimento consignado no douto Acórdão do TCA Norte de 08/03/2018, proferido no P.º n.º 00865/13.6BEPRT.
2- Com efeito, entendeu a Mma. Juíza, em face do probatório produzido nos autos que:”(…) No caso dos autos, ao contrário do firmado no aresto acabado de aludir, a Autoridade Tributária desconsiderou a necessidade de observação das citadas “regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros”, concluindo pela verificação daquele, em função de uma mera “liquidez” da “ E (...), Lda.”.
Não obstante, extrai-se da factualidade provada que nos exercícios de 2006 e 2007 a sociedade “E.. Lda.” não apresentou lucro tributável e, por outra via, que nos exercícios de 2004 e 2005, apesar da existência daquele, foi deliberado em assembleia geral da citada sociedade, “não haver distribuição de resultados” pelos sócios [conforme alíneas J) a O) do probatório], do que decorre a não verificação, nos anos em crise, de adiantamentos por conta de lucros a favor dos Impugnantes.
Face ao exposto, impõe-se concluir pela procedência da pretensão dos Impugnantes, o que se decide.”
3- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juíza, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova que conduziu à decisão por tal procedência, fundada no entendimento da inexistência de factos-índice, que conduzam ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS.
4- Com efeito, é entendimento desta Representação que existem factos provados, constantes do Relatório de Inspecção, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para os sócio-gerentes e dos mesmos para outras sociedades nas quais são sócios-gerentes, a título de suprimentos, aceitando o entendimento explanado na douta jurisprudência citada.
5- Desde logo, não é de exigir que exista um adiantamento sobre lucros em termos formais, com recurso ao disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais(CSC), desde que materialmente esteja demonstrada essa saída de fluxos financeiros, como entendemos suceder na situação concreta.
6- Sendo que no Acórdão do TCA Norte, de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT, citado pela Mma. Juíza, também é referido:” Segundo a AT, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquela quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.
Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.
É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.”
7- Ora, esses indícios concretos e suficientes, estão presentes no caso concreto, sendo que as saídas contabilizadas como saída de bancos e entrada em caixa, são levantamentos por parte do impugnante A., e posteriormente depositados nas contas de outras entidades a título de empréstimos de sócios: F (…) e LDA.
8- Tal situação configura uma apropriação de valores dessa sociedade, permitindo a criação de um crédito dos impugnantes sobre as outras entidades, não reflectindo a contabilidade da E (...), LDA. a realidade material dos exercícios dos exercícios de 2004 a 2007.
9- Sendo que se encontra demonstrada no Relatório de Inspecção a existência de lucros nos exercícios de 2004 e 2005, não podendo a deliberação de não distribuição de lucros, tomada pelos próprios sócios, ser impeditivo da tributação levada a cabo, pois a tributação deve assentar na materialidade.
10- E se há uma retirada de dinheiro da sociedade, esses montantes não são contabilizados como resultados para o apuramento do lucro, quando evidentemente o deveriam ser e o seriam se, correctamente, tivessem ido a uma conta de sócios.
11- Aceita-se que, tal como defendido no Acórdão e na douta sentença “a quo”, que o ónus de alegar e provar factos índice de onde se possa extrair a conclusão de que foram postos à disposição do sócio-gerente, proveitos auferidos pela recorrida era da AT, mas tal ónus, salvo melhor entendimento, encontra-se cumprido, face ao supra exposto.
12- Não o admitir, é permitir uma fuga à tributação, pois se a contabilização tivesse sido a correcta, funcionaria desde logo a tributação, como adiantamento por conta de lucros.
13- E como é que se demonstra que um montante saiu de resultados, se por actuação ilegal do sujeito passivo o mesmo não foi a resultados, quando deveria ter ido?
14- Tal materialmente, é e não poderia deixar de ser um fluxo com origem em resultados, tanto mais que um dos princípios enformadores do sistema fiscal português, o da tributação do rendimento real (rendimento-acréscimo), incidindo mo IRC e o IRS sobre a manifestação directa ou imediata da capacidade contributiva (cfr. Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, pp. 122 e seg.).
15- Tanto mais que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CIRS: “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos gastos e rendimentos dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”
16- E que o elenco enumerado no n.º 2 do mesmo artigo é meramente exemplificativo, pois dele consta: “Os frutos e as vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:”
17- Não podendo os fluxos financeiros destinados ao sócio-gerente, e que posteriormente deram entrada nas entidades supra identificadas, deixar de ser aqui enquadrados, pois não faria sentido, em termos sistemáticos, que um rendimento acréscimo, como o do caso concreto, deixasse de ser tributado, desde logo, através da sua sujeição a retenção da fonte de IRS, em sede do sujeito passivo em que se originaram tais fluxos financeiros e em sede de IRS na esfera do sócio-gerente.
18- Conforme é entendimento do TCA Sul no seu Acórdão proferido em 31/01/2019 no P.º n.º 1244/06.7:” A Lei Geral Tributária (LGT) no seu artigo 4.º, n.º 1, esclareceu o sentido da CRP ao estabelecer que «Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.».
O Tribunal Constitucional nas diversas vezes que tem sido convocado a pronunciar-se sobre o princípio da capacidade contributiva, tem entendido (por todos, o Acórdão n.º 602/12 de 9.4.2013): «[o] princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay).»”
19- Ora na concreta situação, existindo entrada de montantes na esfera do sócio-gerente, a AT ao levar a cabo a tributação das mesmas em sede de IRS, como rendimento de capitais, originadas em montantes que a sociedade deveria, legalmente ter levado a resultados, obedeceu às normas legais e constitucionais que a determinam a tributar, segundo o conceito do rendimento acréscimo e tendo em conta o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente do princípio da generalidade dos impostos (que impõe que todos os sujeitos passivos, sem excepção, estejam sujeitos a tributação) e respeitando o princípio da capacidade contributiva.
20- Mais salienta J. CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Almedina, Coimbra, 1998, pag. 376. “É neste contexto, que se refere que podem existir situações que, por exigências do princípio da igualdade e do respeito pelos direitos fundamentais, impõem o afastamento das soluções legais estandardizadas mediante os tipos elaborados pelo legislador, à partida, formalmente igualitárias. De facto, quando a aplicação dos tipos legais previstos, por meio da técnica de simplificação, conduzir a clamorosas situações de injustiça material, torna-se necessário conceder à Administração a dispensa da sua observância conferindo-lhe antes a possibilidade de proceder segundo a regra da diferenciação que foi apartada pela tipificação.”
21- É própria Constituição da República Portuguesa que contém, como princípio ordenador do ordenamento jurídico tributário, o da capacidade contributiva, criando um princípio aplicável à decisão normativa sobre a selecção dos factos tributários que deverão ser constituídos por aquelas circunstâncias da vida que revelam a maior ou menor capacidade contributiva de um qualquer sujeito jurídico e considerando como rendimento todo o fluxo patrimonial que se entenda revelar adequadamente a capacidade de pagar impostos do seu receptor, cfr. ” J.L. SALDANHA SANCHES in Manual de Direito Fiscal, 3º edição, Coimbra e J.G. XAVIER DE BASTO in IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos – Coimbra Editora, 2007.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela verificação dos pressupostos de facto, que fundaram a tributação das quantias em causa como adiantamentos por conta de lucros, enquadráveis na previsão legal do art. 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que conduziu às liquidações de IRS impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA.”

Os Recorridos terminaram as suas contra-alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) As conclusões de recurso delimitam o objeto do recurso;
2) Incumbia à AT alegar e provar os factos constitutivos do direito que invocou (cfr. n.º 1 do artigo 74.º da LGT), no caso, tributar os recorridos por adiantamento de lucros;
3) A AT não alegou e não provou a existência de qualquer lançamento a favor dos recorridos, escriturado na sociedade, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais; pelo contrário, a inspeção até considerou que os fluxos que diz ter verificado “não tiveram a correspondente tradução contabilística”;
4) Ou seja, é evidente que não pode funcionar a presunção firmada no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS.
5) A AT não alegou e não provou resultados dos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007 diferentes dos que se acham refletidos na contabilidade da sociedade;
6) Os recorridos alegaram e provaram que os sócios da sociedade deliberaram não distribuir os lucros tributáveis referentes aos exercícios de 2004 e de 2005;
7) Os recorridos alegaram e provaram não terem existido lucros tributáveis referentes aos exercícios de 2006 e de 2007;
8) Pelo que, salvo o devido respeito, a AT não alegou e não provou qualquer transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultado dos exercícios, da sociedade para os sócios; mais e em bom, os recorridos até alegaram e provaram a impossibilidade de ocorrer tal transferência de disponibilidades;
9) A sentença “sub judice” não merece qualquer reparo ou censura, tendo materializado uma correta subsunção jurídica relativamente aos factos considerados provados.
Face ao exposto, e por tudo o mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso apresentado pelo Digno Representante da Fazenda Pública, mantendo se a irrepreensível decisão “sub judice”, com todas as consequências legais.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado inadmissíveis as correcções que foram qualificadas como adiantamento por conta dos lucros aos sócios da E (...), Lda.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“III.1.FACTOS PROVADOS COM RELEVO PARA A DECISÃO DA CAUSA:
A) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de (...), realizaram uma ação inspetiva aos Impugnantes, relativa aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 – conforme documento a folhas 59 a 63 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Relatório de Inspecção Tributária” (RIT), datado de 04.11.2008, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documentos a folhas 59 a 317 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) O relatório a que se alude em B) é integrado, entre outros, pelos seguintes anexos:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(…)» - conforme documento a folhas 89 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D) A Direção de Finanças de (...) remeteu ao mandatário dos Impugnantes ofício datado de 10.11.2008, sob o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária (…)”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 48 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) Durante o ano de 2004 foram realizados depósitos bancários a favor da “E (...), Lda.”, no valor global de 403.950,00 euros – conforme documentos a folhas 75 a 88 da pasta de arquivo junta aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) Durante o ano de 2005 foram realizados depósitos bancários a favor da “E (...), Lda.”, no valor global de 254.500,00 euros – conforme documentos a folhas 65 a 74 da pasta de arquivo junta aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) Durante o ano de 2006 foram realizados depósitos bancários a favor da “E (...), Lda.”, no valor global de 327.550,00 euros – conforme documentos a folhas 23 a 64 da pasta de arquivo junta aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) Durante o ano de 2007 foram realizados depósitos bancários a favor da “E (...), Lda.”, no valor global de 267.300,00 euros – conforme documentos a folhas 1 a 22 da pasta de arquivo junta aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) Entre o Ministério da Educação e a “E (...)” foram celebrados “contratos de associação” relativos aos anos letivos de 2003/04, 2004/05, 2005/06, 2006/07 e 2007/08 – conforme documentos a folhas 67 a 91 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) Da declaração de rendimentos – IRC/Modelo 22 da “E (...), Lda.”, relativa ao “exercício” de 2004, consta a inscrição do valor de 53.293,42 euros respeitante a “lucro tributável” – conforme documento a folhas 118 a 120 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) Da declaração de rendimentos – IRC/Modelo 22 da “E (...), Lda.”, relativa ao “exercício” de 2005, consta a inscrição do valor de 25.568,34 euros respeitante a “lucro tributável” – conforme documento a folhas 121 a 124 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
L) Da declaração de rendimentos – IRC/Modelo 22 da “E (...), Lda.”, relativa ao “exercício” de 2006, consta a inscrição do valor de -73.908,71 euros respeitante ao “apuramento do lucro tributável” – conforme documento a folhas 125 a 128 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
M) Da declaração de rendimentos – IRC/Modelo 22 da “E (...), Lda.”, relativa ao “exercício” de 2007, consta a inscrição do valor de -99.889,51 euros respeitante ao “apuramento do lucro tributável” – conforme documento a folhas 129 a 132 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) Em Assembleia Geral da “E (...), Lda.” realizada em 31.03.2005, foi deliberado conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» – conforme documento a folhas 98 e 99 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) Em Assembleia Geral da “E (...), Lda.” realizada em 31.03.2006, foi deliberado conforme segue:
«(…)
(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» – conforme documento a folhas 99 e 100 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) A Autoridade Tributária emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 2008 5004672698 relativa ao ano de 2004, da qual, após “acerto de contas”, resultou um valor a pagar, até 29.12.2008, de 137.660,34 euros – conforme documentos a folhas 36 a 38 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) A Autoridade Tributária emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 2008 5004672919 relativa ao ano de 2005, da qual, após “acerto de contas”, resultou um valor a pagar, até 29.12.2008, de 38.369,58 euros – conforme documentos a folhas 39 a 41 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
R) A Autoridade Tributária emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 2008 5004673402 relativa ao ano de 2006, da qual, após “acerto de contas”, resultou um valor a pagar, até 29.12.2008, de 73.562,74 euros – conforme documentos a folhas 42 a 44 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
S) A Autoridade Tributária emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 2008 5004674537 relativa ao ano de 2007, da qual, após “acerto de contas”, resultou um valor a pagar, até 02.01.2009, de 70.581,10 euros – conforme documentos a folhas 45 a 47 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
T) A petição inicial da impugnação foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 26.03.2009 – conforme registo do SITAF a folhas 2 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
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III.2.FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
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III.3.MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.”

2. O Direito

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A. e Outra. A presente impugnação mostra-se dirigida às liquidações de IRS dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, surgindo na sequência de correcções efectuadas pela AT, assentes na convicção de que vários levantamentos de cheques da conta bancária da E (...), Lda. e consequentes suprimentos a favor de outras sociedades consubstanciam rendimentos de capitais – categoria E - adiantamentos por conta de lucros, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
O tribunal recorrido julgou procedente a impugnação, por ter considerado que não existe fundamento para a tributação como adiantamento por conta de lucros, por a AT ter considerado existir tal adiantamento em função da mera liquidez da sociedade E (...), Lda., sem observação das regras de que depende o mesmo, sem coligir cabalmente factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos Impugnantes, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS, baseando-se no entendimento consignado no Acórdão do TCA Norte, de 08/03/2018, proferido no âmbito do processo n.º 00865/13.6BEPRT.
Para melhor compreensão, vejamos o teor da sentença recorrida, com o qual a Fazenda Pública não se conforma, mas que segue a referida jurisprudência deste tribunal:
«Nos presentes autos vêm os Impugnantes pôr em crise as liquidações de IRS dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, a que se alude em P) a S) do probatório, das quais resultou um valor global a pagar de 320.192,12 euros.
Sustentam os mesmos, em síntese, que o relatório inspetivo que deu origem às liquidações impugnadas assenta em pressupostos erróneos, quer de facto, quer de direito.
Concretizam os mesmos que “para lograr a possibilidade de os impugnantes poderem ter auferido nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 rendimentos de capitais provenientes de adiantamentos por conta de lucros da E (...), Lda. pressupunha[-se] a análise da possibilidade (concreta) de verificação de lucro em cada exercício e a análise da possibilidade (concreta) de existência de liquidez mensal.”
Vejamos, pois.
Conforme decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, entre outros, no seu acórdão de 08-03-2018 Proferido no processo n.º 00865/13.6BEPRT e acessível em www.dgsi.pt., «o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.»
No caso sujeito, refere o relatório inspetivo a que se alude em B) do probatório, que “o procedimento constatado consistiu no levantamento de valores da E (...), no que constituiu retirada de fluxos financeiros da empresa, e que não tiveram a correspondente tradução contabilística enquanto créditos/activos da E… sobre os sócios, e com a devida confirmação nos extractos bancários da mesma.
De facto para que se subsuma o comportamento descrito a uma distribuição de lucros, não é necessário que a empresa apresente lucro, mas sim que tenha liquidez que permita retirar valores, como foi o caso”.
Face ao exposto extrai-se não operar, no caso, a presunção ínsita no citado artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, termos em que cabia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (conforme artigo 74.º, n.º 1, da LGT), coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos Impugnantes, nos termos previstos no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do CIRS.
Ora, neste âmbito, decidiu-se no Acórdão do TCA Norte de 08.03.2018 Proferido no Processo n.º 00865/13.6BEPRT e acessível em www.dgsi.pt., conforme segue: “(…) O Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu artigo 297.º, n.º 1, prevê que nas sociedades anónimas sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:
«a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento;
b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado;
c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;
d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).
2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual».
Embora o CSC não contenha disposição idêntica para as sociedades por quotas (caso da impugnante), o certo é que a admitir-se tal possibilidade também nesta modalidade societária, sempre haveriam de observar-se as regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros nas sociedades anónimas – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 545/10.4BECBR.
E analisadas tais regras, logo se vê que o adiantamento por conta dos lucros supõe a transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados do exercício, da sociedade para os sócios.
Ora, os resultados das empresas decorrem da diferença entre os proveitos e os custos apurados no exercício.
Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código” (sublinhado nosso).
No caso dos autos, ao contrário do firmado no aresto acabado de aludir, a Autoridade Tributária desconsiderou a necessidade de observação das citadas “regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros”, concluindo pela verificação daquele, em função de uma mera “liquidez” da “E (...), Lda.”.
Não obstante, extrai-se da factualidade provada que nos exercícios de 2006 e 2007 a sociedade “E (...), Lda.” não apresentou lucro tributável e, por outra via, que nos exercícios de 2004 e 2005, apesar da existência daquele, foi deliberado em assembleia geral da citada sociedade, “não haver distribuição de resultados” pelos sócios [conforme alíneas J) a O) do probatório], do que decorre a não verificação, nos anos em crise, de adiantamentos por conta de lucros a favor dos Impugnantes.
Face ao exposto, impõe-se concluir pela procedência da pretensão dos Impugnantes, o que se decide. (…)»
Para o que aqui releva, estava em causa na impugnação judicial apreciar se houve erro na qualificação dos montantes transferidos para os sócios enquanto adiantamento por conta de lucros. Efectivamente, a AT nem sequer se socorreu da presunção, constante do n.º 4 do artigo 7.º (agora, artigo 6.º, n.º 4) do CIRS, pois as quantias em causa não haviam sido escrituradas nas suas contas correntes; caso em que não pode funcionar tal presunção de que as quantias são adiantamentos por conta de lucros.
É neste circunstancialismo que a Meritíssima Juíza “a quo” entendeu caber à AT fazer a prova dos pressupostos do seu agir e, citando acórdão deste TCA, do qual transcreveu alguns trechos, acabou por concluir ter ficado por demonstrar que os levantamentos dos cheques da conta bancária da E (...), Lda. visavam fundos próprios desta sociedade, gerados em resultados.
No seu recurso (nas 4.ª e 5.ª conclusões) alega a Fazenda Pública que a sentença errou na apreciação da prova, pois que “existem factos provados, constantes do Relatório de Inspecção, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para os sócios-gerentes e dos mesmos para outras sociedades nas quais são sócios-gerentes, a título de suprimentos”, não sendo exigível um adiantamento em termos formais, com recurso ao artigo 297.º, n.º 1 do CSC.
Acentua o Recorrente bastar que materialmente esteja demonstrada essa saída de fluxos financeiros, entendendo tal suceder na situação concreta.
Nas conclusões 7.ªa 10.ª das suas alegações de recurso, o Recorrente refere o que entende configurar a existência de indícios da retirada de montantes da sociedade com a natureza de adiantamentos por conta dos lucros e termina dizendo que a AT não poderia deixar de levar a cabo a tributação em sede de retenção na fonte de IRS, como rendimento de capitais:
“(…) esses indícios concretos e suficientes, estão presentes no caso concreto, sendo que as saídas contabilizadas como saída de bancos e entrada em caixa, são levantamentos por parte do impugnante A., e posteriormente depositados nas contas de outras entidades a título de empréstimos de sócios: F, Lda.
Tal situação configura uma apropriação de valores dessa sociedade, permitindo a criação de um crédito dos impugnantes sobre as outras entidades, não reflectindo a contabilidade da E (...), LDA. a realidade material dos exercícios dos exercícios de 2004 a 2007.
Sendo que se encontra demonstrada no Relatório de Inspecção a existência de lucros nos exercícios de 2004 e 2005, não podendo a deliberação de não distribuição de lucros, tomada pelos próprios sócios, ser impeditivo da tributação levada a cabo, pois a tributação deve assentar na materialidade.
E se há uma retirada de dinheiro da sociedade, esses montantes não são contabilizados como resultados para o apuramento do lucro, quando evidentemente o deveriam ser e o seriam se, correctamente, tivessem ido a uma conta de sócios. (…)”
Reitera-se não poder operar, in casu, a presunção ínsita no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, daí que os factos-índice recolhidos pela AT devem mostrar-se mais esclarecedores, por forma a permitir efectuar as correcções que originaram as liquidações em apreço.
Note-se que a Fazenda Pública aceita, tal como defendido no Acórdão e na douta sentença “a quo”, que o ónus de alegar e provar factos índice de onde se possa extrair a conclusão de que foram postos à disposição do sócio-gerente, proveitos auferidos pela recorrida, era da AT – cfr. 11.ª conclusão das alegações de recurso.
E assim chegamos ao objecto do recurso: o Recorrente defende que tal ónus se encontra cumprido.
Efectivamente, a Fazenda Pública imputa à sentença recorrida erro na apreciação da prova, dizendo que, ao contrário do decidido, existem indícios suficientemente fortes de que as transferências para o sócio revestem a natureza de adiantamentos por conta de lucros.
Embora se aceite não ser exigível o formalismo a que alude o citado artigo 297.º, n.º 1 do CSC para se concluir que os fundos transferidos revestem a natureza de adiantamentos por conta de lucros, é indubitável que compete à AT alegar e provar essa realidade, principalmente quando não opera a presunção contida no n.º 4 do artigo 6.° do CIRS.
Salientamos não resultar da fundamentação da AT que os fundos em causa correspondam a resultados/lucros auferidos pela sociedade. Pelo que não vislumbramos como poderá obter uma decisão no sentido pretendido.
Reiteramos que à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar as transferências de capital (ficando os sócios credores de quantias perante outras sociedades onde fizeram suprimentos com esse capital) como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que os montantes constantes dos cheques levantados pelos sócios da conta bancária da sociedade “E (...), Lda.” se alicerçassem em resultados do exercício dessa sociedade.
É patente da fundamentação do acto em crise que a AT não demonstrou resultados dos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007 diferentes dos que se acham reflectidos na contabilidade da sociedade “E (...), Lda.”
Ora, os Recorridos alegaram e provaram que os sócios da sociedade deliberaram não distribuir os lucros tributáveis referentes aos exercícios de 2004 e de 2005 e também alegaram e provaram não terem existido lucros tributáveis referentes aos exercícios de 2006 e de 2007 – cfr. matéria vertida em L), M) N) e O) do probatório.
Assim, a AT deveria ter procedido a mais profunda investigação quanto à origem dos montantes em discussão (só assim formaria um juízo firme acerca da natureza dos mesmos), dado não ter demonstrado qualquer transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados dos exercícios, da sociedade para os sócios. A proveniência, em concreto, dos fundos transferidos devia ter sido melhor apurada, tanto mais que os Recorridos até evidenciaram a impossibilidade de ocorrer tal transferência de disponibilidades, enquanto resultado/lucro dos exercícios em apreço.
Os restantes argumentos apontados no recurso apenas se colocam a jusante da abordagem que vimos fazendo.
A AT devia ter ido mais longe, investigado mais, o que quer dizer que não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, pelo que a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, confirmando-se a sentença recorrida, que não merece qualquer reparo ou censura.
Assim, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, concluindo-se pela ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei.
Por conseguinte, é forçoso negar provimento ao recurso.


Conclusões/Sumário

I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de fluxos financeiros como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 23 de Abril de 2020

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães