Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00279/19.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:NOTIFICAÇÃO; PRESUNÇÃO; TEMPESTIVIDADE
Sumário:1 - Tendo a notificação da decisão de aplicação de coima sido expedida por carta registada simples para a morada do recorrente e aí sido recebida porque não foi devolvida, a notificação tem-se por perfeita operando a presunção de notificação.

Efectivamente, quando a notificação é feita por correio registado, aplica-se o disposto no artigo 39º, nº 1 do CPPT, que estabelece a presunção iuris tantum de que a notificação se considera efectivada no 3º dia posterior ao do registo do no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - Compete à parte ilidir a presunção de notificação, sendo que para tal terá que provar que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe são imputáveis, devendo fazê-lo no momento em que pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

A., Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 30-10-2019, que rejeitou liminarmente o presente Recurso de Contra-ordenação deduzido pela arguida, com fundamento na sua intempestividade.

Para o efeito formulou as respectivas alegações nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES:
1. O despacho recorrido teve por base o indeferimento liminar do recurso contraordenacional por extemporaneidade da interposição do mesmo, por entender que, grosso modo, (1) a decisão não tinha de ser notificada por carta registada com aviso de receção, podendo ser notificada por registo simples e por (2) ainda que quem recebeu a notificação não seja uma trabalhadora da arguida, «não é de aceitar que um estranho permanecesse nas suas instalações e se “entretesse” a recepcionar cartas, apropriando-se das mesmas, (para que fim....?) tanto mais que a Recorrente não alegou nem demonstrou ter participado criminalmente contra “incertos” por apropriação indevida de bens que lhe pertencem».
2. Salvo o devido respeito, a ora recorrente discorda de tal decisão, uma vez que entende que existindo prova nos autos que quem recebeu a notificação não foi a arguida, o seu representante legal ou um trabalhador da mesma, a presunção de notificação não pode operar, sob pena de violação do princípio da proibição da indefesa do princípio da publicidade.
3. O princípio da publicidade implica que qualquer ato derivado dos poderes públicos não produza efeitos enquanto o respetivo destinatário não o conhece ou não tem a possibilidade de o conhecer.
4. Além da notificação ter finalidades informativas, não se deve esquecer que o mesmo ato tem finalidades adjetivas ou processuais.
5. Neste sentido, (1) o prazo de impugnação (administrativa ou judicial) do ato comunicado só tem o seu início quando o ato é devidamente notificado, sob pena de haver uma violação da Constituição, em especial, do princípio do acesso ao Direito e o do princípio da proibição da indefesa.
6. Aquele advérbio de modo implica que a notificação deve permitir uma reação consciente do destinatário do ato. Dito de outro modo, a notificação tem de garantir o efetivo conhecimento do ato por parte do destinatário do mesmo, em condições (i) seguras e (ii) idóneas, de forma a que o mesmo possa, querendo, exercer os meios de reação legalmente previstos.
7. O preenchimento daqueles dois requisitos leva a que a forma da notificação do ato seja a adequada, sendo respeitado o princípio da proibição da indefesa constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, número 1 da Constituição, no âmbito do acesso ao Direito e aos tribunais.
8. Por outro lado, (2) os atos de notificação podem ter efeitos procedimentais constitutivos dos efeitos do ato do poder público. Assim, um ato que crie uma ordem ou sujeição do destinatário, como um ato de aplicação de sanção, só é obrigatório se o destinatário for notificado – só nessa altura o destinatário tem um dever.
9. A notificação de atos dos poderes públicos cujos destinatários são individualizáveis, em especial dos atos sancionatórios e para-sancionatórios, está imposta na Constituição, por força do artigo 268.º, número 3.
10. Por outro lado, entende-se que aquele direito subjetivo implica que o risco de não se ser notificado nos atos imperativos, prima facie, corra por conta da entidade que tem aquele dever.
11. O destinatário tem um direito a que o ato lhe seja transmitido em condições de ser efetivamente conhecido por ele.
12. É o ente público que tem de garantir que a forma de notificação utilizada garante que o ato entrou na esfera média de cognoscibilidade do destinatário.
13. Havendo o risco de que o ato não chegou a entrar na referida esfera, o risco há-de correr por conta da entidade pública, que deve provar que a notificação ocorreu perante aquela garantia de cognoscibilidade.
14. Dito de outra forma, não é adequado impor-se ao destinatário a prova de um facto negativo no domínio de um direito subjetivo que é seu.
15. Em suma, a forma da notificação deve assegurar que o ato deve chegar à esfera média de cognoscibilidade do destinatário uma vez que, de outra forma, se entende que a notificação ou falta dela torna excessivamente oneroso o acesso ao direito e à justiça.
16. Como foi dito junto do Tribunal recorrido, a arguida não conhece a dita «G.» e nunca disse que a mesma se encontrava nas suas instalações. Bem pelo contrário, a arguida disse que as notificações apareceram na sua caixa de correio.
17. A sugestão que o Tribunal recorrido dá, de que a arguida não prova o afastamento da presunção de notificação porque nem demonstra ter agido criminalmente contra a dita «G.» não deve colher – a lei não impõe a apresentação de queixa criminal para que a presunção seja afastada. E mesmo que apresentasse a dita queixa, quais os seus efeitos? Teria de haver uma decisão de condenação transitada em julgado?
18. Pelo contrário, no caso de notificação postal de pessoas coletivas, por força do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o legislador acaba por sugerir que aquela presunção pode ser afastada se se provar que o representante legal não recebeu a dita notificação nem um trabalhador com poderes para rececionar notificações a recebeu. Dito de outra forma, ficando provado que quem recebeu a notificação foi um trabalhador sem poderes para receber notificações ou, como é o caso, um terceiro que não é trabalhador, então a presunção legal de notificação é afastada.
19. Só este entendimento pode ser sufragado, sob pena de se transformar a presunção legal numa presunção inilidível, violando-se dessa forma o princípio constitucional da proibição da indefesa.
20. Por outro lado, de que forma pode a arguida provar um facto negativo – de que não foi notificada – além da prova que já fez, de que quem assinou a dita notificação não é (1) representante legal nem (2) trabalhadora da arguida?
21. Não se aplicando as normas da citação pessoal à notificação não pessoal, as normas aplicáveis são as do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, para o que interessa a estes autos, as regras do artigo 99.º do Decreto de 14-06-1902, acessível em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/87/136/p348 (assim, conferir, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: anotado e comentado, Áreas Editora, Vol. I, 2011, pp. 383).
22. As regras relativas à identificação do destinatário e aos poderes para receber notificações têm de ser interpretadas nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 99.º, §1 do Decreto de 14-06-1902.
23. Ora, a entrega de correspondência no domicílio do destinatário tem de ser efetuada, mediante prévia identificação, na pessoa do destinatário «ou por indivíduo especialmente autorizado por escrito», de acordo com o disposto no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.
24. Aquele artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário há-de ser interpretado à luz do artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.
25. Este artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário possibilita que a notificação de pessoas coletivas seja efetuada no representante legal em primeira linha.
26. Só nos casos em que o representante legal não seja encontrado, na sede ou no seu próprio domicílio, é que a administração tributária deve notificar a pessoa coletiva na pessoa de (1) qualquer empregado (2) capaz de transmitir o ato, como impõe o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
27. Assim, o legislador impõe que, em primeiro lugar, se tente encontrar o representante legal e só se este não for encontrado, é que se parte para a notificação através do respetivo empregado;
28. Em segundo lugar, a administração tributária está obrigada a certificar-se que a pessoa em causa é trabalhadora da pessoa coletiva;
29. E, terceiro, sendo trabalhadora, tal pessoa tem de ter poderes para receber notificações da pessoa coletiva – tem de se aferir se pode representar a pessoa coletiva.
30. É por isso que o legislador impõe que o trabalhador «seja capaz de transmitir os termos do acto».
31. Esta capacidade de transmitir os termos do ato tem de ser aferida pelos poderes que a pessoa coletiva lhe dá, previamente – daí a imposição de estar especial[mente] autorizado por escrito, a que se refere o legislador no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.
32. Tendo-se verificado que quem foi notificado (1) não foi a própria arguida, (2) não foi o representante legal da mesma ou (3) não é trabalhador da arguida – não tendo por isso quaisquer poderes, e (4) que a arguida descobriu a decisão contraordenacional na sua caixa de correio posteriormente, verifica-se que a impugnação judicial contraordenacional foi apresentada em tempo, motivo pelo qual a mesma não devia ter sido liminarmente indeferida.
TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto Acórdão que decida pela revogação do despacho de rejeição liminar do recurso contraordenacional dos presentes autos.
NESTES TERMOS,
Farão V.as Ex.as, Colendos Conselheiros, a habitual e sempre esperada
J U S T I Ç A .
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.

Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, sendo que importa apreciar o invocado erro de julgamento na decisão que conheceu a caducidade do direito de acção e, consequentemente, rejeitou o Recurso de Contra-ordenação.
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3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

Para o efeito, julgo documentalmente provados os seguintes factos:
1. Em 03-05-2017 foi levantado pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, auto de notícia contra a Arguida pela prática da infracção de falta de pagamento de imposto, prevista nos artigos 27º, n.º 1 e 41º, n.º 1, alínea a) do CIVA, e punida pelos artigos 114º, nº 2 e nº 5, alínea a) e 26º, nº 4 do RGIT, autuado pelo Serviço de Finanças de Vila Verde sob o n.º 04692017060000024157 – cfr. fls. 3 e 4 do suporte electrónico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
2. Em 26-10-2018 foi proferida, pela Directora de Finanças de Braga, no âmbito do processo de contra-ordenação a que se alude no ponto anterior, decisão de fixação de coima da qual resultou a aplicação à Arguida de uma coima no valor de € 7.342,68, acrescida de custas no valor de € 76,50 – cfr. decisão de fls. 23 e 24 do suporte electrónico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
3. Em 27-11-2018, com o assunto “NOTIFICAÇÃO ARTº 79º Nº2 RGIT”, o Serviço de Finanças de Vila Verde remeteu à Recorrente, por carta registada sob o registo “RF366337587PT”, ofício com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. fls. 25 e 26 do suporte electrónico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
4. O ofício referido no ponto anterior, remetido por carta registada sob o n.º “RF366337587PT”, foi aceite em 27-11-2018 e entregue em 28-11-2018, sendo identificado como Local 4740-Esposende e como Receptor “G.” - (http://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/objectSearch/objectSearch.jspx);
5. Em 08-01-2019 foi apresentada no Serviço de Finanças de Braga-1 a petição dos presentes autos – cfr. fls. 28 a 50 do suporte electrónico dos autos.
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Factos não provados:
Com interesse para a decisão a proferir, inexistem factos não provados.
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Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.
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4. O DIREITO

Estabilizada a factualidade com interesse, importa, agora, avançar para o conhecimento da matéria que integra o recurso, limitando-se o respectivo conhecimento à questão da caducidade do direito de acção.

Atentemos, pois, ao que foi considerado na decisão do Tribunal a quo:
(…)
Nos presentes autos, verifica-se que o Serviço de Finanças de Vila Verde expediu, em 27-11-2018, carta registada dirigida à Arguida, com vista à notificação da decisão proferida no âmbito do processo de contra-ordenação em causa, pelo que a Arguida se presume notificada no dia 30-11-2018 (3º dia útil após o registo).
Assim, dispondo a Arguida do prazo de 20 dias para reagir à decisão de fixação de coima, verificado que o recurso foi entregue no Serviço de Finanças em 08-01-2019, já se encontrava ultrapassado o prazo legal para a apresentação do recurso.
Com efeito, o termo inicial do prazo de interposição do recurso ocorreu em 03-12-2018 (suspenso dias 01-12 e 02-12 – sábado e domingo) e, efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, conclui-se que o mesmo teve o seu termo final no dia 31-12-2018, que por corresponder a férias judiciais (in casu, no período de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro – cfr. artigo 28º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), passa para o dia 04-01-2019 – primeiro dia útil após as férias judiciais.
Acresce que, não sendo o prazo de interposição do recurso um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no Tribunal, isto é, quando ainda não existe qualquer processo judicial, não lhe serão aplicáveis as regras privativas dos prazos judiciais como é o caso do disposto no artigo 139º do CPC que confere a possibilidade de o acto ser praticado nos três dias úteis posterior ao terminus do prazo mediante o pagamento de uma multa.
O requerimento de recurso é, portanto, intempestivo, devendo ser rejeitado nos termos previstos no artigo 63º, n.º 1 do RGCO, aplicável ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT.”

É, pois, com este decisório que a Recorrente não se conforma por entender que existe nos autos prova de que quem recebeu a notificação não foi a arguida, o seu representante legal ou um trabalhador da mesma, logo, a presunção de notificação não pode operar, sob pena de violação do principio da proibição da indefesa e principio da publicidade (conclusão 2 do recurso).

Diz que o prazo de impugnação (administrativa ou judicial) do acto comunicado só tem o seu início quando é devidamente notificado, sob pena de haver uma violação da Constituição, em especial, do princípio do acesso ao Direito e do princípio da proibição da indefesa (conclusão 5 do recurso). A notificação tem de garantir o efectivo conhecimento do acto por parte do destinatário do mesmo em condições seguras e idóneas, de forma a que o mesmo possa, querendo, exercer os meios de reacção legalmente previstos (conclusão 6 do recurso).

Mais refere, que o destinatário tem o direito a que o acto lhe seja transmitido em condições de ser efectivamente conhecido por ele e o ente público tem de garantir que a forma da notificação utilizada garante que o acto entrou na esfera média de cognoscibilidade do destinatário, havendo o risco de que o acto não chegou a entrar na referida esfera, o risco há-de correr por conta da entidade pública, que deve provar que a notificação ocorreu perante aquela garantia de cognoscibilidade (conclusões 11 a 13 do recurso).

Defende, ainda, que não é adequado impor-se ao destinatário a prova de um facto negativo no domínio do direito subjectivo que é seu, sucede que não conhece a “G.” e nunca disse que a mesma se encontrava nas suas instalações, bem pelo contrário, disse que as notificações apareceram na sua caixa do correio (conclusões 14 a 16 do recurso).

Antecipa-se, desde já, que não assiste razão à Recorrente.

Vejamos então.
É inegável que a decisão de aplicação de coima foi remetida para a morada da Recorrente por correio registado e entregue a 28/11/2018, tendo por receptor “G.”, sendo ainda certo que o recurso apenas foi apresentado em 08/01/2019 (cfr. pontos 4 e 5 da factualidade), ou seja, quando já se mostrava ultrapassado o prazo de 20 dias que a Recorrente dispunha para esse efeito.

Efectivamente, o Tribunal a quo deu como provado que a notificação da decisão de aplicação da coima foi expedida por carta registada simples, a qual foi expedida e entregue na morada da Recorrente, motivo que o levou a concluir que a notificação de tal decisão foi perfeita.

Ora, a Recorrente não questiona que a notificação foi enviada para a sua morada e que foi recebida, apenas vem invocar que quem a recebeu não é seu funcionário ou representante legal, juntando, para o efeito, uma alegada lista dos seus funcionários como prova de que quem recebeu a notificação, a dita “G.”, não pertence ao seu quadro de pessoal, adiantando, ainda, que a notificação apareceu, posteriormente, na sua caixa do correio.

Adiante-se, desde já, que tal lista, denominada “listagem de pessoal”, configura uma relação de nomes e datas de nascimento, além das datas de início do vínculo e da respectiva comunicação, em papel não timbrado e sem qualquer assinatura, que não tem a virtualidade de, por um lado, provar que aqueles são os trabalhadores da Recorrente ou a ser, que são todos e que não existem outros, e por outro, que a dita G. não é sua funcionária.

Assim, sabido que a notificação foi enviada para a sua morada e não foi devolvida, certo é que deve considerar-se ter operado a presunção de notificação, uma vez que existe prova do registo e remessa da carta para a morada da Recorrente, constando dos autos informação dos correios comprovativa da data em que ocorreu o registo dos CTT e da efectiva entrega da notificação na morada da Recorrente.

As decisões de aplicação de coimas por contra-ordenações tributárias, como é o caso dos autos, são reguladas no RGIT.

Efectivamente, muito embora o artigo 3º do RGIT prescreva que quanto às contra ordenações e seu processamento é aplicável subsidiariamente o regime geral do ilícito de mera ordenação social vertido no Decreto-lei nº 433/83 com as alterações dos Decretos-lei nº 356/89 de 17/10 e nº 244/95 de 27/10, o qual constitui a lei-quadro das contra-ordenações, o artigo 70º do RGIT prescreve que às notificações em processo de contra ordenação se aplicam as disposições correspondentes do CPPT. E o nº 2 do artigo 79º do RGIT especifica o formalismo a que a notificação da decisão de aplicação de coima tem de obedecer.

A situação em apreço nestes autos foi já alvo de várias decisões neste TCAN em desfavor do Recorrente (cfr. processos nº 275/19.1BEBRG, nº 277/19.8BEBRG, nº 281/19.6BEBRG em que fomos relatora e nº 282/19.4BEBRG), pelo que, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito (art. 8º, nº 3 do Código Civil) também aqui seguiremos muito de perto o que tem vindo a ser decidido, sendo, aliás, o que já sucedeu com a sentença recorrida, que seguiu de perto o Acórdão proferido no âmbito do processo 00277/19.8BEBRG, em 06-06-2019.

Destarte, e por simplicidade, remetemos para o que foi dito no acórdão proferido em 06/06/2019, no âmbito do processo 00277/19.8BEBRG que refere:
Nesta matéria, tal como defende a Recorrente, às notificações em processo de contra-ordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código do Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, do RGIT.
Depois, é sabido que a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.
Nesta sequência, tal como aponta o Ac. do S.T.A. de 18-06-2013, Proc. nº 0595/13, www.dgsi.pt, “… Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).
Tratando-se de matéria sancionatória, fazem-se sentir aqui particularmente as exigências do art. 268º, nº 3, da CRP.
No que respeita às exigências de notificação em matéria de coimas, pronunciou-se este Supremo Tribunal, entre outros, no Acórdão de 12/4/2012, proc nº 331/11, no qual interviemos como relatora e que passamos a reproduzir.
“Assim, admitindo, em conformidade com alguma doutrina, que “as notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no nº 1 do art. 38º do CPPT, razão por que não carecem de ser realizadas por via postal sob AR” (Ver, por todos, PAULO MARQUES, Infracções Tributárias, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direcção-Geral dos Impostos - Centro de Formação, Lisboa, 2007, vol. II, pp. 88 ss., e JORGE LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias, 4ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 477 ss.), …”.
Quanto a estes últimos Autores, tal como se destaca na decisão recorrida “(…) não se reporta a qualquer acto ou decisão nem se relaciona com qualquer alteração da situação tributária do contribuinte nem visa a sua convocação para assistir ou participar em qualquer acto ou em qualquer diligência. Por isso, esta notificação não tem de ser efectuada por carta registada com aviso de recepção, devendo realizar-se por carta registada(...)”, o que significa que, apesar do esforço de alegação da Recorrente, não pode acolher-se a tese esgrimida nesta sede.
No entanto, a Recorrente sustenta ainda que só tomou conhecimento da notificação da decisão condenatória no dia 7 de Dezembro de 2018, uma vez que a carta estava depositada na caixa de correio nesse dia e não estava no dia anterior, juntando ainda a lista completa de trabalhadores seus, para que, em confronto com os dados dos CTT, se verifique que nenhum trabalhador seu recebeu a notificação.
Neste ponto, o probatório informa que:
2. Em 27/11/2018 foi proferida decisão de fixação de coima - cfr. decisão de fls. 18 e 19 dos autos;
3. Por ofício datado de 27/11/2018, remetido, na mesma data, por carta registada sob o nº RF366337692PT, foi a arguida notificada da decisão de fixação de coima - cfr. ofício e talão de registo de fls. 20 e 21 dos autos; …
5. O ofício referido em 2., remetido por carta registada sob o nº RF366337692PT, foi aceite em 27-11-2018 e entregue em 28-11-2018, sendo identificado como Local 4740 Esposende e como Recetor “G.” - (http://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/objectSearch/objectSearch.jspx).”
Como já ficou dito, por força do estatuído no citado n.º 2, do artigo 70.º do RGIT, as notificações em processo de contra-ordenação fazem-se nos termos previstos no CPPT, que estabelece o seu regime nos artigos 35.º e segs., constituindo uma excepção à regra de aplicação subsidiária do RGCO.
Quanto à forma de notificar a pessoas colectivas, regula o artigo 41.º do CPPT.
Quando a notificação é feita por correio registado, aplica-se o disposto no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT, que estabelece a presunção iuris tantum de que a notificação se considera feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Como presunção elidível que é, admite demonstração em contrário.
Da matéria de facto dada como assente resulta que a decisão de aplicação de coima foi notificada por correio registado sob o nº RF366337692PT, foi aceite em 27-11-2018 e entregue em 28-11-2018, sendo identificado como Local 4740 Esposende e como Recetor “G.”, remetido para a descrita morada da Recorrente (que nada questiona sobre este ponto)
Como tal, deve considerar-se ter operado a presunção de notificação, uma vez que existe prova do registo e remessa da carta para a morada da Recorrente, constando dos autos informação dos correios comprovativa da data em que ocorreu o registo dos CTT e da efectiva entrega da notificação na morada da Recorrente.
Portanto, encontrando-se reunidas as condições para que funcione a presunção prevista no n.º 1, do artigo 39.º do CPPT, deve considerar-se a Recorrente notificada no 3.º dia posterior ao do registo, ou seja, no dia 30/11/2018.
Na verdade, se a carta em apreço foi remetida para a morada da Recorrente e foi recepcionada por quem ali se encontrava, presume-se que estaria em condições o efeito, dado que, não é de aceitar que um estranho permanecesse nas suas instalações e se “entretesse” a recepcionar cartas, apropriando-se das mesmas, (para que fim....?) tanto mais que a Recorrente não alegou nem demonstrou ter participado criminalmente contra “incertos” por apropriação indevida de bens que lhe pertencem.
Nestas condições, nada impede a afirmação vertida na decisão recorrida no sentido de que o termo inicial do prazo de interposição do recurso ocorreu em 03/12/2018 (suspenso dias 01/12 e 02/12 – sábado e domingo) e, efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, conclui-se que o mesmo teve o seu termo final no dia 31/12/2018, que por corresponder a férias judiciais (in casu, no período de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro - cfr. artigo 28º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), passa para o dia 04/01/2019 - primeiro dia útil após as férias judiciais, de modo que, dispondo a arguida do prazo de 20 dias para reagir à decisão de fixação de coima, verificado que o recurso foi entregue no Serviço de Finanças em 08/01/2019, já se encontrava ultrapassado o prazo legal para a apresentação do recurso.”

Ora, o que vem de ser transcrito foi vertido ipsis verbis na sentença recorrida e como acima já deixámos dito, não vemos qualquer motivo para dissentir do assim decidido.

Por último, e quanto à questão de saber qual o momento em que deve ser satisfeito o ónus que impende sobre a parte de ilidir a presunção da notificação, diz-se no acórdão proferido no processo nº 00275/19.1BEBRG, de 07/02/2020 Disponível in: www.dgsi.pt. a que aderimos:
Resta-nos acrescentar, em densificação do que já está referido no aresto que vimos de transcrever e em sintonia com o decidido no acórdão da secção administrativa deste TCAN, datado de 19.08.2019, proferido no proc. 00294/19.8BECBR o seguinte:
«em respeito à questão de saber qual o momento em que deve ser satisfeito o ónus que impende sobre a parte de ilidir a presunção de notificação, ressalte-se o expendido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no aresto editado em 30.04.2015, tirado no Processo nº. 11778/15:
“(…)
Estamos perante uma presunção relativa ou juris tantum, a qual pode, pois, ser ilidida pelo notificado, sendo que para tal terá o mesmo de provar que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis.

Não se trata de justificar a prática de um ato fora do prazo legal, como sucede nos casos de justo impedimento (cfr. artigo 146º do CPC), mas sim de ilidir a presunção de que o registo postal de notificação foi recebido no 3º dia ou, caso este o não seja, no 1º dia útil após ele, contados da data da expedição. Assim é que, se o tribunal considerar que o recebimento do registo teve lugar após um desses dias, e que tal sucedeu por facto não imputável ao destinatário, aceita que o início da contagem do prazo para a prática do ato seja a data (posterior) do efetivo recebimento e não a data legalmente estabelecida por presunção iuris tantum.
É ao notificado que incumbe demonstrar em juízo que a notificação teve lugar em data posterior à presumida e que tal ocorreu por razões que não lhe são imputáveis.
E deve fazê-lo no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.
É esse o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência (cfr. acórdãos do STJ de 21/02/2006, proc. n.º 05B4290, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/04/2007, proc. n.º 5846/06-2 e de 9/06/2014, proc. n.º 2085/13.3TBBRR-A.L1-6 e Tribunal da Relação de Coimbra de 13/11/2013, proc. n.º 113/11.3TACSD.C1).
A respeito da questão de saber qual o momento em que deve ser satisfeito o ónus que impende sobre o mandatário de ilidir a presunção de notificação, respondeu o STJ no referido acórdão de 21/02/2006 nos seguintes termos: “A resposta não poder ser outra senão aquela que foi dada pelas instâncias, ou seja, a de que tal momento é aquele em que o mesmo mandatário pratica o ato, se o fizer já fora do prazo fixado pela data da notificação presumida. Com efeito, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia”.(…)”.».

Aqui chegados, e depois de tudo o quanto foi explanado relativamente às conclusões do recurso, resta apenas concluir pela improcedência do recurso, impondo-se, nos termos acima expostos, confirmar a decisão do Tribunal a quo, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
*** ***

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 2021-04-15

Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda

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i) Disponível in: www.dgsi.pt.