Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00389/16.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:APREENSÃO DE VEÍCULO; INDEMNIZAÇÃO
Sumário:1 – Independentemente das razões que determinaram a apreensão de veículo por parte de Entidade Pública, incumbe ao Estado assegurar o pagamento de indemnização decorrente, designadamente, de atos de vandalismo ou outros que tenham determinado a deterioração do veículo enquanto o mesmo esteve à sua guarda.

2 – Com efeito, a legítima e justificada apreensão de veículo, não inibem as entidades públicas responsáveis por essa operação, de terem necessariamente de zelar pela sua segurança, independentemente do local onde o mesmo seja recolhido, sendo que no caso, a apreensão se mostrava até legitimada por decisão judicial à luz de um processo de inquérito em curso.

3 – Resulta de um ato omissivo ilícito relativamente à segurança de veículo apreendido, o facto do mesmo ter sido vandalizado e objeto do furto de componentes diversos, durante o período em que esteve à guarda das Autoridades, determinante da atribuição de indemnização ao titular do veículo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Estado Português
Recorrido 1:H.F.M.R.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Estado Português, devidamente representado pelo Ministério Público, no âmbito da ação administrativa, intentada por H.F.M.R., na qual peticionou que lhe fosse atribuída uma indemnização de 8.500€ tendente à reparação dos danos causados no seu veículo automóvel com a matricula XX-XX-NT, o qual terá sido vandalizado quando se encontrava apreendido pela GNR de (...), inconformado com a decisão adotada no TAF de Viseu em 15 de maio de 2019, que julgou a Ação parcialmente procedente condenando-se o Réu no pagamento de 8.000€, veio em 13 de junho de 2019 apresentar Recurso, no qual concluiu:
“1. O objeto do presente recurso abrange a invocação de erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto, que inclui reapreciação de prova gravada (ponto II das alegações); e a invocação de erro de julgamento quanto à matéria de direito, que julgou verificados os diversos requisitos cumulativos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado e que, consequentemente, julgou ação parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento de indemnização a título de danos patrimoniais;
2. Quanto ao ponto II, atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, especifica-se, para efeitos do disposto no art. 640º, nº 1, alíneas a), b) e c), e nº 2, alínea a), CPC, que:
3. Se consideram incorretamente julgados os pontos de facto a que se reportam, respetivamente, as alíneas a) dos pontos que, sob o artigo 24º das presentes alegações, foram especificados de 1) a 4) – a saber: 1) Ponto G) da matéria de facto dada como provada; 2) Ponto I) da matéria de facto dada como provada; 3) Ponto L) da matéria de facto dada como provada; 4) Pontos M), N) e O) da matéria de facto dada como provada, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
4. Os concretos meios probatórios, constantes do processo, de registo e gravação neles realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são aqueles que, respetivamente, foram especificados sob as alíneas b) dos indicados pontos (especificados nos artigo 24º das presentes alegações de 1) a 4), com indicação também, nos respetivos casos, das exatas passagens da gravação em que, respetivamente, se funda o recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
5. A decisão que, no entender do Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada é a que, respetivamente, e em relação a cada uma delas, foi especificada sob as alíneas c) dos indicados pontos, especificados no artigo 24º das alegações de 1) a 4), nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
6. Quanto ao ponto III, relativo à invocação de erro de julgamento quanto à matéria de direito, não se concorda com decisão recorrida que, a nosso ver, adotou um entendimento que, a prevalecer, implica uma inadmissível responsabilização objetiva do Estado Português por danos patrimoniais que foram causados por facto ilícito e constitutivo da prática de crime perpetrado por terceiros;
7. Considerando-se, ao invés, nos termos e pelas razões que supra se expuseram, que não se verificam no presente caso os requisitos cumulativos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado (v.g. facto ilícito e culposo e nexo de causalidade entre o facto) e que, por isso, deveria a presente ação ter sido julgada totalmente improcedente;
8. Designadamente, e desde logo, que, do que acima se expôs quanto à matéria de facto e, mesmo, da própria factualidade que foi dada como provada na sentença recorrida, resulta à saciedade que o Autor não logrou provar, como lhe competia, o facto ilícito que erigiu em causa de pedir, isto é, que o Estado não tivesse acautelado as condições necessárias para que o veículo apreendido mantivesse as respetivas características essenciais, em virtude de as instalações onde o veículo apreendido do A. se encontrava serem abertas, sem qualquer segurança, com buracos na parede, de livre e fácil acesso ao público – v. artigos 11º, 13º, 14º e 43º da petição inicial;
9. Não obstante essa falta de prova desses factos, o Tribunal a quo veio, mesmo assim, a julgar verificados os diversos requisitos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e, consequentemente, condenou-o a indemnizar o Autor por danos patrimoniais, que, indiscutivelmente, foram causados, não por qualquer conduta ilícita e culposa de um qualquer titular de órgão, funcionário ou agente da Administração ou sequer pelo anormal funcionamento do serviço (e, muito menos, da que fora invocada na petição inicial), mas pela conduta ilícita e constitutiva da prática de crime perpetrada por terceiros;
10. Ora, sob pena de uma responsabilização objetiva do Estado Português, não permitida por lei, não se pode sufragar o entendimento da sentença recorrida que faz recair sobre o Estado/GNR o dever de evitar que terceiros, com práticas ilícitas e integradoras de crime – que se introduziram ilegitimamente, mediante sucessivo escalamento e arrombamento, em local duplamente fechado e vedado e não acessível ao público e no qual estava guardado o veículo apreendido – tivessem vandalizado e furtado bens do veículo do A. e, assim, lhe tivessem causado danos patrimoniais;
11. Quando esta conduta ilícita e integradora da prática de crime é, pela sua própria natureza, de verificação imprevisível e insuscetível de ser evitada, não sendo razoavelmente de exigir que o Estado/GNR tivesse adotado, nas indicadas circunstâncias, qualquer outra conduta para a evitar, que, de resto, sempre se revelaria uma tarefa manifestamente irrazoável e de realização incomportável ou mesmo impossível;
12. Assim, ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida, que não existiu qualquer conduta ilícita do Estado/GNR;
13. Que, de resto, e como decorre do acima exposto quanto à matéria de facto, por falta de espaço no parque do posto da GNR, teve o cuidado de remover o veículo apreendido e de o guardar num local que reunia as necessárias condições de segurança para esse efeito, não só porque era duplamente vedado e não acessível ao público, como também porque era frequentado (e, consequentemente, vigiado) pelos funcionários da Câmara Municipal que detinham a respetiva chave, como ainda porque a própria GNR o patrulhava pelo exterior (v. ainda ponto P) da matéria de facto dada como provada);
14. Cumprindo, desta feita, os deveres de cuidado, de zelo, que, nas circunstâncias, seriam razoavelmente de lhe exigir, não existindo, qualquer violação do dever objetivo de cuidado que, nas circunstâncias, lhe era exigível, nem se vislumbrando que, nas circunstâncias, fosse razoavelmente de exigir ao Estado/GNR uma qualquer outra atuação para evitar a prática ilícita e criminosa da qual vieram a resultar os invocados danos patrimoniais;
15. Não se verificando, assim, quanto ao Réu Estado, o requisito da ilicitude, tal como é configurada no art. 9º, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31/12;
16. Ora, a falta de ilicitude afasta, obviamente, e por si só, a possibilidade da formulação de qualquer juízo de censura ao nível da culpa;
17. De todo o modo, dir-se-á ainda que se discorda do entendimento que, a propósito do requisito da culpa, foi sufragado na sentença recorrida, em grande medida tributário da tendência jurisprudencial espelhada no citado Ac. do STA de 21/03/1996, Rec. nº 35909, que, no âmbito do anterior regime do Decreto-Lei nº 48 051, de 21/11/1967, procedia à objetivação da culpa, considerando-a diluída no conceito de ilicitude;
18. O art. 10º, nº 1, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31/12, estabelece o critério geral pelo qual se deve aferir a culpa;
19. E a existência de culpa, como fundamento da responsabilidade civil, envolve sempre um juízo de censura que não pode bastar-se com a simples constatação da existência de uma ilegalidade ou de violação de regras de ordem técnica ou de prudência, pois, “de outro modo, estaríamos perante uma outra modalidade de responsabilidade objetiva”;
20. No caso vertente, e pelas razões acima expostas, não funciona qualquer presunção legal de culpa, designadamente, a que se encontram previstas no nº 2 do artigo 10º da Lei nº 67/2007 (invocada na sentença recorrida), ou qualquer outra, designadamente a prevista no nº 3 desse preceito legal;
21. Já que se estaria, singelamente, perante uma situação de omissão, enquadrável no art. 486º, do Código Civil (também referido na sentença);
22. Assim, e não existindo qualquer presunção legal de culpa aplicável à situação dos autos, cabia ao Autor provar a existência de culpa – art. 487º, nº 1, do Código Civil, o que, porém, não ocorreu, nem a sentença apreciou da sua existência, remetendo unicamente para uma objetivação da culpa e para uma presunção de culpa, que, todavia, é inaplicável ao caso vertente;
23. Sendo certo, de todo o modo, que não se verifica qualquer culpa funcional ou do serviço, nos termos e pelas razões acima expostas;
24. Também não se concorda com a sentença recorrida quando, quanto ao nexo de causalidade, afirma que existe uma ligação clara entre a omissão do dever de zelo na guarda do veículo e o resultado danoso verificado, a deterioração anormal do veículo do Autor;
25. Quando, na realidade, e como é patente, o “resultado danoso” foi causado, não por qualquer omissão dever de zelo na guarda do veículo, mas pela conduta de terceiros desconhecidos, suscetível de configurar a prática de crime (designadamente, dos crimes de furto qualificado e de dano);
26. Afigurando-se-nos manifesto que o R. Estado Português não poderá ser responsabilizado pela conduta ilícita (e suscetível de integrar a prática de crimes) de terceiros, nem poderá responder pelos danos que os mesmos tenham causado ao A., por manifesta falta do respetivo nexo de causalidade;
27. Os factos, ilícitos e constitutivos de crimes, de que resultaram os alegados danos do A. não poderão ser imputados, por qualquer forma ao R. Estado Português, mas sim, e apenas, ao seu autor ou autores e, consequentemente, serão esses terceiros os responsáveis, criminal e civilmente, pelo furto e danos causados no veículo do A.;
28. E não é pelo simples facto de não ter sido lograda a identificação do autor ou autores desses factos ilícitos, v.g. no âmbito do inquérito criminal que foi instaurado para esse efeito, que o R. Estado Português passará a ser responsável, em substituição daqueles;
29. Já que, nos termos da lei, o Estado só responde civilmente por danos que resultem de ações ou omissões ilícitas cometidas pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes ou, nos casos de culpa coletiva ou anónima, que devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço, nos termos do disposto no art. 7º, nºs 1 e 3, do regime anexo à Lei nº 67/2007, de 31/12;
30. Em suma, em face de tudo o que se expôs, é forçoso concluir que não se verifica o pretenso facto ilícito e culposo do Estado que foi erigido em causa de pedir na presente ação, nem o necessário nexo de causalidade adequada entre esse facto e o dano;
31. E, consequentemente, teria que improceder integralmente a presente ação, por falta de verificação dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado;
32. A sentença recorrida, ao considerar verificados esses requisitos, violou o disposto nos arts. 7º, nºs 1, 3 e 4, 9º e 10º, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31/12.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos pugnados em II e revogando-se a decisão recorrida quanto à matéria de direito, julgando-se totalmente improcedente a ação, nos termos e com os fundamentos expostos, com a consequente absolvição do Réu Estado Português do pedido. ASSIM, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA

O Recorrido/H.F.R., veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 25 de outubro de 2019, aí tendo concluído:
“I. Considera o ora recorrente que a douta sentença do Tribunal a quo não espelha os factos provados e que houve um erro de apreciação da matéria de direito, contudo como se demonstrou, tais alegações não correspondem à verdade.
II. O ora recorrente sobre o facto provado G) considera que o mesmo não está conforme a prova constante dos autos, contudo não lhe assiste razão, pois a alteração/mudança do motor do veículo em causa nos autos não faz parte dos temas de prova e a questão já foi apreciada nos autos de inquérito nº 66/11.9GBMBR (fls. 28 e segs.), para além de que este facto não é relevante para a boa decisão da causa e ficou provado pelo depoimento da testemunha A.R.F.P., prestado no dia 22/01/2019, com início pelas 00:04:79 e termo às 00:40:08, disponível através do ficheiro áudio da primeira sessão de julgamento, do minuto 00:31:45 a 00:33:33, que o ora recorrido não alterou ou mudou o motor do veículo em causa nos autos.
III. O facto provado I), ao contrário do alegado pelo ora recorrente está conforme a prova produzida, somente enfermando de um mero lapso de escrita, pois é notório que o Tribunal a quo esta a referir-se ao número de quadro, e mais se diga que os factos que o ora recorrente pretender aditar não resultam do auto de notícia constante dos autos de inquérito nº 66/11.9GBMBR (fls. 28 e segs.), porquanto o despacho de arquivamento do auto de inquérito nº 66/11.9GBMBR (fls. 28 e segs.) considerou que não ocorreu qualquer viciação ou alteração das características do veículo.
IV. Quanto ao facto provado L) considera o ora recorrente que, o Tribunal a quo, não devia ter dado este facto como provado nos termos em que considerou, pelo que, devia aditar a este facto que a mudança de instalações do veículo propriedade do ora recorrido se deveu à falta de espaço no posto da GNR de (...), contudo não lhe assiste razão na sua alegação, por basear a sua fundamentação somente no depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento, que é um depoimento indireto, como é possível constatar nos minutos: 00:12:36 a 00:13:10 e minutos 00:23:58 a 00:24:30, afirma: “… que ouvi dizer…” ou a expressão: “…pelo que eu penso…”.
V. Não existindo conhecimento direto dos factos por nenhuma testemunha arrolada, e não tendo sido feita qualquer prova documental das verdadeiras razões que levaram à mudança de instalações do veículo, só se pode considerar que o facto provado L) está conforme a prova produzida pelo que, deverá o Tribunal ad quem manter a decisão do Tribunal a quo e considerar o facto L) como facto provado.
VI. O ora recorrente não concorda que o Tribunal a quo tenha considerado provados os factos M) e N), mais uma vez, a douta sentença recorrida limita-se a reproduzir a prova que foi realizada em audiência de julgamento, pois não existem dúvidas que as instalações do Município para onde o veículo, do ora recorrido, foi levado é um recinto fechado, mas não coberto (sem telhado) e que o mesmo se encontra em terra batida, sendo que os muros estão em blocos e que o veículo se encontrava na parte traseira de um pavilhão.
VII. E como ficou provado no facto N) a característica que mais evidencia a responsabilidade do ora recorrido, é o facto das instalações onde se encontrava o veículo propriedade do ora recorrido não serem propriedade da GNR de (...), nem a GNR tinha acesso ao local, pois para puder aceder as instalações tinha que solicitar a terceiros, logo não tinha acesso, controlo e desconhecia quem frequentava as instalações, pelo que, deverá o Tribunal ad quem confirmar que os factos M) e N) são factos provados, pois está conforme a prova realizados nos presentes autos.
VIII. Quanto ao facto O) o mesmo caracteriza de forma clara, e em total correspondência com a factualidade, o interior das instalações onde se encontrava o veículo propriedade do ora recorrido.
IX. Sustenta o ora recorrente que o facto provado O) não corresponde à verdade com base no depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento, nos minutos 00:14:21 a 00:15:07, contudo é possível constatar que a testemunha fez uma declaração confusa, pois declara sobre este facto que:” ”…penso que não… penso que sim…, penso eu… não posso afirmar…. porque não sei…”
X. A prova deste facto encontra-se junta aos autos através do doc. 2 junto com a petição inicial que consiste em cinco fotografias tiradas no dia em que ora recorrido teve conhecimento (18/09/2013), onde é evidente a existência de ervas daninhas e de vegetação selvagem de altura média.
XI. Na segunda foto do doc. 2 junto com a petição inicial é possível constatar que a vegetação/ervas estão a crescer no interior da cava da roda direita traseira do veículo do ora recorrido, e a terceira foto permite constatar a que a altura da vegetação é maior do que a altura do veículo.
XII. Pelo que, não podia o Tribunal a quo considerar maior força probatória à prova testemunhal quando existe prova documental a qual não foi impugnada, devendo o Tribunal ad quem confirmar que o facto O) é facto provado, pois está conforme a prova realizados nos presentes autos.
XIII. Necessário realçar que o depoimento da testemunha R.C.G.L., militar da GNR, prestado no dia 22/01/2019, com início pelas 00:54:20 e termo às 01:24:45, disponível através do ficheiro áudio da primeira sessão de julgamento, não pode ser considerado para os presentes autos, porquanto a testemunha não tem qualquer conhecimento direto dos factos, pois à sua data, não estava destacado no posto da GNR de (...), conforme seu depoimento a minutos 00:55:53 a 00:56:55.
XIV. Por mero dever de patrocínio, cumpre mencionar que mesmo que o Tribuna ad quem considere que os factos provados G), I), L), M), N), O) não deviam ter sido considerados provados pelo Tribunal a quo, e que proceda às alterações pretendidas pelo ora recorrente, tais alterações não afastam, nem excluem a prática pelo ora recorrente dos factos ilícitos, da culpa, dos danos e do nexo de causalidade.
XV. Quanto à matéria de direito ao contrário do alegado pelo ora recorrente, o Tribunal a quo fez uma douta interpretação de toda a prova produzida junta aos autos e produzida em audiência de julgamento, a qual resultou nos factos provados e consequentemente numa douta aplicação do direito.
XVI. Como é possível constatar da prova realizada o veículo do ora recorrido foi apreendido pela GNR de (...), e em virtude da apreensão o veículo ficou parqueado nas instalações do posto da GNR de (...), conforme confirmado pelo depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento, nos minutos 00:08:07 a 00:09:39.
XVII. Instalações que eram seguras e com acesso vedado a quaisquer estranhos à GNR de (...), e cuja segurança do local era realizada pela própria GNR, ao contrário das instalações do Município para onde o veículo foi transferido, conforme depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento, nos minutos 00:28:33 a 00:29:29.
XVIII. O ora recorrente mudou o local onde o veículo do ora recorrido se encontrava apreendido sem nunca ter informado o ora recorrido, e sem ter sido informado o Tribunal, onde corriam os autos de inquérito nº 66/11.9GBMBR (fls. 28 e segs.), que validou a apreensão, de tal facto, conforme resulta do depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento, nos minutos 00:13:10 a 00:13:37 e 00:23:04 a 00:23:37.
XIX. As novas instalações para o onde o veículo foi levado são propriedade do Município de (...), não tendo a GNR sobre as instalações qualquer jurisdição, ou seja, nem tem livre acesso as instalações, não conseguia, pelo menos à data dos factos, patrulhar e garantir a segurança das instalações, porquanto desconhecia e não tinha meios de controlar as pessoas que tinham acesso direto as instalações.
XX. Para aceder as instalações do Município a GNR de (...) tinha que solicitar a algum funcionário do Município que lhes autorize aceder ao local e que pudesse abrir os portões, o que demonstra uma conduta de omissão dos deveres a que o ora recorrente está obrigado perante o caso em concreto, não tem acesso livre as instalações, depende de funcionários do Município de (...), conforme o depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento nos minutos 00:25:41 a 00:28:33.
XXI. É por si deveras preocupante ficar a saber que o Estado Português não diligencia minimamente pela salvaguarda e conservação dos bens que apreende em cumprimento da lei e que, o ora recorrente depositou o veículo do ora recorrido numas instalações as quais não tem livre acesso às instalações, nem controlo.
XXII. Para além da falta de acesso e controlo das instalações, estas instalações são usadas por diversas pessoas, pois existem várias dependências do Município, como o canil municipal, secção de jardinagem e afins nas mesmas instalações, as quais têm acesso terceiros que o ora recorrente desconhece e que não tem controlo, conforme é possível constatar no depoimento identificado na conclusão XXII.
XXIII. As omissões e ilicitudes do ora recorrente não ficaram somente pelo já alegado, também resulta do facto O) dado como provado, que o ora recorrente não diligenciou que o recinto onde o veículo do ora recorrido estava depositado tivesse minimamente conforme um padrão do bónus pater familia, que é o mínimo que se exige ao Estado Português.
XXIV. Sendo o padrão do ora recorrente, o bonus pater familia, padrão que o ora recorrido acolhe, então como pode, não considerar o ora recorrente que, pelo facto de permitir o crescimento de vegetação selvagem e ervas daninhas nas instalações onde o veículo se encontrava depositado o veículo, tais factos são per si suscetíveis de criar danos no veículo do ora recorrido, a vegetação já se encontrava a crescer no interior do carro das cavas das rodas, motor e outros componentes mecânicos.
XXV. O controlo que a GNR de (...) tinha sobre as instalações era nulo, para além de que, não permitia conferir e garantir a segurança do local, conforme o depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento nos minutos 00:20:51 a 00:22:33, pois nos patrulhamentos não era possível visualizar as instalações onde se encontrava o veículo do ora recorrido.
XXVI. A omissão do dever a que o ora recorrente estava obrigado causou o descrito no facto provado O), pois nas instalações onde se encontrava depositado o veículo propriedade o mesmo foi furtado e alvo de danos, omissão mais uma vez confirmada pelo depoimento da testemunha J.M.M.T., militar da GNR, prestado no dia 02/02/2019, com início pelas 00:00:55 e termo às 00:31:15, disponível através do ficheiro áudio da segunda sessão de julgamento nos minutos 00:18:37 a 00:19:23.
XXVII. Em virtude da total ausência de vigilância, controlo e acesso às instalações onde o veículo estava depositado, pela GNR de (...), não se sabe quando ocorreu o furto.
XXVIII. Não se pode pressupor, como faz o ora recorrente, que o furto e alguns dos danos tenha sido causados pelo alegado furto ocorrido através de um buraco existente na parede das instalações, porquanto não foi realizada prova quando é que as peças do veículo propriedade do ora recorrido foram furtadas e os danos ocorridos.
XXIX. Em consequência o veículo do ora recorrido foi alvo de furto e danos os quais foram considerados provados no facto R), sustentado por prova testemunhal e documental, cujo valor indemnizatório reflete o facto do veículo ser um carro de rali, cujo valor comercial é elevado e os seus equipamentos que o compõem também tem valores elevados.
XXX. O ora recorrente, em violação dos seus deveres e obrigações, nunca informou o ora recorrido do furto e danos, tendo o ora recorrido tomado conhecimento em 18 de setembro de 2013 aquando se deslocou ao posto da GNR de (...) para prestar declarações no âmbito do auto de inquérito nº 66/11.9GBMBR (fls. 28 e segs.), cerca de seis meses depois dos factos, conforme resulta do facto provado U).
XXXI. Não tendo ficado provado quanto tempo é que o veículo teve assente nos discos de travão, sabendo que, pelo menos de dia 28 de Março de 2013 a 15 de Novembro de 2013, dia em que o veículo foi retirado e entregue a um fiel depositário, a pedido do ora recorrido, o veículo ficou assente nos discos de travão.
XXXII. De ressalvar que, em 15 de novembro de 2013, aquando da entrega do veículo ao fiel depositário, ao contrário do dia da apreensão o veículo não estava apto a circular em resultado da prática pelo ora recorrente de factos ilícitos, como é possível constar na prova documental junta aos autos como doc. 3 junto com a petição inicial.
XXXIII. Perante a prova produzida, dúvidas não existem de que se o veículo tivesse permanecido em depósito com condições de segurança, acondicionamento, com restrição e controlo de acesso, e tendo a GNR controlo sobre as instalações, os danos não teriam ocorrido, pelo que, existe culpa na omissão da atuação do ora recorrente.
XXXIV. Nos termos do art. 1º e do número 3 e 4 do Art. 7.º da Lei 67/2007, de 31 de dezembro, o Estado é ainda responsável pelos danos que não tenham resultado de um comportamento de um titular específico, mas que devam ser atribuídos a “um funcionamento anormal do serviço”.
XXXV. Ficou demonstrado nos autos que o Estado Português não procedeu como um bonus pater família, pois tais danos, sofridos no veículo propriedade do ora recorrido, nunca teriam ocorrido se o Posto Territorial de (...) da GNR tivesse assegurado as condições mínimas do local onde o veículo apreendido se encontrava, obrigações decorrentes do bom funcionamento que tem que assegurar para a manutenção das características essenciais do bem apreendido.
XXXVI. A violação deste dever e obrigação acarreta a prática de um ato ilícito e a não entrega do veículo nas mesmas condições em que se encontrava aquando da apreensão, descontando o desgaste natural pelo tempo, demonstra claramente que através da GNR de (...) foi pelo Estado Português praticado um ato ilícito, por não ter acautelado as condições necessárias para que o veículo apreendido mantivesse as respetivas características essenciais.
XXXVII. Estamos perante uma clara situação responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, estando preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil do Estado Português, a ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
XXXVIII. Andou, pois, muito bem a sentença recorrida que não merece a censura que lhe é, infundadamente, dirigida pela ora recorrente.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida, como é de Direito e de Justiça.!

O Recurso foi admitido por Despacho de 3 de dezembro de 2019

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, designadamente, o invocado erro de julgamento relativo à decisão da matéria de facto e o erro de julgamento quanto à matéria de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“A) Em data não concretamente apurada, mas em momento anterior a 21/04/2011, o Autor celebrou com Joel José Furtado Sousa um contrato designado de compra e venda de um automóvel de marca Wolkswagen, modelo Polo, com a matrícula XX-XX-NT e com o quadro nº WVWZZZ6NZXY331006;
B) A 19/04/2011, o Autor celebrou também com Carlos Jorge Monteiro dos Reis um contrato designado de compra e venda de um automóvel, de marca Wolkswagen, modelo Polo, com a matrícula XX-XX-MD e com o quadro nº WVWZZZ6NZ1Y208235;
C) O Autor só procedeu à apresentação a registos das referidas aquisições a 17/02/2014 e a 26/10/2016, respetivamente;
D) O Autor adquiriu a viatura identificada NT com a exclusiva intenção de fornecimento de peças sobressalentes para a viatura MD;
E) Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de abril de 2011, o Autor levou os referidos veículos às instalações da empresa designada “A.R., Lda.”, para que esta procedesse a uma revisão do veículo MD;
F) Durante a revisão referida em E), e por mero lapso, os mecânicos ao serviço da entidade “A.R.” colocaram a matrícula correspondente ao veículo NT no veículo MD;
G) O motor do veículo automóvel MD não sofreu alterações, continuando a ter o número de quadro WVWZZZ6NZ1Y208235;
H) A 21/04/2011, e quando conduzia o veículo automóvel MD na Estrada Nacional 226, ao Km 39, em (...), o Autor foi intercetado pela Guarda Nacional Republicana, para a realização de um controlo de trânsito;
I) Aquando da realização da operação de controlo, a GNR verificou que a matrícula que o veículo apresentava, a XX-XX-NT, não correspondia ao número de quadro do motor, motivo pelo qual foi determinada a apreensão do veículo;
J) Em virtude da apreensão, o veículo automóvel foi transportado para as instalações do posto da GNR de (...);
K) Ainda em virtude da referida operação de controlo da GNR, pelos Serviços do Ministério Público de (...) foi aberto processo de inquérito criminal, que correu termos sob o nº 60/11.9GBMBR e que culminou, a 17/10/2013, com despacho de arquivamento;
L) Em data não concretamente apurada, e em cumprimento de ordens superiores, o veículo apreendido foi levado das instalações do posto da GNR de (...) para instalações da propriedade da Câmara Municipal de (...);
M) Em data anterior a 2013, tais instalações caracterizavam-se como um recinto em terra batida, na parte traseira de um pavilhão, recinto este cercado de um muro com cerca de 12 metros de altura e de uma vedação de rede com cerca de 3 a 4 metros de altura;
N) O acesso a tais instalações fazia-se através de um portão com cerca de 6 metros de altura, trancado com cadeados, sendo que a GNR não tinha acesso às respetivas chaves, vendo-se obrigada a recorrer aos funcionários da Câmara Municipal de (...);
O) As instalações do indicado recinto apresentavam ervas daninhas e inclusive vegetação selvagem, de altura média;
P) A GNR de (...) patrulhava o identificado recinto, mas apenas do seu exterior;
Q) A 28/03/2011, foi comunicado à GNR de (...) que desconhecidos tinham efetuado um buraco nas traseiras do armazém propriedade da Câmara Municipal de (...), onde se encontrava o veículo da propriedade do Autor, e subtraído diversos bens;
R) Ao veículo propriedade do Autor foram furtadas quatro jantes de competição, quatro pneus de competição, de marca Michelin, o filtro de ar, o tubo do filtro à admissão, o volante e os assentos, bem como os cintos de segurança;
S) Em virtude de ter o veículo propriedade do Autor ficado, por tempo indeterminado, assente nos próprios discos de travão, resultaram estes danificados;
T) O valor de reparação dos danos descritos em R) e S) cifra-se em €8.000, acrescidos de IVA, reparação esta que, à data da propositura da presente ação, ainda não ocorrera;
U) O Autor tomou conhecimento dos danos causados ao veículo de sua propriedade a 18/09/2013, aquando da sua deslocação à GNR de (...), para prestar declarações no processo de inquérito que decorreu sob o nº 60/11.9GBMBR;
V) A partir do dia 15/11/2013, o veículo automóvel propriedade do Autor ficou depositado nas instalações da oficina “A.R., Lda.”, sita em Aguiar da beira, onde ainda se encontrava aquando da interposição da presente ação;
W) Em virtude do sucedido, o Autor apresentou uma participação criminal contra desconhecidos, que correu os seus termos nos Serviços do Ministério Público de (...) sob o nº 47/13.7GBMBR, e que acabou por ser arquivado;
X) Em virtude do sucedido, e uma vez que era um seu projeto o uso do veículo automóvel para a participação em rallies, entre outras provas, o Autor ficou triste e revoltado;
Y) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 09/09/2016.
IV – Do Direito
Por forma a percecionar o sentido da decisão proferida pelo tribunal a quo, infra se transcreverá o essencial do discurso fundamentador da decisão recorrida:
“Examinados os termos em que o Autor demanda o Réu, é de concluir que a causa de pedir da atual pretensão indemnizatória assenta, essencialmente, numa invocada violação do dever de manutenção, no estado em que se encontrava, do bem apreendido pela GNR no âmbito de uma ação de fiscalização, assegurando as condições mínimas do local onde este se encontrava, violação esta que, no caso presente, terá causado danos de monta no bem de sua propriedade.
Sendo assim, os termos em que o Autor deduz a sua pretensão indemnizatória enquadram-se na figura da responsabilidade aquiliana, concretamente, pela prática de facto ilícito. Desta feita, a causa de pedir no presente pleito é constituída por factos destinados a comprovar a presença de facto ilícito, culposo, danos e nexo de causalidade.
Ora, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas está consagrada constitucionalmente, no art.º 22º, sendo que, em termos de legislação ordinária, o mesmo instituto tem, atualmente, o seu regime jurídico descrito na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Atentando na causa de pedir descrita pelo Autor, apresenta-se pacífico que os factos em que este estriba a sua pretensão indemnizatória, e nos termos do que se encontra descrito no probatório coligido antecedentemente, ocorreram entre abril de 2011 e março de 2013. Assim, atentando que a Lei n.º 67/2007 iniciou a sua vigência em 31/01/2008, é imperativo concluir que a atuação do Réu entre 2011 e 2013, e que o Autor reputa de ilícita, culposa e danosa, se insere na atividade de gestão pública da Administração, concretamente, o que determina a aplicação daquele regime para apuramento de qualquer responsabilidade.
(...)
No caso dos autos, cabe notar que se mostra provado, para o que ora nos interessa, que a 21/04/2011 procedeu a GNR à apreensão do veículo automóvel propriedade do Autor, com o quadro nº WVWZZZ6NZ1Y208235 e matrícula MD (se bem que, à data dos factos, exibisse a matrícula NT, que não correspondia ao veículo em causa). Resultou também provado que, em data não concretamente apurada, mas entre 2011 e 2013, e por ordens de superiores, superiores estes tampouco concretamente identificados, foi o veículo propriedade do Autor, que se encontrava apreendido à ordem do processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público de (...) sob o nº 60/11.9GBMBR, transportado das instalações do posto da GNR para um armazém propriedade da Câmara Municipal de (...). Foi ainda dado como provado que, também em data não concretamente apurada, mas anterior a março de 2013, desconhecidos assaltaram tais instalações propriedade da Câmara Municipal de (...), por via da abertura de um buraco no muro de vedação, e vandalizaram o veículo propriedade do Autor, furtando inúmeras peças que o integravam, danificando-o.
Ora, é ponto assente que a manutenção do veículo automóvel apreendido e à guarda do Estado no decurso de um processo criminal, em condições de conservação normal, é uma obrigação que compete à Administração. Efetivamente, e se bem que não tenha sido celebrado entre Autor e Estado um contrato de depósito, sempre incidiria sobre este último o dever de manutenção do bem apreendido em condições normais, por forma a evitar uma sua degradação excecional.
Ao não ter logrado garantir a manutenção do bem apreendido em condições ditas normais de conservação, assim violando deveres objetivos de cuidado que sore si impendiam, e que foram de molde a ofender interesses legalmente protegidos do Autor, de reaver o bem no estado em que se encontrava aquando da sua apreensão (descontada que fosse a degradação considerada normal, num veículo automóvel, da mera passagem do tempo), verifica-se a prática pela Administração de um comportamento ilícito, conforme o previsto no nº 4 do artigo 7º e no artigo 8º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
Efetivamente, a verificação de atos de vandalismo demonstra que o Estado, através dos seus agentes, não garantiu a conservação esperada e normal do veículo da Autora, violando manifestamente o dever de zelo exigível a um bom pai de família. O que só por si imporia o dever de indemnizar, independentemente dos demais pressupostos, nos termos do disposto no artigo 486º, do Código Civil:
“As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”. (neste sentido, aliás, já teve ocasião de se pronunciar a jurisprudência dos tribunais superiores, referindo-se, a título de mero exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de Norte de 12/07/2013, P. 0139/07.1BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
Não se afigura a este Tribunal suficiente, para afastar tal juízo de ilicitude, o facto de a degradação anormal da viatura apreendida pelo Estado ter alegadamente decorrido da atuação reputada de criminosa por parte de terceiros, porquanto, e aqui é que reside a tónica, estava a mesma à guarda daquele, pelo que lhe incumbia evitar quaisquer atos suscetíveis de pôr em causa a sua integridade, o que manifestamente não sucedeu. Tampouco se afigura suficiente a afirmação, para afastamento de tal pressuposto, que o local onde se encontrava a viatura era fechado e vedado.
Recorde-se que resultou também provado que a GNR (à guarda da qual se encontrava o veículo apreendido) não tinha acesso direto ao local, o que não lhe permitia uma conveniente e suficiente guarda do mesmo, que estava o mesmo sem manutenção (o que é visível na vegetação que cobria os muros e os veículos ali apreendidos) e não era coberto, o que não se afigura como um comportamento classificável de razoável e suficiente, em termos de padrões médios de resultados, para evitar a produção dos danos, antes comprovando deficiências na previsão quanto às necessidades do serviço em causa.
O nexo de causalidade também se mostra claro. Entre, por um lado, a omissão do dever de zelo na guarda do veículo do Autora, e, por outro lado, o resultado danoso verificado, a deterioração anormal do veículo da Autora, existe uma ligação clara.
O que vem de se afirmar é suficiente para que funcione a presunção de culpa no funcionamento dito anormal dos serviços da Administração, in casu, da GNR, não só por aplicação da previsão do nº 2 do artigo 10º da Lei nº 67/2007, mas também, e especialmente, porque, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/03/1996, Recurso 35909, o elemento “culpa” dilui-se no conceito de “ilicitude” quando é violado o dever de boa administração, assumindo a culpa o aspeto subjetivo da ilicitude, resultando essa culpa igualmente, no caso, do próprio facto de os serviços da Administração Interna não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.
No que respeita aos danos patrimoniais, ficou provado que ao veículo automóvel foi furtado todo o seu interior, as jantes, os pneus, os filtros de ar e de admissão, tendo ainda ficado danificado o sistema de travagem, danos estes que se computam em €8.000, como resulta do probatório coligido.
O pagamento de tal montante indemnizatório será devido, independentemente do facto de ter o credor procedido, ou não, à reparação do veículo danificado, à luz do disposto no artigo 566º, nº 1 e 2, do Código Civil. E será também devido, independentemente da possibilidade legal do veículo circular ou não, uma vez que tal bem tem um valor de per si, independentemente da sua capacidade de uso.
(...)
Atenta a interpretação aqui propugnada, serão devidos juros de mora sobre o montante indemnizatório arbitrado, relativamente aos danos patrimoniais, desde a data da citação até ao seu efetivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, o que desde já se declara.”

Vejamos:
Refira-se desde já que se não vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância.

Para enquadrar jurisprudencialmente a questão aqui controvertida, infra se transcreverá o referido no acórdão deste TCAN nº 0139/07.1BEPRT, de 12-07-2013, no qual se sumariou, designadamente que “(...) Apresentando o veículo, à guarda da GNR, estragos para além da degradação normal e por vandalismo, verifica-se um dano, ligado a conduta negligente dos agentes do Estado, que cria a obrigação de indemnização a dona do veículo, entretanto devolvido.
O valor da indemnização pela degradação anormal de um veículo à guarda da GNR equivale ao custo da reparação – integral e não deduzido de qualquer valor, designadamente, do valor comercial do veículo -, a não ser que o Estado prove, por ser seu ónus, que a Autora pode adquirir um veículo idêntico por valor inferior ao da reparação, nos termos do disposto nos artigos 562º e 566º, ambos do Código Civil.”

Assim, e independentemente das razões que determinaram a apreensão do veículo aqui em questão, incumbe ao Estado assegurar o pagamento de indemnização decorrente, designadamente, de atos de vandalismo ou outros que tenham determinado a deterioração do veículo enquanto o mesmo esteve à sua guarda.

É incontornável que foi a conduta omissiva do Estado, não zelando pela segurança do veículo que estava à sua guarda, em resultado da apreensão verificada que contribuiu decisivamente para o resultado danoso.

Vejamos, em qualquer caso, o suscitado no Recurso:

Foi julgada parcialmente procedente a Ação, determinando-se a atribuição ao Autor de uma indemnização de 8.000€, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Entende o Recorrente que não terão sido valorizados factos que deveriam ter sido tidos em conta, o que constituirá erro de julgamento.

Entende o Recorrente que alguns dos factos dados como provados, deveriam ter sido considerados não provados, a saber:
“… G) O motor do veículo automóvel MD não sofreu alterações, continuando a ter o número de quadro WVWZZZ6NZ1Y208235;
I) Aquando da realização da operação de controlo, a GNR verificou que a matrícula que o veículo apresentava, a XX-XX-NT, não correspondia ao número de quadro do motor, motivo pelo qual foi determinada a apreensão do veículo;
L) Em data não concretamente apurada, e em cumprimento de ordens superiores, o veículo apreendido foi levado das instalações do posto da GNR de (...) para instalações da propriedade da Câmara Municipal de (...);
M) Em data anterior a 2013, tais instalações caracterizavam-se como um recinto em terra batida, na parte traseira de um pavilhão, recinto este cercado de um muro com cerca de 12 metros de altura e de uma vedação de rede com cerca de 3 a 4 metros de altura;
N) O acesso a tais instalações fazia-se através de um portão com cerca de 6 metros de altura, trancado com cadeados, sendo que a GNR não tinha acesso às respetivas chaves, vendo-se obrigada a recorrer aos funcionários da Câmara Municipal de (...);
O) As instalações do indicado recinto apresentavam ervas daninhas e inclusive vegetação selvagem, de altura média;.”

Diga-se desde já em termos abstratos, e como sumariado no recente Acórdão deste TCAN nº 02916/10.7BEPRT, de 13-12-2019 que “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.
À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento.”

Como igualmente se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 00126/12.8BEMDL, de 12-06-2019, “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (Artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância. A gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.”
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

Independentemente do afirmado precedentemente, diga-se que o Recurso incorre num equivoco, pois que aqui não estão em causa as razões que determinaram a apreensão do veículo, nem a razão pela qual o veiculo foi mudado de sitio pela GNR, ou se existiam, ou não, ervas daninhas no local de apreensão, mas simplesmente que, tendo o mesmo sido apreendido, não cuidou o Estado de assegurar que o mesmo não seria objeto de quaisquer atos de vandalismo ou furto.

Assim sendo, os factos dados como provados questionados pelo Recorrente, independentemente de serem dados como provados, ou não provados, não alterariam o sentido da decisão proferida por serem meramente instrumentais e assessórios face ao que importa decidir.

Invoca ainda o recorrente que o Tribunal a quo terá errado quanto ao julgamento da matéria de direito.

Atenta a matéria de facto dada como provada, não se mostra censurável a decisão de direito adotada.

Com efeito, decorre da factualidade dada como provada, no que aqui releva que o controvertido veículo não foi abandonado pelo seu titular, antes foi, e bem, atendendo às incongruências de registo detetadas, apreendido pela GNR.

No entanto, a legítima e justificada apreensão do veículo, não inibem as entidades públicas responsáveis por essa operação, de terem necessariamente de zelar pela sua segurança, independentemente do local onde o mesmo seja recolhido, sendo que a apreensão se mostrava até legitimada por decisão judicial à luz de um processo de inquérito em curso.

Ainda que se desconheça em que momento o veículo foi vandalizado e objeto do furto de vários componentes, o que é incontornável é que tal terá ocorrido necessariamente quando o mesmo se encontrava à guarda do Estado.

O facto da própria GNR e do Município desconhecerem quando terá ocorrido a intromissão na área onde o veículo se encontrava e o correspondente furto, indicia claramente uma prática omissiva na segurança do local.

Aqui chegados, e perante a fundamentação de facto e de direito fixada e adotada em 1ª instância, é patente que o tribunal a quo fez uma adequada conformação dos factos ao direito, verificando o preenchimento de todos os requisitos e pressupostos determinantes da verificação da Responsabilidade Civil extracontratual por facto ilícito, o que aqui se ratifica.

Se o ato omissivo relativamente à segurança do veículo recolhido se não tivesse verificado, certamente que os danos participados e determinantes da indemnização fixada, não se teriam verificado, pela prática de um ato ilícito.

Como resulta da decisão recorrida, que aqui se ratifica, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, qual sejam, a ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Assim, não se reconhecendo qualquer dos vícios invocados relativamente à decisão proferida em 1ª instância, ou quaisquer outros, improcederá o Recurso interposto.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza – Artº 4º nº 1 alínea a) do RCP.

Porto, 31 de janeiro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa