Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00697/19.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Isabel Costa
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL; PROPOSTA; OMISSÃO, PREÇO PARCELAR; IMUTABILIDADE
Sumário:I – A falta de indicação, na proposta, de um dos preços da lista de preços unitários, que não consubstancia lapso de escrita, não pode ser suprida.

II - As normas que regem a contratação pública impõem a exclusão das propostas que não apresentem alguns dos seus atributos (cfr. artigo 70º, nº 2, alínea a) do CCP, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 57º do mesmo Código e 146º, nº 2, al. o)), sendo o preço, quer no seu todo, quer nas parcelas em que se decompõe, um atributo da proposta sujeito à concorrência.

III -A peça fundamental do procedimento concursal, que é a proposta, está sujeita ao princípio da intangibilidade ou da imutabilidade, o qual impõe que, com a sua entrega, o concorrente fique a ela vinculado, tal como foi apresentada, não podendo, por regra, alterá-la ou corrigi-la posteriormente à sua apresentação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...) e outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

E., LDA vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Aveiro que julgou improcedente a ação de contencioso pré-contratual que intentou contra MUNICÍPIO DE (...), no âmbito do concurso público de empreitada de obras públicas, designado “Reabilitação da Antiga Fábrica do Descasque do Arroz de (...)/ Fábrica da História de (...) – CPUB - EOP 006/2018”, na qual peticionava a condenação do R. a declarar nula e de nenhum efeito a deliberação n.º 189/2019 de adjudicação da referida empreitada da obra pública à contrainteressada C., Lda., e bem assim, à prolação de novo Relatório Final em que se atenda à proposta da A., e posterior reapreciação das propostas.”

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

I – Na senda da orientação que emerge da nossa melhor doutrina e jurisprudência, mormente do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Tribunal de Contas nº 1/2010 “ a falta de indicação, na lista de preços unitários, de um preço correspondente a um bem ou a uma actividade, deve ser ponderada caso a caso e só constitui a preterição de uma formalidade essencial, determinante da exclusão da respetiva proposta, quando, em função dos factores do critério de avaliação das propostas for impeditiva da análise comparativa destas, ou seja, susceptível de se repercutir na boa execução do contrato”. Sucede que,
II – no caso dos autos, a douta sentença recorrida não levou em conta as especificidades do caso concreto e, por essa via, fez errada interpretação do artigo 249º do CC e dos artigos 57º, 72º e 146º do CCP, e dos princípios da proporcionalidade, do aproveitamento do ato administrativo, da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade, e da própria concorrência e desrespeitou o critério de adjudicação da obra pública em causa. De facto
III – no caso dos autos, o Mapa de Quantidades ou Lista de Preços Unitários, da proposta contratual apresentada pela recorrente consta de uma extensa listagem elaborada em folha de cálculo informática, de onde constam 597 verbas ou cotações, correspondendo a cada uma delas a “designação dos trabalhos”, inerentes à execução da empreitada, o número de “unidades”, as “quantidades”, o “preço unitário”, o “sub-total” e o “total” dos materiais e mão de obra, e das largas centenas de preços unitários que figuram da referida lista, o único preço unitário que não foi escrito no documento, foi o valor da verba de 8.3.2. com a designação “Fornecimento e aplicação de instalação fixa de extinção por CO2”, o que, consequentemente, e como emerge de forma clara e inequívoca da observação da referida listagem de preços, se deveu a lapso de escrita. Sucede que.
IV – Tal lapso não tem relevância na globalidade da proposta, não contendendo com os princípios “da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade e da própria concorrência”, ao invés do referido pela douta sentença recorrida, pelo que o mesmo deveria ter sido corrigido pela A., aqui recorrente, a convite do Júri, em vez de propor a exclusão da A./recorrente do concurso. De facto,
V – Em sede de audiência prévia, a recorrente assumiu o erro constante do lapso de não indicação do preço do artigo 8.3.2.e, bem assim, declarou suportar, a expensas suas, o custo do encargo da execução do trabalho constante da dita verba, incluído no valor global da proposta, pelo que, o valor da proposta da A/recorrente mantinha-se inalterado e não contendia, por isso, com “os princípios da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade e da própria concorrência”, mantendo-se, por isso, a proposta da recorrente a mais baixa apresentada a concurso e cumprindo, por isso, o critério de adjudicação, sendo, como tal, a mais favorável ao interesse público. Acresce que,
VI – A recorrente, aquando do exercício do direito de audiência prévia referiu que “2. O preço do Artigo em falta, corresponde apenas a um valor residual em relação ao valor global da proposta, no máximo 0,076% do valor da proposta da empresa C.,, por exemplo, não tendo qualquer tipo de expressão, nem importância predominante na Empreitada no geral”, sendo, portanto, o valor da verba em falta de cerca de €500,00. De facto, no valor global proposto pela recorrente para a execução da empreitada de 934.174,47€, o valor de €500,00 é insignificante, pois “adicionado o provável valor para ele apurado ao valor da proposta adjudicatária esta sairia sempre vencedora” (Acórdão n.º 21/09, de 2 de junho de 2009 – 1ª S/PL do Tribunal de Contas). Mais,
VII – A sociedade adjudicatária C.,, Lda.ª, concorreu à execução da empreitada em causa nos autos pelo valor de €1.075.323,97, que representa um acréscimo de €141.149,50 em relação ao valor proposto pela recorrente. Pelo que, atentas as regras da lógica da experiência comum e da proporcionalidade, tendo em conta o valor médio resultante das propostas apresentadas pelas demais contra-interessadas para a verba em falta, e, bem assim, os preços correntes de mercado – e ainda que a A/recorrente não tivesse avançado em sede de audiência prévia com o valor de “no máximo 0,076% do valor da proposta da Empresa C.,, por exemplo”- era bom de ver que, nunca o valor em falta para aquela verba, poderia ser igual ou superior aos referidos 141.149,50€, por forma a que a proposta da recorrente deixasse de ser a mais baixa, pelo que, nunca o valor em falta poderia ter influência no resultado do concurso e assim pôr em causa “os princípios da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade e da própria concorrência.”
VIII – O referido lapso deveria ser objeto de esclarecimento ou convite à correção por parte do Júri, por aplicação do artigo 249º do CC, na medida em que não afecta a vontade de contratar nem o conteúdo da declaração da recorrente, nem põe em causa o princípio da concorrência, da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade, nem da intangibilidade das propostas, como se deixou demonstrado (Neste sentido, acórdão do TCA Sul de 20.02.2015).

A Contrainteressada C.,, LDA. prescindiu do direito de produzir contra-alegações.

O Recorrido Município contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1-Para que se considere estar perante um lapso de escrita nos termos do artigo 249.º do CC, tal lapso tem de ser evidente e mais tem de ser perceptível o que é que o interessado queria efectivamente dizer. O que não ocorre na proposta do recorrente.

2-Os esclarecimentos duma proposta não a podem completar ou alterar.

3-Estando consignado nas peças procedimentais que importa a exclusão da proposta a não inclusão, entre outros, da lista de preços unitários, tem a mesma de ser excluída ante a falta dum dos preços unitários solicitados.

4- A lista dos preços unitários tem como função não só quantificar o valor a pagar, mas ainda o modo de como esse valor vai sendo pago em função dos autos de medição e bem assim avaliar o preço dos trabalhos a mais ou a menos. A falta dum dos preços unitários impediria a valorização de todos os trabalhos dessa espécie que viessem a ter de ser feitos.

5 - Deve ser rejeitada a proposta em que falte um dos preços unitários solicitados, uma vez que tal se torna um elemento essencial não só para avaliar a proposta mas ainda para depois na execução do contrato.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE DOUTAMENTE VENHAM A SER SUPRIDOS, DEVE O RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE.

Requereu, ainda, a atribuição do efeito devolutivo ao presente recurso.

O Ministério Público junto deste TCA não emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Do efeito do recurso

O Réu MUNICÍPIO DE (...) requereu a atribuição do efeito devolutivo ao presente recurso, nos termos do artigo 143.º, n.º 3, do CPTA.

Para o efeito sustenta, em síntese, que:

1. A empreitada cujo concurso/contrato está em apreciação nestes autos tem financiamento comunitário aprovado no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro 2020, aprovado por deliberação da Comissão Diretiva do Programa Operacional Regional do Centro 2020 em 29.05.2019, sendo a data de início da operação 01.06.2019 e a data de fim 30.09.2020.
2. A aprovação da candidatura está associada aos termos fixados no Aviso de Concurso para Apresentação de Candidaturas sendo que o prazo máximo de execução das operações é de 2 anos (24 meses) a contar da assinatura do Termo de Aceitação.
3. A data de fim da operação indicada no Termo de Aceitação é de 30.09.2020, no entanto poder-se-á promover prorrogações até ao limite de 2 anos (24 meses) a contar da data de assinatura do Termo pelo que, no caso dos autos, tendo sido assinado o Termo a 01.06.2019, o prazo máximo de execução da operação será até 01.06.2021.
4. O não cumprimento deste prazo implica a perda do financiamento em causa, no valor de €580.648,03 (correspondente a 85% do Investimento Elegível e a 46% do Investimento Total previsto em candidatura), correspondente a um evidente e grave prejuízo para o município.
5. Face ao prazo máximo para execução da operação de financiamento, a obra a financiar e associada ao procedimento de contratação pública “CPUB_EOP_006/2018 – Empreitada de Obra Pública – Reabilitação da Fábrica Antiga do Descasque do Arroz / Fábrica da História de (...)”, apresenta um prazo de execução de 18 meses a contar da data da sua consignação ou da aprovação do plano de segurança e saúde, sendo que esses “momentos” serão sempre depois do visto de fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
6. Sendo o prazo máximo de execução da operação: 01.06.2021, é patente que caso a obra não arranque no máximo no início de 2020 não será possível cumprir o aludido prazo.
7. Para ainda colher o visto do Tribunal de Contas este ano, de molde a possibilitar o arranque da empreitada em janeiro de 2020, é necessário que ainda no mês de dezembro seja enviado o processo administrativo ao Tribunal de Contas.

A Mm.ª Juíza “a quo” admitiu o recurso jurisdicional interposto da sentença recorrida, mas manteve o efeito suspensivo decorrente do nº 1 do artigo 143º do CPTA, argumentando que o Réu Município, ao não ter suscitado o incidente de levantamento do efeito automático suspensivo, previsto no artigo 103.º-A, se conformou com a suspensão automática do contrato já celebrado nos presentes autos.

Tal despacho de admissão de recuso tem carácter provisório. Pese embora obrigue a Mm.ª Juíza que o proferiu que, nessa medida, fica impossibilitada de alterá-lo, não constitui caso julgado formal pelo que, o mesmo não vincula o tribunal de recurso, que tem a faculdade de revê-lo porquanto é a este, através do juiz relator, que cumpre aferir da verificação, em cada caso, dos pressupostos ou requisitos legais da regularidade e legalidade da instância de recurso jurisdicional, aferição essa oficiosa e que pode implicar o não conhecimento do objeto do recurso, ou conhecendo-o, corrigir a qualificação que lhe foi dada, o momento de subida e o efeito atribuído (cfr. artigos 641º, n.ºs 1 e 5, 652º, nº 1, al b), 653º e 654º, todos do CPC – ex vi artigos 1º e 140º do CPTA).
Cumpre, portanto, apreciar e decidir.

Sob a epígrafe “Efeitos dos recursos”, o artigo 143.º do CPTA, dispõe o seguinte:
“1 - Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2 - Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:
a) Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias;
b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes;
c) Decisões respeitantes ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no n.º 1 do artigo 103.º-A;
d) Decisões respeitantes ao pedido de adoção das medidas provisórias, a que se refere o artigo 103.º-B;
e) Decisões proferidas no mesmo sentido da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”

Do artigo 143.º do CPTA supra transcrito resulta, pois, que a regra é a do recurso ter efeito suspensivo da decisão recorrida, uma vez que não se verifica qualquer das situações previstas no nº 2, prevalecendo, portanto, a estatuição prevista no nº 1, isto é, o efeito suspensivo. No entanto, a pedido da parte, o Tribunal pode alterar o efeito-regra, de acordo com o previsto nos n.ºs 3 a 5.
Em anotação ao artigo, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA explicam que “O pressuposto de que depende a alteração do efeito-regra consiste no risco de a suspensão dos efeitos da sentença durante a pendência do recurso poder originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou os interesses por ela prosseguidos. O que se pretende é que o tribunal afaste o efeito suspensivo do recurso e lhe atribua um efeito meramente devolutivo, de modo a que, se a pretensão for deferida, a sentença passe a ser exequível e deva ser imediatamente cumprida pela parte vencida, não obstante a pendência do recurso. Trata-se, portanto, de um instrumento que possibilita a execução provisória das sentenças” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, 2017, Almedina, página 1102).
Ora, no caso dos autos não foi suscitado o incidente de levantamento do efeito automático suspensivo, previsto no artigo 103.º-A, sendo que na hipótese de deferimento do levantamento do efeito suspensivo automático, na prática, seria possível a execução imediata do ato de adjudicação e do respetivo contrato. Contudo, o facto de não ter suscitado tal incidente, não significa que o Réu MUNICÍPIO não possa pedir agora a atribuição de efeito devolutivo ao presente recurso, até porque vem invocado, para a atribuição deste efeito, o interesse público, que não está na sua disponibilidade.
A factualidade na qual o Réu Município se baseia para sustentar esse efeito (vertida em 1. a 4.) encontra-se provada pela documentação que se encontra junta às suas contra-alegações.
O prazo de execução da empreitada concursada (de 18 meses) encontra-se fixado nas peças patenteadas a concurso.
O Município suportará o custo da empreitada com recurso a financiamento comunitário, sendo o prazo de execução da operação de financiamento até 01.06.2021.
O não cumprimento deste prazo pode implicar a perda do financiamento em causa (cfr. artigo 23º do Decreto-Lei nº 159/2014), no valor de €580.648,03 (correspondente a 85% do Investimento Elegível e a 46% do Investimento Total previsto em candidatura), correspondente a um evidente e grave prejuízo para o município.
A obra posta a concurso, apresenta um prazo de execução de 18 meses a contar da data da sua consignação ou da aprovação do plano de segurança e saúde, sendo que esses “momentos” serão sempre depois do visto de fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Sendo 01.06.2021 a data limite para a conclusão da operação de financiamento, é plausível que, caso a obra não arranque no início de 2020, não seja possível cumprir o aludido prazo e que o Município perca o apoio comunitário.
Face ao exposto, a suspensão dos efeitos da sentença é passível de originar prejuízo de difícil reparação para o interesse público prosseguido pelo Réu Município.

Em contraponto, a Recorrente não se veio opor a que viesse a ser atribuído efeito devolutivo ao presente recurso.
Termos em que é de atribuir efeito meramente devolutivo ao presente recurso, o que se decide.

III – Objeto do recurso

As questões suscitadas pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação, (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consistem em saber a decisão recorrida fez errada interpretação do artigo 249º do CC e dos artigos 57º, 72º e 146º do CCP, e, ainda, dos princípios da proporcionalidade, do aproveitamento do ato administrativo, da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade, e da própria concorrência, desrespeitando o critério de adjudicação da obra pública em causa.


III – Fundamentação de Facto

Dá-se por reproduzida a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, n.º 6, do CPC.

IV – Fundamentação de Direito

A Autora E., LDA e ora Recorrente instaurou a presente ação urgente, ao abrigo do artigo 100º do CPTA com vista a obter a anulação do ato de adjudicação a condenação do R. a declarar nula e de nenhum efeito a deliberação n.º 189/2019 de adjudicação da referida empreitada da obra pública à contrainteressada C., Lda., e bem assim, à prolação de novo Relatório Final em que se atenda à proposta da A., e posterior reapreciação das propostas.”
Entende basicamente que a sua proposta não deveria ter sido objeto de exclusão, como o foi (por motivo de falta de indicação de um dos preços da lista de preços unitários), no âmbito da deliberação impugnada.
O Tribunal a quo julgou a ação improcedente.
Insurge-se a Recorrente contra a decisão proferida pelo tribunal a quo imputando-lhe erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 249º do Código Civil (CC) e dos artigos 57º, 72º e 146º do Código dos Contratos Públicos (CPP), e, ainda, dos princípios da proporcionalidade, do aproveitamento do ato administrativo, da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade, e da própria concorrência, desrespeitando o critério de adjudicação da obra pública em causa.
Vejamos.
A Recorrente não indicou, na sua proposta, um dos preços da lista de preços unitários, concretamente o 8.3.2., correspondente o valor do “Fornecimento e aplicação de instalação fixa de extinção por CO2” mas defende que se tratou de um lapso de escrita e que, além do mais, o preço em falta tinha uma expressão diminuta.
Como bem aponta a sentença recorrida, não se trata, porém, do lapso de escrita previsto no artigo 249º do CC, que, a suceder, seria passível de correção a todo o tempo.
Por pertinente, transcreve-se o seguinte excerto da sentença recorrida:
“A Autora alega que a falta de indicação de preço unitário para o item 8.3.2 do Mapa de Quantidades constante do anexo F, relativo a “Fornecimento e aplicação de instalação fixa de extinção por CO2” consubstancia mero lapso, passível de correção.
Todavia, atentos os considerandos supra expostos, afigura-se que não pode proceder tal alegação.
Convoque-se desde já, o excerto do Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul de 20.10.2019, processo n.º 13488/16, no qual se refere o seguinte:
“(…) Em termos civilistas do artº 249º C. Civil, a rectificação da declaração negocial destina-se a corrigir os termos materiais da declaração anterior, traduzida em erro material de escrita ou de cálculo caso o erro seja ostensivo, no sentido de que o erro deve revelar-se no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, sob pena de, a não ser assim, o caso ficar sob a alçada do artº 247º C. Civil, regime específico do erro na declaração, também dito de erro obstáculo ou obstativo para o contrapor ao erro na formação da vontade ou erro vício.
De modo que a invocação do regime do artº 249º CC para o erro de cálculo ou de escrita só vale quando se trate de um lapso ostensivo, ou seja, detectável em face dos próprios termos do contexto declarativo em ordem a permitir concluir que, analisando a questão do ponto de vista do sujeito na posição de declaratário, ou estamos perante um “(..) erro conhecido é, como tal, irrelevante e o negócio válido tal como o declarante efectivamente o queria (..)” ou perante um erro cognoscível que “(..) é apreensível por uma pessoa de normal diligência; também aqui a chave da questão se encontra nas regras da interpretação negocial (..)”, portanto, fora do regime do artº 247º CC gizado para o domínio do verdadeiro erro na declaração, em que o erro não é nem conhecido nem cognoscível .
Por consequência, no regime fixado pelo artº 249º C. Civil, a invocação de lapso por erro de escrita ostensivo apenas colhe se tal lapso tiver apoio no contexto da declaração documentada. E só nestes termos a lei permite a sua rectificação.”
Ora, no caso dos autos, perante a total omissão do preço unitário, afigura-se que não se está na presença de mero lapso, corrigível nos termos expostos, pois que a total omissão desse preço não permite suportar o alegado lapso no contexto da declaração.
Na verdade, a Entidade Adjudicante estabeleceu como critério de adjudicação o do preço, atribuindo-lhe uma ponderação de 100% [cfr. Facto provado A)]; no Programa do Procedimento, refere-se que “São apenas admitidas propostas para a globalidade da empreitada de obra pública em concurso”(ponto 7.7.1); que “As propostas são analisadas em todos os atributos representados pelos fatores que densificam o critério de adjudicação” (ponto 8.1.1) que “São excluídas as propostas que apresentem algum(ns) dos motivos constantes nos artigos 70.º e 146.º do CCP” (ponto 8.1.2.); “A adjudicação do anexo II (Proposta e lista de preços unitários) disponibilizado pela entidade adjudicante poderá constituir também a causa de exclusão da proposta” (ponto 8.1.3.); e ainda que “Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte das mesmas, desde que: (…) b) Não alterem ou complementem os respetivos atributos.” (ponto 8.2.2); no Caderno de Encargos, refere-se que “As importâncias a receber pelo empreiteiro serão as que resultarem da aplicação dos preços unitários estabelecidos no contrato às quantidades medidas nos termos do ponto anterior, sem prejuízo do disposto no CCP quanto a trabalhos complementares e trabalhos a menos.” (ponto 2.1.2.); “Deverá ser apresentada uma proposta de preço global para a empreitada em causa, em conformidade com a minuta, a remeter, aquando do envio do respetivo Programa do Procedimento, a qual irá fazer parte do seu ANEXO II.” (ponto 2.1.2).
Foi igualmente estabelecido como causa de exclusão da proposta, designadamente a não entrega do documento contendo a lista de preços unitários, bem como a não inclusão, naquela lista, de todos os elementos solicitados, isto é, os referidos preços (cfr. artigo 7.º do Programa do Procedimento).
Portanto, face às normas regulamentares, a consequência imediata da omissão da Autora, ao não incluir na lista apresentada, preços unitários para o item 8.3.2 do Mapa de Quantidades constante do anexo F, relativo a “Fornecimento e aplicação de instalação fixa de extinção por CO2” é a exclusão, tal como foi determinado pelo Júri do Procedimento.
Afigura-se que é desde logo estabelecido no Programa de Procedimento que se trata de atributo da proposta, sendo com essa classificação que os concorrentes podem contar desde o início, bem como a cominação da sua omissão. “
Fim da transcrição.
Como refere a sentença recorrida, no caso em apreço, tratava-se não de qualquer lapso de escrita identificável e corrigível no contexto da declaração, mas da omissão de um preço parcelar (e tal como aponta o Recorrido nas contra-alegações de recurso, nem a lista de preços unitários, nem das peças apresentadas, é possível extrair qual o preço que a Recorrente quereria apresentar, pois somando todas os preços unitários da proposta da Recorrente, verifica-se que coincide com o valor global apresentado).
Com a indicação de preço para o item em falta, a Recorrente não estaria, portanto, a corrigir a proposta ao abrigo do previsto no artigo 249º do CC, mas a completar a proposta quanto a uma parcela do elemento preço, o que é inadmissível.
Prevê o art. 56º, nº 1 do CCP que: “A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.”. E diz o nº 2 que: “Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos”.
As normas que regem a contratação pública (e também, como aponta a sentença recorrida, as que, em concreto, enformam o presente procedimento), impõem a exclusão das propostas que não apresentem alguns dos seus atributos (cfr. artigo 70º, nº 2, alínea a) do CCP, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 57º do mesmo Código e 146º, nº 2, al. o)), sendo o preço, quer no seu todo, quer nas parcelas em que se decompõe, um atributo da proposta sujeito à concorrência.
O artigo 72º do mesmo CCP impõe que não possam ser prestados esclarecimentos sobre as propostas que contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, que alterem ou complementem os respectivos atributos, ou que visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70º.
Destas normas decorre que a peça fundamental do procedimento concursal, que é a proposta, está sujeita ao princípio da intangibilidade ou imutabilidade, o qual impõe que, com a sua entrega, o concorrente fique a ela vinculado, tal como foi apresentada, não podendo, por regra, alterá-la ou corrigi-la posteriormente à sua apresentação.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2015, P. nº 01355/14:
«Este Supremo vem encarando a «proposta» apresentada no âmbito de procedimento de contratação pública como verdadeira «declaração negocial» e, enquanto tal, sujeita à possibilidade de correcção de lapsos e de erros materiais manifestos, rectificáveis a todo o tempo, e sujeita à tarefa hermenêutica, como qualquer outra declaração de vontade, sendo-lhes aplicáveis, na falta de norma especial nesta matéria, as regras gerais do Código Civil, ou seja, o disposto no artigo 249º e os critérios interpretativos para os negócios formais que são ditos no artigo 238º do mesmo [ver, entre outros, AC STA de 13.01.2011, Rº 0839/10; AC STA de 22.03.2011, Rº 01042/10; AC STA de 09.05.2012, Rº 0760/11; AC STA de 30.01.2013, Rº 0878/12; e AC STA de 25.09.2014. Rº 0580/14].
Aquelas correcções, de lapsos e erros materiais manifestos, ao abrigo do art. 249º do CC, exigem que o lapso ou o erro se manifeste com objectividade, e no contexto da declaração de vontade, de modo que apenas se rectifica a forma, e não a substância, nada se acrescenta ou altera, apenas se rectifica.».
O mesmo se decidiu nos acórdãos do STA de 29.09.2016, no processo 867/16. e de 30.11.2017, no processo 0957/17.
Como já vimos, no caso em apreço tratava-se não de qualquer lapso de escrita identificável e corrigível no contexto da declaração, mas da omissão de um preço parcelar, omissão que, para que pudesse haver ulterior contratação, teria necessariamente de ser suprida, através da indicação de uma cotação para aquele item. Ora, a indicação dessa cotação, consubstanciada em aditamento de atributo (que antes dela não constava), alteraria forçosamente a proposta apresentada, atentando contra o princípio básico da sua imutabilidade no qual radica a essência do concurso público.
Assim, visto que a Recorrente omitiu um dos atributos da proposta e não cumpriu a exigência da al. a) do ponto 7.1.2 e da al. c) do ponto 7.2.2 do programa do concurso, não tinha o júri outra solução que não fosse a da sua exclusão, sendo que, nesta matéria, o júri agiu de forma vinculada (cfr. artigo 70º, nº 2, alínea a) do CPP, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 57º do mesmo Código e artigo 146º, nº 2, al. o)).
Alega a Recorrente, invocando os princípios da proporcionalidade e do aproveitamento do ato administrativo, que o júri do concurso deveria ter permitido que esta corrigisse o omissão do preço correspondente ao item 8.3.2 (fornecimento e aplicação de instalações fixas de extinção por CO 2) nos termos por esta propugnados em sede de audiência prévia (assumindo o custo zero), atendendo a que na comparação da sua proposta com a da concorrente adjudicatária, o valor omitido corresponderia no máximo a 0,076% do valor da proposta desta última empresa, para concluir que, nesse conspecto, com a aceitação da sua proposta, não ficariam beliscados os princípios da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade e da própria concorrência e que assim seria respeitado o critério de adjudicação.
Invoca para suportar aquele valor percentual o valor médio resultante das propostas apresentadas pelas demais concorrentes para a verba em falta e, bem assim, os preços correntes de mercado.
Contudo, a apreciação concreta que a Recorrente preconiza não pode ser feita, não só porque as normas referidas (das quais emerge a imutabilidade das propostas), enquanto guardiãs do núcleo duro do procedimento concursal, revestem natureza vinculada e assumem uma função de prevenção geral, tendo em vista a manutenção da ordem no âmbito dos concursos (imagine-se o que seria se, perante cada omissão de um preço parcial, o júri tivesse de fazer a reconstituição dos preços omitidos, para, no confronto com o valor das demais propostas, apurar se haveria, ou não, interferência na posição relativa das mesmas, de forma a avaliar, se podia admitir, ou não, as propostas feridas de omissões), como essa apreciação redundaria numa elaboração hipotética sobre o preço que a Recorrente teria apresentado de início, pois este preço, como decorre da alegação da Recorrente (que, em momento algum é assertivo relativamente ao valor omitido ou às circunstância em que ocorreu a referida omissão) não foi, sequer, à partida, cogitado por esta.
Tal operação, assente em dados hipotéticos, traduzir-se-ia num incontornável tratamento de vantagem da Recorrente relativamente aos demais concorrentes que cumpriram a norma relativa à apresentação dos preços parcelares, violador dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da estabilidade e da concorrência, traves mestras dos concursos públicos.
Como se lê na sentença recorrida: “Face às normas aplicáveis, a consequência imediata da omissão da Autora, ao não incluir na lista apresentada, preços unitários para o item 8.3.2 do Mapa de Quantidades constante do anexo F, relativo a “Fornecimento e aplicação de instalação fixa de extinção por CO2” é a exclusão, tal como foi determinado pelo Júri do Procedimento.
Afigura-se que é desde logo estabelecido no Programa de Procedimento que se trata de atributo da proposta, sendo com essa classificação que os concorrentes podem contar desde o início, bem como a cominação da sua omissão.”
A jurisprudência do Tribunal de Contas a que a Recorrente se refere nas alegações de recurso não tem pertinência para a situação em apreço, por ter sido prolatada no âmbito da legislação pretérita e revogada do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, no âmbito da qual era causa de exclusão das propostas a não apresentação da lista de preços unitários (cfr. al. b) do n.º 1 do artigo 73º e al. b) do n.º 2 do artigo 94º do DL n. 59/99) e não a pura e simples omissão de atributos, como agora sucede no âmbito do Código dos Contratos Públicos (cfr. al. a) do n.º 2 do artigo 70º e al. o) do n.º 2 do artigo 146º, ambos do CCP).
Improcedem, portanto, as conclusões do recurso.

V - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Registe e D.N.

Porto, 17 de janeiro de 2020


Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro