Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02509/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA, FACTURAS COM SIMULAÇÃO DO VALOR, CORRECÇÕES TÉCNICAS, ÓNUS DE PROVA.
Sumário:I – Apesar de a AT não ter feito prova da simulação do negócio subjacente, não viola as regras do ónus da prova decorrentes dos artigos 74º, 75º nº 1 da LGT e 100º do CPPT a liquidação oficiosa de IVA feita em consequência da desconsideração de determinadas facturas por haver indícios sérios dessa simulação quanto ao valor, uma vez que, havendo tais indícios, é do contribuinte o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito à dedução (artigo 75º nº 2 alª a), 74º nº 1 da LGT e 19º nº 3 do CIVA)

II - o artigo 640º nºs 1 e 2 alª a) do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente o que entende serem os factos indevidamente não provados, a decisão que devia ter sido tomada e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a)”.

III – Deve ser rejeitado, na parte correspondente, o recurso em que se consegue identificar o facto que devia ter sido dado como provado, mas não quais dizeres, de que testemunhas, gravados em que período da gravação, por si ou em conjugação com que outros concretos meios de prova, impunham aquela decisão.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

D., S.A., NIF (…), com sede na Rua (…), interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 4 de Março de 2010, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação que interpusera relativamente às liquidações oficiosas adicionais de IVA dos meses de Junho e Outubro de 2001 e juros compensatórios respectivos, no valor total 8 620,94 €, procedendo correcções aritméticas à matéria colectável, efectuadas no seguimento de uma acção de fiscalização.

Rematou as suas alegações com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1) Verifica-se a nulidade dos actos tributários em virtude da preterição de formalidades legais (nulidade das notificações), sem conceder, da ausência/vício da fundamentação dos actos tributários impugnados.
2) A sentença recorrida viola, assim, o disposto nos arts. 36.° e 37. °, do CPPT, 77 da LGT, e 268.°, n.° 3, da CRP.
Sem conceder,
3) Como aliás foi do parecer o próprio Ministério Público, a impugnação deve ser julgada procedente.
4) Não é legítimo ao Tribunal contrariar toda a prova produzida e decidir como decidiu socorrendo-se dos depoimentos prestados pelos dirigentes do “V.” que constam apenas do processo administrativo e não foram, portanto, ouvidos nem contraditados em Tribunal, e que não passam de afirmações generalistas sem referência directa ao caso concreto em apreciação.
5) Com efeito, o facto de os referidos dirigentes terem declarado que “era prática corrente” não permite sem mais provar e concluir que uma eventual “prática corrente” tivesse sido uma prática neste caso concreto... sobretudo quando é o próprio Tribunal que reconhece que tais depoimentos são contraditados pelos documentos constantes dos autos e pelos depoimentos testemunhais produzidos em audiência de julgamemento.
6) A escrita e contabilidade da impugnante não contém qualquer incorrecção e é absolutamente fidedigna, sendo corroborada pela documentação relativa ao negócio (contrato, cheques e facturas) junta aos autos e pelos depoimentos das testemunhas inquiridas.
7) As facturas nas quais o IVA vem mencionado titulam operações reais, pelo que o IVA em causa corresponde sem dúvida a imposto dedutível nos termos do art. 19.°, n.° 1, do C1VA.
8) Os actos tributários impugnados violam, pois, os arts. 19.°, n.° 1, do CIVA, e os arts. 74.° e 75.°, da LGT.
9) Dessa violação resulta errónea qualificação e quantificação de factos tributários e indevidos juros compensatórios.
10) Verifica-se a ilegalidade dos actos tributários impugnados nos termos do art 99°, designadamente da al. a), do CPPT, devendo tais actos ser declarados nulos, sem conceder, anuláveis.
11) Deste modo, relativamente aos períodos de Junho e Outubro de 2001, deverá manter-se o resultado declarado, não se considerando as correcções.
12) Consequentemente, pelos mesmos fundamentos, é também ilegal o montante de imposto a pagar no valor de 7.207,63 Euros liquidado, bem como os respectivos juros compensatórios.
13) Sem conceder, sempre seria de verificar-se a dúvida a que alude o art. 100.°, do CPPT, a legitimar a anulação dos actos impugnados.
14) Aliás, por força do disposto no art. 74°, da LGT, cabe à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua actuação, designadamente, cabe-lhe o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto em que assenta a liquidação.
15) Mais, nos termos do disposto no art. 75°, da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
16) A douta sentença recorrida violou, pois, o disposto nos arts. 19.°, n.° 1, do CIVA, 74.° e 75.°, da LGT, e 100.°, do CPPT.
17) Em face do exposto, deve ser julgada procedente a impugnação e, em conformidade:
a) Serem declaradas nulas, sem conceder, anuláveis, e, em consequência, ser anuladas as liquidações de IVA relativas aos períodos de Junho e Outubro de 2001 e as liquidações dos juros respectivos juros compensatórios, com as demais consequências legais, em virtude de as mesmas serem ilegais, nos termos das alíneas a), c) e d) do art. 99.°, do CPPT;
b) Sem prescindir, serem as mesmas liquidações anuladas, nos termos do disposto no art.º 100.°, n.º 1, do CPPT.
Termos em que e os mais que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e a douta sentença recorrida ser revogada em conformidade com o acima exposto em sede de conclusões.
Assim se fará JUSTIÇA.
*
Notificada, a Fazenda Pública não respondeu à alegação.
*
A Digna Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da procedência do recurso em termos redutíveis ao seguinte segmento:
«(…)
Mesmo continuando no pressuposto de que a AT cumpriu o ónus probatório dos indícios suficientes para que ficasse legitimada a considerar verificados os pressupostos da sua actuação constantes do art.0 82.°, n.° 1 do CIVA, e que, nessa hipótese, competia à impugnante ora recorrente a prova da realidade das operações subjacentes às facturas, parece-nos que a apreciação crítica da prova produzida deveria levar a concluir no sentido de que a impugnante , ora recorrente, comprovou a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou. Vejamos:
1. Pese embora o relacionamento profissional das testemunhas inquiridas com a impugnante, ora recorrente, não se pode deixar de concluir que afirmaram peremptoriamente terem sido pagas integralmente ao emitente das facturas os valores que titulavam.
2. A favor do emitente das facturas passou a impugnante dois cheques, cujo valor total supera o valor das facturas acrescido do IVA liquidado, e foram depositados na conta n.° 4099045001 do BTA, conta essa que, ao que tudo indica, pertence ao emitente das facturas ( referimos que tudo indica que o seja porque, apesar do RIT não esclarecer, são os dirigentes do clube emitente das facturas a confirmar que dos respectivos valores apenas cativavam um parte e o valor total do IVA, devolvendo o diferencial às firmas ).
Há, assim, prova documental da existência de um contrato de publicidade e de que, para cumprimento do mesmo o comprador - a ora impugnante - registou como custos as facturas A6 e A14, pelos valores (valores das facturas e do IVA liquidado) constantes do Quadro II do RIT.
Também a impugnante exibiu no RIT cópias dos meios de pagamento das facturas, através de dois cheques cujos valores foram depositados na conta do emitente.
E se os fluxos financeiros correspondentes a esses cheques não foram integralmente entregues ao S: P. emitente das facturas - tese essa adiantada por declarações prestadas pelos seus responsáveis ao longo do procedimento tributário, impunha-se que a prova nesse sentido se efectuasse em audiência de julgamento, para que fosse apreciada criticamente pelo julgador e cotejada com os demais elementos probatórios produzidos.»
*

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II – Apreciação do Recurso
Enunciação das questões a decidir

Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
A frequente invocação, nas conclusões supra-transcritas, da violação das alíneas a) a c) do artigo 99º do CPPT, suscita-nos um esclarecimento:
Este artigo não define concretas e determinadas causas de ilegalidade do acto tributário, antes se limita a enunciar, em abstracto e exemplificativamente, três espécies das ilegalidades invalidantes do acto tributário que podem ser causa de pedir da forma de processo de impugnação judicial, definindo deste modo o que pode ser e não pode ser o objecto desta forma de processo tributário.

Assim, não se tratará de discutir se os actos impugnados ou a sua notificação violam o artigo 99º do CPPT.

Se não resultarem prejudicadas, as questões colocadas pelo Recorrente a este tribunal de recurso são, portanto, as seguintes:

1 ª questão:
Errou, a sentença recorrida, no julgamento em matéria de direito, violando os artigos 36º, 37º e 77º e 268º nº 3 do CPPT, por ter julgado que os actos impugnados não eram nulos nem anuláveis, apesar de na respectiva notificação terem sido preteridas as formalidades legais previstas nos artigos 36º e 37º e de do instrumento de notificação dos mesmos não constar qualquer fundamentação?

2ª Questão
DE qualquer modo, errou, a sentença recorrida, no julgamento da matéria de facto, por ter violado a regras do ónus da prova constante do artigo 74º e as resultantes do artigo 75º da LGT e do artigo 100º do CPPT?

3ª Questão
De qualquer modo, errou, a sentença recorrida, na apreciação da prova produzida, violando em consequência o artigo 19º nº 1 a) do CIVA, ao não julgar provado que os preços objecto das facturas emitidas pelo “Vilanovense Futebol Club” e desconsideradas pela AT correspondiam (não eram superiores) à realidade efectivamente acordada e paga pela Impugnante?

Da sentença recorrida:

Em ordem a tomar a decisão agora sob sindicância, a Mmª Juiz a qua deu por provados e não provados os seguintes factos, com os seguintes fundamentos:
II – MATÉRIA DE FACTO APURADA
♦ A impugnante, para efeitos de IVA, no ano de 2001, encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, pelo exercício da actividade de “publicidade”.
♦ Na sequência de uma acção de inspecção realizada pela Administração Fiscal, tendo como objectivo enquadrar infracções encontradas (em sede de IRC e IVA), que teve origem numa inspecção ao “V.”, procederam-se às correcções técnicas que se mostraram devidas, designadamente de € 7.207,63 de IVA em falta, por ter sido deduzido indevidamente.
♦ O relatório final de acção inspectiva consta de fls. 28 a 37 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, concluindo que “(…) em face dos contornos das operações referidas, afigura-se estarmos perante indícios que nos levam a concluir pela existência de facturação que tem por base negócios simulados no que respeita ao seu valor, consubstanciando condutas ilegítimas que visam a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias. (…)
Estamos perante imposto mencionado em facturas que titulam operações com preço simulado, pelo que nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, não conferem o direito à dedução, na sua totalidade. (…)”
♦ O teor do relatório de inspecção e a decisão proposta de efectuar liquidações adicionais de IVA foram apropriados pelo despacho proferido, em 22/08/2005, com delegação de assinatura do Chefe de Divisão, J. (com subdelegação de competências do Director de Finanças Adjunto – cf. fls. 269 do processo administrativo apenso aos autos.
♦ Em 29/08/2005, foram notificadas à ora impugnante o teor das correcções resultantes da acção de inspecção, tendo-se anexado, como parte integrante da notificação, as conclusões do relatório de inspecção tributária – cf. fls. 24 e 25 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
♦ As liquidações adicionais de IVA ora impugnadas têm como data limite de pagamento o dia 30/11/2005 – cfr. fls. 18, 19, 20 e 21 do processo administrativo apenso.
♦ Em 13/12/2005, a impugnante deduziu a presente impugnação judicial – cfr. fls. 2 do processo físico.
♦ Em 30/04/2001, foi celebrado um contrato de publicidade entre a impugnante e o “V.” – cfr. documento n.º 7, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
♦ O “V.” emitiu a factura A6, em 30/06/2001, no montante de €43.789,70 – cfr. documento n.º 5, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
♦ O “V.” emitiu a factura A14, em 24/10/2001, no montante de €35.015,76 – cfr. documento n.º 6, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
♦ O contrato de publicidade foi rescindido antes do seu termo, por o “V.” não prestar a manutenção às faixas e placards publicitários (conforme cláusula III do acordo), tendo-se efectuado um acerto final.
Dá-se, também, por integralmente reproduzido o teor dos documentos n.º 8 e 9 juntos com a petição inicial, consubstanciados em cheques à ordem do “Vilanovense”.
Dá-se, igualmente, por reproduzido o teor das declarações prestadas por N., F., J. e F. – cfr. auto de fls. 44 a 47 do processo administrativo apenso aos autos.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos (que não foram impugnados), nos ínsitos no processo administrativo apenso aos mesmos e no depoimento prestado pelas testemunhas apresentadas pela impugnante.
Não se logrou provar, com a segurança e certeza exigíveis, quais foram concretamente os valores efectivamente pagos ao “V.” pela publicidade efectuada no seu campo de jogos, pela publicidade sonora em dias de jogos, pelo patrocínio às camadas jovens do clube, bem como pela publicidade colocada no autocarro do “Futebol Juvenil”.
Note-se que não estava em causa efectuar prova de as faixas publicitárias terem sido colocadas no campo, sendo, por isso, irrelevante o facto de as testemunhas ouvidas nunca terem visto a publicidade.
Na óptica da Administração Fiscal, foram reunidos indícios claros de existir discrepância entre os valores pagos pela impugnante a título de publicidade e os valores constantes das facturas emitidas pelo “V.”, tendo concluído que ocorreu simulação do negócio no que respeita ao seu valor.
De salientar que as declarações prestadas pelo Presidente, pelo Presidente adjunto, pelo Vice-Presidente e pelo Caixa do “V.” estão em contradição com as prestadas em tribunal pelas testemunhas indicadas pela impugnante.
Na verdade, do depoimento das testemunhas resultou, apesar de não terem concretizado valores, que os montantes pagos correspondiam aos constantes do contrato de publicidade formalizado; e que este foi rescindido antes do seu termo, por o “V.” não ter prestado a manutenção às faixas publicitárias que lhe competia, daí se ter efectuado um acerto final, pagando apenas o valor correspondente ao período em que foi efectivamente efectuada a publicidade.
Contudo, os factos que decorrem dos depoimentos testemunhais não são consentâneos com os prestados pelos dirigentes do clube, descredibilizando-os. Na verdade, conforme consta do termo de declarações de fls. 44 a 47 do processo administrativo, “(…) era prática corrente (…) a emissão de facturas de publicidade para algumas firmas, de cujos valores o clube apenas cativava uma percentagem e o valor total do IVA, sendo o diferencial (…) entregue às firmas, porque de outra forma não conseguiríamos obter receitas necessárias à actividade do clube. (…)
Assim, o tribunal não conseguiu formar convicção segura acerca dos valores que foram efectivamente recebidos pelo “V.” a título de publicidade efectuada à impugnante. Aliás, mostra-se mais credível, atenta a experiência em situações semelhantes, que apenas fosse efectivamente recebido 10% do montante facturado, pois apenas valores dessa ordem seriam aliciantes para a impugnante, estando em causa publicidade num clube praticamente sem visibilidade (apenas a tendo num âmbito local muito restrito).
Uma vez que, da articulação do conjunto da prova produzida nos autos, não se mostram concretizados esses montantes, não é possível retirar a conclusão que o preço facturado é real.

Condensada a decisão recorrida em matéria de facto, atentemos nas questões, acima enunciadas, em que se analisa a crítica da sentença recorrida:

1ª Questão:
Segundo a Recorrente, a sentença recorrida teria violado os artigos 36º e 37º do CPPT e 77º da LGT, bem como o artigo 268º nº 3 da Constituição, por ter julgado que os actos impugnados não eram nulos nem anuláveis, apesar de na respectiva notificação terem sido preteridas as formalidades legais impostas nos sobreditos artigos 36º e 37º, com referência ao conceito de fundamentação do acto tributário que se respiga do artigo 77º da mesma Lei.
Como mui bem se discorreu na sentença recorrida, a notificação do acto administrativo tributário não o integra antes lhe é exógena e o tem por objecto.
A recorrente insiste nessa confusão, alegando a nulidade ou ao menos a anulabilidade dos actos, por via da preterição de formalidades essenciais que aponta à notificação.
A violação das garantias legais e constitucionais relacionadas com a notificação do acto – obviamente – também é legalmente tutelada. Porém, essa sanção não passa, nem podia, logicamente, passar pela invalidade do acto não notificado ou notificado com preterição de formalidades essenciais, antes e apenas consiste na ineficácia do acto em relação ao contribuinte, conforme dispõe expressamente o artigo 36º nº 1 do CPPT.
Tal sanção, note-se, de modo nenhum é despicienda. Desde logo, prazos como o da caducidade do direito a liquidar o tributo continuam a correr enquanto a notificação válida ou validada da liquidação não ocorrer; e a dívida liquidada não pode ser cobrada coercivamente. Veja-se, a este propósito, a alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, onde se enuncia a falta de notificação da liquidação do tributo como um dos fundamentos taxativamente previstos como invocáveis no processo tributário de oposição à execução fiscal.
Assim, quaisquer que possam ser as formalidades legais preteridas na notificação dos actos impugnados, não é por via delas que estes poderão ser declarados nulos ou anulados.
Tanto que basta para a improcedência do recurso por esta via.

2ª Questão
De todo o modo, terá a sentença recorrida, no julgamento da matéria de facto, violado a regra do ónus da prova constante do artigo 74º nº 1 e as resultantes do artigo 75º da LGT e do artigo 100º do CPPT?
Para melhor entendimento, transcrevemos as normas invocadas:
Artigo 74º
1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
(…)
Artigo 75.º
Declaração e outros elementos dos contribuintes
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
Artigo 100º do CPPT
Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos
1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
(…).
Não, foi, porém, com base em prova acabada feita pela AT ou feita em juízo, da falsidade do valor das facturas, que a AT pressupôs estarem reunidos os prossupostos para se considerar que nenhuma das facturas em causa correspondia ao valor real das operações reais; e que a sentença recorrida confirmou esse juízo, se não com base numa inversão do ónus da prova, inversão cuja fonte normativa a sentença situa no disposto no artigo 82º nº 1 do CIVA.
A nosso ver, essa inversão já ao tempo tinha e tem fundamento na lei geral tributária, designadamente no nº 2 alª a) do mesmo artigo 75º da LGT, que reza assim:
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
Por sua vez, a norma do artigo 100º do CPPT, como norma que institui uma ultima ratio, é afastada, atentos os elementos lógico e sistemático da interpretação, pela norma do artigo 75º nº 2 da LGT, que, a montante, institui uma inversão do ónus da prova.
Ora, o que o relatório inspectivo e a matéria de facto assente na sentença recorrida abundantemente revelam é que a AT, a partir de determinados factos, que enunciou no relatório, concluiu que o valor efectivamente pago pelo serviço de publicidade fora muito inferior ao facturado, pelo que desconsiderou as facturas em causa, enquanto relativas a um negócio simulado quanto ao valor, conforme o imposto pelo artigo 19º nº 3 do CIVA: “Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.
A partir daqui passou a recair sobre o ora Recorrente, nos termos do nº 2 do artigo 75º da LGT, acima transcrito, o ónus de provar a realidade dos preços constantes das duas facturas desconsideradas. De um ponto de vista específico do IVA – o do regime do direito à dedução (artigo 19º do CIVA) – também podemos dizer que, conforme o artigo 74º nº 1 acima transcrito, passa a ser do sujeito passivo o ónus de provar a realidade do facto em que assenta o seu invocado direito a deduzir, a saber, a realidade do negócio titulado em factura ou documento equivalente.
Para concluir a apreciação do respeito, pelos actos impugnados e pela sentença recorrida, das sobreditas regrar de ónus da prova, é mister julgar, agora, se a AT cumpriu com o seu ónus de provar os pressupostos daquela inversão do ónus da prova contra o sujeito passivo aqui impugnante.
Conforme se sumariou no acórdão do pleno do STA no recurso 0587/15 de 16/3/2016http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0e800a8c1dcb059f80257f8b005023e8?OpenDocument&ExpandSection=1:
I - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.
Note-se, aliás, que só pressupondo este entendimento é concebível a inversão do ónus da prova, pois, uma vez feita, pela AT, a prova do facto simulação, já não teria sentido facultar a outrem a prova do contrário.
Cumpre-nos, portanto, perguntarmo-nos se a AT fez, no procedimento e ou em juízo, a prova de factos de que resultem, ao menos, sérias e objectivas suspeitas de as facturas desconsideradas não corresponderem à realidade, ao menos quanto ao preço, nos sobreditos termos.
Ora, revisitada a enunciação doa factos provados, inclusivamente o teor do relatório da inspecção tributária em que se fundaram os actos impugnados, verificamos que os factos que a AT invocou e provou e que nem mesmo a Impugnante contesta, sugerem forte verosimilhança daquela simulação de preço. Tais factos vão desde a inexistência de rasto, na contabilidade do clube, de receitas com publicidade minimamente correspondentes ao facturado (as facturas totalizam 67 337,71 €, mas as recitas de publicidade registadas ficam-se por 6 733,77 €), passando pelas declarações dos dirigentes e do “caixa” do clube, inquiridos no procedimento, de que era prática corrente, nesse ano, o clube apenas ficar com uma pequena parte do facturado com publicidade, mais o valor do IVA facturado, devolvendo o resto ao utilizador da factura, pela desconformidade entre as numerações das facturas na contabilidade da impugnante e do emitente, pela divergência entre os valores das facturas e os próprios cheques apresentados como sendo os do pagamento, até à visível penúria do clube, sustentado ultimamente por suprimentos dos sócios, sendo certo que, se dispusesse efectivamente das importância facturadas teria uma situação desafogada.
Estes “factos-indicio” – em si mesmos – foram dados como provados, uns descritos directamente, outros por remissão para o relatório inspectivo, dado como reproduzido na sentença recorrida. Quanto às declarações vejam-se fs. 44 e sgs do P.A.
A recorrente não se insurge contra a prova deles, ou, pelo menos não o faz por modo que satisfaça o ónus que para o impugnante da matéria de facto decorre do artigo 640º nº 1 e 2 do CPC, já que não indica que factos, de entre estes, não deviam ter sido dados como provados e porquê.
Assim entendemos que a AT fez efectivamente prova de factos constitutivos da perda, pela impugnante, da presunção de veracidade das suas declarações (conferida pelo nº 1 do artigo 75º da LGT) e da inversão, contra a mesma impugnante, do ónus da prova da veracidade das mesmas, nos termos do nº 2 do mesmo artigo e bem assim da conjugação dos artigos 74º nº1 da LGT e 19º nºs 1 e 3 do CIVA, pelo que não procede a alegação de violação, pela sentença recorrida, das regras do ónus da prova decorrentes dos artigos 74º nº 1 e 75º nº 1 da LGT e 100º do CPPT.

3ª Questão
Alega, a Recorrente, que a sentença recorrida também errou na apreciação da prova produzida, violando, em consequência, o artigo 19º nº 1 a) do CIVA, ao concluir pela não prova de que os preços objecto das facturas emitidas pelo “V.” e desconsideradas pela AT correspondiam (não eram superiores) à realidade efectivamente acordada e paga pela Impugnante.
Já vimos que e por que tal prova era ónus da Recorrente.
Efectivamente a sentença recorrida, laborando, e bem, neste pressuposto, julgou que a Recorrente não logrou desincumbir-se de tal ónus, provando a realidade dos preços contantes das duas facturas sub juditio.
Note-se, a sentença não julgou provada a prova da falsidade dos preços, apenas não deu como provada a veracidade dos mesmos, que considerou estar a cargo da impugnante.
Assim, a questão que se nos coloca, como se enunciou supra, tem por objecto um juízo de não prova e não o de prova.
Sucede que, no que diz respeito a esta questão, a Recorrente não cumpre com o ónus que para o recorrente em matéria de a apreciação da prova resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 640º do CCivil. Com efeito, o artigo 640º nºs 1 e 2 alª a) do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente o que em seu entender são factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, a decisão que devia ter sido tomada e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada, sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Lidas as alegações de recurso da impugnante, é possível entender que o facto que a Recorrente considera indevidamente não provado é esse da veracidade do preço dos serviços de publicidade, que consta das facturas, e que a decisão em seu entender devida era a de julgar esse facto provado.
Já quanto aos meios de prova que impunham essa decisão não se logra respigar, daquela peça, o suficiente para se ter por cumprido aquele ónus.
É certo que se critica o facto de se ter dado valor às declarações de dirigentes e funcionário do clube, obtidas apenas na inspecção, em detrimento das testemunhas ouvidas em audiência, no sentido da realidade dos preços (posto que sem os quantificarem) e de toda a restante prova alegadamente produzida no processo, em sentido contrário. Mas fica por dizer que dizeres, de que testemunhas, gravados em que período da gravação, por si ou em conjugação com que outros concretos meios de prova, determinavam a decisão pela prova da realidade dos preços facturados.
Como assim, o tribunal tem de rejeitar a apreciação desta última causa de recorrer, nos termos do citado artigo 640º nºs 1 e 2 a) do CPC.

O recurso é, assim, improcedente, por improcederem todas as questões suscitadas como seu fundamento.

Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar improcedente o recurso, mantendo na ordem jurídica a sentença recorrida e as liquidações impugnadas.
*
Custas pela Recorrente: artigo 527º do CPC.
*
Porto, 11 de Março de 2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Santos da Nova
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos