Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00510/13.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE
ARGUIÇÃO POR TERCEIRO DEPOIS DE PROFERIDA A SENTENÇA
CASO JULGADO
Sumário:1. O despacho em que foi decidida a nulidade da venda de um bem imóvel a requerimento de terceiro, é susceptível de reclamação para o tribunal nos termos dos art. 276 e segs.. do CPPT pelo adquirente lesado com a decisão.
2. Os requerentes da nulidade da venda e beneficiados com o despacho, devem ser notificados para responder à reclamação.
3. Se não forem notificados, comete-se uma irregularidade processual que influi no exame e decisão da causa.
4. Esta irregularidade deve ser arguida perante o tribunal.
5. O tribunal pode anular os termos subsequentes à omissão irregular, que dela dependam absolutamente. Incluindo a sentença entretanto proferida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
A “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A…” deduziu contra “Estrela…” (e outros) ação declarativa de condenação pedindo o reconhecimento do direito de preferência na compra e venda do R-2…/Penacova com todas as consequências legais nomeadamente a de a A. se substituir à Ré compradora na citada escritura, assim como em qualquer inscrição predial ou registral que a seu favor tenha sido efectuada, ficando a douta sentença que assim o julgar a constituir título translativo de propriedade.

Na sentença homologatória de 1/7/2010 foi reconhecido à “Herança” o direito de preferência sobre o R-2…/Penacova e ordenada a entrega do imóvel à A (Herança).

No âmbito de um processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade “Estrela …” foi penhorado e vendido um imóvel.
A “Herança” requereu a anulação administrativa da venda.
O que foi atendido e assim ordenada a anulação da venda do imóvel.
Os adquirentes (por exercício do direito de preferência) reclamaram para o tribunal de Coimbra, pedindo a anulação do despacho.
E alcançaram sentença favorável.
Depois de proferida esta, a “Herança” arguiu a nulidade processual decorrente da sua falta de citação para a ação.
Apreciada esta arguição, a MMª juiz «a quo» determinou a anulação de todo o processado a partir do despacho de admissão da reclamação, aproveitando-se a notificação e resposta da Fazenda.

O recurso.
Inconformados com tal despacho, os reclamantes dele recorreram formulando alegações e concluindo como segue:

a) A douta sentença de fls. 441 a 452 dos autos, datada de 11.10.2013, que decidiu a presente reclamação era passível de recurso nos termos facultados pelo disposto nos artigos 280º, nº 1 e 283º do CPPT.
b) Em virtude de contra essa sentença de 11.10.2013 não ter sido interposto em tempo qualquer recurso, a mesma transitou em julgado.
c) O artigo 278º, nº 2 do CPPT não prevê nem impõe a notificação de quaisquer outros eventuais nteres5ados na presente acção, para além das entidades ai referidas, para responder à reclamação, não existindo, por conseguinte, qualquer obrigação decorrente da lei de notificação da aludida Herança, ora recorrida.
d) De facto, a Herança ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A... não é parte principal nos presentes autos.
e) Inexiste assim qualquer nulidade decorrente da alegada falta de citação da Requerente Herança líquida e Indivisa por óbito de A... para contestar a reclamação, conforme aquela alegou no seu requerimento de 25.10.2013.
f) Ao não recorrer da douta sentença de 11.10.2013 no prazo legal e ao deixar que a mesma transitasse em julgado, a Requerente Herança perdeu o direito a ver apreciada no recurso a invoca nulidade processual.
g) O requerimento datado de 25.10.2013, através do qual é suscitada a invocada nulidade processual, não é o meio legalmente idóneo, nem adequado à arguição, apreciação e decisão da invocada nulidade processual.
h) Como a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A... não Interpôs recurso da sentença de 11.10.2013 nos termos e condições previstos na lei, o Mmº Juiz a quo não podia conhecer da invocada nulidade processual em sede de reclamação, por se encontrar já esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa, nos termos prescritos no artigo 613º, nº1 do NCPC.
i) A douta decisão sob recurso violou as normas legais contidas nos artigos 278º, nº 2, 280º, nº 1 e 283º do CPPT e artigos 613º, nºs 1 e 2, 615º, nºs 1 e 4, 617,º nº 1, 627º nº1, 628º, e 631º nºs 1 e 2 do NCPC.

Termos em que e nos melhores de direito, pelas razões e fundamentos supra expostos, deve der julgado procedente o presente recurso, revogando o douto despacho recorrido de fls. 488 a 490, datado de 13.01.2014, e considerando transitada em julgada a douta Sentença de fls. 441 a 452 dos autos, datada de 11.10.2013, com as legais consequências,
como é de
JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela incompetência deste TCAN em razão da hierarquia.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se importa apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, circunscrevem-se à questão de saber se o despacho padece de ilegalidade.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
Nulidade processual:
A Herança líquida e indivisa, aberta por óbito de A..., veio invocar a nulidade processual no âmbito do processo de anulação de venda porquanto não foi notificada para efeitos da reclamação do art. 276° do CPPT, interposta pelos reclamantes para este TAF.
Notificados os intervenientes da nulidade e ouvido o M°P°, ambos pugnaram pela improcedência da nulidade.
**
Correu no processo de execução 3050-2009/01006630 e apensos, incidente de anulação de venda prevista no art. 257°, do CPC, requerido pela Herança ilíquida e indivisa.
No âmbito de tal pedido de anulação de venda o órgão de execução fiscal preferiu despacho de fls.262 no qual decretou a nulidade da venda e ordenou a notificação de todos os interessados.
Desta decisão reclamam para este tribunal os compradores do bem cuja venda se anulou.
Neste tribunal a reclamação foi recebida e apenas a Fazenda Pública foi notificada para responder.
Cumpre decidir.
O art. 257° do CPPT estabelece as condições objetivas e subjetivas do pedido de anulação da venda em processo de execução fiscal. Ou seja, quem pode requerer a anulação de venda, em que prazo e a entidade a quem é dirigido o pedido.
Dispõe o n°4, da citada norma que são ouvidos todos os interessados, sendo estes também os notificados da decisão que vier a ser proferida.
Da decisão expressa ou tácita sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do art. 276° do CPPT.
Deste modo, o art. 278°, n°2, tem de ser lido em conjugação com aquela norma que estipula as regras sobre o pedido de anulação de venda.
Tal facto implica necessariamente a notificação da reclamação a todos os interessados na venda, nomeadamente quem suscitou a questão da nulidade da venda.
A nulidade em causa importa segundo o art. 201°, n°2 do CPC a anulação de todos aqueles atos que dele dependam.
Com efeito, o art. 201° do CPC dispõe que: (...) a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (sublinhado nosso)
Ora,
Se lei manda que todos os interessados devem ser ouvidos sobre o pedido de anulação da venda, tendo esta sido decretada, em reclamação para o tribunal todos os interessados, para além de que reclama, a par da Fazenda Pública, (enquanto parte reclamada), têm de ser igualmente notificados para responder àquela reclamação no prazo de 8 dias (art. 278°, n°2, do CPPT).
Não há dúvida que há falta de notificação, omissão de um ato que a lei prescreve, que influi na decisão da causa.
No quadro desenhado a Herança tem todo o interesse em ser ouvida e contradizer a reclamação dos compradores que vêm questionar a decisão de anulação da venda.
Nestes termos, decide-se anular todo o processado a partir do despacho de admissão da reclamação, aproveitando-se a notificação e resposta da Fazenda.
Em consequência, determina-se a notificação de todos os interessados entre eles, executada e compradores»

III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Quanto à competência em razão da hierarquia deste TCAN.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto veio invocar a incompetência deste tribunal em razão da hierarquia por considerar, em síntese, que do conteúdo das conclusões os recorrentes «…apenas põem em causa a interpretação e aplicação da lei que foi feita pelo TAF do Porto, na decisão recorrida, relativamente à questão decidir» pelo que a competência para conhecer do recurso cabe à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a quem os autos devem ser remetidos.

Resulta do disposto no artigo 26º, alínea b) e do artigo 38º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do artigo 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que ao Tribunal Central Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, compete conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância, excepto quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, situação em que a competência será da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

É certo que nas conclusões de recurso não é manifesta qualquer controvérsia factual a dirimir. No entanto, afigura-se-nos - sdr por diferente opinião-, que uma correcta apreciação da questão impõe o aditamento oficioso de alguns factos nos termos do art. 662º/1 do CPC.

E assim, nessa estrita medida, não se poderá afirmar que a matéria controvertida neste recurso se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados, sendo, por isso, de concluir que a competência em razão da hierarquia para conhecer do mesmo pertence a este tribunal.

Improcede, pois, a excepção invocada.


Aditamento oficioso de factos, aqui se incluindo os factos constantes do despacho, para facilidade de compreensão:
1. A “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A...” deduziu contra “Estrela … (e outros) ação declarativa de condenação pedindo o reconhecimento do direito de preferência na compra e venda do R-2.../Penacova com todas as consequências legais nomeadamente a de a A. se substituir à Ré compradora na citada escritura, assim como em qualquer inscrição predial ou registral que a seu favor tenha sido efectuada, ficando a douta sentença que assim o julgar a constituir título translativo de propriedade.
2. Por sentença proferida no TJ de Penacova de 1/7/2010 foi reconhecido à “Herança” o direito de preferência sobre o R-2.../Penacova e ordenada a entrega do imóvel à A (Herança - fls. 282, 1º vol).
3. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 305020090100630 e apensos instaurado contra “Estrela …, Lda”, foi penhorado o R2.../Penacova (fls. 49 do 1º vol)
4. Este bem foi vendido e adjudicado a Arménio Morais dos Santos em exercício do direito de preferência. (idem)
5. Correu no processo de execução 3050-2009/01006630 e apensos, incidente de anulação de venda prevista no art. 257°, do CPC, requerido pela Herança ilíquida e indivisa (fls. 221, II vol.).
6. No âmbito de tal pedido de anulação de venda o órgão de execução fiscal preferiu despacho de fls.262 no qual decretou a nulidade da venda e ordenou a notificação de todos os interessados (fls. 262, ou 337 numeração azul).
7. O pedido de anulação da venda foi formulado em 18 de Fevereiro de 2013 e o despacho foi proferido em 17/6/2013 (fls. 293 e 262).
8. Desta decisão reclamaram para o TAF de Coimbra os compradores do bem cuja venda se anulou (fls. 7, I vol.).
9. No TAF a reclamação foi recebida e apenas a Fazenda Pública foi notificada para responder (fls. 403).
10. Por sentença de 11 de Outubro de 2013 foi concedido provimento à reclamação e anulado o despacho reclamado (fls. 441 e segs..)

Posto isto, passemos à apreciação das questões suscitadas neste recurso.

Os reclamantes insurgem-se contra o despacho recorrido que determinou a anulação de todo o processado, incluindo a sentença que anulou o despacho que anulara a venda, considerando-o ilegal por três ordens de razões que sintetizamos:

(1) A herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A... não é parte principal nos presentes autos, pelo que não tinha de ser notificada para responder à reclamação (conclusões c) d e e).
(2) A sentença que revogou o despacho transitou em julgado por dela não ter sido interposto qualquer recurso, estando assim esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (conclusões b e h).
(3) O requerimento através do qual se argui a nulidade processual não é o meio legalmente idóneo nem adequado à arguição apreciação e decisão da invocada nulidade processual (conclusões f) e g).

Vejamos então a primeira questão que gira em torno de saber se não sendo a “Herança” parte principal nos autos deveria, ou não, ser notificada para responder à reclamação apresentada pelos reclamantes, ora recorrentes.

A análise desta matéria pressupõe saber-se «quem é» a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A... e só depois estamos em condições de nos pronunciarmos sobre o seu direito de intervir na reclamação intentada pelos ora recorrentes.

Ora, a “Herança” deduziu contra “Estrela… (e outos) ação declarativa de condenação pedindo o reconhecimento do direito de preferência na compra e venda do R-2.../Penacova com todas as consequências legais nomeadamente a de a A. se substituir à Ré compradora na citada escritura, assim como em qualquer inscrição predial ou registral que a seu favor tenha sido efectuada, ficando a douta sentença que assim o julgar a constituir título translativo de propriedade (fls. 243).
Na sentença homologatória de 1/7/2010 foi reconhecido à “Herança” o direito de preferência sobre o R-2.../Penacova e ordenada a entrega do imóvel à A (Herança).

Nos autos de execução de que vem esta reclamação foi vendido o R-2.../Penacova. Venda que entretanto foi administrativamente anulada por requerimento da referida “Herança”.

Ora, dado ser impugnado um despacho que satisfez as pretensões da “Herança”, parece claro que esta tem um manifesto e legítimo interesse na manutenção do acto, daí resultando que não podia deixar de ser notificada para fazer valer os seus direitos no processo em que se discute e legalidade da anulação da venda, como emana do disposto no art. 57º do CPTA.

E como bem se refere no despacho recorrido
«O art. 257° do CPPT estabelece as condições objetivas e subjetivas do pedido de anulação da venda em processo de execução fiscal. Ou seja, quem pode requerer a anulação de venda, em que prazo e a entidade a quem é dirigido o pedido.
Dispõe o n°4, da citada norma que são ouvidos todos os interessados, sendo estes também os notificados da decisão que vier a ser proferida.
Da decisão expressa ou tácita sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do art. 276° do CPPT.
Deste modo, o art. 278°, n°2, tem de ser lido em conjugação com aquela norma que estipula as regras sobre o pedido de anulação de venda.
Tal facto implica necessariamente a notificação da reclamação a todos os interessados na venda, nomeadamente quem suscitou a questão da nulidade da venda.
A nulidade em causa importa segundo o art. 201°, n°2 do CPC a anulação de todos aqueles atos que dele dependam.
Com efeito, o art. 201° do CPC dispõe que: (...) a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (sublinhado nosso)
Ora,
Se lei manda que todos os interessados devem ser ouvidos sobre o pedido de anulação da venda, tendo esta sido decretada, em reclamação para o tribunal todos os interessados, para além de que reclama, a par da Fazenda Pública, (enquanto parte reclamada), têm de ser igualmente notificados para responder àquela reclamação no prazo de 8 dias (art. 278°, n°2, do CPPT).
Não há dúvida que há falta de notificação, omissão de um ato que a lei prescreve, que influi na decisão da causa.
No quadro desenhado a Herança tem todo o interesse em ser ouvida e contradizer a reclamação dos compradores que vêm questionar a decisão de anulação da venda…».

É certo que o art. 278º/2 do CPPT apenas manda notificar o representante da Fazenda Pública para responder. Mas como a propósito defende Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, IV, 2011, pp.311 e 312 «Por outro lado, nas normas do CPPT relativas a esta reclamação não se faz referência à possibilidade de existência de contra-interessados, entendendo-se como tal, em sintonia com o preceituado no art. 57.a do CPTA, as pessoas ou entidades a quem a procedência da reclamação possa directamente prejudicar ou que tenham interesse legitimo na manutenção do acto impugnado, que possam ser identificados em face da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo. No entanto, é manifesto que podem existir situações em que haja pessoas ou entidades que estejam nessas condições. Configurando-se o incidente de reclamação como uma acção de impugnação [designação que lhe é expressamente atribuída nos arts. 49.º n.ºs 1, alíneas a), subalínea iii), e 49.º-A, n.s 2, alínea a), subalínea iii), e 3, alinea a), subalinea iii), do ETAF de 2002] enxertada no processo de execução fiscal e com tramitação especial, nos casos omissos, quando no seja de aplicar analogicamente normas do CPPT, deverão aplicar-se as normas do CPTA que regulam a acção administrativa especial, que são as adequadas à impugnação de actos praticados pelas autoridades administrativas. É nesse sentido que aponta a «natureza do caso omisso», que, em face do disposto no art. 2º. e alínea c) do CPPT é o factor que dita a determinação da legislação subsidiária aplicada. De qualquer forma, também perspectivando a reclamação como um incidente do processo de execução fiscal, chegar-se-á à conclusão de que tem de ser admitida nela a intervenção de quem tiver interesse em contradizer a pretensão do reclamante, pois, nos processos judiciais, como é o processo de execução fiscal, tem de ser observado o principio do contraditório, não podendo, salvo caso de manifesta desnecessidade, serem decididas questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (art. 3.º n.º 3, do CPC)»

Nesse mesmo sentido decidiu o ac. do STA n.º 0115/13 de 14-02-2013 Sumário: I - Na reclamação contra os actos praticados pelo órgão de execução, havendo pessoas com interesse na manutenção do acto reclamado, as mesmas devem ser notificadas para responder à pretensão do reclamante.

Deste modo, sabendo-se «quem é» a Herança Ilíquida e Indivisa e tomando em consideração a melhor interpretação do art. 278º/2 do CPPT, conclui-se ser absolutamente necessária a sua notificação para intervenção na reclamação que visa a anulação do despacho que determinou a anulação da venda, a seu pedido.

A “Herança” viu satisfeita a sua pretensão com o despacho de anulação da venda. E podendo ser lesada com a revogação ou anulação de tal despacho, não poderá deixar de ser chamada a intervir nos autos em defesa da sua pretensão conflituante com os reclamantes, ora recorentes.

Só que, dizem os recorrentes, a sentença que revogou o despacho transitou em julgado por dela não ter sido interposto qualquer recurso, estando assim esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (conclusões b e h).

O caso julgado (material, é apenas deste que aqui cuidamos) é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão decorrente do seu trânsito em julgado (art. 628º CPC).

Com o trânsito em julgado da sentença (art.º 628º do CPC) esta fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696 a 702 (Art. 619º/1 do CPC, «ex vi» do art. 2º/e) do CPPT).

Poderemos analisar o caso julgado sob a perspectiva da sua força e da sua eficácia.
A força de caso julgado forma-se sobre o pedido formulado e abrange, «grosso modo», os elementos identificadores da ação: sujeitos, pedido e causa de pedir (cfr. art. 580º e 581 do CPC).

Quanto à eficácia entende-se que esta é relativa, ou seja, o caso julgado só produz efeitos em relação às partes. «O caso julgado apenas vincula, em regra, as partes da acção, não podendo, também em regra, afectar terceiros. Isto é: quanto ao âmbito subjectivo, o caso julgado possui, em geral, uma eficácia meramente relativa. Estas regras são um dos reflexos do princípio do contraditório (art. 3º, n.ºs 1 a 3), no sentido de que, quem não pôde defender os seus interesses num processo pendente, não pode ser afectado pela decisão que nele foi proferida» (Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, Lex, 1997, pp. 588).

Por essa razão, o art. 581º/1 do CPC ao proclamar que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, constitui uma aplicação relevante da eficácia relativa do caso julgado.

Sabendo-se que a “Herança” não interveio na ação (reclamação intentada no TAF de Coimbra), devemos também concluir que não está abrangida pela eficácia (relativa) do caso julgado. Não há identidade entre os sujeitos.

A outra questão relacionada com o esgotamento do poder jurisdicional depois de proferida a decisão (sentença ou despacho) está prevista no art. 613º do CPC: Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

No entanto, o n.º 2 do mesmo preceito exceciona a esta regra a possibilidade de o juiz poder rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença. Embora seja defensável a tese de que a possibilidade de suprir nulidades prevista neste artigo se reporta às nulidades da sentença - e não do processo – tal significa, pelo menos, que a regra geral da exaustão do poder jurisdicional depois de proferida a sentença não é absoluta. Isto é, o preceito demonstra que mesmo depois de proferida a sentença o juiz ainda pode «intervir» nela, nos termos definidos na lei.

Mas para além deste poder de «intervir» na sentença depois de proferida, deve considerar-se que ao juiz cabe também o dever de suprir (algumas) nulidades arguidas no processo.

E com isto passamos à terceira questão suscitada pelos recorrentes, ou seja a de que o requerimento através do qual se argui a nulidade processual não é o meio legalmente idóneo nem adequado à arguição apreciação e decisão da invocada nulidade processual (conclusões f) e g).

Se a “Herança” deveria ter sido chamada a intervir na ação e não foi e assim foi cometida uma irregularidade, de que modo poderia ela ter sido arguida sem ser mediante arguição perante o tribunal?

Os recorrentes dizem que tal arguição não é o meio idóneo, mas não adiantam qual seria o meio adequado.

Poder-se-ia equacionar a possibilidade de a “Herança” recorrer da sentença, certamente com apoio no disposto no art. 631º/2 CPC («As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam parte na causa ou sejam apenas partes acessórias»).
Mas essa possibilidade traduz uma situação em que o terceiro discorda da sentença, dos factos que nela se fixaram, ou do direito que aplicou. O terceiro pretende, nestes casos, a revogação da sentença e a substituição por outra que contemple o direito que invoca.

Mas a situação sub Júdice não se integra nesta hipótese normativa. A “Herança” não discute a sentença, os factos ou o direito, mas sim o «antes», o acto omitido que a afastou da lide.

Ou seja, não é a ilegalidade ou nulidade (directa) da sentença que está em causa, mas sim a nulidade processual decorrente da omissão de um acto que deveria ter sido praticado e não foi, com os efeitos previstos no art. 195º do CPC.

Ora tal arguição deverá ser feita mediante requerimento, como parece resultar do disposto no art. 200º/3 do CPC e assim tem sido entendido na jurisprudência, de que podemos mencionar o ac.. do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 2334/2006-6 de 30-03-2006 (Relator: PEREIRA RODRIGUES) II. A sentença proferida sem ter decorrido o prazo da contestação enferma de uma nulidade extrínseca, decorrente da prática de um acto que a lei não admite e que influi no exame e na decisão da causa.
III. Trata-se de um dos casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso, previsto na parte final do art. 202º do CPC.

O caso apreciado neste aresto foi o seguinte:
Os RR., citados numa ação declarativa de condenação pediram apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, disso informando o processo.
Por isso, foi interrompido o prazo para contestar.
Mas em 20/2/2003 foi proferida sentença a considerar que os RR. não haviam contestado e a condená-los no pedido.
O patrono apenas foi notificado da sua designação em 4 de Junho de 2004, pelo que só em 17/6/2004 foi apresentada contestação.
Foi então proferido o seguinte despacho: “atenta a sentença proferida nos autos, esgotado se mostra o poder jurisdicional, pelo que nada mais há a ordenar”.

Chamado a pronunciar-se, o tribunal da Relação de Lisboa considerou ilegal o despacho dizendo, além do mais, que «…em vez do despacho recorrido, outro devia ter sido proferido, a declarar nula a sentença dos autos e os termos subsequentes que dela dependam absolutamente e a admitir a contestação da recorrente, seguindo-se os ulteriores termos do processo».

Evidentemente que não sendo igual a situação sob recurso, não foi por isso que se mencionou aquele douto acórdão. O que se pretende demonstrar é que a nulidade decorrente da omissão de um acto que a lei prevê e que pode influir no exame ou decisão da causa pode ser arguida por requerimento e decidida pelo juiz da causa, mesmo depois de proferida a sentença.

Dito isto, estamos em condições de concluir que tendo a “Herança” legitimidade para intervir na ação, e não tendo sido notificada para o efeito, foi omitida uma formalidade que a lei prescreve e assim cometida uma nulidade processual que influi no exame e decisão da causa.
Nestas circunstâncias, arguida tal omissão, impunha-se ao juiz decretar a anulação dos termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, nos termos do art. 195º/1,2 do CPC «ex vi» do art.º 2/e) CPPT.

Foi o que a MMª juiz «a quo» fez. E bem, a nosso ver.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 29 de Janeiro de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Paula Teixeira