Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00385/07.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/18/2010
Relator:Francisco Rothes
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS GERENTES - CULPA PELO NÃO PAGAMENTO - EXCUSSÃO DO PATRIMÓNIO DO ORIGINÁRIO DEVEDOR - REGRAS DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, é sobre o gerente contra quem reverteu a execução fiscal que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.
II - À face da LGT, concluindo-se pela “fundada insuficiência” de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens do responsável subsidiário esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário (cf. art. 23.º, n.ºs 2 e 3, da LGT).
III - A prescrição das obrigações tributárias está sujeita a regras próprias, quais sejam, actualmente, as dos arts. 48.º e 49.º da LGT, motivo por que não há que recorrer à aplicação subsidiária do art. 498.º do CC.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 Foi instaurado pelo 1.º Serviço de Finanças de Guimarães contra a sociedade denominada “Cunha , Lda.” um processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2000 e 2001, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos de 1999 a 2003 e coimas aplicadas em processos de contra-ordenação fiscal. A execução reverteu contra Carlos (adiante Executado por reversão, Oponente ou Recorrente), por a Administração tributária (AT) o ter considerado responsável subsidiário por essas dívidas.

1.2 O Executado por reversão opôs-se a essa execução fiscal, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que a mesma fosse julgada extinta quanto a ele. Para isso invocou, em síntese, o seguinte:
– a sociedade originária devedora cessou a actividade em 30 de Novembro de 2002;
– a responsabilidade subsidiária dos gerentes não abrange as dívidas relativas a coimas;
– a reversão é ilegal porque não foi previamente excutido o património da sociedade originária devedora;
– o Oponente não teve culpa na insuficiência do património da sociedade originária devedora, sendo por culpa da AT, designadamente pela demora entre a penhora e a venda, que esta não recebeu o suficiente para o pagamento dos seus créditos;
– as dívidas estão prescritas, atento o disposto no art. 498.º do Código Civil (CC).

1.3 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga começou por afastar a possibilidade da alegada cessação de actividade da sociedade originária devedora assumir relevância como fundamento da oposição à execução fiscal, porque se trata de discussão da legalidade em concreto da liquidação e a lei assegura meios de reacção contra esse acto.
De seguida, considerou que a questão da reversão relativa às coimas se deve ter por ultrapassada, uma vez que o órgão da execução fiscal já revogou o despacho de reversão nessa parte.
Depois, considerou que o Oponente faz uma errada interpretação do art. 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), pois nos termos da respectiva alínea b), que entendeu ser a aplicável, é ao executado por reversão que compete afastar a presunção de culpa pelo incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores quando desse incumprimento resulte a insuficiência do património social para responder pelas dívidas exequendas.
Finalmente, quanto à alegada culpa da AT por não ter recebido o suficiente para pagamento dos seus créditos, referiu não ter sido invocada factualidade susceptível de suportar tal alegação, designadamente a desvalorização do bem penhorado entre as datas da penhora e da venda e as razões dessa desvalorização, para além de que o montante da venda foi também aplicado no pagamento de outras dívidas que não as exequendas.

1.4 O Oponente interpôs recurso dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 O Recorrente apresentou alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor:

« 1ª) A referida sociedade cessou toda a sua actividade e encerrou as suas portas no dia 30/11/2002, data a partir da qual não mais exerceu qualquer actividade comercial (facto alegado pelo oponente e aceite pela Fazenda Pública que apenas refere que a sociedade não declarou cessar essa actividade – cfr. parte nº 2 da informação de fls. …).

2ª) A lei deriva a responsabilidade dos gerentes de uma presunção de culpa funcional: presume-se que, não pagas as dívidas tributárias, foi tal omissão devida a culpa dos gerentes.

3ª) Mas, como acertadamente doutrinou o Acórdão da Relação do Porto de 18/9/1995 in Col. Jur. XX, 4, pág. 180, as presunções de factos são simples meio de prova e não os próprios factos, pelo que os factos, ainda que a sua prova se tenha de presumir, têm de ser alegados.

4ª) E como no caso não foram, e como tal alegação cabia à Fazenda Pública, segue-se necessariamente que a execução revertida contra o oponente, não tem fundamento.

5ª) O oponente é parte ilegítima porque não é o devedor que figura no título e porque nesse mesmo título não se invoca qualquer facto de onde possa derivar, depois, em sede de prova, a sua culpa efectiva ou funcional.

6ª) A execução revertida é ilegal, uma vez que não foi previamente excutido o património da sociedade nem sequer o oponente teve a oportunidade de dispor dos bens da sociedade no período em que a dívida devia ser paga (uma vez que todo o património estava penhorado); e

7ª) Acresce ao vindo de expor que (cfr. Seabra de Figueiredo in “A responsabilidade Subsidiária dos Gerentes ou Administradores na Lei Fiscal”, pág. 63 e sgs.) as pretensas dívidas tributárias estão prescritas em relação ao oponente porquanto à responsabilidade dos gerentes é sempre de aplicar o prazo de prescrição trienal previsto pelo artº. 498º do Código Civil, prazo esse iniciado com a data em que a Fazenda Pública teve conhecimento do direito que lhe compete, (quer quanto ao originário devedor, quer quanto ao oponente).

8ª) Por tudo o que se vem de expor a sentença recorrida viola, entre outras, a norma do artigo 498º do Código Civil.

Termos em que deve julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se procedente por provada a oposição deduzida, e condenando-se a Fazenda Pública Nacional no pedido, para que mais uma vez se faça

JUSTIÇA!» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).

1.6 A Fazenda Pública não contra alegou o recurso.

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a fundamentação que transcrevemos ipsis verbis:

«A decisão recorrida fez uma correcta apreciação da prova constante dos autos e uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais que a fundamentam não sendo passível de censura.
A mesma não apresenta os vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações.
Correcta é/está a sentença recorrida.
O MP concorda com o teor de toda a fundamentação desenvolvida na sentença impugnada e discorda da argumentação aduzida nas alegações de recurso.
Improcedem todos os argumentos alegados/invocados pelo recorrente.
A execução revertida tem todo o fundamento; a execução é legal.
O recorrente/oponente é parte legítima.
As dívidas tributárias não estão prescritas.
Não vemos que a decisão recorrida viole o disposto no artigo 498 do Código Civil».

1.8 Os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos.

1.9 As questões suscitadas pelo Recorrente e que cumpre apreciar e decidir, como adiante procuraremos demonstrar, são as de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento
· quando não relevou a falta de alegação pela AT de factos que permitissem presumir a culpa do Oponente (cf. conclusões a );
· quando não atendeu à falta do requisito da prévia excussão do património social para que se pudesse operar a reversão da execução fiscal contra o Oponente (cf. conclusão ).

Suscita ainda o Recorrente a questão da prescrição das dívidas exequendas, face ao disposto no art. 498.º do CC, que considera ser aplicável à responsabilidade subsidiária dos gerentes (cf. conclusões e ).

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos:

«2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto provada, não provada e respectiva motivação

a) Em 22 de Janeiro de 2001, no Serviço de Finanças de Guimarães 2, foi instaurada contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o 347620010 1000438, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano 2000.
b) Em 8 de Janeiro de 2005 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200501001396, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IRC do ano de 2002 e juros compensatórios.
c) Em 12 de Abril de 2002 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200201017284, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano de 2001.
d) Em 8 de Maio de 2001, foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200101012258, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano de 2000, no montante de 2.091,90 euros.
e) Em 4 de Julho de 2001, foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200101016245, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IRC do ano de 1999 e juros moratórios, no montante de 933,73 euros.
f) Em 10 de Outubro de 2004, foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200401030736, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IRS do ano de 2002 e juros moratórios, IRS do ano 2000 e juros moratórios, IRS do ano de 2001 e juros moratórios, no montante global de 16.431,24 euros.
g) Em 5 de Junho de 2002 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200201032208, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano de 2001, no montante de 1.548,17 euros.
h) Em 6 de Agosto de 2001 fo instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200101020986, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano de 2000, no montante de 1.895,95 euros.
i) Em 27 de Fevereiro de 2005 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 3476200501004662, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IRC do ano de 2001 e juros compensatórios no montante de 2.906,73 euros.
j) Em 15 de Setembro de 2005 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 34762005105843, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano de 2003, no montante de 1.496,40 euros.
k) Em 13 de Agosto de 2004 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 34762004010228324, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IVA do ano de 2002 e juros compensatórios, IVA do ano de 2001 e juros no montante global de 90.470,33 euros.
l) Em 23 de Dezembro de 205 foi instaurado no SF de Guimarães 2, contra a sociedade comercial Cunha , Lda a execução fiscal com o nº 347620050108365, destinada à cobrança coerciva da quantia respeitante a IRC do ano de 2003, no montante de 1.659,29 euros.
m) Servem de base às referidas execuções as certidões de dívidas cujas cópias constam de fls. 2, 3, 40, 43, 46, 49, 50, 51, 54, 57, 60, 64, 68 a 87 e que aqui se dão por reproduzidas no seu teor.
n) As execuções referidas nas alíneas b) a l) foram apensadas à execução mencionada na alínea a).
o) Em 16 de Junho de 2003 foi vendido no âmbito de execuções fiscais instauradas contra a referida sociedade, o direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da executada originária pelo preço de 114.723,52 euros.
p) O produto dessa venda foi afecto ao pagamento de parte das dívidas fiscais da dita sociedade.
q) O Oponente assumiu as funções de gerente da executada originária em 9 de Outubro de 1969.
r) Em 13 de Setembro de 2006 o Chefe de Finanças de Guimarães mandou efectuar a penhora de bens da executada originária.
s) Na sequência, foi lavrado “auto de diligências” cuja cópia consta de fls. 10 do apenso e do qual resulta que a executada não tinha bens penhoráveis.
t) Por via disso, foi ordenada a reversão das execuções referidas nas alíneas a) a l) contra o ora Oponente, o qual foi citado em 30 de Novembro de 2006.
u) Presente oposição foi deduzida em 29 de Dezembro de 2006.


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Não há factos que relevem para a decisão da causa e que importe registar como não provados.

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A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos».


2.1.2 O Recorrente não põe em causa o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância, motivo por que a consideramos fixada nos termos em que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a enunciou.
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Instaurada execução fiscal contra a sociedade denominada “Cunha & , Lda.”, a mesma reverteu contra Carlos , que a AT considerou responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.
O Executado por reversão deduziu oposição à execução fiscal invocando diversos fundamentos, entre os quais ora nos interessa considerar apenas a falta de culpa como pressuposto da responsabilidade subsidiária e a ilegalidade da reversão por falta de prévia excussão do património da sociedade originária devedora.
A oposição foi julgada improcedente.
O Oponente recorreu dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte com fundamento em erro no julgamento. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, discorda do decidido relativamente às questões da culpa e da prévia excussão do património da sociedade originária devedora.
Invoca também o Recorrente a prescrição das dívidas exequendas “relativamente ao Oponente”, sustentando que o prazo aplicável à prescrição destas dívidas é o de três anos previsto no art. 498.º do CC.
Por isso, enunciámos as questões a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos no ponto 1.9.

2.2.2 DA CULPA ENQUANTO REQUISITO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTA NO ART. 24.º DA LGT E SOBRE A RESPECTIVA PROVA
O Recorrente continua a sustentar, como o fez na petição inicial, que a Fazenda Pública não invocou qualquer facto de onde possa resultar a sua culpa. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende que cabia à Fazenda Pública alegar factos «de onde possa derivar, depois, em sede de prova, a sua culpa efectiva ou funcional».
Salvo o devido respeito, a essa questão deu o Juiz do Tribunal a quo resposta cabal, que o Recorrente de todo ignora na motivação do recurso. Ficou dito na sentença recorrida:

«[…] o oponente sustenta que a Fazenda Pública não invoca qualquer facto de onde possa resultar a sua culpa.
Também aqui falta razão ao Oponente.
Com efeito, estabelece o art. 24º da LGT:
1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…)”.
No caso, as dívidas são enquadráveis na alínea b) porquanto o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto terminou no período de exercício do cargo do Oponente e, como tal, presume-se a sua culpa.
Assim, é ao Oponente que cabe ilidir essa presunção legal. À administração tributária apenas cumpre alegar os pressupostos fácticos de que deriva a presunção: os períodos do imposto e a gerência do responsável subsidiário nesses períodos.
Ora, os “factos” que o Oponente traz a juízo são, manifestamente, irrelevantes do ponto de vista da avaliação da sua culpa. Dizer que o Oponente foi um administrador honesto, prudente, diligente, cuidadoso, incansável, para além de traduzirem meros juízos de valor e não factos, irrelevam em si mesmos para aquilo que aqui está em causa.
A culpa relevante é apenas a que respeita ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores quando desse incumprimento resulte a insuficiência do património da empresa para pagar os impostos».

Nada mais há a referir.
O Recorrente não questiona que, nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, se presume a sua culpa e que lhe incumbe ilidir essa presunção legal. O que sustenta é que, para que a presunção de culpa funcione, deve a Fazenda Pública alegar factos dos quais pudesse resultar a culpa, o que não fez no caso sub judice.
Sempre salvo o devido respeito, o Oponente insiste numa tese manifestamente improcedente e contrária à lei: à Fazenda Pública, como bem ficou dito na sentença, basta alegar e fazer a prova de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade originária devedora nos períodos em que terminou o prazo legal de pagamento ou de entrega das dívidas tributárias. São esses, e só esses, os factos relevantes cuja alegação e demonstração a lei põe a cargo da AT para que se possa considerar verificados os requisitos substanciais da responsabilidade subsidiária do Oponente. Nos casos, como o sub judice, em que a responsabilidade subsidiária se alicerça na alínea b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT, a lei nenhuma exigência faz à AT quanto à alegação e prova da culpa.
O recurso não pode ser provido com este fundamento

2.2.3 DA PRÉVIA EXCUSSÃO DO PATRIMÓNIO DA SOCIEDADE EXECUTADA COMO
Sustenta também o Recorrente que não era possível a reversão antes de excutido o património da sociedade originária devedora.
Também aqui o Recorrente ignora a sentença.
A LGT consagra a possibilidade da reversão contra o responsável subsidiário nos casos de insuficiência do património do devedor originário, mesmo antes de verificada a excussão do património deste, pois, apesar de estabelecer como regra que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão» (cf. art. 23.º, n.º 2, da LGT), ela tem ínsito que se possa concluir pela «fundada insuficiência» e decidir a reversão antes da excussão do património do devedor originário, pois só assim se compreende que se ressalve que a reversão não prejudica o benefício da excussão.
Assim, à face da LGT, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens do responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário.
O n.º 3 do mesmo artigo confirma a correcção desta interpretação ao admitir que «no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados», situação em que «o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado». Isto é, o processo de execução fiscal fica suspenso, já com a reversão efectuada, em relação ao revertido, pois, obviamente, quanto ao devedor originário o processo prossegue para concretizar a excussão de que depende o prosseguimento contra o revertido (() Neste sentido, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Setembro de 2006, proferido no processo com o n.º 488/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Abril de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32230.pdf), págs. 1362 a 1373, com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f7c3146ede27f7a5802571ff004d235b?OpenDocument.).
Nada obsta, pois, à reversão antes de excutido o património da sociedade originária devedora.
O recurso também não pode ser provido com este fundamento.

2.2.4 DAS REGRAS DA PRESCRIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS
Sustenta ainda o Recorrente que as obrigações tributárias estão prescritas quanto a ele, pois deve aplicar-se o disposto no art. 498.º do CC, ou seja, o prazo de três anos consagrado como regra geral de prescrição da obrigações de indemnização.
Sempre salvo o devido respeito, o Recorrente não leva em conta que as obrigações tributárias estão sujeitas a regras próprias de prescrição, que, actualmente, são as previstas nos arts. 48.º e 49.º da LGT.
Assim, na existência de regulamentação própria, nenhum sentido faria recorrer a normas do CC, que apenas poderão lograr aplicação supletiva, nos termos do art. 2.º, alínea d), da LGT, nos casos em que a lei tributária não regular ou não esgotar a regulamentação jurídica da situação em análise (() Neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vilsis Editores, 3.ª edição, nota 3 ao art. 2.º, pág. 47. ), o que não é o caso.
Não se justifica, pois, a aplicação do disposto no art. 498.º do CC, à indagação da prescrição das obrigações tributárias que deram origem às dívidas exequendas.

2.2.5 CONCLUSÕES
Por tudo o que deixámos dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, é sobre o gerente contra quem reverteu a execução fiscal que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.
II - À face da LGT, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens do responsável subsidiário esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário (cf. art. 23.º, n.ºs 2 e 3, da LGT).
III - A prescrição das obrigações tributárias está sujeita a regras próprias, quais sejam, actualmente, as dos arts. 48.º e 49.º da LGT, motivo por que não há que recorrer à aplicação subsidiária do art. 498.º do CC.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Porto, 18 de Fevereiro de 2010


(Francisco Rothes)

(Fonseca Carvalho)

(Moisés Rodrigues)