Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02437/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:IVA; SUJEITO PASSIVO DO IMPOSTO; ATIVIDADE DE TERCEIRO EXERCIDA EM NOME DOS IMPUGNANTES
Sumário:I - A regra fundamental de incidência subjetiva em matéria de IVA, constante do artigo 2.°, n.º 1, alínea a) do CIVA, determina que são sujeitos passivos deste imposto as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, nada obstando a que os mesmos invistam terceiros nos poderes de representação necessários e suficientes para em seu nome e representação promoverem o giro comercial da empresa.

II – Cabe ao Recorrente demonstrar que a atividade desenvolvida em seu nome e relativamente à qual cumpriu as atinentes obrigações fiscais é, de facto, exercida por terceiro, que dela extrai todos os benefícios. Para tanto, tem de alegar e demonstrar os exatos termos do acordo existente entre si e esse terceiro, bem como o modo da respetiva execução.

III - O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342.º e ss do Código Civil, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
1.1. J. e G., devidamente identificados nos autos, vêm recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 20.09.2011, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 2000 e respetivos juros compensatórios por se considerar que os mesmos são, de facto, os sujeitos passivos daquele imposto.

1.2. Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo apesar de considerar os depoimentos das duas primeiras testemunhas “coerentes e credíveis”, não valora tal conhecimento por forma a considerar provado o facto que conduziria à procedência da presente Impugnação.
Vejamos.
2. A Testemunha M. começa por dizer (1:40) que trabalhou com o Recorrente “entre 2000 e 2004”. Mais adiante, ao minuto 2:20, afirma esta testemunha que trabalhou com o Recorrente para a empresa do Senhor F.. Ao minuto 6:18 esta testemunha diz que o Recorrente era um empregado da empresa do F. e que tal como ele, testemunha, obedecia a ordens. Ao minuto 7:00 esta testemunha confirma que o Recorrente recebia um salário, tal como ele, testemunha e os restantes trabalhadores. Ao minuto 7:43 a testemunha afirma não conhecer “bens de valor” ao Senhor J., Recorrente, designadamente carros de valor elevado, tal como “um volvo” (min. 8:06). Por último, a testemunha afirma que numa viu o Recorrente agir como dono da empresa, “nunca deu ordens” (8:06).
3. A instâncias da representante da Fazenda Nacional a testemunha diz saber que a empresa era do irmão do Recorrente, que foi este quem o admitiu ao serviço (9:50), quando “precisava de qualquer coisa era com o Senhor F. que eu ia ter” (9:57). Continua dizendo (10:08) “com o Senhor J. eu trabalhava e, pelo contrário, era eu que lhe dava ordens”, “eu era o chefe dele” (10:12), “eu considerava o Senhor F. o meu patrão” (10:19).
4. De seguida, foi ouvida a Testemunha A., que aos 16:36 afirma que o Recorrente era seu colega de trabalho, nunca tendo recebido ordens deste (16:40). Afirma (17:16) que o seu patrão era F., assim como do Senhor J. (17:18). Sabe que a empresa estava em nome do F. (17:31). O senhor J. tinha “um horário de trabalho como nós” (17:53), “ia de manha vinha à noite aquando a nós” (17:55), “recebeu sempre como nós” (18:00), “recebia um salário tal como nós e não recebia mas nada dessa empresa (18:20). Nunca conheceu carros ao Recorrente (20:00), que ia com os restantes trabalhadores na carrinha. As restantes carrinhas da empresa eram do Senhor F. (20:35). Não conhece qualquer outra fonte de riqueza do Recorrente para além do salário (20:54), que não tem qualquer sinal de riqueza (20:56), adquiriu a casa que tem com um empréstimo (21:17). Afirma ainda que “só conhece o F. como seu patrão” (21:38). Ao min. 26:16, a perguntas da Representante da Fazenda Nacional afirma que foi sempre o F. que lhe pagou e que era este quem deslocava os trabalhadores e decidia “tu vais para aqui, tu vais para ali”. Era este F. (26:36) que arranjava as obras “e dizia tal dia tu vais para aqui, tu vais para ali”. “O J. foi sempre um colega meu de trabalho” (min. 28:15). Afirma, também, esta testemunha que o Recorrente recebia na obra à frente dele e dos restantes tal como todos os trabalhadores (29:18).
5. Desses depoimentos, repete-se, considerados “coerentes e credíveis” pelo próprio Tribunal a quo, resulta inequivocamente que o Recorrente era um mero trabalhador da empresa que, efectivamente, era de seu irmão, F., que obedecia a ordens e instruções deste e recebia um mero salário como qualquer outro trabalhador. Acresce que as referidas Testemunhas não conhecem sinais de riqueza ao Recorrente, o que, convenhamos, fosse ele o dono da mesma, não deixaria de ocorrer.
6. De seguida foi ouvida a testemunha A., cunhado do Recorrente e, por isso mesmo, pessoa suficientemente bem colocada para conhecer todos os factos, que afirma, sem qualquer reserva, que F. era seu patrão (40:02). Que trabalhou (em 1995) para o F. e saiu e, quando voltou, a empresa estava em nome do Recorrente (41:09). O Senhor F. contou-lhe que a empresa estava em nome do irmão para fugir às partilhas no divórcio de sua mulher (42:0), para evitar que a mulher ficasse com aquele património (42:47) - facto totalmente ignorado pelo Tribunal a quo aquando da apreciação da prova. Acrescenta que não tem dúvidas nenhumas que o Recorrente era seu subordinado (42:47), o Recorrente não dava ordens a ninguém naquela empresa (43:00). A testemunha recebia um salário superior ao do Recorrente (43:13), uma vez que era chefe dele (43:23). Não conheceu nenhum sinal de riqueza ao Recorrente e mulher (44:20), sendo, note-se, cunhado do primeiro e irmão da segunda e, por isso mesmo, convivendo de muito perto com ambos. Recebia as ordens do F. e dava-as ao Recorrente (55:39). O Recorrente confiou cegamente no irmão, não tendo noção do andamento contabilístico ou bancário da empresa (01:02:00) — facto também absolutamente ignorado pelo Tribunal a quo.
7. Por último foi ouvido o próprio F. cujo depoimento pode ser resumido na expressão “não me recordo”, mesmo quando inquirido sobre factos recentes ou impossíveis de esquecer. Este “escape” usado pela testemunha, que se sabia comprometida, não foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo que decide “não lhe atribuir relevância” quando, na verdade, lhe devia atribuir a relevância própria de quem se percebe estar deliberadamente a omitir a realidade bem conhecida.
8. A incoerência e falsidade deste testemunha é tanta e tão notória que, quando confrontado com doc. de fls. 100 dos autos (que o Recorrente alega ser da autoria deste F. e onde o mesmo assume que a actividade em apreciação nos presentes autos é sua), incompreensivelmente diz não estar recordado (01:10:23), assumindo, no entanto , que a letra é parecida com a sua e que a assinatura é sua (01:10:30), não se recordando porque fez tal documento (01:11:10).
9. Assim, e em face do exposto, não pode deixar de se considerar que o Recorrente fez prova dos factos a que se propunha e que consubstanciam a sua defesa e, em face do exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada no que toca à resposta à matéria de facto, sendo esta alterada e passando a constar o facto acima transcrito (“1 - O titular efectivo da actividade de construção de edifícios registada em nome do Recorrente marido era o seu irmão F..”) como provado, não podendo, em consequência desta alteração, deixar de se conhecer e decidir pela procedência da impugnação em apreço.
Do sujeito passivo da relação tributária
10. Do que ora vem de se expor, não podemos deixar de concluir que os Recorrentes não são os sujeitos passivos desta relação tributária.
11. Na verdade, a Fazenda Pública bem sabia, por tal ter sido devidamente alegado e comprovado documentalmente em sede de reclamação graciosa, que o Recorrente não era o real sujeito passivo da relação tributária, persistindo, ainda assim, em prosseguir a execução fiscal em curso contra este ao invés de averiguar devidamente os factos trazidos ao seu conhecimento e, por via destes, dirigir o processo executivo contra o real sujeito da relação tributária.
12. Concretizando os imperativos constitucionais expressamente previstos no texto fundamental, estabelece desde logo o art. 4.º da LGT que “os impostos assentam especialmente na capacidade contributiva” dos cidadãos, esclarecendo o n.º 2 do art. 5.º do mesmo diploma que a tributação terá que respeitar os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.
13. Sendo que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (art. 36.º, n.º 1 da LGT), é sujeito passivo, por regra, aquele que pratica o facto, na esfera do qual se vão manifestar os efeitos de tal acto, sejam os positivos (com o incremento do rendimento e da riqueza) sejam os negativos (como a obrigação de cumprir a prestação tributária).
14. Não ter em consideração que o Recorrente, de facto, não tem a capacidade contributiva que os impostos em causa pressupõem, seria desvirtuar as finalidades do nosso sistema fiscal e deixar passar impunes aqueles que usam da boa fé de terceiro para não serem responsabilizados pelos seus actos.
15. Quem, na verdade, praticou o facto constitutivo da relação jurídica tributária não foi o Recorrente, foi, antes, seu irmão, F.. Assim sendo, como é, foi com este que, efectivamente, se constituiu a relação jurídica tributária, devendo ser ele o responsável pelas dívidas daí emergentes.
16. Na verdade, se a administração tributária pode e deve atender à situação efectivamente verificada, fazendo, por exemplo, impender a prestação tributária sobre o negócio real em detrimento do meramente aparente ou declarado.
17. Assim sendo, houve nas liquidações efectuadas uma ilegalidade especificada no facto de a mesma não ser dirigida contra o real sujeito da relação tributária, o que afecta inevitavelmente a sua perfeição e, consequentemente, a sua legalidade.
18. Porque há uma injustiça patente e um desrespeito pela verdade material que, dados os concretos contornos do caso, é inadmissível, não podendo a Administração Tributária pretender cobrar os valores que considera em dívida a qualquer custo.
19. Por último, nem sequer se diga que os fundamentos invocados pelos Recorrentes constituem o exercício ilegítimo de um direito, já que eles não excedem os limites impostos pela boa fé, nem sequer pretendem obstar a que a Administração Tributária prossiga os seus objectivos tributários (designadamente de cobrança de impostos devidos).
20. Antes, e apenas, pretendem que a Administração Tributária oriente as suas acções para quem, de verdade, exerceu uma actividade e com ela obteve lucros de que usufruiu.
21. Aliás, desde a primeira interpelação para os presentes autos que os Recorrentes fornecem à Administração Fiscal todos os dados necessários para tal efeito que, pura e simplesmente, se escusou a atentar nos mesmos, insistindo em perseguir quem, na realidade, nada tem que ver com as dívidas fiscais existentes. Provavelmente porque o titular efectivo da actividade registada em nome do Recorrente não tem quaisquer bens registados a seu favor.... Ao contrário dos Recorrentes..
22. Atenta a prova testemunhal produzida e a prova documental constante dos autos, e considerando a douta decisão recorrida que os Recorrentes são os reais sujeitos passivos desta relação tributária, decidindo pela improcedência da impugnação apresentada, viola o disposto no estipulado nos preceitos supra citados, bem como o disposto nos arts. 18.º da LGT e 2.º CIVA, pelo que deve ser revogada.
As razões invocadas e as doutamente supridas conduzirão ao provimento do presente recurso como acto de inteira e sã JUSTIÇA.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao DMMP junto deste Tribunal que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a este recurso pois, «(…) perante a evidência objectiva e documental da titularidade da empresa em nome do recorrente, recaía sobre este o ónus da prova do contrário sendo certo que não o conseguiu, pelo que o facto invocado não pode ser julgado como provado (art. 74, nº 1 da LGT e art. 516 do CPC)».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma do erro de julgamento de facto que lhe vem apontado (por não ter considerado que a atividade geradora da dívida tributária em causa era, efetivamente, exercida por outrem) e, consequentemente, de erro de julgamento de direito (por não serem os Recorrentes os sujeitos passivos do IVA impugnado).

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

3.1 - De facto.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) Os impugnantes foram submetidos a uma acção inspectiva parcial ao IRS e IVA do exercício de 2000 (fls. 78 e seguintes).
B) Esta acção inspectiva conclui que o IVA deduzido no ano de 2000, no valor de 70.786,97 €, foi deduzido indevidamente por não terem sido exibidos os livros de escrituração e respectivos documentos e a existência de IVA deduzido que não corresponde a transacções reais (fls. 91).
C) Notificado deste relatório, das correcções aritméticas do IVA e das respectivas liquidações de IVA e juros compensatórios, os impugnantes reclamaram graciosamente em 15/12/2004 (fls. 160).
D) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 10/5/2005, notificado ao impugnante em 19/5/2005 (fls. 185 a 187, com remissão para fls. 179 a 183).
E) A impugnação judicial foi deduzida em 3/6/2005 (fls. 283 e 294 a 295).
F) O impugnante marido esteve colectado na actividade de “construção de edifícios”, com o CAE 45211, entre 1/7/1999 e 31/8/2001, estando enquadrado em IVA no regime normal trimestral (fls. 61 e 25 a 34 do processo de reclamação graciosa (PRG).
G) O impugnante procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, à declaração modelo 3, para efeitos de IRS, declarando apenas rendimentos da Categoria C do impugnante marido, entregou a declaração anual em cumprimento do disposto no art. 113.º do CIRS, com aos anexos J, L, O e P relativos ao ano 2000 (fls. 62).
H) No anexo J são identificados 22 empregados com o valor total de salários de 54.117,63 € e inclui F., contribuinte fiscal n.º (…), irmão do impugnante (fls. 83).
I) Os impugnantes entregaram as declarações de rendimentos Modelo 3, com o anexo B1, relativo à actividade exercida pelo impugnante marido nos anos de 1999, 200[0] e 2001 (fls. 37).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1 - O titular efectivo da actividade de construção de edifícios registada em nome do impugnante marido era o seu irmão F..
3.1.1 - Motivação,
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados (arts. 362.º e seguintes do Código Civil (CC)).
A matéria de facto julgada não provada resultou da insuficiência da prova.
O depoimento das testemunhas M., A. e A. revelaram coerentes e credíveis, mas insuficientes para convencer o tribunal que a actividade exercida em nome do impugnante era na realidade por conta do irmão F..
As testemunhas M. e A. apesar de terem declarado que o impugnante era um mero trabalhador como eles, cumprindo ordens de F., que era ele quem pagava os ordenados e quem se intitulava e agia como patrão, não prestaram qualquer depoimento que pudesse esclarecer porque motivo o impugnante estava colectado nessa actividade e se ele tirava ou não proveito dela.
Estas testemunhas não identificaram a pessoa que assinava os cheques dos salários, nem em nome de quem estava a empresa para quem trabalhavam, apesar de dizerem que o patrão era F., por ser ele quem agia como tal.
Já A. declarou que a empresa estava em nome de J. e que era ele que assinava os cheques, apesar de ser F. que agia como dono da empresa e de constar que a empresa estava em nome do impugnante por causa do divórcio de F., para evitar a partilha de bens.
Todavia este depoimento não é suficientemente consistente para convencer o tribunal que a empresa era de F. porquanto ele sustenta a sua razão de ciência no que lhe diziam o impugnante e o irmão, mas não pode dizer-se que tinha conhecimento directo de todas as circunstâncias em que se desenrolava a actividade inscrita em nome do impugnante, designadamente se existiria qualquer acordo entre eles para além do alegado acordo por causa do divórcio e se ele tinha ou não qualquer participação nesse negócio ou se era apenas e só o titular nominal da actividade.
Apesar de aparentemente o impugnante não revelar sinais exteriores de riqueza, as testemunhas nunca esclareceram, de forma suficientemente assertiva e convincente, se o impugnante tirava ou não proveito da actividade da empresa e se ele era ou não o dono, apesar do comportamento de F.. As duas primeiras não sabiam e A. declarou que achava (ou pensa) que não, pelo que via.
No entanto, estes depoimentos, mesmo conjugados com a restante prova documental junta aos autos, não são suficientemente consistentes para convencer o tribunal do acordo que alegadamente existia entre o impugnante e F. para colocar a empresa em nome do impugnante e qual era a sua participação efectiva na empresa.
Perante a prova objectiva da existência da empresa em nome do impugnante e do facto dos seus movimentos financeiros e contabilísticos serem realizados pelo impugnante, importava provar-se a intervenção efectiva de F. quando agia como dono da em presa, uma vez que o fazia ou podia fazer como empregado, gerente, do impugnante. Apesar de aparentemente ele agir como dono da empresa, atendendo que a empresa estava em nome do impugnante e que era ele quem assinava os documentos relevantes para a sua vinculação e que participava de forma directa e consciente, conforme declarou A., na sua gestão e no seu destino ao participar directamente nas suas decisões, importava apurar de forma muito clara e evidente qual era a participação efectiva de F. na empresa do impugnante.
Atendendo que existe prova objectiva que a titularidade da empresa pertence ao impugnante, para convencer-se o tribunal que a empresa efectivamente pertencia a F., a prova tinha de ser muito consistente e passaria inelutavelmente, pela prova cabal do tipo e natureza de participação de F..
Esta prova pressuporia uma intervenção consistente do próprio F., para esclarecer cabalmente a natureza da sua intervenção e a existência ou não do referido acordo e dos seus limites (por exemplo na explicação dos motivos dos movimentos bancários invocados pelos impugnantes e do seu destino final efectivo).
Porém, o depoimento de F. não relevou para convicção do tribunal, porque prestou um depoimento inconsistente, com demasiados faltas de memória e contradições entre o seu depoimento e as declarações assinadas por si a fls. 13 do apenso do processo de reclamação graciosa, o que retira coerência e credibilidade não só ao seu depoimento, como ao teor do referido documento de fls. 13, não podendo o tribunal atribuir-lhes relevância.
De prova produzida resulta que apesar do impugnante aparecer como mero trabalhador da empresa que alegadamente pertenceria, de facto, a F., não logrou esclarecer-se integralmente os limites do acordo que existiriam entre F. e o impugnante quanto à actividade de construção civil em que este se encontrava colectado, designadamente, se haveria ou não algum acordo entre ambos que visasse transferir e empresa de F. para o nome do impugnante, para obstar à sua partilha por divórcio, e com que cláusulas.
Apesar de F. agir como dono da empresa, não pode dizer-se que tenha sido feita prova suficientemente consistente que ele era o dono efectivo da empresa registada em nome do impugnante.
Sendo um facto alegado pelo impugnante e recaindo sobre ele o respectivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1 da LGT), a ausência de prova tem de ser julgada contra si (art. 516.º do CPC), motivo pelo qual foi julgada não provada a matéria de facto acima referida.
A restante matéria de facto não foi julgada provada, nem não provada por não ser relevante para a decisão.”.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Erro de julgamento de facto

Os Recorrentes não se conformam com a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que, em face dos depoimentos das testemunhas M., A. e A., considerados coerentes e credíveis pelo Meritíssimo Juiz a quo, deveria julgar-se como provado o facto que consta do probatório como “não provado”.

É já sabido que legislador impõe ao Recorrente um ónus muito particular no que diz respeito à fundamentação do recurso quanto à matéria de facto (cfr. artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT), que encontra a sua razão de ser na necessidade imperiosa de garantir o direito ao contraditório, por um lado, e, por outro, na salvaguarda da “(…) rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não permite recursos genéricos contra a matéria de facto” (cf. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luis Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, págs. 797-798).

Assim, sempre que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (cfr. n.º 1 do artigo 640.º CPC), os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [alínea a)], os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)] e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cf. alínea c)].

Como resulta do n.º 2 do mesmo artigo 640.º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [cf. alínea a)].

No presente recurso, é pacífico que tais ónus se mostram cumpridos, pelo que nada obsta à apreciação do recurso nesta parte.

O erro de julgamento de facto pode reconduzir-se a um erro de apreciação das provas, ou seja, um “erro de avaliação de um concreto meio de prova, i. e., um erro sobre que factos estão representados por um dado meio de prova”, ou a um erro na fixação dos factos materiais da causa, que se traduz num “erro de julgamento dos factos controvertidos, i.e., de subsunção da factualidade dada como representada nos meios de prova a um juízo de realidade ou não realidade da factualidade, trazida para o processo nos termos do artigo 5.º, e tida previamente como controvertida (…)” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 31).

No caso em análise, a alegação dos Recorrentes consubstancia a invocação de um erro na fixação dos factos materiais da causa, pois a prova testemunhal produzida permitia, na sua perspetiva, dar como provado que «O efetivo titular da atividade de construção de edifícios registada em nome do impugnante marido era o seu irmão F.».

Contudo, não lhes assiste razão, pelas exatas razões externadas na “Motivação” da “Fundamentação de Facto” da sentença aqui em crise. Na verdade, dos depoimentos daquelas testemunhas, mormente na parte constante das passagens selecionadas pelos Recorrentes, não se extrai o motivo pelo qual o Recorrente marido estava coletado na atividade em causa e se dela tirava, ou não, algum proveito, bem como os exatos termos do acordo alegadamente existente entre o Recorrente marido e o seu irmão quanto à atividade da empresa de construção civil, à sua eventual transmissão futura para este último. Acrescentamos nós que também não foi esclarecido porque é que os Recorrentes declaravam como seus os rendimentos provenientes da atividade em causa e que tipo de acordo existia entre os irmãos para compensar os Recorrentes dos impostos que, por força dessas declarações, tinham de suportar. Ficou, ainda, por desvendar quem tratava da contabilidade dos Recorrentes e, sendo um contabilista, como e por quem foi contratado, quem suportava os custos com os seus serviços, etc.

Tratando-se, como efetivamente de trata, de facto constitutivo do direito a que os Recorrentes se arrogam, por força do disposto nos artigos 342.º, do CCiv e 74.º, n.º 1, da LGT, cabia a estes demonstrar que a atividade desenvolvida em seu nome e relativamente à qual foram cumpridas as atinentes obrigações fiscais era, de facto, exercida por terceiro (irmão do Recorrente), que dela extraía todos os benefícios. Para tanto, tinham de alegar e demonstrar os exatos termos do acordo existente entre com esse terceiro, bem como o modo da respetiva execução – o que, manifestamente, não foi feito.

Em rigor, o que evidenciam os depoimentos em causa é, apenas, que a gestão da empresa em nome do Recorrente marido era exercida pelo seu irmão, o que não tem por consequência necessária que fosse este último a tirar todos os benefícios da mesma, por ser ele quem efetivamente exercia a atividade, pois nada obsta a que a gerência de uma empresa seja entregue a terceiro que, pelo exercício dessa função, receba uma remuneração.

Em suma, muito mais era preciso explicar e demonstrar para convencer o Tribunal de que o declarado pelos Recorrentes, mormente quanto à titularidade dos rendimentos por si declarados e da empresa que os gerava, não correspondia à realidade material.

Deve, pois, improceder o recurso nesta parte.

3.2.2. Erro de julgamento de Direito

Como foi referido no acórdão deste TCAN de 04.06.2020, rec. 00502/06.5BEVIS, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/3ccf103adaf6c3ec80258596004c6702?OpenDocument&Highlight=0,00502%2F06.5BEVIS, também relatado pela Relatora do presente recurso, a regra fundamental de incidência subjetiva em matéria de IVA, constante do artigo 2.°, n.º 1, alínea a) do CIVA, determina que são sujeitos passivos de IVA as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, nada obstando a que os mesmos invistam terceiros nos poderes de representação necessários e suficientes para em seu nome e representação promoverem o giro comercial da empresa.

À semelhança do que sucedeu no caso relatado no acórdão acabado de referir, também na situação vertente o Recorrente se coletou para o exercício da atividade referida em F. dos factos provados, que manteve entre 01/07/1999 e 31/08/2001, entregou (ou permitiu que outrem, em seu nome, entregasse) declarações de impostos, designadamente de IVA, referentes a transações ocorridas no exercício daquela atividade. Perante esta factualidade e com base na fundamentação adotada no transcrito aresto, na qual nos louvamos, o Recorrente marido deve ser considerado como sujeito passivo na relação jurídica tributária que emerge da atividade comercial em seu nome desenvolvida.

Como se sabe, o ónus da prova, o encargo material ou objetivo da prova, é uma regra legal de repartição do risco quanto ao mérito da pretensão deduzida, de determinada factualidade essencial não ser adquirida no processo ou não ter sido sequer alegada nos articulados. Portanto, tal ónus de iniciativa da prova refere-se à situação de mérito da parte contra quem o tribunal decidirá quando, em face dos elementos carreados para os autos por qualquer dos sujeitos processuais (cfr. princípio da aquisição processual), o juiz se não convença da realidade da factualidade que daria vantagem a essa parte.

Dado que, como vimos supra, os Recorrentes não lograram convencer o Tribunal da sua versão dos factos, por insuficiente alegação e prova da factualidade pertinente para esse efeito, a sua pretensão não merece ser provida. Por consequência, também nesta parte, deve improceder o presente recurso.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
*
Porto, 13 de maio de 2021

Maria do Rosário Pais – Relatora
Confirmo e atesto, nos termos do artigo 15.º-A, do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, que este acórdão tem voto de conformidade dos restantes juízes Desembargadores que integram este coletivo:
Tiago Afonso Lopes de Miranda – 1.º Adjunto
Ana Patrocínio – 2.ª Adjunta