Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00459/07.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVEITO COMUM
Sumário:I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
III - Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

M..., contribuinte fiscal n.º 1…, residente na Rua…, Gandarela, Freamunde, Paços de Ferreira, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 29/04/2010, que julgou improcedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 1830-2007/010008480, do Serviço de Finanças de Paços de Ferreira, por dívidas de IRS de 2003 e 2004, no valor global de €340.813,71.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A- “Atendendo à prova testemunhal produzida, deve ser alterada matéria dada como não provada referida em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14 e 16, considerando-se provada.
B- Da prova testemunhal produzida resulta claro que, desde o ano de 2002, o L…, então cônjuge da Recorrente, deixou de contribuir para o sustento do agregado familiar.
C- Resulta, também, que os proveitos por ele auferidos no exercício da sua actividade comercial/profissional não foram auferidos em proveito comum do casal.
D- Os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente foram isentos e convincentes, tal como os considerou o próprio Magistrado do Ministério Público.
E- O Senhor Juiz Recorrido valorou de outro modo os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente, por considerá-los feridos pela contradição com a prova documental relativa aos movimentos das contas bancárias.
F- As testemunhas não foram questionadas quanto a tais movimentos, os seus depoimentos não foram contrapostos a tais documentos nem nunca pela Fazenda Pública ou pelo Magistrado do Ministério Público tal se revelou importante para aferir da existência ou não de proveito comum.
G- Os documentos em que o Mtmº. Juiz Recorrido estribou a decisão, só por si, não são suficientes para colocar em crise os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente.
H- Tendo sido feita prova de que as dívidas em causa nos autos não foram contraídas em proveito comum do casal, elas não são da responsabilidade da Recorrente, que é parte ilegítima no processo de execução fiscal.
I- A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 204º., nº. 1 alínea b) do CPPT, e 1691º, n.º 1, alínea d) do Código Civil.
Termos em que alterando a decisão quanto à matéria de facto, nos termos acima indicados, revogando a decisão e julgando procedente a oposição será feita JUSTIÇA.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento acerca da matéria de facto e se errou na valoração dos meios probatórios e, consequentemente, se enferma de erro de julgamento de direito.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado: - -
A) A oponente foi citada pessoalmente para o processo de execução fiscal n.º 1830-2007/01008480, por dívidas de IRS de 2003 e 2004, no montante de 340.813,71 €, em 25/6/2007 (fls. 84 e 85). - -
B) A dívida exequenda foi liquidada na sequência de uma inspecção realizada à oponente e ao seu marido, L…, contribuinte fiscal n.º 1…, que incidiu sobre a actividade profissional deste último (apenso). - -
C) De 2003 até 2005, inclusive, a oponente e L… declararam em conjunto os rendimentos do casal, cujo agregado incluía também um dependente (fls. 107 e 118 a 131).
D) Nos anos de 2003 e 2004, a oponente não declarou qualquer rendimento (fls. 107 e 118 a 131).
E) No ano de 2005 a oponente declarou o rendimento de 4.862,45 € de categoria H e 758,21 € de categoria A (fls. 107 e 118 a 131). - -
F) A oponente adquiriu, por partilha subsequente ao divórcio, a metade indivisa dos bens comuns do casal, constituídos pelos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob os n.ºs 9…e 1…026, ambos da freguesia de Freamunde (fls. 108 a 116). - -
G) Estes prédios foram adquiridos com recurso a crédito bancário, pago em prestações (fls. 108 a 117 e testemunhas). - -
H) O prazo para o pagamento voluntário das dívidas exequendas terminou em 18/4/2007 (fls. 91 e 92). - -
I) A oponente casou com L… em 16/6/1980, sem convenção antenupcial (fls. 157 a 167). - -
J) O casamento da oponente com L…foi dissolvido por divórcio intentado em 208/9/2006 e decretado, por decisão transitada em julgado, em 22/9/2006 (fls. 157 a 167). - -
K) Antes do divórcio, a partir do final de 2005, início de 2006, a impugnante passou a viver em separação de facto de L… (testemunhas). - -
L) A oponente e L… residiram na mesma casa até à separação de facto do casal em finais de 2005 (testemunhas). - -
M) A oponente tinha a ajuda da família (testemunhas). - -
N) Na petição inicial do processo de oposição n.º 170/08.0 BEPNF, a oponente alegou que a partir de Março de 2001, deixou de trabalhar devido a doença médica, recebendo o respectivo subsídio de doença (fls. 127 e seguintes). - -
O) Em 19/6/2006, no âmbito da acção inspectiva realizada à oponente e ao então seu marido, L…, este último concedeu autorização por escrito à Direcção-Geral dos Impostos para aceder a todos os elementos constantes, entre outras, da sua conta bancária n.º 6864752, do Crédito Predial Português (CPP) (fls. 22 e 23 do apenso). - -
P) Da análise dos elementos bancários dessa conta bancária foi possível apurar que sobre ela foram emitidos a favor de Jo...…, filho da oponente e de L…, e levantados ao balcão os seguintes cheques (fls. 22, 23 e 38 a 44 do apenso): - -

Data saída
Número do cheque
Valor
31/10/2003
71
1.100,00 €
4/11/2003
72
2.130,00 €
2/1/2004
89
1.200,00 €
18/3/2004
99
1.000,00 €
30/3/2004
108
1.600,00 €
29/4/2004
111
1.450,00 €
15/6/2004
131
225,00 €
17/6/2004
132
1.000,00 €
Q) Da análise dos elementos bancários dessa conta bancária foi possível apurar que sobre ela foram emitidos a favor da oponente e levantados ao balcão os seguintes cheques (fls. 22, 23 e 38 a 44 do apenso): - -
Data saída
Número do cheque
Valor
3/4/2003
4
1.000,00 €
2/5/2003
35
1.100,00 €
2/6/2003
45
1.050,00 €
21/7/2003
42
1.000,00 €
2/9/2003
49
750,00 €
2/10/2003
58
2.500,00 €
8/10/2003
59
1.000,00 €
18/11/2003
75
1.000,00 €
28/11/2003
85
1.050,00 €
5/12/2003
82
2.500,00 €
2/3/2004
100
1.100,00 €
15/4/2004
127
1.192,98 €
19/5/2004
118
1.000,00 €
11/6/2004
130
200,00 €
30/6/2004
133
800,00 €
19/7/2004
134
1.000,00 €
19/8/2004
135
1.100,00 €
17/9/2004
143
1.000,00 €
19/10/2004
150
1.000,00 €
16/11/2004
155
1.000,00 €
23/12/2004
173
1.500,00 €
R) Da análise dos elementos bancários dessa conta bancária foi ainda possível apurar que em 15/4/2003, foi depositado nessa conta um cheque de T…, irmã da oponente e cunhada de L…, no valor de 42.500,00 €, montante recebido a título de herança pela venda de um imóvel da mãe da oponente (fls. 22, 23, 46 e 50 do apenso). - -
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado: - - -
1) O divórcio da oponente ocorreu na sequência de um período longo de conflitos entre ela e o seu ex-marido, atentas as constantes violações dos deveres conjugais por este cometidas. - -
2) No entanto, desde 2002, pouco em comum tinha a oponente com L…. - -
3) Desde 2002 que não tomavam as refeições à mesma mesa, não dormiam na mesma cama, nem mantinham relações sexuais. - -
4) Seu ex-marido chegava a casa, sistematicamente, a casa pelas 3H 00 M, 4 H 00 M e 5 H 00 M da manhã. - -
5) Muitas vezes nem mesmo aparecia para dormir. - -
6) Por outro lado, a partir de 2002, L… deixou de contribuir para as despesas da casa. - -
7) A subsistência da oponente e o governo da casa eram feitos à conta do seu salário e com a ajuda de familiares. - -
8) L… dizia que não podia contribuir para as despesas da casa, alegando dificuldades no seu negócio. - -
9) Tudo o que o ex-marido da oponente auferia gastava em proveito próprio, com a vida nocturna que fazia, frequentando casas de jogo e de mulheres. - -
10) Desde 2002 que L…i deixou de exercer qualquer actividade em proveito comum do casal. - -
11) Desde então não mais a oponente beneficiou de qualquer actividade profissional de L…. - -
12) Aliás, as últimas declarações de rendimentos que apresentaram em conjunto apenas reflectem os rendimentos auferidos pela oponente no seu trabalho. - -
13) Deste modo, a oponente é absolutamente alheia à liquidação das dívidas exequendas. -
14) E não beneficiou de qualquer actividade de seu ex-marido que possa estar na origem de tais liquidações. - -
15) A oponente ignora mesmo se o seu ex-marido desenvolveu, nos anos de 2003 e 2004, actividades na área da construção civil, que não foram declaradas para efeitos fiscais. - -
16) A oponente não beneficiou de qualquer rendimento auferido por L… nesses anos. - -
17) A oponente pagava sozinha as prestações do crédito bancário. - -
3.1.1 – Motivação. - -
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, identificados em cada um dos factos, que não foram impugnados. - -
A falta de credibilidade dos depoimentos, que abaixo se explicará, não obsta a que se julguem, provados alguns factos com base nesses depoimentos, porquanto resultam das regras da experiência e / ou são corroborados por alguns documentos juntos aos autos. - -
No caso da alínea G) o depoimento das testemunhas Jo...… e T…, quanto à aquisição com recurso a crédito bancário e ao pagamento das prestações, é corroborado pelos documentos aí referidos e pelas regras da experiência. - -
No caso das alíneas K), L) e M), os depoimentos das testemunhas são corroborados pelas regras da experiência. Se veio a ocorrer o divórcio da oponente é natural que a relação conjugal não fosse a melhor e que nessa circunstância tivesse o apoio da família. - -
Porém, esta quebra da relação conjugal não significa, como iremos ver a propósito da matéria de facto não provada, uma quebra das obrigações de auxílio e assistência económica do ex-marido da oponente. - -
Desde logo, o tribunal só ficou convencido que o apoio familiar à oponente era apoio emocional e não económico. - -
Daí que, apesar da falta de credibilidade dos depoimentos dessas testemunhas, o tribunal, embora com alguma dificuldade, admitiu que esses factos ocorreram. - -
A matéria de facto não provada resultou da falta ou total ausência de prova. Sendo factos alegados pela oponente recaía sobre ela o respectivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT). - -
A falta de prova dos factos alegados, tem de ser julgada contra a parte sobre quem recai o respectivo ónus da prova. Isto é, não sendo feita prova, os factos alegados têm de ser julgados contra a parte a quem aproveita (art. 516.º do CPC). - -
Para prova dos factos alegados a oponente juntou prova documental e testemunhas. - -
A prova documental por não ter sido impugnada relevou para o julgamento da matéria de facto provada em que são identificados os respectivos documentos. - -
Porém, a prova documental e testemunhal carreada para os autos não foi suficiente para convencer o tribunal de todos os factos alegados pela oponente, motivo pelo qual julgou não provados os factos acima descritos de 1) a 17). - -
A prova documental carreada para os autos não contendia com os factos não provados. - -
A prova testemunhal revelou-se manifestamente insuficiente para convencer o tribunal. - -
O depoimento da testemunha J… revelou-se manifestamente genérico, inconclusivo, com contradições e sem conhecimento directo dos factos. O seu depoimento foi sobretudo baseado em generalidades como o ex-marido da depoente teve uma fase boa e depois uma fase muito complicada a partir de 2000, dois mil e tal (…) entrou num caminho mau, com problemas de alcool (facto não referido pelas outras testemunhas), acho isso. - -
Disse que a vida familiar não andava muito bem, mas nunca presenciou nenhuma situação de conflito, só ouvia falar. - -
Os problemas começaram em 2000 e em 2002 já não estava em casa, quando a oponente invoca que a separação de facto ocorreu só em finais de 2005. - -
Declarou ainda que não acreditava que o ex-marido da oponente contribui-se para as despesas da casa (mas não disse que sabia e porquê). - -
E termina o seu depoimento dizendo eu imagino que os problemas eram da noite.
Ou seja, o seu depoimento é todo baseado no que ouviu dizer e na sua convicção pessoal (não acredito, acho isso, imagino isso), nunca tendo demonstrado qualquer facto que revelasse conhecimento directo de um facto concreto. - -
O seu depoimento não relevou em nada para a formação da convicção do tribunal. - -
Os depoimentos de Jo...… e T..., apesar de revelarem algum conhecimento mais directo dos factos, ainda assim foram insuficientes para convencer o tribunal dos factos julgados não provados. - -
A falta de credibilidade dos seus depoimentos resultou sobretudo, pela contradição com a prova documental junta aos autos, sobretudo a que revela que a economia do agregado familiar passava pelas contas bancárias movimentadas pela oponente e pelo seu ex-marido, que demonstram que o ex-marido prestava assistência económica à família e contribuía para as despesas do lar, cuja objectividade e isenção abala a credibilidade do depoimento testemunhal, ponderando a sua subjectividade e as relações familiares de proximidade com a oponente e pela forma vaga como esses depoimentos foram prestados. - -
Note-se que nos seus depoimentos estas testemunhas referem-se de forma muito genérica à falta de contribuição do ex-marido para as despesas do lar, mas ninguém sabia por exemplo quanto era o valor da prestação do empréstimo bancário; as testemunhas falam em desentendimentos do casal e da ausência e falta de acompanhamento familiar do ex-marido, mas ninguém disse concretamente que circunstâncias é que revelavam essa falta de acompanhamento (por exemplo que havia dias seguidos que não vinha a casa, a que horas chegava a casa, etc…). - -
Note-se que mesmo no que respeita à assistência económica os depoimentos de um e outro baseiam-se em generalidades (por exemplo o casal tinha dois prédios e dois veículos automóveis que tem despesas e a oponente não alegou, nem provou que suportava sozinha as despesas de qualquer deles, apesar de Jo...… declarar que era a mãe que pagava a prestação do crédito bancário. Porém, não juntou qualquer documento comprovativo desse facto e como iremos ver na motivação que se segue esse depoimento de Jo...… também não se afigura verosímil). - -
A credibilidade destas testemunhas é abalada de forma decisiva pela natureza demasiado vaga e genérica dos depoimentos prestados (sem uma demonstração cabal de factos concretos reveladores dos factos alegados pela oponente), conjugados com a contradição manifesta com a prova documental e objectiva carreada para os autos (sobretudo a que revela que pelo menos da conta bancária de L… no CPP eram emitidos regularmente cheques à ordem da oponente e do filho, que eram levantados ao balcão, factos absolutamente essenciais para estes autos) e as relações familiares destas testemunhas com a oponente. - -
O tribunal ao ponderar a credibilidade a atribuir ao depoimento das testemunhas não pode deixar de ponderar estas circunstâncias. - -
O tribunal ao formar a sua convicção não pode deixar de desvalorizar os depoimentos destas testemunhas, dando maior credibilidade à prova documental junta aos autos, conjugada com as regras da experiência. - -
A matéria de facto julgada não provada resultou da falta de prova, da prova do contrário, da insuficiência e incoerência da prova. - -
Sendo factos alegados pelo oponente, cabia-lhe o ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT). A insuficiência da prova determina que tais factos sejam julgados contra si. - -
O facto não provado em 1) resulta do depoimento de Jo...… e da falta e insuficiência de prova. Esta testemunha declarou que o pai não tinha uma postura violenta, pautava-se era pela ausência. Logo, não pode falar-se em comportamento violento do ex-marido da oponente. - -
Quanto ao mais resultou da falta de prova. Não foi feita prova da causa do divórcio, dos motivos concretos que levaram a oponente a divorciar-se. Apesar de Jo... e T... alegarem que a oponente não estava satisfeita com a vida do casal, como se verá esses depoimentos não foram suficientemente consistentes para demonstrar os verdadeiros motivos do divórcio da oponente, quando, como se verá, a alegada falta de assistência económica à família veio a ser desmentida de forma objectiva e documental, abalando um dos principais motivos alegado pela oponente, não se tendo demonstrado de forma cabal a violação de qualquer dever conjugal. - -
Os factos não provados em 2), 3), 4) e 5) resultam da total ausência de prova. Nenhuma prova foi feita sobre estes factos. A única prova aproximada seria o depoimento de Jo...…, filho da oponente, que referiu que o pai era negligente com a mãe, estava constantemente ausente e não fazia vida normal de casal. Porém, tal depoimento, não significa necessariamente, nem por aproximação que a vida da oponente pouco tinha de comum com o ex-marido, que ele não fazia as refeições à mesma mesa, não dormia na cama da oponente, não mantinha relações sexuais com ela, que chegava a casa sistematicamente pelas 3, 4 ou 5 horas da manhã e que muitas vezes não vinha dormir. - -
A falta de convicção do tribunal, para além da já referida falta de credibilidade das testemunhas, foi reforçada pelo próprio depoimento de Jo...… quando afirma que o pai (ex-marido da oponente) aparecia por casa. Apesar de ter declarado genericamente que o pai estava constantemente ausente e que não fazia a vida normal de casal, acabou por admitir que o pai frequentava a casa do casal. - -
O tribunal não compreende como é que L… frequentava a casa do casal, se a situação fosse de ruptura. Não sendo uma situação de ruptura compreendia-se que a oponente e o marido vivessem na mesma casa, situação de resto confessada pela própria oponente que admite que a separação de facto só ocorreu em finais 2005. Se a oponente e o ex-marido e o filho viviam na mesma casa, o tribunal não ficou convencido que não fizessem uma vida comum de casal, sobretudo por dois motivos. Um porque os depoimentos vagos de Jo...… e T... não descreveram de forma directa factos ou acontecimentos reais concretos que revelassem a situação de facto alegadamente vivida pela oponente. Os depoimentos dessas testemunhas não foram suficientemente consistentes para convencer o tribunal. O outro, é que esta falta de consistência dos depoimentos é corroborada e reforçada pela contradição entre os depoimentos dessas testemunhas quanto à alegada falta de assistência económica de L… e os documentos juntos aos autos que revelam que a oponente e o filho ao longo dos anos 2003 e 2004 beneficiaram de assistência económica do ex-marido e pai (com efeito resulta da matéria de facto provada (alíneas O) a R) da matéria de facto) que ao longo de 2003 e 2004 foram emitidos à ordem da oponente e do filho inúmeros cheques que foram levantados ao balcão o que revela que L… contribuía para os encargos da vida familiar, conclusão que é reforçada pelo depósito em Abril de 2003, nessa mesma conta bancária, de um cheque da testemunha T…, irmã da oponente, para pagamento de tornas devidas pela venda de uma casa da mãe o que demonstra que essa conta bancária era de utilização comum do casal). - -
O tribunal não ficou convencido de tais factos, atenta a fragilidade e insuficiência da prova produzida. Para formar a convicção do tribunal não basta um depoimento testemunhal vago que se limita a corroborar os factos alegados pela parte, sem revelar o conhecimento directo de factos concretos que demonstrem a realidade dos factos alegados (art. 341.º do CC), ainda por cima frontalmente contrariado em factos que são absolutamente essenciais para a decisão da causa, como foi o caso da alegada falta de assistência económica de L… à oponente e ao filho, quando os documentos juntos a estes autos revelam que pela movimentação, pelo menos, da sua conta bancária do CPP (utilizada na sua vida profissional), ele contribuía para os encargos da vida familiar e para o proveito comum do casal, uma vez que a conta bancária era utilizada pelo casal e em beneficio comum. - -
O facto não provado em 6) foi desmentido pela prova documental junta aos autos – relatório da inspecção tributária realizada à oponente e ex-marido – que revela que em 2003 e 2004, pelo menos a conta bancária do CPP era utilizada por L… na sua actividade profissional e pessoal e através dela foram emitidos e passados inúmeros cheques à ordem da oponente e do filho, que foram levantados ao balcão, o que revela que essa conta era utilizada em benefício e proveito comum do casal e do filho. Esta convicção é reforçada pelo facto de nela ter sido depositado em Abril de 2003 um cheque de T…, irmã da oponente, que se destinava a pagar as tornas pela venda de uma casa da mãe, o que revela a utilização comum dessa conta e desmente a alegada ausência e falta de acompanhamento do ex-marido. - -
Estes factos também desmentem os factos alegados em 7), 8), 10), 13), 14) e 16). - -
Acresce que a alegada subsistência da oponente ocorrer apenas com o seu salário (número 7) da matéria de facto) é contrariada pela própria oponente no processo de oposição n.º 170/07.0 BEPNF, em que alega que está de baixa médica desde 2001, contradições que desacreditam a alegação dos dois processos. - -
Relativamente ao número 9) da matéria de facto não provada, o tribunal não ficou convencido desse facto, porque a prova aqui também foi manifestamente vaga e inconsistente. As testemunhas não revelaram conhecimento directo desses factos invocando apenas deduções, não descrevendo nenhum facto concreto que demonstrasse a realidade dos factos alegados (por exemplo algum acontecimento ocorrido a L... que demonstrasse que frequentava casas de jogo – por exemplo dívidas de jogo – ou mulheres, designadamente algum acontecimento concreto que o revelasse – por exemplo ter sido visto em alguma local ou circunstância acompanhado de outra ou outras mulheres; ter sido encontrado em restaurantes ou locais de diversão nocturna acompanhado de outras mulheres e em circunstâncias que pudessem revelar a existência de intimidade própria de um casal). Como já se disse repetidamente, os depoimentos produzidos revelaram-se demasiado vagos e imprecisos para convencer o tribunal e a sua credibilidade foi abalada pela contradição com os documentos juntos aos autos, no que respeita à alegada falta de assistência económica à família. - -
O facto não provado em 12) resulta da prova do contrário. Dos documentos juntos aos autos a fls. 107 e 117 a 133 resulta que das declarações de 2003 e 2004, não constam rendimentos da oponente e só no ano de 2005 é que constam rendimentos de trabalho dependente e de pensões da oponente (alíneas D) e E) da matéria de facto). - -
O facto não provado em 15) resulta da insuficiência e contradição da prova conjugada com as regras da experiência. Se o ex-marido viveu na mesma casa com a oponente até finais de 2005, se ambos utilizavam e beneficiavam da mesma conta bancária e se viviam em Freamunde, localidade que é do conhecimento geral que não é suficientemente grande para desconhecer-se de todo a actividade das pessoas que vivem junto umas das outras, não é crível nem verosímil que a oponente não soubesse o que o marido fazia. Além disso, apesar de serem rumores, o tribunal não compreende que a oponente tivesse conhecimento que o marido frequentava casas de jogo e mulheres e não soubesse qual era a sua ocupação profissional!!!
A matéria de facto não provada em 17) resulta da insuficiência e contradição da prova. - -
Aqui apesar da testemunha Jo...… ter declarado que era a mãe que pagava sozinha a prestação da casa e da testemunha T… ter declarado que a ajudava economicamente, esses depoimentos não foram relevados pelo tribunal, pela já alegada falta de credibilidade perante a contradição com os documentos juntos aos autos e a matéria de facto provada de N) a R). - -
Com efeito, como vimos a oponente e o filho ao longo de 2003 e 2004 beneficiaram reiteradamente de dinheiro entregue por L.... Logo, não é credível que a oponente tivesse pago as prestações do crédito bancário sozinha e só com o seu dinheiro. - -
Atente-se que Jo...… declarou que a mãe vivia do dinheiro que recebia da baixa por doença, que rondava os trezentos euros e da ajuda da família. Porém, não disse quanto é que era a prestação do crédito, nem nunca explicou quanto é que gastava por estar a estudar, não se chegando a apurar de forma credível se o dinheiro da baixa médica era suficiente para tudo e se a ajuda da família cobria ou não o restante e de quanto era. - -
Mais. Quis-se fazer crer que era a família que pagava os estudos de Jo...…, mas nenhuma das testemunhas disse quanto, quando, como e durante quanto tempo é que recebeu ou entregou a ajuda. Além disso, nenhuma das testemunhas declarou que essa ajuda era entregue directamente ao sobrinho, o que até seria compreensível. - -
A este propósito a testemunha T... ainda chegou a declarar que o subsídio de férias e de Natal era todo para a oponente. E em seguida declarou que o seu ordenado era quase todo para a irmã. - -
Esta falta de espontaneidade abala o seu depoimento. Porque se de facto desse todo o seu ordenado à irmã tinha-o declarado logo espontaneamente. Quando declara que lhe dava o subsidio de férias e de Natal e depois vem corrigir e declarar que também era quase todo, ou todo, o seu ordenado, o depoimento perde credibilidade, porque é uma explicação que visa colmatar a alegada assistência económica, porque se só lhe desse o subsidio de Natal e de férias, não se compreendia como é que a oponente sobrevivia nos restantes 10 meses. - -
Esta falta de espontaneidade e verosimilhança dos depoimentos, associada à já referida prova documental que o ex-marido contribuía para os encargos da vida familiar, quer da oponente, quer do filho, abalam a credibilidade daqueles depoimentos. - -
Motivo pelo qual foi julgada não provada a matéria de facto, deste número, bem como dos restantes. - -
A restante matéria alegada pelo oponente e pela Fazenda Pública não foi julgada provada ou não provada porque são factos irrelevantes para a decisão ou são factos conclusivos ou constituem alegação de direito. - -”


2. O Direito

A Recorrente defende o desacerto decisório da matéria de facto dada como não provada nos pontos 1 a 11, 13, 14 e 16 da decisão da matéria de facto, invocando erro na apreciação e valoração crítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas J…, Jo...… e T….
A Recorrente afirma que a decisão recorrida considerou provada a quebra da relação conjugal [cfr. alíneas K) e L) do probatório], mas não considerou provada a quebra das obrigações de auxílio e assistência económica do ex-marido, entendendo que o apoio familiar à Recorrente era apoio emocional e não económico [cfr. alínea M) do probatório]. É com esta decisão que a Recorrente não se conforma, pois defende que a prova testemunhal produzida foi inequívoca quanto à degradação da relação do casal, pelo menos a partir de 2002, e à falta de contribuição de L... para a subsistência do agregado familiar.
A Recorrente reconhece que o depoimento da testemunha J… possa ter-se revelado genérico, mas é sua convicção que os depoimentos das outras duas testemunhas não merecem qualquer reserva e foram categóricos.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Esta prerrogativa foi cumprida pela Recorrente quanto aos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, consubstanciados na matéria não provada vertida nos pontos 1 a 11, 13, 14 e 16. Todavia, quanto aos concretos meios probatórios que imporiam decisão diversa, a Recorrente limita-se a remeter para a globalidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas Jo...… e T….
Ora, a decisão recorrida procedeu a uma pormenorizada concatenação de toda a prova produzida (testemunhal e documental), motivando concretamente os fundamentos para formar a sua convicção, dando relevância à prova documental e desvalorizando, em diversos pontos, a prova testemunhal produzida, revelando uma análise crítica na valoração da prova.
Sem embargo de nos depoimentos prestados se afirmar a veracidade dos pontos de facto dados como não provados e aqui impugnados, não é despiciendo apontar as razões de ciência e as relações pessoais e familiares subjacentes aos depoimentos, como o efectuou o tribunal recorrido. Por outro lado, não podemos considerar que a Recorrente cumpriu plena e cabalmente o ónus que sobre si impende se nenhuma observação realiza neste recurso à prova documental valorada e se limita a remeter global e simplesmente para a prova testemunhal.
Esta impugnação da matéria de facto apoiada numa referência genérica à prova testemunhal e alheando-se da totalidade da prova produzida, não apontando qualquer razão para o afastamento da prova documental atendida, inviabiliza uma cabal análise do recurso da decisão da matéria de facto. Até poderia ser verdade que as provas produzidas, potencialmente, imporiam decisão diversa da recorrida, mas tal apreciação e ilação pressuporiam um detalhe e individualização que não foi efectuado pela Recorrente, chamando-se a atenção para a total desconsideração da importância na concatenação da totalidade da prova produzida que é revelada no recurso.
Não obstante o deficiente cumprimento pela Recorrente do ónus rigoroso que a lei processual civil impõe, não podemos deixar de salientar que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
Se a Recorrente não questiona a exaustiva fundamentação da decisão da matéria de facto, em que se explica a valoração de determinadas provas em detrimento de outras, limitando-se a afirmar que os depoimentos das testemunhas Jo...… e T… não merecem qualquer reserva e foram categóricos; em rigor, não estão a ser concretamente colocadas questões, apresentando-se a alegação com natureza conclusiva (este tribunal ignora por que razão os depoimentos foram categóricos, não merecendo reserva).
Assim, “o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
O Meritíssimo Juiz a quo exarou a motivação a propósito de cada ponto assente e também quanto à decisão da matéria de facto não provada, mostrando-se amplamente fundamentada a decisão da matéria de facto.
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
A decisão da matéria de facto em crise reflecte precisamente este princípio. Vejamos por que motivo.
Como se refere na sentença recorrida, a credibilidade das testemunhas é abalada de forma decisiva pela natureza demasiado vaga e genérica dos depoimentos prestados (sem uma demonstração cabal de factos concretos reveladores dos factos alegados pela oponente), conjugados com a contradição manifesta com a prova documental e objectiva carreada para os autos (sobretudo a que revela que pelo menos da conta bancária de L... no CPP eram emitidos regularmente cheques à ordem da oponente e do filho, que eram levantados ao balcão, factos absolutamente essenciais para estes autos) e as relações familiares destas testemunhas com a oponente.
É verdade que o tribunal ao ponderar a credibilidade a atribuir ao depoimento das testemunhas não pode deixar de ponderar estas circunstâncias.
Foi por esses motivos que o tribunal ao formar a sua convicção não pôde deixar de desvalorizar os depoimentos das testemunhas, dando maior credibilidade à prova documental junta aos autos, conjugada com as regras da experiência.
Efectivamente, não se pode olvidar que as testemunhas são familiares (Jo... é filho; T… é irmã) e amigo (J…) da Recorrente, sendo que tal relação pessoal retira credibilidade aos respectivos depoimentos.
As afirmações produzidas nos depoimentos, a maioria das vezes com cariz conclusivo, no sentido de que nenhum dos proventos gerados pela actividade empresarial do ex-marido da Recorrente reverteram em proveito comum do casal, e da qual resultaram as dívidas tributárias em execução, são totalmente contrariadas pela análise de documentos juntos aos autos, designadamente, pela análise bancária à conta pessoal do ex-marido, segundo a qual é visível, a favor da Recorrente e do filho do casal, que saíram montantes monetários que, nos dois exercícios em causa (2003 e 2004), totalizam cerca de €40.000,00.
Ora, esta prova documental, até que se prove a respectiva falsidade (o que não foi o caso, dado que os documentos nem sequer foram impugnados, como se refere na sentença), é um meio de prova muito credível, principalmente quando articulado com a prova testemunhal genérica, vaga e conclusiva produzida.
Não se vislumbrando que ocorra qualquer erro manifesto ou grosseiro na decisão da matéria de facto, haverá, por isso, com a segurança e certeza exigíveis, que retirar dela que, tendo o ex-marido da Recorrente como único meio de subsistência a actividade empresarial, terá sido dessa actividade que saíram os proventos revertidos a favor da Recorrente e do filho do casal.
Não é, ainda, despiciendo que a Recorrente tenha adquirido, por partilha subsequente ao divórcio, a metade indivisa dos bens comuns do casal [cfr. ponto F) não impugnado do probatório] e que, nos exercícios correspondentes às dívidas tributárias em execução, a Recorrente não tenha declarado quaisquer rendimentos pessoais (IRS) e o seu ex-marido tivesse como única actividade lucrativa a actividade empresarial da qual emergiram as dívidas tributárias em execução [cfr. pontos C) e D) não impugnados da decisão da matéria de facto].
Nesta conformidade, é forçoso concluir que a aquisição do património do casal foi suportada, exclusivamente, pela actividade comercial exercida pelo ex-marido da Recorrente, sendo que esta, em partilha subsequente ao divórcio, não abdicou do seu direito sobre o mesmo património.
Assim, tal como foi decidido em 1.ª instância, a prova documental produzida nos autos descredibiliza completamente a prova testemunhal produzida, levando à ilação de que as dívidas tributárias em execução foram contraídas por causa da actividade empresarial exercida em proveito comum do casal, sendo, portanto, também da responsabilidade da Recorrente.
Nestes termos, visando o presente recurso somente a decisão da matéria de facto, urge negar provimento ao mesmo e manter a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
III - Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, concedido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Porto, 25 de Janeiro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro