Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00088/16.2BEBERG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/15/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECURSO EM SEPARADO; LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO; RESPONSABILIDADE CIVIL DOS AGENTES DE EXECUÇÃO; INCUMPRIMENTO DE ORDEM DE ARRESTO
Sumário:
1 – Atentos os elementos essenciais de caracterização orgânica e funcional dos Agentes de Execução, designadamente, o dever da função ser exercida por profissionais liberais, ainda que supervisionados pela Câmara de Solicitadores, perante quem respondem disciplinarmente por atos cometidos no exercício das suas funções, não sendo designados pelo Tribunal, e apesar de intervirem em processos executivos, e atuarem em nome próprio, não se mostraria adequado chamar o Estado a responder solidariamente com os referidos agentes, em termos de responsabilidade cível extracontratual.
2 – A referida conclusão resulta da circunstância do legislador não ter previsto a coresponsabilização do Estado na eventual indemnização decorrente da prática de atos ilícitos no exercício das funções de agente de execução.
3 – Efetivamente, o Estado não controlando de forma direta, imediata e funcional a atividade dos agentes de execução, não exercendo sequer qualquer poder disciplinar sobre os mesmos, não pode ser responsabilizado pela sua atividade ou atuação. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:DPMC, SA
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A DPMC, SA, Autora nos Autos de Ação Administrativa, devidamente identificado nos referidos autos, que intentou contra PAA, Agente de Execução e Estado Português, por incumprimento de ordem de arresto, não se conformando com o Despacho proferido no TAF de Braga, em 22 de novembro de 2016, na parte em que julgou procedente a exceção invocada de ilegitimidade passiva do Estado Português, absolvendo o mesmo da instância, veio recorrer do mesmo, concluindo, a final:
1. A douta decisão do Tribunal de 1.ª Instância proferida em sede de Audiência Prévia, de que ora se recorre, decidiu julgar procedente a exceção invocada de ilegitimidade passiva do Estado Português e, em consequência, absolveu o mesmo da Instância nos termos dos art.ºs 278º, n.º1, al. d), 576º, n.º1 e n.º2 e 577.º, al. e) do CPC.
2. A Recorrente não concorda, nem se conforma com esta decisão,
3. Porquanto, entende a Recorrente que a contextualização efetuada pelo Tribunal de 1.ª Instância da figura do Agente de Execução se trata de uma conspeção que considera apenas a parte e não o todo.
4. Tal decisão é baseada no argumento da génese privatística desse agente da justiça, desvalorizando as atribuições de carácter público que, com a reforma do Processo Civil, operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, criou uma nova profissão – a de agente de execução – que veio substituir/auxiliar os oficiais de justiça nas diligências executivas.
5. Os agentes de execução praticam, assim, atos no âmbito de uma atividade que tem natureza pública, dado intervirem em processos executivos e desenvolverem as demais tarefas de auxílio judicial que a lei lhes incumbe, estando, ao invés do sustentado pelo Tribunal de 1ª Instância, sujeitos ao controlo, ordens e demais instruções do Magistrados Judiciais, titulares dos respetivos processos, conforme estaria um oficial de justiça, anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, e desempenhando uma função equidistante, porquanto este não é um auxiliar das partes, mas sim um auxiliar da Tribunal.
6. Nesse sentido, prevê o art.º 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução que “1 – O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparadas ou ser dos mesmos instrutórias.”
7. Com base no supra exposto, decidiu o Tribunal de 1ª Instância julgar improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal para conhecimento e decisão do presente litígio, isto é, para conhecimento das ações de indemnização por danos na e por causa da atividade dos agentes de execução, no facto de a estes auxiliares da justiça serem aplicadas as disposições que na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro regulam a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público e que se aplicam aos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado, não especificando o art.º 1º, n.º5 desta Lei quais das disposições são aplicadas aos agentes de execução, concluindo-se, por isso, pela sua aplicação global.
8. Julgou, assim, de forma errada e obsoleta o Tribunal de 1ª Instância ao julgar procedente a exceção invocada de ilegitimidade passiva do Réu Estado, decisão contra a qual a ora Recorrente se insurge, porquanto, se o Venerando Tribunal admite num primeiro ponto a aplicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, à figura do Agente de Execução para determinação da competência da jurisdição administrativa nas ações de indemnização pelos seus atos ou omissões, considerando que tais disposições (na sua generalidade) lhe são aplicáveis, terá necessariamente que entender que, ao não serem especificadas quais as disposições legais aplicáveis, as mesmas o são na sua totalidade, encontrando-se toda a atuação do Agente de Execução no âmbito dos Processos Executivos sindicada pelo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Pessoas Coletivas de Direito Público.
9. Na senda da subsunção global da atividade dos agentes de execução à Lei n.º67/2007, de 31 de Dezembro, conforme dispõe o supra aludido art.º1, n.º5, entende a Recorrente que deverão ser aplicadas aos agentes de execução as disposições constantes dos artigos 8.º e 9.º deste diploma.
10. Neste mesmo sentido, foi o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-10-2012, Proc. n.º 294/10.3TBVCT.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-10-2010, no Proc. n.º 2798/07.6TBSTS.P1.
11. No mais, sustenta José Lebre de Freitas (in A Ação Executiva, Depois da Reforma, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2009) que: “(…) Não impede a responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade de Estado pelos atos dos seus funcionários e agentes.”
12. Determina o art.º 8º, n.º 1 que “1 – Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.”,
13. Acrescentando o seu n.º 2 que “2 – O Estado e demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”,
14. E determinando o art.º 9.º, n.º1 que “1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direito ou interesses legalmente protegidos”
15. Donde se retira que, uma vez que se aplicam aos Agentes de Execução as disposições que na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, regulam a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público e que são aplicáveis aos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado, é o Estado responsável de forma solidária com o Agente de Execução, nos presentes autos, com o 1º R., porquanto: 1 - Foi no âmbito das suas funções e por causa desse exercício (art.º 8º, n.º1 e 2 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) que o 1º R., solicitador de execução nos autos de n.º2366/10.5TBGMR e nesse âmbito detentor de uma quantia em dinheiro existente, tendo sido notificado para o cumprimento de uma ordem que lhe foi dada pelo Tribunal, aquando o despacho em 09/06/2011 para, no âmbito dos autos com o n.º 4475/11.4TBGMR-A, fazer as declarações que entendesse quanto ao direito da aqui Recorrente, ora Autora, e ao modo de tornar efetivo, devendo comprovar a efetivação do arresto, o mesmo a incumpriu; e 2 - Com essa ação, o 1.º R. não demonstrou o zelo e diligência necessários no exercício das suas funções, sendo por isso a sua acção/omissão considerada ilícita (art.º 9º, n.º1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).
16. Mercê do supra exposto, verificados os requisitos para a aplicação da responsabilidade solidária do Estado pelos atos e omissões do 1.º R. – agente de execução – julgou erradamente o Tribunal de 1ª Instância ao julgar procedente a exceção de ilegitimidade passiva do Réu Estado Português, em consequência, absolvendo o mesmo da instância.
Termos em que deverá conceder-se provimento ao presente Recurso e, em consequência ser revogada a douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância em sede de audiência prévia, na parte em que decidiu julgar procedente a exceção invocada de ilegitimidade passiva do Estado Português e, em consequência, absolveu o mesmo da Instância nos termos dos art.ºs 278º, n.º1, al. d), 576º, n.º1 e n.º2 e 577.º, al. e) do CPC.
Fazendo-se, assim, a sã e habitual JUSTIÇA!”
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O Estado Português, representado pelo Ministério Público, veio a apresentar as suas Contra-alegações em 16 de maio de 2017, sem que tenha apresentado Conclusões.
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O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 12 de Janeiro de 2018.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal, foi notificado em 15 de fevereiro de 2018.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se pugna pela legitimidade passiva do Estado.
III – Matéria de Facto
No que aqui releva, consta do Recorrido Despacho:
“(...)Factos provados:
1 – O Réu PAA foi nomeado solicitar de execução no processo nº 2366/10.5TBGMR que correu termos nos juízos de execução de Guimarães, sendo exequente a sociedade DF, SARL, e executada DPMC, S.A., aqui Autora;
2 – Em 09/06/2011, no processo 1879/11.6TBGMR, foi enviado um ofício ao Réu PAA com o seguinte teor:
“Assunto: Arresto de direitos
Fica V.Exa. notificado, na qualidade de Solicitador de Execução, no processo nº 2336/10.TBGMR, a correr termos no Juízo de Execução desta Comarca de que foi ordenado o arresto do direito pertencente ao requerido DF, S.A.R.L., Pessoa coletiva estrangeira - C1…45, Endereço: 10, PIT - ZoIB, Casablanca, CASABLANCA Marrocos, no valor de €15.000, que se encontra confiada a V/ Exª, para garantia do pagamento da quantia de €: 25.750,00 juros e custas, ficando este direito arrestado à ordem dos autos acima referenciados, nos termos do disposto do artº 862º do CPC.
Fica ainda notificado, de que pode no prazo de 10 dias, fazer as declarações que entender quanto ao direito do requerido e ao modo de o tornar efetivo, devendo comprovar nos autos a efetivação do referido arresto.
Com os melhores cumprimentos,
O Oficial de Justiça,
MIBC”
(...)
B) Ilegitimidade passiva do Estado quanto ao pedido de condenação solidário
O Digno Procurador da Republica junto deste TAF invoca na sua contestação a ilegitimidade passiva do seu representado, alegando, em síntese, que o agente de execução ainda que exerça competências públicas não é titular de qualquer órgão, funcionário ou agente do Estado ou de qualquer pessoa coletiva de direito público, pelo que não lhe pode ser aplicado o regime constante do nº 2 do artº 8 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lei nº 67/2007, de 31/12.
Os danos:
O artº 8º, nº 2, supra referido, tem o seguinte teor “O estado e demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por este no exercício das suas funções e por causa desse exercício”
Tal com referimos supra, os agentes de execução exercem uma atividade materialmente administrativa o que, de acordo com o artº 1º, nº 5 da lei 67/20007, de 31/12, as disposições legais que regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, aplicam-se às pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Isto significa que à questão aqui em litígio se aplicará o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Será que a aplicação deste regime implica que o Estado seja parte nestes autos e suscetível de ser eventualmente condenado?
Parece-nos que, na sendo de vária jurisprudência de tribunais superiores e do Tribunal Constitucional, o Estado não pode ser responsabilizado pelos atos praticados pelo 1º Réu na qualidade de agente de execução e assim não poderá ser parte nos presentes autos.
Acontece que o agente de execução não é titular de qualquer órgão, funcionário ou agente do Estado, ou de qualquer pessoa coletiva de direito público, pois que não é um funcionário da Câmara dos Solicitadores uma vez que não exerce as suas funções em nome, representação ou a mando Câmara dos Solicitadores, nem em regime de prestação de serviços ou a qualquer outro título; também não é remunerado pelo Estado com um vencimento mensal, mas sim através de honorários que não correspondem a um vencimento;
O Estado não dá ordem ao agente de execução sobre como atuar no exercício das suas funções nem lhe confere meios para o exercício das mesmas, sendo o agente de execução autónomo do Juiz de execução. O agente de execução, de acordo com o disposto no artº 117º, nº1 e 99º, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, é um profissional liberal que atua de forma independente e que na maioria das vezes é designado pelos exequentes, funcionado fora dos limites físicos das secretarias judiciais, suportando os custos inerentes a sua atividade e arrecadando os respetivos benefícios, como se disse supra, na forma de honorários.
A regulação da atividade, quer na vertente inspetiva, quer disciplinar, encontra-se confiada exclusivamente a órgãos internos da Câmara dos Solicitadores.
Sendo assim, tal com referido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/09/2009, e da Relação do Porto, de 12/01/2010, os agentes de execução não são equiparados aos demais agentes administrativos por qualquer diploma legal em vigor, nomeadamente qualquer diploma legal que regule a ação executiva.
Às opções legislativas supra referidas acresce ainda a decorrente do nº 8, do artº 12º do atual estatuto aprovado pela Lei 22/13 de 26/02, esta relativa aos administradores de insolvência, mas cujo regime se mostra em paralelismo com o regime previsto para os agentes de execução o qual cria obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil para cobrir o risco inerente ao exercício das funções. Com esta exigência parece-nos claro que o legislador não prevê a coresponsabilização do Estado na indemnização decorrente da prática de atos ilícitos no exercício das funções de agente de execução, tal como, aliás, é defendido pelo STA, no acórdão datada do 11/04/2013.
Desta forma, em virtude do exposto, sendo evidente que o Estado não controla de forma direta, imediata e funcional a atividade dos agentes de execução, bem como não exerce qualquer poder disciplinar sobre os mesmos, não pode então ser responsabilizado pela sua atividade ou atuação.
Chegados a estas conclusões resta dizer que o Estado não é responsável pelos atos praticados pelo Réu PAA na qualidade de agente de execução e, assim, julga-se procedente a exceção invocada de ilegitimidade passiva do Estado e, em consequência, absolve-se o mesmo da instância nos termos dos artºs 278º, nº1, al. d), 576º, nº 1 e nº 2 e 577º, al. e) do CPC.”
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IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Refira-se que a Ação Administrativa foi intentada contra PAA, Agente de Execução e ESTADO PORTUGUÊS, por incumprimento de ordem de arresto, peticionando-se, a final, a condenação dos “(...) 1.º e 2.º RR. (...) solidariamente, ao pagamento à A. da quantia de 15.000,00€ a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento, perfazendo, atualmente, a quantia de 17.146,85€”.
O Tribunal a quo, em síntese, decidiu no controvertido Despacho julgar o TAF competente para julgar o identificado Agente de Execução, mais se tendo pronunciado no sentido da ilegitimidade passiva do Estado.
Sublinha-se pois que apenas vem recorrida a decisão de declaração de ilegitimidade passiva do Estado.
Em bom rigor, a única questão que está pois em causa é a de saber se o Estado deverá ser solidariamente responsável, com o agente de execução, pela reparação dos danos alegadamente praticados por este no exercício da sua atividade.
Não se desconhece que entende Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva depois da Reforma” – 4ª edição – 2004 – págs. 27 e 28 que “Tal como o huissier francês, o solicitador de execução é um misto de profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo. A sua existência, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo (…), implica a sua larga desjudicialização (entendida como menor intervenção do juiz nos atos processuais) e também a diminuição dos atos praticados pela secretaria (…). Não impede a responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos atos dos seus funcionários e agentes”.
Em contraponto, afirma-se no acórdão do STJ nº 85/08.1TJLSB.L1.S1 de 06.07.2011 que “A partir dos elementos essenciais de caracterização orgânica e funcional da figura, mormente, o dever ser exercida por profissionais liberais supervisionados pela Câmara de Solicitadores perante quem respondem disciplinarmente por atos cometidos no processo e não perante o Juiz, o não serem designados pelo Tribunal, o facto de apesar de intervirem em processos executivos com latos poderes, na perspetiva da desjudicialização do processo, e atuarem em nome próprio, ainda que possam ser destituídos pelo juiz e só com justa causa, faz, a nosso ver, com que a componente, diríamos, privada, da sua nomeação e o modo e responsabilidade da sua atuação, sobreleve a vertente da atuação paradministrativa, não devendo considerar-se que a sua atuação é a de um auxiliar ou comitido do Tribunal, nos termos do art. 500º, nº1, do Código Civil, daí que não exista da parte do órgão Tribunal responsabilidade objetiva por atos do solicitador de execução, que responsabilizem o Estado.”
Como se afirmou na decisão aqui recorrida “Com esta exigência parece-nos claro que o legislador não prevê a coresponsabilização do Estado na indemnização decorrente da prática de atos ilícitos no exercício das funções de agente de execução, tal como, aliás, é defendido pelo STA, no acórdão datada do 11/04/2013 (Nota do Relator: Este acórdão é do STJ – nº 5548/09.9TVLSNB.L1.S1 - 2ª SECÇÃO).
Desta forma, em virtude do exposto, sendo evidente que o Estado não controla de forma direta, imediata e funcional a atividade dos agentes de execução, bem como não exerce qualquer poder disciplinar sobre os mesmos, não pode então ser responsabilizado pela sua atividade ou atuação.
Chegados a estas conclusões resta dizer que o Estado não é responsável pelos atos praticados pelo Réu PAA na qualidade de agente de execução e, assim, julga-se procedente a exceção invocada de ilegitimidade passiva do Estado e, em consequência, absolve-se o mesmo da instância nos termos dos artºs 278º, nº1, al. d), 576º, nº 1 e nº 2 e 577º, al. e) do CPC.
Perante o decidido pelo tribunal a quo, insiste a Recorrente, que sendo de natureza pública as funções exercidas pelo agente de execução, o Estado seria responsável pelos eventuais ilícitos praticados no exercício da função.
É certo que o agente de execução exerce funções públicas com alguns poderes de autoridade, mas recorde-se que os próprios advogados também exercem alguns poderes, nomeadamente de certificação, de natureza pública, sem que o Estado possa ser responsabilizado pelos seus atos individualmente exercidos no âmbito da sua função.
Tal como suscitado pelo Ministério Público, no âmbito da Reforma da Ação Executiva de 2003, por via do DL nº 88/03, de 10/9, os "solicitadores de execução" foram convertidos num grupo profissional, que se incorpora no regime estabelecido no Estatuto da Câmara dos Solicitadores, organizando a sua atividade com um significativo grau de autonomia análogo ao do exercício das profissões liberais, sendo que a responsabilidade disciplinar sempre ficou reservada à referida Câmara.
Em qualquer caso, com a Reforma de 2008, os "solicitadores de execução" deram lugar aos "agentes de execução", atividade que podia ser exercida também por advogados.
No seguimento de tudo quanto vem de se afirmar, é patente que em momento algum o legislador deu quaisquer sinais de querer equiparar os solicitadores ou ulteriores agentes de execução a agentes administrativos.
Como vem alegado, e tal como se aludiu já, as competências conferidas aos agentes de execução têm pontos de contacto com as funções asseguradas, quer pelos solicitadores quer pelos advogados, mormente no que concerne ao reconhecimento de assinaturas e certificação de documentos, como resulta do DL n° 28/00, de 13/3, e DL nº 237/01, de 30/8.
Efetivamente, a tais reconhecimentos é atribuído valor probatório idêntico àquele que era tradicionalmente praticado exclusivamente pelos Cartórios Notariais, sem que esse facto só por si permita coresponsabilizar o Estado pela atividade daqueles profissionais.
É manifesto o já abordado paralelismo existente entre os agentes de execução e o administrador de insolvência, o que resulta desde logo do facto do artº 11º al. a), da Lei nº 22/2013, ao rever o estatuto do administrador de insolvência, ter estabelecido, nalguns casos, a equiparação entre ambas as profissões.
Terá sido exatamente para salvaguardar eventuais indemnizações decorrentes da prática de atos ilícitos no exercício das funções que o artº 12º nº 8, do estatuto, aprovado pela referida Lei nº 22/2013, impõe a obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir «O risco inerente ao exercício das suas junções», o que denota a intenção de responsabilizar os referidos profissionais pelos seus atos e simultaneamente não corresponsabilizar o Estado em decorrência de eventuais ilícitos. Ao referido acresce o facto do Estado não assegurar qualquer remuneração direta aos Agentes de Execução, o que evidencia a falta de dependência económica e/ou funcional.
É pois claro que o facto do agente de execução exercer algumas competências públicas, não deixa de ser profissional liberal, sendo patente, como se aludiu já, que nunca ninguém sugeriu, por exemplo, a possibilidade do Estado poder ser responsabilizado por atos dos advogados, não obstante os mesmos serem membros de uma associação pública e poderem exercer algumas competências de natureza pública.
O próprio Tribunal Constitucional foi já explicito na “separação das águas” ao afirmar no Acórdão nº 199/2012 de 24 de abril de 2012, que "o agente de execução não exerce nem participa na função jurisdicional, e não integra o «tribunal» enquanto órgão de soberania, sendo-lhe consequentemente inaplicável o acervo de garantias que vinculam a função jurisdicional", mais afirmando que, "para além de ser nomeado pelo exequente, o agente de execução pode ser livremente destituído sem ser necessário invocar qualquer fundamento especifico para esse efeito, e esse poder de destituição livre do solicitador de execução aproxima-o de uma relação de direito privado de mandato; a introdução da possibilidade de destituição livre do agente de execução pelo exequente veio, afinal, impor a este órgão do processo executivo que atue em sintonia com o interesse do exequente, o que nada tem de constitucionalmente reprovável, tanto mais que, como consequência do seu carácter de profissional liberal, a remuneração que o agente de execução aufere é aquela que respeitar os serviços prestados".
É assim incontornável e manifesto que o Estado não exerce qualquer controlo direto, imediato e funcional sobre a atividade dos agentes de execução, não podendo correspondentemente ser responsabilizado pela sua atividade ou atuação.
É certo que estabelece o artº 1°, nº 5 da Lei nº 67/2007, relativo à responsabilidade civil extracontratual do Estado que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis á responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».
Em qualquer caso, a transcrita norma faz singelamente aplicar o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, nomeadamente às ações ou omissões praticadas «no exercício de prerrogativas de poder público» ou que sejam «regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».
Mesmo tendo sido admitido pelo Tribunal a quo, o que não foi recorrido, e que naturalmente aqui não se abordará, que o identificado agente de Execução, se for caso disso, responderá nos termos do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, tal não poderá significar que o Estado deva responder igualmente enquanto corresponsável pelos danos imputados.
É manifesto que inexiste qualquer disposição legal a estabelecer a responsabilidade solidária do Estado pelos atos e omissões dos agentes de execução ou de outros sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, nomeadamente das concessionárias de obras e serviços públicos.
Refira-se a título de exemplo do referido, que em momento algum as concessionárias das Autoestradas chamaram o Estado enquanto corresponsável por danos que lhe sejam imputados em resultado de acidentes ocorridos nas áreas concessionadas.
Em face de tudo quanto se afirmou no despacho objeto de Recurso e em função daquilo que ficou expendido supra, não merece censura o segmento recorrido daquele, não detendo o Estado legitimidade passiva na presente Ação.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando-se o Despacho Recorrido.
Custas pela Recorrente.
Porto, 15 de fevereiro de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa