Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00420/14.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DÉFICE INSTRUTÓRIO
IMPENHORABILIDADE
PENSÃO
Sumário:I - Impõe-se demostrar, em concreto, que a penhora incide sobre parte de pensão impenhorável.
II - Só com a apreensão e depósito da parte penhorada da prestação periódica de pensão, enquanto bem futuro, é possível aferir o respeito pelo disposto no artigo 824.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
III - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

M..., contribuinte nº 1…, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 7 de Abril de 2014, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra a penhora efectuada pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 que incidiu sobre pensão por si auferida.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Com o conteúdo da sobredita sentença que julga improcedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal não se conforma, nem pode conformar, a Recorrente, porquanto alega e demonstra aquela que a pensão que aufere é impenhorável (até ao limite de 2/3), pois que sobre aquela incide já penhora anterior.
B. A pensão de reforma auferida pela Executada é um direito que integra o seu património e, como tal, consubstancia garantia geral das obrigações, conforme o preceitua o artigo 610º do Código Civil; e o artigo 227º do Código de Procedimento e Processo Tributário prevê e rege a penhora de abonos e vencimentos.
C. Sucede que tal penhora tem limites, que são os previstos no artigo 738º do Código de Processo Civil, que corresponde, ainda que com algumas alterações, à norma contida no artigo 824º do diploma vetusto.
D. Essencialmente, consagra a lei a impenhorabilidade da parte correspondente a dois terços da parte líquida dos vencimentos, até ao limite de três salários mínimos nacionais à data da apreensão.
E. Ou seja, se porventura um executado tiver um rendimento mensal no valor, líquido, de Eur 6.000,00, o que relevará para efeitos de impenhorabilidade não são os dois terços - que seriam Eur 4.000,00 - mas sim o valor correspondente a três salários mínimos nacionais, Eur 1.455,00, sendo todo o remanescente susceptível de penhora.
F. Conforme ficou devidamente sedimentado na douta decisão recorrida, sobre um terço da pensão de reforma auferida pela executada impende já penhora - anterior à ordenada no âmbito da execução fiscal em apreço - à ordem do processo que, sob o n.º 27667/11.4YYSLB, corre termos pela 1.ª Secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa.
G. Ora, considerando que a Executada aufere uma pensão de reforma no valor anual ilíquido de Eur 27.222,72 - conforme ficou também sedimentado no procedimento - o que corresponde a um valor bruto mensal, considerando catorze meses, de Eur 1.944,48, temos que - mesmo considerando o valor bruto - o valor equivalente a dois terços é inferior a três salários mínimos nacionais.
H. Donde, o valor que releva para efeitos de determinação do critério de impenhorabilidade do activo em crise é o equivalente a dois terços da parte líquida.
I. Nesta conformidade, e porque a parte penhorável da pensão da Executada estava já afecta ao processo executivo cível supra melhor identificado, a efectivação de nova penhora do mesmo activo configuraria uma clara violação do enquadramento legal que se vem de expor.
J. Começa a página 9 do decisório por asseverar que “Assim, no que se refere à impenhorabilidade da pensão invocada pela reclamante, verifica-se que a reclamante alegou que sobre a pensão em causa, já incidia uma penhora na proporção de um terço do seu montante.”, prosseguindo o decisório - e, salvo o devido respeito, mal - dizendo que “Diga-se, porém, que não resultou provado que esteja a ser efectivamente realizada pela Segurança Social o depósito de 1/3 do montante de pensão auferida pela reclamante, mas sim, que foi notificada da penhora de 1/3 do montante de pensão auferida - podendo até a reclamante ter deduzido oposição.”
K. Aqui, falha o aresto recorrido ao confundir duas realidades: a concretização da penhora, que é um acto jurisdicional, e o cumprimento da injunção dele decorrente, que é uma obrigação, com génese naquele acto jurisdicional mas que com ele não se confunde, que impende sobre a entidade pagadora e subsiste até à verificação de novo acto jurisdicional que determine a sua alteração ou cessação.
L. Mais, prevê a lei, expressamente, as consequências que para a entidade pagadora decorrem do incumprimento da obrigação cominada.
M. Consagra o artigo 227º do Código do Procedimento e de Processo Tributário o modo de concretização da penhora de abonos em execução fiscal, e o artigo 779º do Código de Processo Civil a efectivação de tal acto em sede de execução cível.
N. Numa e noutra jurisdições, a penhora, enquanto acto jurisdicional concretiza-se, verifica-se na ordem jurídica, pela notificação à entidade pagadora para proceder em conformidade com o mais que vem previsto nas mesmas normas.
O. As posteriores entregas da parte penhorada do rendimento configuram já não a concretização da penhora da pensão de reforma - esta foi já penhorada por meio da notificação que as precede - mas sim puros actos de execução da mesma, em cumprimento de obrigação legal e sob as cominações (aliás severas) que a lei adjectiva prevê.
P. Donde, carece de qualquer sentido e fundamento o que vem seguidamente asseverado no douto aresto recorrido, que sustenta que “...não resultou provado de que efectivamente a Segurança Social tenha depositado qualquer montante no seguimento da penhora efectuado em causa nos presentes autos” (sic), para depois concluir, também mal, que “Assim sendo, não se mostra, em concreto, que a penhora incida sobre parte da pensão impenhorável.”
Q. Como é bom de ver, não é nesta sede - a da execução fiscal - que cumpre sindicar do cumprimento, ou não, pela entidade pagadora da pensão de reforma da executada da obrigação que para si emerge da concretização da penhora de 1/3 da pensão de reforma à ordem da identificada execução cível.
R. Que incide penhora sobre parte da pensão auferida, não há dúvidas.
S. A questão de saber se a entidade pagadora cumpre com os depósitos é uma questão que se atém, exclusivamente, ao processo à ordem do qual foi ordenada a penhora e àqueles que aí intervêm.
T. Remata ainda, de forma surpreendente, o insigne Tribunal Recorrido a fundamentação que perfilha para julgar improcedente a reclamação aduzida com uma construção nos seguintes termos: “Aliás, caberá à entidade pagadora aferir se a penhora da pensão, excede ou não os limites considerados no artigo 738º do CPC, pois nos termos do artigo 779°, nº 1 do mesmo Código, é sobre a entidade que procede ao pagamento da pensão que impende a obrigação de proceder ao depósito da quantia devida do desconto correspondente ao crédito penhorado.”
U. Não cabe; quando muito, poderá - e deverá - a entidade pagadora informar o ente jurisdicional que determina a penhora do valor da pensão de reforma ou de precedência de qualquer outro acto de apreensão da mesma.
V. Mas decisão quanto à amplitude da penhora e a salvaguarda da sua conformação com os limites legais, seja por impulso do Executado, seja da entidade pagadora, configuram, sempre, a prática de um acto jurisdicional; isto é, suscitada a questão, é ao órgão executivo que cabe decidir.
W. É ostensivamente contra legem configurar que recaia sobre a entidade pagadora o ónus de determinar, ou tutelar como pretende o decisório recorrido, o âmbito da penhora, esta entidade tem - tão-só e apenas - de proceder em conformidade com o que lhe é, concretamente, ordenado por quem tem poder jurisdicional.
X. Por todas estas razões não poderia o Insigne Tribunal Recorrido ter decidido como decidiu, pois que existe uma penhora anterior - ordenada e notificada - à ordem de execução cível.
Y. Não cabe a sindicância, na execução fiscal no âmbito da qual vem o presente recurso interposto, do cumprimento, ou incumprimento, pela entidade pagadora, da obrigação para si emergente da referida penhora; e - de modo algum - impende sobre a entidade pagadora o ónus de tutelar a legalidade da penhora, seja na execução cível, seja na execução fiscal.
Z. O que se exige - e o que resulta da lei - é que o Tribunal decida, confirme, que é impenhorável o valor correspondente a dois terços do valor líquido auferido pela executada a título de pensão de reforma, restando à entidade pagadora proceder em conformidade com tal decisão.
AA. O que, de modo algum, pode sobrestar é uma decisão como a recorrida, que potencia a efectivação de uma penhora ostensivamente ilegal e “ficciona” à Segurança Social um - inexistente - poder de determinar o alcance de penhora.
AB. Por tudo, deverá ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, com o imediato levantamento da penhora da pensão da Recorrente, em função da patente ilegalidade de que tal penhora enferma.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.s Ex.ªS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:
Deve ser, por Vª.s Exª.s, dado provimento ao presente recurso, revogando-se a mui douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que julgue procedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, com o imediato levantamento da penhora da pensão da Recorrente, com todas as consequências legais.
Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal subscreveu o parecer emitido no STA, junto a folhas 371 e 372 dos autos, no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

II. Delimitação do Objecto do Recurso – Questões a Apreciar

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a penhora levada a cabo pela Administração Tributária, que incidiu sobre a pensão da Recorrente, enferma de ilegalidade por abranger parte impenhorável da mesma, e apurar se a decisão recorrida, ao decidir como decidiu, padece de erro de julgamento.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

A. O processo de execução fiscal 3468201001039318 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 contra a sociedade “M... Lda.” para cobrança coerciva da quantia de € 5.162,57 referente a IVA (cinco mil e cento e sessenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos) - cfr. fls. 6;
B. A 18 de Janeiro de 2012 é proferido despacho de reversão contra a reclamante - cfr. fls. 80;
C. A reclamante foi notificada de que sobre sua pensão incide uma penhora de 1/3 do montante da mesma, penhora essa efectuada no processo 27667/11.4YYLSB que corre termos na Sec-Geral de Execuções, 2° Juízo, 1ª secção, Lisboa - cfr. fls. 266 a 268;
D. A 19 de Fevereiro de 2013 foi efectuada a penhora da pensão auferida pela reclamante - cfr. fls. 255;
E. A 13 de Março de 2013 a reclamante foi notificada de que o Serviço de Finanças de Gondomar 2 ordenou a penhora da pensão por si auferida - articulado 1 da petição de reclamação e fls. 255;
F. Os presentes autos de reclamação deram entrada a 22 de Março de 2013;
G. Na declaração de rendimentos apresentada a 01 de Abril de 2013, a reclamante declarou auferir pensão no montante ilíquido anual de € 27.222,72 (vinte e sete mil e duzentos e vinte e dois euros e setenta e dois cêntimos) -- cfr. fls. 298 a 301;

Factos não provados
Dos demais factos alegados nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.

2. O Direito

O Meritíssimo Juiz a quo decidiu não ter resultado provado que esteja a ser efectivamente realizado pela Segurança Social o depósito de 1/3 do montante de pensão auferida pela reclamante, mas sim, que foi notificada da penhora de 1/3 do montante de pensão auferida – podendo até a reclamante ter deduzido oposição. De igual forma, entendeu não resultar provado de que efectivamente a Segurança Social tenha depositado qualquer montante no seguimento da penhora efectuada em causa nos presentes autos. Assim sendo, julgou não se mostrar, em concreto, que a penhora incida sobre parte da pensão impenhorável. Acrescentando que caberá à entidade pagadora aferir se a penhora da pensão excede ou não os limites considerados no artigo 738.º do Código de Processo Civil (CPC), pois nos termos do artigo 779.º, n.º 1 do mesmo Código, é sobre a entidade que procede ao pagamento da pensão que impende a obrigação de proceder ao depósito da quantia devida do desconto correspondente ao crédito penhorado.
No processo de execução fiscal, as notificações ao executado do despacho que ordena a penhora e a sua realização são pressupostas nos artigos 277.º, n.º 1 e 278.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Na verdade, trata-se de actos que afectam direitos do executado e, por isso, impõe-se que este tenha oportunidade de os impugnar através de reclamação para o juiz, nos termos do artigo 276.º do CPPT e artigo 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT).
O prazo para impugnar actos susceptíveis de reclamação conta-se a partir da notificação da decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 277.º do CPPT e, por isso, releva a notificação que foi efectuada à reclamante em 13 de Março de 2013 de que o Serviço de Finanças de Gondomar 2 ordenou a penhora da pensão por si auferida.
Com efeito, embora no processo de execução fiscal, como se refere no n.º 1 do artigo 215.º do CPPT, não haja um despacho do órgão da execução fiscal ordenando a realização da penhora, há um acto de funcionário passando o mandato de penhora que incorpora uma decisão de a efectuar e há a subsequente realização da penhora, sendo estes actos, independentemente da sua designação ou qualificação, susceptíveis de impugnação contenciosa, por terem natureza lesiva (artigo 268.º, n.º 4 da CRP).
De resto, embora os artigos 276.º e 277.º, n.º 1, façam referência a “decisões” como actos impugnáveis, o artigo 103.º, n.º 2 da LGT faz referência a “actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária” e a Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar a LGT, refere que o processo de execução fiscal tem natureza judicial e há “direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz do processo” [alínea 29) do artigo 2.º daquela Lei], pelo que tem de ser reconhecido o direito de os interessados poderem reclamar para o juiz de todos os actos que os lesem, quer se trate de decisões quer se trate de actos materiais.
Aliás, o próprio CPPT refere entre os meios contenciosos o “recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal” [artigo 97.º, n.º 1, alínea n)] e no artigo 278.º, n.º 3, vem confirmar a correcção desta interpretação, ao prever que sejam objecto de reclamação actos que não configuram ou são independentes de qualquer decisão em sentido formal, mas são meros actos de execução que afectam os direitos do interessado, designadamente, actos que concretizam a penhora (“inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada”).
Assim, tem de concluir-se que é reconhecido um direito global de os particulares solicitarem a “intervenção do juiz no processo”, através da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva – Cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo, Anotado e Comentado, Áreas Editora, págs. 436, 647 e 648 do CPPT.
É neste âmbito que surge a presente reclamação, assumindo-se pacificamente encontrar-se em análise um acto potencialmente lesivo praticado pela administração fiscal, impondo-se apreciar se a penhora realizada é legalmente inadmissível por extravasar a extensão prevista na lei ou por incidir sobre parte impenhorável de pensão.
A Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, que se encontram actualizadas pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de Dezembro – com início de vigência a 31 de Dezembro de 2013.
O seu artigo 72.º - Intransmissibilidade e penhorabilidade parcial das prestações – refere expressamente que as prestações dos regimes de segurança social são parcialmente penhoráveis nos termos da lei geral (cfr. n.º 2).
Ora, nos termos do artigo 821.º, n.º 1 do CPC (actual artigo 735.º do CPC), «[e]stão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda», regra em sintonia com o artigo 601.º do Código Civil, que estabelece que «[p]elo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios»; existem, no entanto, algumas limitações à penhorabilidade de bens, designadamente, as previstas nos artigos 822.º a 824.º do CPC (actualmente, artigos 736.º a 738.º do CPC), que deverão aplicar-se na penhora de bens na execução fiscal, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 6 ao artigo 215.º, pág. 584 e anotação 6 ao artigo 218.º, pág. 592.).
No caso, interessa-nos considerar a impenhorabilidade parcial de bens prevista no artigo 824.º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, já que a presente reclamação foi deduzida antes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil – cfr. o seu artigo 6.º, n.º 4 e o ponto F. da factualidade assente:
«1 - São impenhoráveis:
a) Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado;
b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante.
2 - A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
3 - Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário de conta à ordem, é impenhorável o valor global correspondente a um salário mínimo nacional.
4 - A requerimento do executado, o agente de execução, ouvido o exequente, isenta de penhora os rendimentos daquele, pelo prazo de seis meses, se o agregado familiar do requerente tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou inferior a três quartos do valor do Indexante de Apoios Sociais.
5 - A requerimento do executado, o agente de execução, ouvido o exequente, reduz para metade a parte penhorável dos rendimentos daquele, pelo prazo de seis meses, se o agregado familiar requerente tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a três quartos e igual ou inferior a duas vezes e meia do valor do Indexante de Apoios Sociais.
6 - Para além das situações previstas nos n.ºs 4 e 5, a requerimento do executado, pode o agente de execução, ouvido o exequente, propor ao juiz a redução, por período que considere razoável, da parte penhorável dos rendimentos, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar.
7 - O agente de execução pode, a requerimento do exequente e ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo e o estilo de vida e as necessidades do executado e do seu agregado familiar, ouvido o executado, propor ao juiz o afastamento do disposto no n.º 3 e reduzir o limite mínimo imposto no n.º 2, salvo no caso de pensão ou regalia social.
8 - As decisões do agente de execução previstas nos n.ºs 4 a 7 são fundamentadas e susceptíveis de reclamação para o juiz.
9 - As propostas enviadas pelo agente de execução ao tribunal nos termos dos n.ºs 6 e 7 contêm um projecto de decisão fundamentada que o juiz pode sustentar».

A leitura do preceito revela-nos, no que ora nos interessa considerar, que a pensão de reforma que não exceda três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão apenas é penhorável na medida de 1/3, mas desde que os 2/3 remanescentes sejam de valor igual ou superior ao salário mínimo nacional (só se admitindo que este limite mínimo não seja respeitado se o executado tiver outros rendimentos ou se o crédito exequendo for por alimentos). Ou seja, a parte impenhorável dessa pensão é de 2/3, mas se esta fracção for inferior ao salário mínimo nacional há que elevá-la, até coincidir com o valor deste (Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, obra e volume citados, anotação 2 ao artigo 227.º, pág. 629, que afirma que, nestas situações, a penhora «até ao montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão, apenas pode incidir sobre um terço dos mesmos [rendimentos] e, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, não pode ser penhorado o montante equivalente a um salário mínimo nacional»).
Este limite mínimo à penhorabilidade correspondente ao valor do salário mínimo nacional, veio a ser estabelecido pelo DL n.º 38/2003, de 8/3, na sequência da posição do Tribunal Constitucional que, como se sabe, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resultava da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permitia a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não era titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito (cfr. declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 23/04/2002, proferido no âmbito do processo n.º 546/01, publicado no DR, 1.ª série -A, de 02/07/2002 e do Acórdão do mesmo tribunal n.º 96/2004, de 11/02/2004, DR, 2.ª série, de 01/04/2004).
Estabeleceu-se, assim que, na ausência de outros rendimentos comprovados, é impenhorável o valor correspondente a um salário mínimo nacional, no pressuposto de constituir o montante tido como o exigível em termos da satisfação das necessidades inerentes a uma existência condigna, reafirmando-se a ideia do estabelecimento de um mínimo socialmente reconhecido como necessário para assegurar a subsistência de alguém em condições de dignidade (conforme ao princípio constitucional da dignidade humana).
No caso sub judice, a Recorrente alega que a penhora ofende a regra da intangibilidade dos 2/3 da sua pensão, fixada pelo artigo 824.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Como é sabido, a penhora constitui um acto de «apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa in obra e volume citados, anotação 2 ao artigo 215.º, pág. 581.).
Sustenta a Recorrente que o aresto recorrido falha ao confundir duas realidades: a concretização da penhora, que é um acto jurisdicional, e o cumprimento da injunção dele decorrente, que é uma obrigação, com génese naquele acto jurisdicional mas que com ele não se confunde, que impende sobre a entidade pagadora e subsiste até à verificação de novo acto jurisdicional que determine a sua alteração ou cessação.
Discute-se na doutrina qual a natureza da penhora, se substancial ou processual.
A posição minoritária da doutrina considera que a penhora tem natureza meramente processual, pois consistiria apenas em a coisa ficar sujeita à execução, independentemente dos actos realizados pelo executado a seu respeito; já a posição maioritária da doutrina defende que a penhora tem natureza substancial, pois modifica o direito do executado, enfraquecendo-o, limitando as suas possibilidades de disposição.
Já Pereira de Sousa in “Problemas sobre o processo civil”, pág. 397, definia a penhora como o acto judicial pelo qual em virtude de mandado de juiz competente se tiram bens do poder do executado e se põem debaixo da guarda da justiça para segurança da execução.
A penhora produz assim efeitos de carácter processual e outros de direito material, dado não residirem dúvidas que tem por função determinar os bens que hão-de ficar sujeitos à acção executiva.
Os efeitos processuais traduzem-se fundamentalmente na especificação dos bens que ficam sujeitos à execução e os substantivos ou materiais traduzem-se no surgimento de um direito de preferência que permite ao credor com penhora a preferência sobre os credores comuns - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, pág. 94.
A penhora cria para o executado uma indisponibilidade sobre o bem objecto de penhora no que respeita ao poder de disposição e relativamente ao poder de fruição do mesmo fá-lo perder.
Efectivamente, mesmo que seja o executado nomeado fiel depositário, o poder de fruição que o executado tinha antes da penhora é diferente do poder do depositário na medida em que este fica sujeito às limitações e responsabilidade que a lei impõe ao fiel depositário - cfr. artigo 843.º do CPC.
Independentemente da posição que se adopte, a verdade é que a penhora de uma pensão produz efeitos quer em relação ao executado como em relação ao exequente, como vimos; mas encerra em si especificidades, dado tratar-se de uma coisa futura – cfr. artigo 211.º do Código Civil.
Na verdade, as prestações que serão pagas mensalmente pela Segurança Social à Recorrente, a título de pensão, não estão em poder do disponente antes do seu pagamento. E, mesmo quando se efectiva o pagamento, por efeito da penhora só poderá dispor até ao limite da impenhorabilidade. E, ainda pela penhora, é o exequente constituído em preferente, ou seja, passa a ter o direito a ser pago com preferência sobre os demais credores que não tenham garantia real anterior.
Como referimos, nos termos do artigo 824.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CPC, a pensão de reforma que não exceda três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão apenas é penhorável na medida de 1/3, mas desde que os 2/3 remanescentes sejam de valor igual ou superior ao salário mínimo nacional (só se admitindo que este limite mínimo não seja respeitado se o executado tiver outros rendimentos ou se o crédito exequendo for por alimentos).
Logo, uma vez determinado o montante impenhorável, há que confrontá-lo com valores dependentes do salário mínimo nacional à data de cada apreensão, coincidente com a data de vencimento da prestação periódica da pensão de reforma.
Nesta conformidade, não se questiona a razão da Recorrente quando afirma bastar a notificação da penhora para que esta, enquanto acto jurisdicional, se concretize e exista na ordem jurídica. Contudo, só com a apreensão e depósito da parte penhorada da prestação periódica da pensão é possível aferir o respeito pelo disposto no artigo 824.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
Foi neste contexto que o Meritíssimo Juiz a quo decidiu não se mostrar, em concreto, que a penhora incida sobre parte da pensão impenhorável. Isto porque a impenhorabilidade prescrita no n.º 1 do artigo 824.º do CPC tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão – cfr. o n.º 2 do mesmo normativo.
Assim, reiteramos que a penhora de pensões de reforma tem especificidades, principalmente, como vimos, por estar em causa um bem futuro. Relevando, para efeitos de apreciação de extravasão do limite de impenhorabilidade, a data de cada apreensão, como refere o artigo 824.º, n.º 2 do CPC.
Segundo o disposto no artigo 227.º do CPPT, se a penhora recair, como é o caso, em abonos (periódicos), obedecerá às seguintes regras: liquidada a dívida exequenda e o acrescido, solicitar-se-ão os descontos à entidade encarregada de processar as folhas, por carta registada, com aviso de recepção, ainda que aquela tenha sede fora da área do órgão da execução fiscal, sendo os juros de mora contados até à data da liquidação; os descontos, à medida que forem feitos, serão depositados em operações de tesouraria à ordem do órgão da execução fiscal; a entidade que efectua o depósito enviará um duplicado da respectiva guia para ser junto ao processo.
De forma idêntica dispunha o artigo 861.º do CPC e dispõe o actual artigo 779.º do CPC, pois quando a penhora recaia sobre rendimentos periódicos é notificada a entidade que os deva pagar para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituição de crédito.
As quantias depositadas ficam à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, mantendo-se indisponíveis até ao termo do prazo para a oposição do executado, caso este se não oponha, ou, caso contrário, até ao trânsito em julgado da decisão que sobre ela recaia.
Ora, na sentença recorrida julgou-se não ter resultado provado que esteja a ser efectivamente realizada pela Segurança Social o depósito de 1/3 do montante de pensão auferida pela reclamante, mas sim, que foi notificada da penhora de 1/3 do montante de pensão auferida – podendo até a reclamante ter deduzido oposição. De igual forma, entendeu não resultar provado de que efectivamente a Segurança Social tenha depositado qualquer montante no seguimento da penhora efectuada em causa nos presentes autos.
Ora, como mencionámos, é fulcral para apreciação da alegada ilegalidade da penhora levada a cabo pela Administração Tributária, por abranger parte impenhorável da pensão da Recorrente, averiguar a data de cada apreensão que tenha vindo a ser efectuada, que montante tem vindo a ser depositado, quer seja à ordem do órgão de execução fiscal, quer seja à ordem de instituição de crédito, e se foi deduzida oposição às execuções em apreço.
Dispõe o artigo 662.º, particularmente o seu n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC) [correspondente ao anterior artigo 712.º, n.º 4 do CPC], que, podendo a decisão recorrida, quanto à matéria de facto, ser alterada pelo Tribunal de recurso, seja pela eliminação, seja pela adição seja, ainda, pela adição de circunstancialismo de facto que se tenha por relevante à decisão a proferir, segundo as possíveis soluções de direito, desde que demonstrado nos autos, pode, ainda, a mesma ser anulada, ainda que oficiosamente, se padecer de “défice instrutório”, ou seja e no dizer da lei, quando o Tribunal de recurso “(...) repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
O Professor Miguel Teixeira de Sousa ensina nos seus Estudos sobre o Novo Processo Civil, páginas 414 e seguintes: «O controlo efectuado pela Relação sobre a decisão da 1.ª instância relativa à matéria de facto – [...] – pode revestir, segundo a sua finalidade, três modalidades: esse controlo pode visar a reponderação da decisão proferida, o reexame da decisão com novos elementos ou anulação da decisão. Este controlo só pode recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar (...) a decisão de 1.ª instância em duas situações:- se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa [...];- se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Nestes casos, os poderes da Relação são usados no âmbito de um recurso de reponderação (...).
Numa outra das referidas modalidades se controlo (...) a Relação pode alterá-la se o recorrente apresentar documento novo superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que ela assentou (...) e pode determinar a renovação dos meios de prova que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada (...). Nestas hipóteses, o recurso atribui à Relação poderes de reexame (...) e de substituição da decisão recorrida.
Finalmente, a Relação pode usar de poderes de rescisão ou cassatórios e anular a decisão proferida (...) sempre que repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta matéria (...), isto é, quando se tenha verificado a omissão de julgamento de determinado facto ou quando, (...) a Relação entenda que deve ser produzida prova sobre factos alegados pelas partes que não constam da base instrutória.».
Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir recolher todos os dados factuais disponíveis, com vista ao melhor julgamento da demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, assume especial acuidade, em virtude do ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. artigos 13.º, n.º 1 do CPPT e 99.º, n.º 1 da LGT.
Ora, da conjugação dos elementos documentais ínsitos no presente processo não resulta que tenham sido efectuadas quaisquer apreensões à pensão da Recorrente. Por um lado, um dos processos de execução corre em Lisboa, na Sec.- Geral de Execuções, 2.º Juízo, 1.ª Secção – cfr. notificação de executado após a penhora: processo n.º 27867/11.4YYLSB, pelo que inexistem quaisquer informações que constem do mesmo, nomeadamente, relativas a depósitos ou dedução de oposição. Por outro lado, no que tange ao presente processo de execução fiscal n.º 3468201001039318, somente consta a informação que, em 19/02/2013, o Instituto da Segurança Social, I.P. respondeu ao pedido de penhora do Serviço de Finanças de Gondomar - 2, informando que a pensão da Recorrente ficou penhorada, e a notificação da mesma em 13/03/2013 – cfr. 254, 255, 256 e 257 do processo físico. A Recorrente refere, ainda, no seu requerimento de reclamação que terá deduzido, em tempo, oposição à execução fiscal, aquando da sua citação por reversão. Tendo, ainda, em conta que os descontos, à medida que forem feitos, serão depositados em operações de tesouraria à ordem do órgão da execução fiscal e que a entidade que efectua o depósito enviará um duplicado da respectiva guia para ser junto ao processo, verifica-se nada constar dos presentes autos.
Logo, impunha-se que o tribunal a quo tivesse desencadeado as diligências necessárias para suprir esse défice e clarificar a situação, nomeadamente, solicitando informações, no âmbito do processo de execução n.º 27867/11.4YYLSB a tramitar em Lisboa, sobre datas de apreensão, depósitos e respectivos montantes, eventual dedução de oposição e trânsito em julgado da respectiva decisão; ordenando, também, à Administração Fiscal, no âmbito do presente processo de execução fiscal, a junção de documentos comprovativos acerca da existência de duplicados das guias das operações de tesouraria referentes aos depósitos realizados à ordem do presente processo de execução e do desfecho da oposição deduzida pela aqui Recorrente.
A falta desta instrução impossibilita este tribunal de recurso de suprir a insuficiência da decisão da matéria de facto e apreciar eventual violação do disposto no artigo 824.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
Uma vez que o Tribunal a quo não promoveu a realização de qualquer diligência para apurar a verdade relativamente aqueles factos que lhe era lícito conhecer, nomeadamente, solicitar informações ao órgão da execução fiscal onde corre termos o respectivo processo de execução fiscal e ao tribunal onde corre trâmites o processo de execução n.º 27867/11.4YYLSB, urge concluir que nos presentes autos se verifica um défice instrutório; dado que do processo não constam todos os elementos indispensáveis para alteração da decisão acerca da matéria de facto.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que a matéria relacionada com a impenhorabilidade de parte da pensão da Recorrente não está suficientemente esclarecida, designadamente no que tange ao alcance dado pela decisão recorrida: não se demostrar, em concreto, que a penhora incida sobre parte da pensão impenhorável. O que se nos afigura pertinente, pois só com a apreensão e depósito da parte penhorada da prestação periódica da pensão é possível aferir o respeito pelo disposto no artigo 824.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
Nestas condições, cabe, reitera-se, concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, ter repercussão na decisão do mérito da causa.
Assim, lançando este tribunal mão dos referidos poderes cassatórios, tal acarreta, necessariamente, a eliminação da ordem jurídica da decisão recorrida como um todo. Logo, no caso, havendo necessidade de ampliação do probatório, o Tribunal recorrido terá de vir a prolatar uma nova decisão em que conheça de todas as questões que lhe tenham sido colocadas para apreciação, ainda que o “défice instrutório” respeite apenas a uma delas.
Ao constatar-se a verificação de “défice instrutório”, fica automaticamente prejudicado não só o conhecimento das restantes questões suscitadas no presente recurso como o próprio recurso da Recorrente, pela razão de que, por força da anulação da decisão, deixa de ter existência qualquer outra questão susceptível de ser julgada.
É, assim, notório que as questões referidas não se encontram clarificadas, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis à boa decisão da causa, padecendo, por isso, os presentes autos de défice instrutório e de insuficiência de matéria de facto; o que conduz, oficiosamente, à anulação da sentença recorrida e determina a remessa do processo ao Tribunal recorrido, para melhor investigação e nova decisão, de harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.


Conclusão/Sumário

I - Impõe-se demostrar, em concreto, que a penhora incide sobre parte de pensão impenhorável.
II - Só com a apreensão e depósito da parte penhorada da prestação periódica de pensão, enquanto bem futuro, é possível aferir o respeito pelo disposto no artigo 824.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
III - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.

Sem custas.

D.N.

Porto, 30 de Outubro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves