Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00799/15.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE. CULPA DO LESADO
Sumário:
I) – Não podendo concluir-se pela contribuição do lesado para a produção ou agravamento do dano, não há que reduzir ou excluir a indemnização. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Z&C
Recorrido 1:Município P...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso, condenando o R. a pagar à A. nos termos descritos no acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Z&C (R. R…, 4050-523 Porto) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, em acção administrativa comum por si intentada contra Município P... (Praça G…).
A recorrente formula as seguintes conclusões:
a) Não concorda a Recorrente (daqui por diante Recorrente) com a decisão de condenar o Recorrido (daqui por diante Rdo.) apenas no pagamento da quantia de 112,50€, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, determinando repartição de culpas e reduzindo o período de imobilização ressarcível a 15 dias, absolvendo-o do pagamento do demais peticionado, nomeadamente, quaisquer prejuízos na actividade, despesas de deslocação sequer despesas com o patrocínio judiciário.
b) Desde logo, porque há concretos pontos de facto incorrectamente julgados, que geraram uma reapreciação da matéria de facto, face aos depoimentos prestados e gravados na Gravação Áudio de 15-03-2017 conjugados com os documentos juntos e a experiência comum. Vejamos…
c) A douta sentença dá como provado, no ponto 11), que “Através de ofício n.º I/51212/12/CMP de 21/03/2012…”, quando deveria ter sido dado como provado, “Através de ofício n.º I/51212/12/CMP datado de 21/03/2012…”;
d) Dá como provado, no ponto 14), que o “O sócio e funcionário da A. não pagou os valores exigidos, pelo que não procedeu, no dia 28/03/2012, ao levantamento da viatura RS…” quando devia ter sido dado como provado que, “O sócio e funcionário da A. não pagou os valores exigidos, que consistiam em 15 dias pela permanência no depósito municipal, a 16€ por dia, 78€ pelo reboque e multa no montante 60€, tudo num total de 378€, por com eles não concordar, pelo que não procedeu, no dia 28/03/2012, ao levantamento da viatura RS…”.
e) Dá como provado, no ponto 16), que “Pelo ofício n.º I/73790/12/CMP, de 26/04/2012, da Polícia Municipal P...,…” quando devia ter sido dado como provado que, “Pelo ofício n.º I/73790/12/CMP, datado de 26/04/2012, da Polícia Municipal P...,…”;
f) Tudo, por ser esta a realidade apurada na sequencia da prova produzida e a fim de se perceber a atuação Recorrente dos serviços municipais em completo desrespeito pelos deveres de cuidado, rigor e zelo e denotando mau funcionamento dos serviços;
g) A douta sentença não dá como provado, mas devia-o ter feito, sequencialmente ao que dá como provado em 16) e como fez em 12), acrescendo num novo artigo, que “O ofício referido no ponto antecedente foi recebido pela A., na pessoa do seu sócio e funcionário LMCC, no dia 08/05/2012”; e
h) Dá como provado, no ponto 17), que “No dia 08/05/2012, o sócio…[…], procedeu ao pagamento…[…] equivalente a um dia de depósito…”, quando devia ter sido dado como provado que, “No dia 08/05/2012, data em que recebeu o ofício referido em 16), o sócio…[…], procedeu ao pagamento……[…] equivalente a um dia de depósito…”,
i) Tudo para ser rigoroso o facto e por ser esta a realidade apurada na sequencia da prova produzida e a fim de se demonstrar a imediata e constante atuação diligente da Recorrente em todo o processo.
j) No ponto 18) da sentença, onde consta “ A A. não impugnou a coima aplicada pela prática da contraordenação…”, deveria constar, “A A. não impugnou a coima aplicada pela prática da contraordenação junto da Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária […] apesar de, através do seu funcionário e sócio LC, ter apresentado reclamação junto da Câmara Municipal P... contra a autuação indevida, no momento referido em 15).”, já que a p.p. Policia Municipal se pronuncia sobre a autuação, em vez de clara e expressamente remeter o utente para o meio p.p. ou considerar-se incompetente para o efeito.
k) Deveria ter sido dado como provado adicionalmente que, a Recorrente sofreu a perda de obras e trabalhos, com clientes que desistiram ou nem sequer chegaram a fazer encomendas, em 22): “a A., com a privação da viatura para se deslocar aos clientes, perdeu obras e trabalhos e teve uma redução real de facturação no período dos factos ocorridos, por comparação com o período homólogo de cerca de 4923,72€ €”;
l) Em caso de dúvida, o julgador, deveria este ter usado o poder-dever de ordenar a reabertura da audiência, nomeadamente, ordenando a junção de mais documentação contabilística comparativa que pudesse retirar quaisquer dúvidas ao Tribunal sobre os prejuízos sofridos naquele período temporal – art. 607/ 1 - 2.ª parte, CPC ex vi art. 1º do CPTA.
m) Devia ter sido acrescido em 23), que “A A. viu-se obrigada a adquirir dois novos candeeiros iguais aos que tinha na mala do carro e que julgava terem sido roubados com a viatura”,
n) Acrescido em 24) que “A A., através do seu sócio e funcionário LC, efetuou várias deslocações de táxi, na sequência das tentativas de localização da sua viatura RS, desde logo, uma à PSP para apresentar queixa, duas deslocações ao depósito municipal em 28 de março e em 8 maio de 2012, várias deslocações à Camara Municipal P…, pelo menos a que resultou na apresentação da reclamação escrita em 28 março de 2012”,
o) E, finalmente, deveria ter sido dado como provado e acrescido em 25) que “A A., com o presente processo, teve de recorrer a serviços jurídicos de advogado que intentou a presente acção, tendo praticados os demais atos constantes do processo, para lá da reclamação efectuada junto da Câmara Municipal P... e junta também aos autos”, porquanto tais factos alegados resultaram do depoimento credível e objectivo das testemunhas, têm prova imediata e são do conhecimento do Tribunal, atendendo a que resulta também dos autos as intervenções da Recorrente junto das diversas instituições implicando deslocações, bem como os atos e documentos elaborados pelo mandatário que geram despesas de honorários e que a Recorrente pretende apurar em execução de sentença.
p) Houve uma errada motivação da decisão, porque não houve um indeferimento total da reclamação apresentada pelo ora Recorrente, contra a falta de informação atempada sobre a localização da viatura sua propriedade, interpretando erradamente o Tribunal o documento junto e o depoimento testemunhal nos autos,
q) Antes reconheceu o Recorrido que a Recorrente tinha razão, que “efectivamente, não existe registo de mensagem referente à remoção da viatura” ( por documento, oficio datado de 26 de abril e corroborado pela testemunha Comandante Leitão, que falou nas vicissitudes do sistema) o que determinou a cobrança, nessa data, de apenas um dia de depósito no montante de 16€ contra os 15 dias x 16€ (240€) inicialmente decorridos e considerados;
r) Depois, porque induzida em erro e induzindo em erro, pronunciou-se sobre a reclamação contra o alegado estacionamento indevido, indeferindo-a, não se declarando ou julgando incompetente para o fazer ou sequer remetendo a Recorrente para a entidade própria;
s) E, assim, sendo irrelevante a não impugnação da contraordenação junto da ANSR, para aferição da responsabilidade do Recorrido quanto ao mau funcionamento dos serviços e à errada informação prestada sobre a remoção e localização da viatura,
t) Já sendo relevante para a Recorrente o facto de esta ter reclamado junto da Câmara também quanto à contraordenação, por indicação dos p.p. serviços, tendo até recebido resposta destes que não se declararam incompetentes para o efeito.
u) Não podendo o Tribunal avocar o princípio da livre apreciação da prova para justificar a não atendibilidade de certos factos trazidos pelas partes ao processo ou a errada interpretação de documentos juntos aos autos.
v) Acresce que, em face dos factos alegados e provados, outra teria sido a motivação necessária, desde logo, a razão do não levantamento da viatura a 28 de março, que se deveu ao facto de ter sido exigido à Recorrente, como condição, o pagamento de uma quantia correspondente aos 15 dias de depósito, a 16€, cada, num total de 240€, mais multa e reboque, que aquela achava não ser de todo devido, conforme veio a ser reconhecido pelo Recorrido apenas 8 de maio, ou seja, mais de 30 dias depois da data em que a reclamação foi feita: 28 de março.
w) O que gera responsabilidade total do Recorrido nos prejuízos causados com a paralisação da viatura, por comportamento omissivo ilícito claro e objectivo.
x) Por sua vez, deveria ter sido igualmente motivação da prova dos factos o argumento de que o R. não fez qualquer prova, como lhe competia, de que o recebimento do 2.º ofício datado de 26 de abril de 2012 ocorreu a 8 de maio de 2012.
y) Bem como deveria ter sido motivação para prova o depoimento testemunhal prestado nos autos, sério e credível, de que a viatura da A., quanto foi removida pela Polícia Municipal, encontrava-se estacionada num lugar que estava sem qualquer placa ou outro sinal de proibição de estacionamento em lugar reservado a deficiente.
z) Em face do exposto, outra não poderia ser a conclusão, quanto à matéria de facto provada, que não a de que o Recorrido foi o único responsável pelos 54 dias de paralisação e indisponibilidade da viatura da Recorrente (e não os 15 dias da sentença), pela perda de serviço e correspondentes lucros cessantes, pelas despesas de deslocação e pelas despesas com o patrocínio judiciário, na sequência da errada informação, do funcionamento anormal dos serviços, no atraso nas respostas, nos errados procedimentos, atendendo às circunstâncias e padrões médios de resultado, razoavelmente exigíveis, a fim de evitar os danos produzidos.
aa) Provados os factos supra, verificados estavam os pressupostos para apurar a responsabilidade civil extracontratual do Recorrido, desde logo, a prática de um facto ilícito, o que aconteceu:
bb) A errada comunicação sobre o paradeiro da viatura remetendo a Recorrente para a PSP que ali apresentou queixa por furto, com nova confirmação de inexistência de qualquer registo no depósito municipal;
cc) O atraso na informação prestada, fornecida apenas dia 28 de março de 2012, sobre o paradeiro da referida viatura e a exigência do pagamento de 15 dias de depósito e demais taxas, impedindo que tivesse sido feito o levantamento imediato da viatura;
dd) O reconhecimento apenas a 8 de maio de 2012 de que apenas podiam cobrar um dia de depósito, ou seja, mais 30 dias após reclamação escrita da Recorrente, após sugestão pelo Recorrido de apresentação de reclamação escrita, feita logo no momento (dia 28 de março 2012);
ee) A total desconsideração dos serviços do Recorrido, perante a todos os factos explicados perentória e reiteradamente, após detecção do erro daquele, aquando da tentativa de levantamento do veículo, ao remeteram a Recorrente para a formulação de uma reclamação, quanto a todas as questões, em vez de tentar solucionar o problema, logo no momento, evitando dias de espera por uma resposta e mais danos, bem como na morosidade inexplicável de mais de 30 dias na elaboração de resposta e exigindo um pagamento prévio elevado que não era sequer devido!
ff) A errada emissão da coima e o reboque indevido da viatura face ao dístico que a mesma exibia no pára-brisa, que habilitava o estacionamento na rua e no lugar onde aquela se encontrava e face à ausência de sinalética no local;
gg) Tais falhas e omissões, demonstram clara violação dos deveres de cuidado e zelo, do dever de informação e de celeridade, para lá de uma atuação negligente e morosa do Recorrido quer na localização inicial quer na resposta à reclamação apresentada pela Recorrente (mais de 30 dias, logo mais do que os 15 dias qualificados e bem de irrazoáveis, que fundamentaram a condenação do Recorrido na douta sentença), quer na autuação incorrecta, sinal inequívoco do funcionamento anormal dos seus serviços - (artigos 486º CC e 9.º 2 RRCE);
hh) No que respeita à culpa, a conclusão é no sentido de que toda (e só) a atuação do Recorrido não foi diligente e apta a evitar os danos ocorridos, como se exige a uma entidade como o Recorrido e aos seus órgãos, funcionários e agentes, nomeadamente, autuando indevidamente na sequência de alterações de sinalética desconsideradas pela autoridade, colocando ao serviço da Recorrente um meio que falhou, mandando-a deslocar-se à PSP, confiante de que a informação é credível e demorando um tempo irrazoável para informar sobre o paradeiro e responder à reclamação apresentada (a que deu razão), condicionando a atuação e o exercício dos direitos da Recorrente!
ii) Por sua vez, conforme expresso por toda a decisão, a Recorrente, sim, foi diligente e atuou como lhe era exigido, sempre atempadamente e confiando na informação das “autoridades”, sempre condicionada pela posição de maior supremacia e poder das autoridades;
jj) Ora, na aferição da culpa, a decisão esqueceu que: a reclamação da Recorrente veio a ser deferida, a 8 de maio 2012, como resulta da prova documental e testemunhal e como o Recorrido reconhece, só lhe cobrando um dia de depósito.
kk) Também esqueceu que, apesar de datada de 26 de abril, a comunicação apenas foi recebida a 8 de maio e de imediato o sócio e funcionário da Recorrente ali se deslocou, pagando e levantando a viatura: tudo ao fim de 54 dias e mais de 30 para responder à reclamação;
ll) Que, sendo o ónus da prova do Recorrido não a tendo feito em sentido contrário, imporia se desse como provado de que só a 8 de maio foi a Recorrente conhecedora da decisão da edilidade e demonstrando uma vez mais o mau funcionamento dos serviços!
mm) Esqueceu, também, sentença que a Recorrente não tinha de disponibilizar a quantia que estava a ser erradamente exigida como condição para levantar o que é seu e que podia ter sido levantado, não fora o mau serviço prestado pelo Recorrido, nem tinha obrigação de ter a liquidez ou a capacidade económica imediata exigida para esse efeito, nem de se sujeitar a esperar mais de 30 dias para obter uma resposta à sua reclamação! Que um cidadão comum e diligente não tem que não acreditar nos serviços públicos em vez de aceitar que lhe possam ter roubado a viatura!
nn) E esqueceu, finalmente, que quem disponibilizou o meio para agilizar a eventual identificação e localização de viaturas alegadamente mal estacionadas foi o p.p. Recorrido que cria as expectativas e a confiança ao cidadão e utente.
oo) Se a sentença conclui pelo juízo de censura relativamente a 15 dias, sendo “exigível a um serviço que funcionasse bem…, que não tivesse causado os danos alegadamente produzidos”.., por maioria de razão, teria de concluir o mesmo quanto aos quanto aos mais de 30 dias para responder à reclamação, num total de 54 dias, pois o comportamento omissivo do Recorrido só cessa a 8 de maio de 2012 ou, no mínimo, em mais 12 dias que demorou desde que elaborou resposta até chegar à Recorrente.
pp) A decisão de pagar para levantar a viatura, a 8 de maio, resultou de ter a Recorrente constatado que a sua reclamação fora deferida e que o valor do depósito tinha baixado de 240€ em 28 de março (e que àquela data, 8 de maio seriam 864€) para um dia de depósito (16€).
qq) Atuou, pois o Recorrido sem a diligência e aptidão razoavelmente exigidas em face do caso em concreto, órgão municipal, de agentes de segurança e policial que devem ser zelosos e cumpridores (art 10/1 RRCE),
rr) Atuou, pois, o Recorrido em situação de funcionamento anormal do serviço (art. 7/ 3 e 4 RRCE e 9/ 2 do mesmo diploma),
ss) Atuou, pois, o Recorrido com culpa, pois que as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar danos quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei (referida expressamente na douta sentença), o dever de praticar o acto omitido - art. 486 CC.
tt) Verifica-se, também preenchido o pressuposto do dano e do nexo de causalidade, pois que sendo a atuação ilicitude do Recorrido reportada aos 54 dias, pelas razões expostas, também os danos daí decorrentes, terão de ser correspondentes aos 54 dias sem viatura: imobilização ocorrida entre 14 de março de 2012 e 8 de maio de 2012
uu) Igualmente, deverão ser considerados os demais danos reclamados nos autos e o nexo de causalidade adequada ao ressarcimento dos mesmos, em face dos factos provados em 2),3), 199 e 20), da sentença, a que se juntam os referidos em 24) a 29) destas alegações, com base no depoimento da testemunha LC, E…, P… e HC e nos documentos contabilísticos comparativos, juntos aos autos, tudo aferido à luz da experiência comum dos comerciantes médios (pequenos e médios comerciantes que constituem 98% do tecido empresarial nacional, lembre-se) e a uma clara e provada actividade de prestação de serviços maioritariamente desenvolvida nas idas a casa de clientes e nas idas aos fornecedores, para a qual era necessária uma viatura;
vv) Tendo, inclusive, a Recorrente identificado concretamente uma cliente de Braga que queria uma obra grande para um piso inteiro que se frustrou pelo atraso na execução do serviço, a que se associa a experiencia comum de ser normal um lucro de cerca de 5.000€ para uma intervenção daquela dimensão.
ww) Que se dúvidas houvesse, o julgador, deveria este ter usado o poder-dever de ordenar a reabertura da audiência, nomeadamente, ordenando a junção de mais documentação contabilística comparativa que pudesse retirar quaisquer dúvidas ao Tribunal sobre os prejuízos sofridos naquele período temporal – art. 607/ 1 - 2.ª parte, CPC ex vi art. 1º do CPTA, não podendo fundamentar ausência de mais elementos disponíveis, se solicitados, para decidir em desfavor da Recorrente!
xx) Pelo que deveriam os factos ilícitos do Recorrido ser julgados adequados à produção direta e indirecta dos danos correspondentes à redução da actividade comercial da Recorrente por isso da responsabilidade daquele Recorrido que terá de pagar a esta o montante de 7455,47€;
yy) Igualmente tais factos ilícitos foram adequados a provocar as despesas de deslocações com as idas à Câmara, à Polícia, à Conservatória, entre outras que, foram identificadas, e que por isso são da responsabilidade do Recorrido que terá de pagar a esta o montante não inferior a 35€;
zz) Finalmente, também tais factos ilícitos foram adequados a provocar as despesas com a mandatária e a liquidar em execução de sentença, pois sem essa atuação ilícita não se tinha tornado premente e necessária a intervenção técnica daquela os custos subsequente, os quais não ficam ressarcidos, como é jurisprudência, com as custas de parte;
aaa) Por sua vez, não existe qualquer culpa da lesada, na versão da sentença, de que esta nada fez entre 14/03/2012 e 28/03/2012, pois que, inversamente, esta tudo fez, diligente e devidamente, quanto aos procedimentos que se lhe exigiam;
bbb) A diligência da Recorrente sempre reagiu de imediato a todas as informações verbais e/ou escritas que lhe iam dando, a que acresce a confiança depositada no Recorrido e a credibilidade na instituição e na informação fornecida, afasta veementemente qualquer conclusão sobre alguma culpa;
ccc) Não fora a atuação ilícita do Recorrido e não se tinha verificado nenhuma das consequências diretas que originaram danos: imobilização da viatura, redução nos proveitos da actividade, despesas de deslocação e com mandatária.
ddd) E nem sequer se diga que a falta de impugnação da coima lhe pode imputar qualquer responsabilidade (apesar da sentença disso não ter conhecido, não podendo, pois, ser objeto de análise), pois que mesmo que impugnada, fosse qual fosse o resultado, não estaria resolvida em tempo útil, muito menos em tempo razoável reria sido dada resposta pela Câmara à reclamação apresentada pela Recorrente,;
eee) Não se verifica, pois, qualquer dos pressuposto do art 4.º RRCE, tendo a Recorrente usado a via processual indicada pelo Recorrido e adequada à eliminação do ato jurídico lesivo (a não identificação da localização da viatura).
fff) Extravasando, pois, aquele, a competência que tem de conhecer apenas dos factos que lhe são trazidos pelas partes, não se podendo pronunciar sobre factos essenciais que não lhe foram dados a conhecer, a saber o facto de ter agido negligentemente - art. 5º, n.º 1, 608º, n.º 2, segunda parte e 609º,n.º 1e CPC, ex vi, art 1.º do CPPT.
ggg) Entende a Recorrente que não se verificarem quaisquer dos pressupostos para atribuição de responsabilidade, nomeadamente, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano relativamente a si – arts. 483 e 570º ambos do CC ou 4º e 9º do RRCE).
hhh) Acresce que é, ainda, relevante concluir pela inexistência de verificação de qualquer violação do Código da Estrada (CE), nomeadamente, dos artigos 166/3, 164, 165/1, todos do CE.
iii) Quanto à obrigação de indemnizar, deveria ter sido condenado o Recorrido a indemnizar a Recorrente de todos os danos por esta sofridos na sequência do ato ilícito que os gerou: direta ou indirectamente.
jjj) A saber, 54 dias pelo dano de privação da viatura automóvel, pois que para lá dos 15 dias inaceitáveis teve mais 39 dias, sendo que 12 deles já com uma decisão tomada mas não remetida à Recorrente, demonstrando uma vez mais, mau funcionamento dos serviços!
kkk) Cujo valor diário não poderia ser inferior a 25€/dia, face à experiência da vida comum e do comerciante normal, os preços praticados quer no aluguer de viaturas, quer no apuramento dos incómodos e perda de utilidades profissionais e também pessoais que tal situação gerou, tanto mais que aquela estava crente da veracidade da informação prestada, que o preço dia no deposito já era de 16€ e que a Recorrente só tinha uma viatura disponível!
lll) Sem qualquer repartição de culpas os danos seriam suportados a 100% pelo Recorrido, num total de 1350€;
mmm) Sem prescindir, a assim não se julgar, o que só por hipótese se admite, sempre deveria ser considerado 100% da responsabilidade do Recorrido pelos danos pela paralisação nos 15 dias entre 13 de março e 28 de março de 2012, e tão só 50% após tal data, para retomar 100% do valor devido entre 26 de abril e a resposta tardiamente recebida a 8 de maio de 2012.
nnn) Quanto aos lucros cessantes, sempre o valor a indemnizar deveria ser o que resulta da diferença de valores entre o balancete no ano anterior, e ainda as sequelas de tal decréscimo de actividade, no montante total de 7455,47€ ou, sem prescindir, no mínimo, 4.912,72€;
ooo) Calculo esse, também, usado na determinação do valor correspondente às despesas de deslocação que se reputam adequadas, em valor nunca inferior, para cada viagem, a 6 €, num total de 35€.
ppp) Quanto à indemnização devida pelos honorários despendidos com a acção judicial, como referido supra, seria apurada em liquidação de sentença.
qqq) A razão de ser da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, é “a ideia fundamental de que nada do que acontece em nome do Estado e no suposto interesse da colectividade, mediante as acções ou omissões das suas instituições, pode ser imune ao dever de reparar os danos provocados aos particulares”, sendo “O objectivo primeiro da responsabilização do Estado e de outras entidades envolvidas no exercício de actividades de natureza pública é a transferência do dano sofrido pelo cidadão para o seu causador”
rrr) A lei define que a responsabilidade do Estado ou outra entidade pública é exclusiva quando o autor da conduta ilícita haja actuado no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, com culpa leve (cfr. artigo 7.º, n.º1) ou quando os danos causados sejam imputáveis ao funcionamento anormal do serviço, que é o caso dos autos;
sss) Ora, o Recorrido não alegou ou sequer provou quaisquer factos que demonstrem qualquer culpa da Recorrente, antes ficou provado o alegado funcionamento anormal do serviço, refletido na sentença, deverá estar excluída a aplicação da norma que atribui responsabilidade ao lesado, com as devidas consequências.
ttt) Foram violados os seguintes artigos que deveriam ter sido interpretados noutro sentido:
- Art. 7º/1 e 9º e 10º, todos do RRCE e art. 483º CC , devendo ser dado como provado que se verificaram integral exclusivamente em relação ao lesante / Recorrido todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual;
- Art. 486º CC, pois que as omissões do Recorrido dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei (Lei 67/2007) o dever de praticar o acto omitido;
- Arts. 164/1 – 165/1, 166/1,do Código da Estrada (CE), porquanto o Recorrido agiu em ilicitude, não tendo feito cumprir, a contrario, o disposto nos mesmos ao não verificar devidamente o estacionamento;
-Artigos D-1/44º a D-1/52 do Código Regulamentar do Município P... (versão aprovada na Assembleia Municipal de 14-02-2008),o disposto no art. 3/ 2 al e) e 4/ 1 al. b), ambos da Lei 19/2004, de 20/05, na medida em que deveria ter sido cumpridas as regras e normas ali definidas com informação atempada, verificação atempada da localização da viatura da Recorrente o que não aconteceu;
- Lei 19/2004 de 20/05 art. 3/2 e), quanto às funções da polícia municipal que, deveria ter atuado diligentemente, com zelo e celeridade, demonstrando um bom funcionamento dos seus serviços, o que não ocorreu;
-Arts. 7/3 e 4 e 9º,2 do RRCE, porquanto o Recorrido demonstrou um anormal funcionamento dos serviços;
-Art. 3º/3 e 7º/3 ambos do RRCE e 563º CC, pois que tais normativos deveriam ter sido interpretados dando como provado o dano e nexo causalidade, pois que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão;
-Art. 10º/1 RRCE (culpa),não se tendo verificado qualquer dos pressupostos que poderiam levar à atribuição de culpa da lesada, tanto mais que o lesante não alegou e, por isso, muito menos provou qualquer facto nesse sentido, não podendo aquela ser condenada por isso;
-Arts. 4.º, 9º e 10º, todos do RRCE e arts. 483º e 570º CC , porquanto estas normas deveriam ter sido interpretadas no sentido de que o facto culposo do lesado não concorreu para a produção ou agravamento dos danos;
-Art. 562º e 566º/3, ambos do CC e art.3º RRCE, porquanto havia nos autos elementos quantitativos para substituir a reconstituição natural que não era possível e, por outro lado, a equidade deveria tomar em consideração o exposto supra;
-Art. 607º/ 1 - 2.ª parte, CPC ex vi art. 1º do CPTA, uma vez que juiz deveria ter ordenado a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entendesse e ordenando as demais diligências necessárias;
-Art. 607º/4 CPC ex vi ART. 94º, N.º S 3 E 4 CPTA, porquanto o tribunal devia ter analisado criticamente as provas produzidas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por regras de experiência, nos moldes supra demonstrados;
-Art. 607/5 e 609/ 2 ambos CPC ex vi Art. 1.ºCPTA, porquanto a factualidade trazida aos autos deveria ter sido apreciada nos termos supra descritos;
-Art. 5º, n.º 1, 608º, n.º 2, segunda parte e 609º,n.º 1 e CPC, ex vi, art 1.º do CPPT, dado que O juiz, devendo resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo conhecer oficiosamente da eventual culpa da lesada; e
-Arts. 22º e 62º ambos da Constituição da República Portuguesa a que acresce o art. 1305º CC, uma vez que a responsabilidade do Estado por actos ilícitos culposos, não pode excluir da indemnização danos com pagamento de honorários, antes os tem de incluir, por um lado, e por outro por que cabe ao proprietário de um bem optar livremente entre utilizá-lo ou não, sendo a livre disponibilidade desse bem um direito constitucionalmente consagrado
Tais normas violadas, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de;
a) ser alterada a matéria de facto provada nos autos, nos termos supra referidos, com a motivação adequada e defendida nestas alegações, por forma a que, aplicando-se o direito ao caso dos autos, resultasse o Recorrido condenado no pedido deduzido pela ora Recorrente, considerando 54 dias de paralisação a 100% da viatura sua propriedade a pelo menos 25€ dia, condenado no ressarcimento dos danos resultantes da redução na facturação num total senão de 7455,47€ no limite no montante de 4.923,72€ acrescido de despesas de deslocação de 35€ e despesas de patrocínio a apurar a final, por responsabilidade integral pelos danos reclamados do lesante Recorrido, sem qual qualquer co-responsabilidade da Recorrente nos mesmos, por ausência total de qualquer culpa;
b) Sempre acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, desde a data da citação,
c) Bem como nas custas do processo,
Face a todo exposto, e pelas razões amplamente desenvolvidas, deverá ser revogada a decisão do Tribunal “a quo”, o sentido defendido, só assim se fazendo JUSTIÇA!
*
Contra-alegou o recorrido, dando em conclusões:
A. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo é justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas aos factos dados como provados. Factos provados esses assentam e resultam uma apreciação crítica da prova produzida documental e testemunhal - sem mácula ou margem para dúvida.
B. Com a presente acção administrativa comum, peticionou a ora Recorrente a condenação do Recorrido no pagamento de uma indemnização, por danos patrimoniais, no valor total de € 7.644,47, pela alegada conduta ilícita e a coberto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas.
C. O sentido da sentença recorrida, bem como a sua fundamentação de facto e de direito, resultam de uma apreciação rigorosa da prova produzida, a que o ora Recorrido adere sem reservas e que dá por reproduzido nesta resposta ao recurso interposto pela Recorrente.
D. No dia 13/03/2012, a viatura da marca Fiat, modelo Punto, de cor azul, com a matrícula xx-xx-RS, foi removida da Rua M…, nesta cidade do P…, pelas 11 h20, como bem resulta do auto de bloqueamento/reboque n° 02232 - cfr. fls. 7 do processo administrativo n° 36795/12/CMP (doravante PA).
E. A presente demanda não é a sede própria para discutir a legalidade ou ilegalidade da decisão administrativa de aplicação da coima, pelo que nunca poderá tal questão ser objecto do presente pleito. A discordância da Recorrente com a aplicação da coima deveria ter sido materializado num recurso de contra-ordenação de que não há notícia e que se sabe nunca ter sido interposto. O que significa, no plano jurídico, que o Recorrente se conformou com a aludida decisão.
F. O que importa aquilatar nesta demanda é a responsabilidade do Recorrido pela sua conduta, nomeadamente no tempo que mediou entre o reboque da viatura em apreço e a notificação da Recorrente.
G. E esse lapso de tempo - 15 dias - é o período em que podem ser assacadas responsabilidades ao Recorrido. Ora, a própria sentença refere que a inexistência de "qualquer comportamento omissivo ilícito por parte do R. - seja em termos de violação dos seus deveres de informação adequada e actualizada sobre a existência do depósito da viatura e seu efectivo paradeiro, seja em termos de violação de quaisquer outros deveres, nomeadamente de cuidado e de zelo - a partir do momento em que aquela tomou conhecimento do local onde o veículo se encontrava, afinal, depositado. Isto porque, com é bom de ver, a partir desse momento nada mais pode ser exigido dos serviços do R., cabendo exclusivamente à A. pagar as taxas devidas, nos termos da legislação aplicável, e proceder ao levantamento da viatura. Se apenas o veio afazer no dia 08/05/2012 e não logo no dia 28/03/2012, uma vez que, discordando das taxas que lhe foram exigidas para levantar a viatura, optou por apresentar reclamação e só acordou no pagamento de tais quantias perante o indeferimento desta reclamação, sibi imputet (cfr. pontos 14 a 17 dos factos provados). Nem se diga que a opção por apresentar reclamação foi feita na convicção de que esta seria decidia em menos tempo do que aquele em que se veio a verificar, pois tal não tem qualquer relevância para e/èitos de imputar responsabilidade aos serviços do R.".[Cr.p. 23 da sentença recorrida]
H. A tentativa de imputar a diminuição de facturação ou até a perda de negócios por falta da viatura resultou num esforço inglório da Recorrente que estava condenada ao insucesso desde o seu início. Só se compreendendo à luz de uma tentativa de insuflar o valor do pedido.
I. Não existe qualquer nexo de causalidade entre a diminuição da facturação da Recorrente entre 2011 e 2012. Sendo certo que qualquer relação que se tente estabelecer entre esses dois factos nasce de um gigante equívoco, que começa a coruscar as fronteiras da sempre desejável boa fé processual.
J. A Recorrente só não levantou a sua viatura no dia 28/03/2012 porque não foi essa a sua vontade.
K. O comportamento da Recorrente no momento em que procurou a sua viatura não foi perfeito, nem foram realizadas todas as diligências que estavam ao seu alcance.
Na verdade, partilha-se do entendimento do tribunal a quo quando refere que "não foram por esta levadas a cabo todas as diligências que poderiam ter sido por si efectuadas na tentativa de localização do seu veículo",[Cr.p. 28 da sentença recorrida] concretizando depois que "a A. poderia e deveria ter-se deslocado aos serviços da Policia Municipal P… (ou à própria Câmara Municipal P...)" e que "eram, pois, estes os serviços que se mostravam mais aptos a prestar a informação pretendida pela A. quanto ao paradeiro do seu veículo, pois que a ocorrência do reboque foi, aliás, a primeira possibilidade equacionada pela A., que recorreu logo, de imediato, à aplicação do "SMS Reboque [Cr.p. 28 da sentença recorrida].
L. Verifica-se in casu a existência de um comportamento culposo da Recorrente (lesada) que concorreu para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo - cfr. artigo 4º da Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro. [Equivalente ao artigo 570º do Código Civil]
M. Daí que o tribunal a quo tenha entendido, e muito bem, repartir as culpas dos ora Recorrente e Recorrido, em idêntica proporção (50%).
N. E assim o fazendo, apurou o valor de € 112,50, isto, é de € 7,50/dia durante esses 15 dias (14/03/2012 a 28/03/2012), para efeitos de indemnização por dano da privação de uso.
O. Pelo que foi acima aduzido e pelos fundamentos constantes da decisão judicial recorrida proferida pelo tribunal a quo, é entendimento do Recorrido que a mesma não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
TERMOS EM QUE,
Confirmando o sentido da decisão judicial recorrida, farão V. Exas. a Costumeira e Sã JUSTIÇA.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto foi notificado para efeitos do art.º 146º do CPTA, nada oferecendo em Parecer.
*
Cumpre decidir.
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Os factos, enunciados como provados na decisão recorrida:
1) A A. é uma sociedade por quotas que se dedica à atividade de comércio de artigos de decoração e confeção de cortinas (cfr. doc. de fls. 27 a 29 do suporte físico do processo).
2) Na prossecução da sua atividade, a A. presta os seus serviços, na maioria dos casos, nas moradas dos respetivos clientes, de forma a poder enquadrar os materiais e a tipologia de mobiliário, iluminação e decoração nos espaços que os clientes pretendem decorar.
3) A A. é proprietária do veículo de matrícula xx-xx-RS, marca e modelo Fiat Punto, que utiliza no exercício da sua atividade e para realizar as deslocações às moradas dos clientes (cfr. doc. de fls. 30 do suporte físico do processo).
4) Em março de 2012, o veículo RS era o único de que a A. era proprietária (cfr. doc. de fls. 138 e 139 do suporte físico do processo).
5) Ao veículo RS foi emitido cartão de “residente” pela Câmara Municipal P..., para efeitos de estacionamento em Zona de Estacionamento de Duração Limitada (ZEDL), na qual estava incluída parte da Rua M…, no Porto (cfr. doc. de fls. 31 do suporte físico do processo e doc. de fls. 9 do processo administrativo apenso).
6) No dia 13/03/2012, da parte da manhã, o sócio e funcionário da A., LMCC, estacionou o veículo RS na Rua M…, no último lugar existente, do lado direito, em frente à porta anterior ao n.º 79 (cfr. doc. de fls. 13 a 15 do processo administrativo apenso).
7) No dia seguinte, em 14/03/2012, da parte da manhã, o referido sócio e funcionário da A. não encontrou o veículo RS no lugar onde o estacionara, uma vez que o mesmo, sem aquele saber, fora rebocado no dia anterior, em 13/03/2012, pelas 11:20 horas, constando do respetivo auto de reboque que o veículo se encontrava estacionado em parque para deficientes (cfr. doc. de fls. 7 do processo administrativo apenso).
8) Logo que deu pela falta do veículo RS, o sócio e funcionário da A. utilizou o serviço “SMS Reboque”, tendo sido informado de que o veículo em questão não se encontrava registado naquele serviço e tendo sido aconselhado a dirigir-se à PSP.
9) No mesmo dia, em 14/03/2012, o sócio e funcionário da A. dirigiu-se à PSP, esquadra de C…, a qual verificou que o veículo RS não constava da sua base de dados e sugeriu a apresentação de participação por crime de furto.
10) Nessa sequência, foi elaborado pela PSP o auto de denúncia n.º NPP 122934/2012, por crime contra a propriedade, ocorrido entre 13/03/2012, pelas 11:00 horas, e 14/03/2012, pelas 10:30 horas, relativamente ao furto do veículo RS (cfr. doc. de fls. 32 do suporte físico do processo).
11) Através do ofício n.º I/51212/12/CMP de 21/03/2012, proveniente da Polícia Municipal P..., foi a A. informada, além do mais, do seguinte:
“Assunto: Veículo de marca Fiat, cor azul, matrícula xx-xx-RS, removido para o Depósito Municipal
Em cumprimento do estabelecido no n.º 3 do artigo 166.º do Código da Estrada, fica V. Ex.ª notificada, na qualidade de titular do documento de identificação do veículo/proprietária, que no passado dia 13-03-2012 foi removido, ao abrigo da alínea c), do n.º 1, do art.º 164.º e g), do n.º 2, do art.º 164.º, do Código da Estrada, para o Depósito Municipal Caminhos do Romântico sito à Rua A…, junto do Seminário V…, o veículo acima identificado que se encontrava estacionado na Rua M….
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 165.º do Código da Estrada, o citado veículo deverá ser retirado do Depósito Municipal no prazo máximo de 45 dias a contar da data de receção desta notificação, após o pagamento das despesas de remoção e depósito. Decorrido o prazo sem que o veículo tenha sido retirado, será o mesmo considerado abandonado a favor do Município”
(cfr. doc. de fls. 3 e 4 do processo administrativo apenso).
12) O ofício referido no ponto antecedente foi recebido pela A., na pessoa do seu sócio e funcionário LMCC, 15 dias depois do reboque do veículo RS, ou seja, no dia 28/03/2012.
13) Neste último dia, em 28/03/2012, o referido sócio e funcionário deslocou-se ao depósito municipal Caminhos do Romântico para levantamento do veículo RS, tendo-lhe sido exigido, como contrapartida, o pagamento de coima, taxa de remoção e taxa de depósito.
14) O sócio e funcionário da A. não pagou os valores exigidos, pelo que não procedeu, no dia 28/03/2012, ao levantamento da viatura RS, tendo-lhe sido apenas permitido retirar o material que se encontrava dentro da mesma, nomeadamente dois candeeiros e amostras provenientes de fornecedor (tecidos, papel de parede, carpetes).
15) Nesse mesmo dia, em 28/03/2012, o sócio e funcionário da A. apresentou, junto do Gabinete do Munícipe da Câmara Municipal P..., uma reclamação, à qual foi atribuído o n.º 36795/12/CMP, solicitando o levantamento do veículo RS sem qualquer pagamento, por entender, além do mais, que o veículo foi rebocado de um lugar em que estava autorizado a estacionar, por possuir cartão de residente (cfr. doc. de fls. 33 a 35 do suporte físico do processo).
16) Pelo ofício n.º I/73790/12/CMP, de 26/04/2012, da Polícia Municipal P..., elaborado com base na informação n.º I/68898/12/CMP, foi a A. informada do seguinte:
“Assunto: Remoção do veículo de matrícula xx-xx-RS
A reclamação registada com o NUD: 36795/12/CMP, mereceu-nos a melhor atenção.
Manifesta V. Ex.ª o seu desagrado pelo facto da autuação, remoção e não constar o registo no serviço SMS Reboque do veículo supra citado.
Após serem efetuadas as diligências necessárias para o esclarecimento da reclamação apresentada, informo V. Ex.ª que:
1. De acordo com os registos existentes nos Serviços, a viatura foi autuada e removida ao abrigo da alínea f), do n.º 1 e n.º 2, do art.º 50.º, alínea c), do n.º 1 e alínea g), do n.º 2, do art.º 164.º, do Código da Estrada (CE), por estar estacionada em local sinalizado reservado ao estacionamento privativo.
2. Verificou-se que, efetivamente, não existe registo da mensagem referente à remoção da viatura para o serviço SMS Reboque. Assim, poderá levantar o veículo no Parque dos Caminhos do Romântico, sito à rua A…, junto ao Seminário V…, efetuando o pagamento de € 94, referente às taxas de remoção e de um dia de depósito, no prazo de 48 horas após a receção do presente ofício, que deverá ser apresentado no ato no referido parque.
Assim, concluímos não assistir razão a V. Ex.ª quanto à autuação”
(cfr. doc. de fls. 36 do suporte físico do processo).
17) No dia 08/05/2012 o sócio e funcionário da A., LMCC, procedeu ao pagamento da taxa de remoção, no valor de € 78,00, e da taxa de depósito, no valor de € 16,00, equivalente a um dia de depósito, no total de € 94,00, tendo, em consequência, procedido, nesse mesmo dia, ao levantamento da viatura RS (cfr. doc. de fls. 37 do suporte físico do processo).
18) A A. não impugnou a coima aplicada pela prática da contraordenação relativa ao estacionamento em local reservado a deficientes.
19) A imobilização do veículo RS durante o período de tempo em que este esteve no depósito municipal limitou a atividade da A. nas suas deslocações às moradas dos clientes e aos fornecedores.
20) A faturação (vendas) da A. nos meses de março, abril e maio dos anos de 2011 e 2012 apresenta a seguinte evolução:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. docs. de fls. 38 a 43 do suporte físico do processo).
21) O R. foi citado no âmbito da presente ação no dia 12/03/2015 (cfr. doc. de fls. 88 do suporte físico do processo).
*
Do mérito da apelação:
A autor/recorrente instaurou a acção pedindo que o R. fosse condenado a pagar-lhe o valor de € 7.644,47, acrescido de juros legais devidos até integral pagamento, respeitante: (i) ao pagamento de todos os danos decorrentes da privação e paralisação durante 54 dias do veículo e ainda no mês subsequente e, durante 15 dias, do material que se encontrava dentro do mesmo, num total nunca inferior a € 7.455,47; (ii) ao pagamento das despesas de deslocação no montante de € 35,00; (iii) à devolução do valor pago por taxas e coimas (estacionamento indevido, remoção e depósito), num total de € 154,00; as despesas com o patrocínio judiciário, a determinar a final; nas custas com o presente processo.
A sentença alcançou que, efectivamente, o réu incorreu em responsabilidade.
Vendo do que foi causa sustentada pela autora, considerou que “a factualidade exposta – nomeadamente, a circunstância de a informação sobre o paradeiro do veículo rebocado apenas ter sido comunicada à A. em 28/03/2012, isto é, 15 dias depois da realização do referido reboque – consubstancia, na verdade, uma atuação ilícita, na medida em que estamos perante o decurso de um lapso de tempo significativo sem que os serviços do R. tenham dado plena satisfação, como lhes era exigível, de modo atempado, aos deveres de informação e notificação que sobre si impendiam para com a A. a respeito da remoção do seu veículo, contribuindo para que esta tenha estado privada, durante esse período em concreto, do veículo em questão.”.
Todavia, delimitou que “Inexiste, portanto, qualquer atuação ilícita e culposa por parte do R. a partir do momento em que foi comunicado à A. o paradeiro do seu veículo (em 28/03/2012), porquanto não se vislumbra nenhuma violação de imposições legais e/ou regulamentares e, muito menos, uma qualquer situação de funcionamento anormal do serviço.”.
Julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. “a pagar à A. a quantia diária de € 7,50, desde o dia 14/03/2012 até ao dia 28/03/2012 (15 dias), acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento”.
A propósito da matéria de facto.
Deve lembrar que a matéria de facto deve cingir-se a verdadeiros factos e não conter juízos conclusivos ou questões de direito, princípio que se mantém apesar da revogação do art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, o que, por entre o discurso elíptico trazido a recurso, a autora nem sempre observa, comprometendo atendibilidade.
De todo o modo, naquilo que mais nos é perceptível.
Quanto aos pontos 11) e 16): nada há a alterar, quando é claro que as palavras usadas em redacção, na economia do caso, se equivalem, percebendo-se que não se quis dar outro significado; o rigor, no caso, não passa de uma minudência sem peso.
O que dá como provado no ponto 14): é o necessário e suficiente ao julgamento.
Nada tem de relevante, justificando aditamento, a data de 08/05/2012 como tempo de recepção de ofício pelo sócio e funcionário MCC.
Nem a apresentação de reclamação junto da Câmara Municipal.
Nem a afirmação “de que a viatura da A., quanto foi removida pela Polícia Municipal, encontrava-se estacionada num lugar que estava sem qualquer placa ou outro sinal de proibição de estacionamento em lugar reservado a deficiente”.
O tribunal “a quo” explicou.
Deu “nota – como já foi referido em sede de motivação da decisão da matéria de facto – de que os concretos fundamentos avançados pela A. na petição inicial relacionados com a emissão da coima e com a ilegalidade do reboque da viatura RS (que a A. qualifica de injustificado e indevido), pela ausência de sinalética no local e por esta possuir o dístico de residente e se encontrar, nessa medida, estacionada em local que não lhe era proibido, não serão apreciados no âmbito da presente ação, uma vez que tais fundamentos apenas poderiam ter sido discutidos no quadro de um recurso de contraordenação da decisão que aplicou a coima por alegado estacionamento indevido e que, em consequência, levou ao reboque do veículo em questão.
Com efeito, saber se o veículo estava, ou não, estacionado indevidamente em lugar proibido e se, por isso mesmo, deveria ter sido liquidada a correspondente coima e efetuada a subsequente remoção do veículo da via pública é matéria que contende com a legalidade ou ilegalidade da decisão administrativa de aplicação de coima e que, portanto, deve ser discutida no meio próprio e adequado a tal pretensão.
Por conseguinte, tais fundamentos não serão atendidos no presente processo, pelo que a análise do Tribunal cingir-se-á aos restantes fundamentos que compõem a causa de pedir formulada pela A. na sua petição inicial para efeitos de responsabilização do R. pelos danos alegadamente causados com a sua atuação.”.
E arredou “qualquer atuação ilícita e culposa por parte do R. a partir do momento em que foi comunicado à A. o paradeiro do seu veículo (em 28/03/2012)”.
Sobre estas duas linhas de força da decisão o recurso limita-se à expressão de desconforto, na reafirmação da sua tese, sem verdadeira ou frutífera crítica impugnatória demonstrativa de erro de julgamento, conforme adiante também melhor resulta.
Pelo que a inutilidade de aditamentos propostos relativos “à regularidade” do estacionamento e ao devir pós 28/03/2012, inutilidade que dispensa aferição do juízo de facto sobre envolvente matéria.
Quanto ao aditamento dos propostos 22), 23), 24), e 25).
Recorde-se que o tribunal “a quo” deu como não provado:
a) Na impossibilidade de realizar deslocações e face à grande concorrência e agilidade do mercado, certos clientes desistiram das encomendas face à demora na entrega das mesmas.
b) Outros existiram que nem sequer chegaram a fazer encomendas, face à falta de visita dos funcionários da A., procurando solução na concorrência.
c) Nas deslocações do seu sócio e funcionário à PSP, ao depósito municipal e à Câmara Municipal P..., a A. despendeu montante não inferior a € 35,00.
E motivou:
«No que se refere às alíneas a) e b), respeitantes às alegadas desistências de clientes quanto a encomendas efetuadas à ora A. durante o período em que o veículo RS esteve imobilizado, o depoimento de LMCC foi, nesta matéria, vago e impreciso, porquanto apenas referiu, abstratamente, que, com a privação da viatura, “perdeu obras e trabalhos”, tendo dado como exemplo um alegado cliente de Braga que terá desistido da encomenda efetuada. No entanto, este exemplo não foi suficientemente concretizado nem foram avançadas outras situações que permitissem ao Tribunal concluir que essa “perda de clientes” efetivamente ocorrera no período em questão.
Acresce que a testemunha PMSATM, gestor de empresa de restauração e cliente da A. desde 2002/2003, prestou um depoimento que contribuiu, em larga medida, para que os factos descritos nas alíneas a) e b) não tenham sido dados como provados. Com efeito, a testemunha afirmou que, tendo recorrido aos serviços da A. precisamente em março de 2012 quando mudou de casa, houve alguns atrasos e adiamentos de visitas na prestação desses serviços, os quais foram justificados com base na falta de viatura disponível para as deslocações do funcionário da A. aos locais combinados. Todavia, importa notar que a testemunha reconheceu que o serviço acordado acabou por ser feito devidamente, não obstante aqueles atrasos. Tal circunstância criou, assim, no Tribunal fundada dúvida quanto à verificação da alegada “perda de clientes”.
As demais testemunhas apenas referiram que a imobilização do veículo causou prejuízos à atividade da A., nada especificando quanto à alegada “perda de clientes”.
Por fim, no que toca à alínea c) dos factos não provados, relativa à quantificação das despesas em deslocações à PSP, ao depósito municipal e à Câmara Municipal P..., o depoimento de LMCC – única testemunha que se debruçou sobre esta matéria – também se revelou, neste ponto, demasiado vago e genérico, circunstância que, desacompanhada de outros elementos (documentais) que permitissem ao Tribunal atestar a ocorrência de tais despesas no montante indicado, não permite dissipar as dúvidas sobre a sua efetiva quantificação, nos moldes que vêm alegados.».
Mais à frente acrescentou também:
«No que concerne à alegada diminuição de faturação nos meses de março, abril e maio de 2012, por comparação com os mesmos meses de 2011 – lucros cessantes –, se é verdade que essa diminuição efetivamente ocorreu (cfr. ponto 20 dos factos provados), não se vislumbra em que medida tal pode ser imputado, em termos de causalidade adequada, à privação do veículo durante 15 dias, entre 14/03/2012 e 28/03/2012. Nem sequer em termos de causalidade meramente indireta ou mediata – o que sucede quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste. Com efeito, existe uma multiplicidade de fatores que pode ter conduzido à quebra na faturação, pois que se trata de uma realidade bastante volátil, não se nos afigurando que, à luz das regras de experiência comum, uma imobilização do veículo durante 15 dias, no mês de março, tenha adequadamente levado à redução da faturação da A. em março, abril e maio, com a dimensão e valores evidenciados na sua contabilidade.
Note-se, aliás, que nem sequer resultou provado que, na impossibilidade de realizar deslocações (por causa da privação do veículo) e face à grande concorrência e agilidade do mercado, certos clientes desistiram das encomendas devido à demora na entrega das mesmas, nem que outros nem sequer chegaram a fazer encomendas, face à falta de visita dos funcionários da A., procurando solução na concorrência.
Quanto às despesas com as deslocações à PSP, ao depósito municipal e à Câmara Municipal P... (para apresentar reclamação), também aqui se constata que inexiste qualquer nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos. Isto porque, de uma banda, trata-se de deslocações que sempre poderiam (no caso da PSP e da Câmara) e deveriam (no caso do depósito municipal) ser feitas pela A. mesmo que não se tivesse verificado qualquer conduta ilícita por parte dos serviços do R. e porque, de outra banda, parte dessas deslocações foram já efetuadas depois de a A. ter tido conhecimento da localização da sua viatura, ou seja, reportam-se a um período de tempo em que não pode ser assacado qualquer comportamento antijurídico por parte dos serviços em causa.».
O que vem sob 23) sequer alguma vez constituiu alicerce de pretensão indemnizatória; o que vem sob 22) e 24) refere-se a matéria em que a recorrente pretende atingir juízo a contrariar a falência de prova perante o tribunal “a quo”; mas não logra a recorrente demonstração de erro; não se mostrando que a matéria de facto tenha sido apreciada em desconformidade com os princípios e as regras do direito probatório, e onde imperou princípio de liberdade de julgamento, é de manter.
Ao invés do que a recorrente aponta, não tinha de ser reaberta a audiência para “retirar quaisquer dúvidas”; a faculdade prevista no art.º 607º, nº 1, 2ª parte, serve em função de uma hipótese de dúvida subjectiva do julgador quanto à contribuição que retira de um meio de prova para a afirmação ou negação factual, não para “à outrance” dissipar a dúvida de resultado, justificando eterno retorno de abertura do que em dúvida persista!
Aí joga o que é de ónus.
A respeito do proposto 25), é matéria sobre a qual o tribunal “a quo” não verteu um juízo de facto, antes logo decidiu de direito.
Admitindo relevância, mas traduzindo-se em intervenções documentadas, podem sempre ser atendidas sem necessidade de específico aditamento.
É tema a retomar ao adiante.
A propósito do direito.
O tribunal “a quo” julgou reunidos pressupostos de responsabilidade.
Essencialmente, na base de tal afirmação, censurou “a circunstância de a informação sobre o paradeiro do veículo rebocado apenas ter sido comunicada à A. em 28/03/2012, isto é, 15 dias depois da realização do referido reboque”, que teve como “uma atuação ilícita, na medida em que estamos perante o decurso de um lapso de tempo significativo sem que os serviços do R. tenham dado plena satisfação, como lhes era exigível, de modo atempado, aos deveres de informação e notificação que sobre si impendiam para com a A. a respeito da remoção do seu veículo, contribuindo para que esta tenha estado privada, durante esse período em concreto, do veículo em questão”.
Nesta base de raciocínio, entendeu que caberia indemnizar o dano de privação do uso.
O recurso sustenta que se o tribunal “a quo” «conclui pelo juízo de censura relativamente a 15 dias, sendo “exigível a um serviço que funcionasse bem…, que não tivesse causado os danos alegadamente produzidos”.., por maioria de razão, teria de concluir o mesmo quanto aos quanto aos mais de 30 dias para responder à reclamação, num total de 54 dias, pois o comportamento omissivo do Recorrido só cessa a 8 de maio de 2012 ou, no mínimo, em mais 12 dias que demorou desde que elaborou resposta até chegar à Recorrente».
Mas é claro que o argumento de “maioria de razão” não vinga.
Pois que o fundamento não foi simplesmente um genérico e indefinido mau funcionamento do serviço, foi a específica omissão num dever.
Na sequência da remoção do veículo impunha-se notificar a autora, atempadamente e com determinado conteúdo.
Todo esse fim se alcançou em 28/03/2012.
Desde então, julgou o tribunal “a quo”, e bem, cumprido estava o que se impunha fazer.
Percebe-se que o inconformismo da autora/recorrente versa que mesmo depois de tal tempo tivesse estado privada da viatura, pois que, entendendo ter o veículo sido rebocado sem acertado fundamento, se não pagou então o que lhe foi exigido para “levantamento”, também esse pagamento não era devido, acabando por se prolongar essa privação, por actuação culposa e ilegal dos serviços do réu, até mais tarde “condescender” (a expressão é nossa) efectuar pagamento.
O tribunal “a quo”, mais até do que simplesmente observar a falta de impugnação da coima ou a irrelevância de reclamação, rejeitou poder apreciar, não se imiscuindo no que entendeu ser discussão reservada em matéria contra-ordenacional.
O recurso, que não serve para simples (re)afirmação de tese, não suporta qualquer erro de julgamento em relação à questão.
Recurso que soçobra, pois, quanto à devolução do valor pago por taxas e coimas (estacionamento indevido, remoção e depósito), num total de € 154,00.
Quanto ao pagamento das despesas de deslocação no montante de € 35,00, sem demonstração, e sendo ónus da autora sua prova, também nada a sentença merece modificação.
Bem assim a respeito de lucros cessantes.
Confinado o dever de indemnizar aos ditos 15 dias de privação do uso, ainda assim a recorrente aponta erro em que o tribunal terá incorrido ao ponderar uma indemnização “fixada no valor diário de € 15,00, reportado ao período de tempo em que o veículo
esteve imobilizado sem que a A. tivesse conhecimento da sua localização, por atuação ilícita dos serviços do R., ou seja, desde o dia 14/03/2012 até ao dia 28/03/2012 (15 dias)”, entendendo por mais correto um valor não inferior a € 25,00.
Mas sem razão.
Recorde-se o caso, situado no ano de 2012.
Por diversas vezes tem este TCAN lembrado que, sendo feito julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» (cfr. Ac. do STJ, de 17-09-2014, proc. nº 158/05.2PTFUN.L2.S2).
E, sem hesitação, não nos parece que possa ser apontada uma tal afronta.
Aliás, o valor que foi tido em conta é semelhante ou próximo ao que é encontrado em casos análogos.
Já razão tem a recorrente num ponto.
Não há que reduzir a indemnização; não que o tribunal “a quo” não pudesse em abstracto dar o passo, mas porque não se justifica a conclusão a que chegou.
O tribunal “a quo”, entendeu o seguinte:
«(…)
Nos termos do art.º 4.º do RRCE, “quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, (...) cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Trata-se da consagração do princípio da concorrência de culpas, equivalente ao disposto no art.º 570.º do Código Civil.
Para este efeito, necessário se torna verificar se, à luz da factualidade provada, a A., com o seu comportamento, também contribuiu culposamente para a produção ou agravamento dos danos invocados, em termos de causalidade adequada.
Ora, resultou provado que, logo que deu pela falta do veículo, o sócio e funcionário da A. utilizou o serviço “SMS Reboque”, tendo sido informado de que o veículo em questão não se encontrava registado naquele serviço e tendo sido aconselhado a dirigir-se à PSP, deslocação essa que efetuou no mesmo dia, em 14/03/2012. A PSP verificou, porém, que o veículo em questão não constava da sua base de dados e sugeriu a apresentação de participação por crime de furto, tendo sido elaborado, em conformidade, o auto de denúncia n.º NPP 122934/2012 (cfr. pontos 8, 9 e 10 dos factos provados). Daí em diante nada mais foi feito pela A. até à receção do ofício, no dia 28/03/2012, que lhe comunicou o reboque e o paradeiro da sua viatura (cfr. pontos 11 a 13 dos factos provados).
Ante o exposto, julgamos que, ao invés do alegado pela A., não foram por esta levadas a cabo todas as diligências que poderiam ter sido por si efetuadas na tentativa de localização do seu veículo, isto sem prejuízo, claro está, dos deveres que, como vimos, também impendiam sobre os serviços do R. a este respeito. Refira-se, desde logo, que a A. poderia e deveria ter-se deslocado aos serviços da Polícia Municipal P... (ou à própria Câmara Municipal P...) que, como a própria também reconhece, são os serviços competentes em matéria de regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área do município e, bem assim, em matéria de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária. Eram, pois, estes os serviços que se mostravam mais aptos a prestar a informação pretendida pela A. quanto ao paradeiro do seu veículo, pois que a ocorrência do reboque foi, aliás, a primeira possibilidade equacionada pela A., que recorreu logo, de imediato, à aplicação do “SMS Reboque”. Por outro lado, se é certo que a A. foi aconselhada por esta aplicação, meramente informativa, a dirigir-se à PSP que, por sua vez, sugeriu a participação por crime de furto, tais circunstâncias não excluem a conclusão de que a A., de acordo com as regras da experiência comum e atendendo à diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, deveria ter também contactado aqueles outros serviços (Polícia Municipal), assim também contribuindo para que a situação de desconhecimento do paradeiro do seu veículo não se tivesse protelado durante 15 dias, até à receção do ofício em 28/03/2012 (proveniente, aliás, da Polícia Municipal P...). Acresce que não foram invocados quaisquer motivos impeditivos dessa averiguação junto das autoridades competentes.
Assim, estão preenchidos os requisitos de que depende a verificação da culpa do lesado, nos termos do art.º 4.º do RRCE e do art.º 570.º do Código Civil: (i) o comportamento da A. constituiu uma causa do dano, segundo os mesmos princípios de causalidade adequada aplicáveis ao agente lesante, porquanto se revelou também uma condição do agravamento do dano (privação do veículo); (ii) esse comportamento, nas circunstâncias do caso, é imputável à A. a título de culpa (negligência), uma vez que se pressupunha a exigibilidade de uma outra conduta, mais ativa junto das autoridades competentes, de modo a evitar que o dano se tivesse agravado (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/09/2015, proc. n.º 00095/11.5BEVIS, publicado em www.dgsi.pt).
Face a tudo o que antecede, considerando que ambas as partes concorreram para a ocorrência do dano (privação do veículo durante 15 dias) e atendendo à gravidade das respetivas culpas e às consequências daí resultantes no que concerne aos prejuízos sofridos, julga-se adequada a repartição de culpas entre a A. e o R. em idêntica proporção (50%/50%), o que terá reflexos na obrigação de indemnizar, como veremos infra.
(…)».
Julga-se que outro deverá ser o juízo.
Efectivamente, não nos parece que se possa afirmar um qualquer contributo de inacção imputável à autora.
O sócio e funcionário da autora consultou o serviço “SMS Reboque”, tendo sido informado de que o veículo em questão não se encontrava registado naquele serviço e tendo sido aconselhado a dirigir-se à PSP.
Ora, a disponibilidade desse específico serviço visa precisamente, informar, de forma eficiente e que se espera sem erro; sendo razoável a suposição por banda de um interessado de que esse seja um serviço de pronto actualizado; concomitantemente evitando deslocações que sejam desnecessárias ou induzidas por erro; dada resposta negativa, foi ainda seguido o conselho dado, sem melhor sorte junto da PSP.
Podia a autora efectuar/repetir diligências.
Mas não se pode concluir que não tivesse sido diligente e que mais fosse exigível.
Donde, nesta parte, haverá que indemnizar pelo dano de privação do uso no total do “quantum” indemnizatório, que se cifra em € 225,00 (€ 15,00 diários x 15 dias).
Também razão tem a recorrente noutro ponto.
O tribunal “a quo” julgou «quanto às despesas com o patrocínio judiciário, não obstante perfilharmos o entendimento de que, no domínio do contencioso administrativo em que o mandato judicial é obrigatório, as despesas correspondentes aos honorários de advogado podem constituir um dano indemnizável, enquadrado num pedido autónomo, é, antes de mais, necessário que se verifiquem, também quanto ao mesmo, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado por atos ilícitos (cfr., por todos, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08/05/2014, proc. n.º 08642/12, publicado em www.dgsi.pt).
Constata-se porém, que a A. se refere de modo genérico e vago à ocorrência de tais danos, nem sequer os discriminando (através da alegação das concretas atuações da mandatária que estão na base das despesas peticionadas), nem os quantificando, apenas afirmando que tais despesas serão determinadas ou liquidadas a final. Ora, ainda que se considere que os danos resultantes de despesas com honorários de advogado são danos patrimoniais, a verdade é que a A. não alega, e muito menos prova, que suportou as despesas com advogado, nem alega as circunstâncias de tempo e de lugar em que terão ocorrido as intervenções do seu advogado, a sua justificação e o tempo gasto com cada uma delas. Daí que também estes invocados danos não possam ser ressarcidos nesta sede.».
O óbice, presumindo-se o mandato oneroso, e estando documentadas as intervenções - pelo menos as do processo (e só essa sede aqui atendível, pois só aí obrigatório o patrocínio) -, acaba por se resumir a uma falta de liquidez; não que nada haja de dano, apenas a falta de (mais completos) elementos para quantificação.
Pelo que a relegar para liquidação.
***
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, condenando o réu a pagar à autora a quantia de € 225 (duzentos e vinte e cinco euros), sobre a qual acrescem juros de mora a contar da data da citação e até integral pagamento, mais condenando ao pagamento de honorários que sejam fixados em subsequente liquidação, e no mais mantendo o decidido.
Custas: pela recorrente e recorrido, na proporção do vencimento/decaimento.
Porto, 12 de Julho de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Alexandra Alendouro