Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00500/16.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECLAMAÇÃO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DA PROVA E ALEGAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DE MEIOS ECONÓMICOS
CULPA
ARTIGO 60.º, N.º 7 DA LGT
Sumário:I. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no último segmento da norma.
II O excesso de pronúncia pressupõe um julgamento para além do conhecimento que foi pedido ao julgador pelas partes.
III. Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
IV. O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar. Cumulativamente com um destes pressupostos, o Requerente tem ainda que provar que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade.
V. O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT).
VI. Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
VII. Não obstante o requisito cumulativo respeitar a factos negativos, o Requerente não está desonerado da prova de que a insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade (artigo 52.º, n.º 4 da LGT), embora sujeito a uma menor exigência, não bastando meras considerações genéricas.
VIII. Do disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária depreende-se uma intenção legislativa no sentido de conferir aos contribuintes uma efectiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.
IX. Contudo, se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:I..., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

I…, Lda., NIPC 5…, com sede na Avenida…, Campo de Besteiros, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 09/01/2017, que julgou improcedente a reclamação formulada contra a decisão, proferida em 26.08.2016, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, para suspensão do processo de execução fiscal n.º 2704201401017411, que corre termos no Serviço de Finanças de Tondela.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A) A Recorrente apresentou reclamação judicial, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e seguintes do CPPT, do despacho do Exmo. Senhor Director de Serviços de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Viseu, nos termos do qual se indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal n.º 2704201401017411;
B) No âmbito da reclamação judicial apresentada, alegou e demonstrou a Recorrente a verificação de todos os requisitos previstos no n.º 4 do art.º 54.º da LGT, nomeadamente os requisitos alternativos de verificação de prejuízo irreparável e manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda, bem como, à cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio, o requisito cumulativo de que tal insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade;
C) Sem prejuízo, conforme resulta da matéria de facto dado como provada pela Douta Sentença recorrida, em particular dos pontos IV.1.17 a IV.1.22, a Autoridade Tributária indeferiu o pedido de dispensa de garantia com exclusivo fundamento na alegada falta de demonstração pela Recorrente, de que, à data do pedido de dispensa de garantia, se verificava o requisito de insuficiência patrimonial;
D) Com efeito, da proposta de indeferimento do pedido de dispensa de garantia (cfr. informação referida no ponto IV.17 da Douta Sentença recorrida) resulta uma mera referência no sentido de que, no âmbito de um primeiro despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, proferido em 2 de Julho de 2014, e reproduzido no ponto IV.11 da Douta Sentença recorrida, a Recorrente não logrou provar a ausência de culpa pela insuficiência de bens, contudo, tal despacho foi, entretanto, objecto de anulação na sequência da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito do processo n.º 518/14.8BEVIS;
E) Assim, o ulterior despacho proferido na sequência da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito do processo n.º 518/14.8BEVIS, ou seja, o referido despacho mencionado no ponto IV.17 da Douta Sentença recorrida, o qual consubstanciou uma mera proposta de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, na medida em que foi concedida a possibilidade de a Recorrente se pronunciar sobre o mesmo, nos termos do art.º 60.º da LGT, não se voltou a pronunciar sobre tal requisito;
F) Acresce que, na sequência do Direito de Audição exercido pela Recorrente, referido no ponto IV.20 da Douta Sentença recorrida, a Recorrente veio demonstrar (nos artigos 91.º e seguintes) a verificação do requisito de ausência de culpa pela insuficiência patrimonial, sendo que, aquando do despacho definitivo de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, objecto de reclamação, referido nos pontos IV.21 e IV.22 da Douta Sentença recorrida, é, uma vez mais, manifesta a ausência de qualquer análise ou referência quanto à verificação ou não do requisito em questão;
G) Neste sentido, interpretando o teor do despacho reclamado (pontos IV.21 e IV.22 da Douta Sentença recorrida), a única leitura possível do mesmo é esta: a Autoridade Tributária indeferiu o pedido de dispensa de garantia por considerar que a Recorrente não provou a insuficiência patrimonial, logo, a análise do pressuposto cumulativo, ou seja, a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade da Recorrente, tornou-se, na economia do despacho proferido, inútil e, como tal, prejudicada (embora o despacho reclamado não o tenha dito expressamente);
H) Por este motivo, no âmbito da reclamação judicial apresentada, a Recorrente apenas alegou e demonstrou a verificação do pressuposto de que tal insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade à cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio;
I) Ora, na medida em que a Douta Sentença recorrida parte do pressuposto de que o despacho reclamado “indeferiu o pedido de dispensa de garantia, por considerar não demonstrado o pressuposto da falta de meios económicos e ainda a ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens” (destaque nosso), incorreu em manifesto erro de julgamento de facto;
J) Partindo deste pressuposto de facto erróneo e desmentido pela prova produzida nos autos, a Douta Sentença recorrida acaba por limitar a sua análise ao requisito relacionado com a ausência de culpa da Recorrente e dos seus responsáveis pela insuficiência de bens, reconhecendo, por um lado, que a Recorrente se encontra, efectivamente, num estado de insuficiência patrimonial, ao contrário do que resulta do despacho reclamado, mas, por outro lado, concluindo no sentido de que não foi provado pela Recorrente o pressuposto de ausência de culpa pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra;
K) Assim, a Douta Sentença recorrida, ao sustentar as suas conclusões com base num pressuposto de facto errado, incorreu em erro de julgamento e erro de apreciação da prova;
L) Por outro lado, na medida em que a Douta Sentença recorrida, após ter confirmado que a Recorrente se encontra numa situação de insuficiência patrimonial, dando, nesta parte, razão à Recorrente, conclui pelo acerto do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia com base na análise da verificação de um requisito que a Autoridade Tributária jamais analisou, incorre em vício de excesso de pronúncia, o que constitui causa de nulidade;
M) Como resulta do Douto Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 21 de Março de 2013, no âmbito do processo n.º 2077/12.7BEPRT, “Não era legalmente admissível, nesta sede, ao Mmo. Juiz analisar o acerto, ou desacerto, do despacho de indeferimento do pedido de isenção de garantia com base na análise da verificação de um requisito que a Administração jamais analisou - no caso, repete-se, nunca o órgão de execução fiscal apreciou e decidiu sobre a (ir)responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência dos bens” (destaque e sublinhado nosso);
N) Ainda de acordo com o entendimento sufragado no referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21 de Março de 2013, no âmbito do processo n.º 2077/12.7BEPRT, a competência para conhecer do pedido de dispensa de garantia é sempre e exclusivamente do órgão de execução fiscal, como se conclui do disposto no n.° 4 do artigo 52.º da LGT, motivo por que «não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela (...) não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação das valorações que integram nessa margem [de livre apreciação]” (destaque nosso);
O) Na medida em que o único fundamento pelo qual a Autoridade Tributária indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia foi o de não ter sido apresentada prova da invocada falta de meios económicos para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não tendo avançado no conhecimento do requisito relativo à responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência ou inexistência patrimonial para o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, não podia a Douta Sentença recorrida ter avançado no conhecimento desse requisito quando a autoridade administrativa não o fez;
P) Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, designadamente, devendo declarar a nulidade da Douta Sentença recorrida por excesso de pronúncia (cfr. art.º 125.º, n.º 1, do CPPT), substituindo-se por outra em que se declare a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia por ter sido provada a situação de insuficiência patrimonial da Recorrente para a prestação de garantia;
Q) A não se entender assim, e como resulta do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21 de Março de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 2077/12.7BEPRT, mais não teríamos que o Tribunal a substituir-se à Administração Fiscal, a praticar administração activa, a decidir, pela primeira vez, sobre um requisito de dispensa de garantia, o que, de todo, não é aceitável (destaque nosso);
R) Sem prejuízo, ainda que se entendesse que o Tribunal a quo poderia, efectivamente, substituir-se à Autoridade Tributária, o que apenas se admite à cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio, então, a Douta Sentença recorrida teria incorrido em erro de julgamento de Direito ao, aparentemente, não ter aplicado o disposto no n.º 4 do art.º 52. da LGT na redacção introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro;
S) Com efeito, de acordo com a nova redacção do n.º 4 do art.º 52.º da LGT, o legislador operou uma verdadeira inversão do ónus da prova, exigindo-se que seja a Autoridade Tributária, no caso de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, a demonstrar que se verifica o requisito cumulativo da existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”, matéria que, não tendo sido dada como provada, revela o desacerto da Douta Sentença recorrida na aplicação da citada norma, ao considerar que incumbia à Recorrente a prova de que não foi por culpa sua que o seu património se tornou insuficiente, quando deveria ter concluído que aquele ónus da prova competia à Autoridade Tributária.
T) À cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio, caso se entenda que resulta da prova produzida nos autos que a Autoridade Tributária analisou, no âmbito do despacho reclamado, o requisito referente à responsabilidade da Recorrida pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra, e que conclui pela falta de prova de ausência de tal responsabilidade, então, com o devido respeito, a Douta Sentença recorrida, ao decidir no sentido de que a Recorrente não fez prova deste pressuposto, fez uma errada valoração da matéria factual, incorrendo novamente num manifesto erro de julgamento quanto à matéria de facto;
U) Desde logo, e como resulta da matéria de facto provada nos autos, em particular os factos dados por provados nos pontos IV.17, IV.18, IV.20 e IV.21 da Douta Sentença recorrida, e como alegado pela Recorrente nos artigos 53.º a 69.º, 84.º a 97.º e 226.º a 260.º, todos da p.i., a Recorrente nunca dispôs de um valor total de activo que lhe permitisse, desde a sua constituição, no momento da apresentação do pedido de dispensa de garantia, no momento em que foi notificada para exercer o seu Direito de Audição na sequência da proposta de indeferimento da dispensa de garantia, ou neste momento, apresentar uma garantia para suspender o processo de execução fiscal n.º 2704201401017411;
V) Nos termos da Lei a insuficiência patrimonial deve ser aferida por referência ao montante da garantia exigida para suspender o processo de execução fiscal, pelo que, ao contrário do que parece resultar da Douta Sentença recorrida, a insuficiência patrimonial em que a Recorrente se encontra para prestar uma garantia do montante que vem exigido no âmbito do processo de execução fiscal nunca poderia ter sido causada ou evitada pela Recorrente, não tendo origem nos resultados negativos residuais que a Recorrente vem acumulando, os quais se justificam pelo facto de a Recorrente não ter tido rendimentos desde a sua constituição;
W) Considerando que a Recorrente, desde a sua constituição, nunca gerou rendimento, resulta evidente que o “depauperamento” da sua situação financeira global, traduzida em sucessivos resultados residuais negativos de exercício, não é causa da insuficiência de bens para garantir o montante que lhe é exigido no âmbito do processo de execução fiscal, pelo que, naturalmente, não pode ser assacada à Recorrente qualquer responsabilidade pela insuficiência de património (para garantia tendo por finalidade a suspensão de processo de execução fiscal) que nunca teve;
X) Ficou provado nos autos que a situação de insuficiência patrimonial não adveio de uma qualquer conduta culposa praticada com o intuito de diminuir a garantia dos credores, sendo evidente que a Recorrente não se colocou deliberada e conscientemente numa situação de insuficiência patrimonial, de modo a inviabilizar a realização de penhora ou prestação de garantia com fundamento, precisamente, nessa insuficiência de bens;
Y) Ao contrário do que resulta da Douta Sentença Recorrida, a Recorrente não se limitou a argumentar “de uma forma geral e abstracta” os motivos pelos quais o seu património é insuficiente para a prestação da garantia exigida tendo por finalidade a suspensão do processo de execução fiscal, tendo, pelo contrário, apresentado prova concreta e razões objectivas que justificam o porquê de não dispor de meios suficientes para prestar tal garantia;
Z) Com efeito, o montante de imposto exigido no âmbito do processo de execução fiscal resultou de uma correcção ao resultado fiscal (e não contabilístico) da Recorrente, em sede de preços de transferência, nos termos do art.º 63.º do Código do IRC;
AA) No entanto, a Requerente sempre sustentou, e continua a sustentar, que a Autoridade Tributária procedeu a uma aplicação ilegal das regras em sede de preços de transferência, o que levou à realização de um ajustamento que não corresponde à realidade jurídico-fiscal inerente às operações objecto de ajustamento, pelo que a Recorrente apresentou a competente Reclamação Graciosa sobre a Liquidação de IRC n.º 2013 8310014974, relativa ao exercício de 2011 (cfr. Documento 14 da p.i.), e subsequente Recurso Hierárquico (cfr. Documento 15 da p.i.), onde justificou as circunstâncias em que as operações foram realizadas;
BB) A (i)legalidade da Liquidação de IRC n.º 2013 8310014974, relativa ao exercício de 2011, que esteve na génese do processo de execução fiscal n.º 2704201401017411, ainda se encontra em discussão;
CC) Face ao exposto, e ao contrário do que resulta da Douta Sentença recorrida, a Recorrente demonstrou as reais causas da insuficiência ou inexistência de bens para garantia do montante em cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal;
DD) Assim, mal andou a Douta Sentença recorrida ao decidir da forma que o fez, isto porque, precisamente, a Recorrente demonstrou as causas pelas quais a insuficiência ou inexistência de bens não lhe pode ser imputável, não tendo a Autoridade Tributária, no âmbito do Douto Despacho reclamado, feito qualquer “prova positiva da concorrência da sua [da Recorrente] actuação para a verificação daquele resultado
EE) Face a tudo o exposto, resultando provado nos autos (pontos IV.17, IV.18, IV.20 e IV.21 da Douta Sentença recorrida) que a Recorrente demonstrou que a insuficiência ou inexistência de bens para a prestação da garantia exigida não lhe pode ser imputável, a Douta Sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento e erro de apreciação da prova, pelo que deverá a mesma ser objecto de revogação, com todas as legais consequências, nomeadamente a procedência da reclamação apresentada pela ora Recorrente com a consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia;
FF) Caso se entenda que resulta da prova produzida nos autos que a Autoridade Tributária analisou, no âmbito do despacho reclamado, o requisito referente à responsabilidade da Recorrida pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra, e que conclui pela falta de prova de ausência de tal responsabilidade, e ainda caso se considere que bem andou a Douta Sentença recorrida ao decidir no sentido de que a Recorrente não fez qualquer prova deste pressuposto, o que apenas se admite à cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio, então, sempre se deverá considerar que mal andou a Douta Sentença recorrida ao não ter decidido a ilegalidade do despacho reclamado por violação do disposto no n.º 7 do art.º 60.º da LGT;
GG) Com efeito, no que se refere, em particular, à demonstração do requisito de falta de responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência patrimonial, e ainda que se entenda que, no âmbito da proposta de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, a Autoridade Tributária tivesse já analisado a alegada falta de prova de tal requisito, o que, repete-se, apenas se admite à cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio, resulta que, apenas na sequência do exercício do direito de audição, cujo teor se deu por reproduzido no ponto IV.20 da Douta Sentença recorrida, veio a Recorrente, alegar e provar a verificação do requisito em questão;
HH) Contudo, como resulta da matéria de facto dada por provada, nomeadamente no ponto IV.21 e IV.22 da Douta Sentença recorrida, a Autoridade Tributária fez tábua rasa quanto aos elementos factuais novos aduzidos pela Recorrente, omitindo qualquer valoração e apreciação dos mesmos na fundamentação da decisão final, a qual é totalmente omissa no que se refere ao pressuposto de ausência de responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra;
II) A Douta Sentença recorrida, ao considerar que o despacho reclamado analisou os factos alegados pela Recorrente aquando do exercício do Direito de Audição, referentes ao pressuposto de ausência de responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra, incorreu, assim, em erro de julgamento e erro na apreciação da prova;
JJ) Em consequência, impõe-se a revogação da Douta Sentença recorrida, concluindo-se pela violação pela Autoridade Tributária do disposto no art.º 60.º, n.º 7, da LGT, que impõe que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes sejam tidos em conta obrigatoriamente na fundamentação da decisão;
KK) Acresce que, ao contrário do que sustenta igualmente a Douta Sentença recorrida, não é possível concluir da p.i. da Recorrente que esta tenha percebido “porque a Administração Tributária não dispensou a prestação de garantia”, desde logo, porque, como resulta de forma absolutamente cristalina da p.i. da Recorrente, em particular dos artigos 46.º, 82.º e 226.º, esta manifestou, por diversas vezes, a sua convicção de que o despacho reclamado nada dispunha relativamente ao requisito de inexistência de culpa da Recorrente e dos seus responsáveis pela insuficiência de bens para prestar a garantia exigida para suspender o processo de execução fiscal;
LL) Assim sendo, não obstante a Autoridade Tributária ter formalmente dado início ao procedimento de audição da Recorrente, do ponto de vista material deparamo-nos com o incumprimento da formalidade inserta no n.º 7 do art.º 60.º da LGT, que se revela, no caso, essencial, tornando, igualmente, inaplicável o princípio do aproveitamento do acto administrativo;
MM) A Douta Sentença recorrida enferma assim de nulidade por vício de excesso de pronúncia e de diversos erros de julgamento, tendo violado o disposto, entre outros, nos artigos 52.º, n.º 4 e 60.º, n.º 7, ambos da LGT.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, designadamente,
(i) Declarando-se nula a Douta Sentença recorrida por excesso de pronúncia (cfr. art.º 125.º, n.º 1, do CPPT), substituindo-se por outra em que se declare a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por ter sido provada a situação de insuficiência patrimonial da Recorrente para a prestação de garantia; ou, subsidiariamente,
(ii) Revogando-se a Douta Sentença recorrida por erro de julgamento de Direito na aplicação do n.º 4 do art.º 52.º da LGT, com todas as legais consequências, nomeadamente a procedência da reclamação apresentada pela ora Recorrente com a consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia; ou, subsidiariamente,
(iii) Revogando-se a Douta Sentença recorrida por erro de julgamento, em virtude de a Recorrente ter provado a ausência de responsabilidade pela situação de insuficiência patrimonial, com todas as legais consequências, nomeadamente a procedência da reclamação apresentada pela ora Recorrente com a consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia; ou, subsidiariamente,
(iv) Revogando-se a Douta Sentença recorrida por erro de julgamento, por não considerar que o despacho reclamado violou o n.º 7 do art.º 60.º da LGT, com todas as legais consequências, nomeadamente a procedência da reclamação apresentada pela ora Recorrente com a consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, se incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e saber se o tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar que a reclamante, ora recorrente, não fez prova dos pressupostos de que depende a dispensa da prestação da garantia e por não considerar que o despacho reclamado violou o n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT).

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos:
1. Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs OI201200905 de 11.10.2012 e OI201300264 de 15.02.2013, a Reclamante foi objeto de uma ação de inspeção, de âmbito geral, aos exercícios dos anos 2010 e 2011, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu, na qual foi elaborado o relatório final constante de fls. 54/93 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. No âmbito da referida ação inspetiva, foram determinadas correções à matéria coletável, em sede de IRC, através de métodos diretos, no valor de € 569.517,00 euros, para o ano de 2010, e de € 2.524.500,00 euros, para o ano de 2011. – Cfr. fls. 54/93 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. Na sequência da referida ação inspetiva, foram emitidas as seguintes liquidações:
- Liquidação n.º 2013 8310014964, referente a IRC do exercício de 2010 e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 157.851,72 euros;
- Liquidação n.º 2013 8310014974, referente a IRC do exercício de 2011 e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 720.866,70 euros. – cfr. fls. 193 e 187 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Em 10.03.2014, o Serviço de Finanças de Tondela instaurou o processo de execução fiscal n.º 2704201401017411, para cobrança coerciva da dívida de IRC do ano de 2011 e acrescido no montante global de € 720.866,70 euros. – Cfr. fls. 1 e ss. do CD-R com cópia autenticada do processo de execução fiscal 2704201401017411, doravante PEF, junto a fls. 298 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Em 11.03.2014, a Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças de Tondela, o requerimento para prestação de garantia, para efeitos de obtenção da suspensão do processo de execução fiscal, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 195 do processo físico, doravante PF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual formulou os seguintes pedidos:
“(…)
Termos em que requer a V. Exa. se digne:
A. Ordenar a notificação do montante da garantia a prestar pela Contribuinte; e,
B. Aceitar o penhor das ações detidas pela Contribuinte, no valor nominal de € 25.500,00, correspondente a uma participação de 51% no capital social da B…, S.A., com o número de ordem de registo de 1 a 17, 47 a 50, 53 a 55 e, individualmente, numeradas de 00001 a 00100, 03501 a 05500, 07001 a 10000;
e,
C. Aceitar o penhor da Licença de Estabelecimento emitida pela Direção Geral de Energia e Geologia, nos termos do Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio, e legislação subsequente, incluindo o Decreto-Lei n.º 225/2007, de 31 de maio, para uma Central termoelétrica com um limite de potência máxima a injetar na rede pública de 5.376 KV; ou, a título subsidiário,
D. Reconhecer o direito da Contribuinte à dispensa da prestação de garantia, ao abrigo do disposto no art.º 52.º da LGT e do artº 199.º, n.º 3 do CPPT; e, em qualquer dos casos,
E. Ordenar a suspensão dos processos de execução fiscal que venham a ser instaurados na sequência da falta de pagamento voluntário do montante de imposto e acrescido resultante das liquidações de IRC n.ºs 2013 8310014969 e 2013 8310014974.
(…)”.
6. Em anexo ao requerimento referido na alínea que antecede juntou sete documentos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 199 e ss. do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Em 09.04.2014, o Serviço de Finanças de Tondela endereçou à Direção de Finanças de Viseu o ofício n.º 487, constante de fls. 28 do PEF, com o seguinte teor:
- imagem omissa -
8. Em 16.04.2014, o Serviço de Finanças de Tondela remeteu à Direção Geral de Energia e Geologia o ofício n.º 494, constante de fls. 29/30 do PEF, com o seguinte teor:
“(…)


9. Através do ofício n.º 4007, de 03.06.2014, a Divisão de Justiça da Direção de Finanças de Viseu remeteu ao Serviço de Finanças de Tondela, informação emitida nos termos do artigo 15.º do CIS, referente à avaliação das ações oferecidas pela Reclamante em garantia, da qual consta:
- imagem omissa -
- Cfr. fls. 31 e ss. do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Pelo Serviço de Finanças de Tondela foi emitida a informação constante de fls. 48 e ss. do PEF, com o seguinte teor: “(…)
- imagem omissa -
11. Sobre a informação referida em 10. recaiu despacho do Chefe do Serviço de Finanças, em regime de substituição, emanado em 02.07.2014, com o seguinte teor: “(…)

- Cfr. fls. 50 do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
12. A reclamante foi notificada do despacho a que se alude em 11., em 04.07.2014, através do ofício n.º 680, de 02.07.2014. – Cfr. fls. 51 do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
13. Em 11.08.2014, o Sr. Diretor de Finanças de Viseu proferiu o seguinte despacho:

(…)”. – Cfr. fls. 53 do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. A Reclamante foi notificada do despacho mencionado em 13., na pessoa do seu mandatário judicial, pelo ofício n.º 817, de 13.08.2014. – Cfr. fls. 54 do PEF cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. A Reclamante apresentou reclamação do despacho proferido em 11. neste Tribunal, que correu seus termos sob o n.º de processo 518/14.8BEVIS, na qual foi proferida sentença em 28.11.2014, que determinou a anulação do despacho de 02.07.2014, por não ter sido dada oportunidade à Reclamante de exercer o seu direito à audição prévia. – Cfr. fls. 216/229 do processo físico, doravante PF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16. A Fazenda Pública apresentou recurso da sentença referida em 15., para o Tribunal Central Administrativo Norte, no qual foi proferido acórdão, em 26.01.2015, que negou provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão judicial recorrida. – Cfr. fls. 231/246 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Em 10.05.2016, foi elaborada a informação pelo Técnico Tiago…, constante de fls. 248.ºV.º e ss. do PF, na qual se aprecia o requerimento referido em 5., para cujo teor se remete, dando-se aqui por integralmente reproduzido, e da qual se transcreve o seguinte:
“(…) Por sentença proferida em 2014.11.28 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito do 518/14.SBEVIS, foi julgada procedente a reclamação apresentada pela executada I…, LDA, NIPC 5…, na sequência do despacho de indeferimento da garantia apresentada no processo de execução fiscal n.º 2704201401017411.
Interposto recurso da decisão por parte da Representante da Fazenda Nacional foi o mesmo julgado improcedente por decisão proferida no Tribunal Administrativo Central Norte, em 2015.02.26, confirmando-se assim a sentença da 1.ª instância.
Tal decisão conduziu à anulação do despacho proferido pelo Sr. Diretor de Finanças, em 2014.08.11, que havia sancionado o indeferimento da garantia oferecida pela executada, impondo-se, assim, a análise das conclusões formuladas nas decisões judiciais com vista à reapreciação do pedido.
Pelo que, tendo presente toda a factualidade já dada como provada, em conjugação com a informação mais recente respeitante à executada e à garantia oferecida entretanto obtida, cumpre informar: (…)
Como decorre dos factos, a executada, logo que verificada a instauração da execução fiscal, apresentou requerimento a manifestar a intenção de reclamar das liquidações adicionais de IRC, apuradas na sequência da inspeção aos exercícios de 2010 e 2011. Indicando, para efeitos de garantia, o penhor sobre a participação que detém no capital social da B…, SA, NIPC 5…, a licença de estabelecimento emitida pela DGEG para a instalação de uma central termoelétrica, requerendo ainda, a título subsidiário, a dispensa da prestação da garantia.
Do indeferimento do pedido foi apresentada reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT- Proc. 518/14.SBEVIS - que teve por efeito a anulação do despacho reclamado. Analisadas as sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 2014.11.28, e no Tribunal Administrativo Central Norte, em 2015.02.26, verifica-se que as conclusões que motivaram a procedência da reclamação se prendem com a ausência da notificação da executada para que fosse chamada a pronunciar-se antes do indeferimento da prestação da garantia, em virtude do mesmo não revestir caráter urgente, ao contrário do que sucede quanto à dispensa da prestação.
“Concluindo a Administração Tributária que os bens oferecidos em garantia não possuíam qualquer valor, após a realização de diligências junto dos serviços de inspeção e da Direção Geral de Energia e Geologia enquanto entidade emitente da licença de estabelecimento, deveria a executada ser notificada para exercer o seu direito de audição prévia, dando-lhe a conhecer as razões que a levariam a indeferir a sua pretensão, de modo a que a mesma pudesse tentar rebater a argumentação aduzida, nomeadamente no que concerne à (in) transmissibilidade e (im) penhorabilidade da licença de estabelecimento, como acabou por fazer no âmbito da reclamação."
Na sequência do recurso da decisão, apresentado pela Fazenda Nacional, foi a sentença confirmada pelo Tribunal Administrativo Central Norte, em 2015.02.26, concluindo que “... o ato de indeferimento no pedido de suspensão da execução fiscal mediante o penhor de bens (ações e direito de licenciamento de estabelecimento) é um ato materialmente administrativo em matéria tributária, inserido num procedimento tributário, e não um ato próprio do processo de execução fiscal, não havendo fundamento legal para ser subtraído ao escrutínio da audiência prévia, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, antes de ser proferido ... "
Concluiu também que "a recorrida podia tentar rebater a argumentação aduzida pela administração tributária para fundamentar o indeferimento da sua pretensão, nomeadamente, demonstrar o valor comercial do direito da licença de estabelecimento da central termoelétrica e o valor das ações por si oferecidos."
Não sendo "possível assegurar com inteira segurança, que o exercício do direito de audição não tinha possibilidade de influenciar a decisão final".
Das conclusões formuladas nas sentenças é, pois, forçoso extrair que a principal motivação para a procedência da reclamação foi o facto de, previamente à tomada de decisão, a executada não ter sido notificada para exercer o direito de audição prévia, através do qual poderia rebater as conclusões a que a administração tributária chegou quanto à idoneidade das garantias oferecidas.
(…)
111.3. Da dispensa da prestação de garantia
A executada solicitou ainda, a título subsidiário, que lhe fosse reconhecido o direito à dispensa da prestação de garantia ao abrigo do art.º 52.º da LGT.
Para o efeito, invocou a insuficiência de bens penhoráveis remetendo a análise para o seu balanço - única prova documental apresentada para o efeito.
Tendo presente que a executada não logrou provar, como lhe competia, que preenchia, à data do pedido, o pressuposto da falta de meios económicos e ainda a ausência de culpa pela insuficiência de bens foi também indeferido o pedido de dispensa da prestação da garantia.
Na reclamação apresentada a executada alega ter apresentado prova cabal da insuficiência patrimonial, em virtude de à data do pedido (2014.03.11) ter apresentado o Balanço reportado a 2013.12.31, onde se evidencia o ativo total de € 48.687,45, quando o crédito exequendo a garantir é de € 720.866,70 - quesitos 197.º a 219.º.
Não sendo legítimo à AT obrigar "... a reportar, diariamente, à Autoridade Tributária, a totalidade do seu património, bem como todas as obrigações a cujo cumprimento se encontra actualmente adstrita" única forma que a Reclamante estaria em condições de provar, de forma plena, a insuficiência do seu património - quesitos 220.º a 237.º. Importa desde logo referir que a executada pretendia, com tal argumentação, criar a dúvida e, em parte, imputar à Autoridade Tributária um ónus que era seu.
Com efeito, competia à executada instruir o pedido com a prova que, em 2014.03.11 (correspondente à data do pedido) - e não noutra data qualquer - não possuía património suficiente para garantia dos créditos tributários, o que não logrou fazer. Sendo certo que, tal demonstração deve, sempre que possível, ser efetuada com base em documentos externos à própria entidade, o que não sucede com as demonstrações financeiras.
Para mais quando tais demonstrações parecem padecer de erros ou incorreções, não reunindo assim as características qualitativas a que se refere a Estrutura Concetual (compreensibilidade, relevância, imaterialidade e fiabilidade).
Com efeito, da análise das demonstrações financeiras relativas ao ano de 2013 verifica-se que não ocorreram quaisquer fluxos monetários de e para a executada conforme resulta da Demonstração de Fluxos de Caixa (pág. 8 da IES relativa ao ano de 2013).
As contas de caixa e depósitos bancários ficaram saldadas em 2012.12.31, conforme se evidencia no Balanço e na Demonstração de Fluxos de Caixa, relativos àquele ano (pág. 5 e 8 da IES relativa ao ano de 2012).
Não obstante tal facto a executada contínua a registar gastos com FSE (€ 80,00 em 2013 e € 12.957,25 em 2014), com pessoal (€ 1.748,16 em 2013 e € 145,68 em 2014) e gastos financeiros (€ 3,02 em 2013 e €403,00 em 2014).
Registando-os por contrapartida da conta 27 - Outros Devedores e Credores.
Em 2012.12.31 encontravam-se registados no passivo suprimentos no valor de € 26.000,00, No decorrer do ano de 2013 o valor em causa é abatido em € 500,00 sem que que se evidencie na IES o que motivou aquela redução.
Situação idêntica se verifica com a rubrica do passivo corrente Estado e Outros Entes Públicos (Contribuições para a Segurança Social) que, em 2013.12.31, apresentava o saldo credor de € 145,68 e, em 2014, se mostra saldada sem registo de quaisquer movimentos dos meios financeiros líquidos.
Tais movimentos demonstram que a inexistência de meios financeiros líquidos contabilizados não tem impedido a executada de incorrer em gastos.
Sendo certo que também não se encontra evidenciado o recurso a financiamentos - junto de entidades financeiras ou mesmo junto dos detentores do capital social - para obtenção de tais meios.
Pelo que é forçoso concluir que a prova apresentada, além de claramente insuficiente, também não demonstra encontrar-se dotada da fiabilidade que permita representar fidedignamente a situação financeira da executada.
Saliente-se, por fim, que a executada é detida maioritariamente pela N…, SA, NIPC 5…que apresentava, em 2013.12.31, um ativo total de € 9.545.943,20 e, em 2014.12.31, um ativo no valor de € 9.356.487,43, conforme decorre das suas demonstrações financeiras relativas aos anos de 2013 e 2014.
Ativo este, passível de constituir garantia aos autos, caso a suspensão processual fosse condição necessária à obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento dos projetos que a executada (e suas subsidiárias) tinham em carteira.
IV – CONCLUSÃO
1. A participação financeira que a sociedade detém na B…, SA, NIPC 5…, avaliada de acordo com o método previsto no art.º 15.º do CIS, não apresenta qualquer valor em virtude da determinação de valor negativo por ação.
2. Pese embora se encontrar prevista a transmissão das licenças de estabelecimento/produção a mesma depende, além da autorização da entidade licenciadora, de ser concretizada em processo de reestruturação societária, de cessão de posição contratual ou entre sociedades em relação de domínio ou de grupo.
3. Sendo a transmissão promovida a pedido do titular, conforme decorre do art.º 24.º n.º 2 da Portaria n.º 243/2013, encontra-se inviabilizada a venda judicial de tal ativo.
4. Segundo informação da entidade licenciadora através do ofício 3213 de 2016.03.23 encontra –se em instrução a revogação e arquivamento da licença administrativa, em virtude do prazo para a construção Ida central se encontrar largamente ultrapassado.
5. Não foi provada a falta de meios económicos para garantia dos créditos tributários, condição necessária para a concessão da dispensa de prestação de garantia.
Pelo que, em face do exposto e das conclusões que antecedem, afigura-se-nos que deve o pedido apresentado em 2014.03.11 ser indeferido.
À consideração superior,”.
18. A informação referida em 17., mereceu o parecer emitido em 11.05.2016, pelo Chefe de Equipa Manuel… com o seguinte teor: “Visto o teor da informação prestada, com o qual concordo, sou de parecer que o pedido de aceitação da garantia oferecida, para efeitos de suspensão dos autos, deve ser indeferido em virtude de não se mostrarem preenchidos os pressupostos legais estatuídos no n.º 4 do art. 52° da Lei Geral Tributária, assim como, a titulo subsidiário, o pedido de isenção da prestação da garantia, conforme fundamentação vertida na informação e da qual me aproprio. A merecer concordância remeter-se-ia a presente informação ao SLF, para efeitos de notificação da executada, para, querendo, exercer no prazo de 10 dias o direito de audição estatuído no artigo 60º da LGT. À consideração superior.”, que foi sancionado por despacho proferido em 12.05.2016 pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Viseu José… com o seguinte teor: “Concordo. Proceda-se em conformidade com o proposto.”. – Cfr. fls. 248V.º e 249 do PF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
19. A Reclamante foi notificada do despacho referido em 18., para, querendo, exercer o seu direito de audição. – Cfr. fls. 248 do PF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. A Reclamante exerceu o seu direito de audição nos termos do requerimento constante de fls. 255 e ss. do PF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21. Em 22.06.2016, foi elaborada pelo Técnico Tiago…, a informação constante de fls. 288.ºV.º e ss. do PF, para cujo teor se remete, dando-se aqui por integralmente reproduzido, e da qual se transcreve o seguinte:
(…) IV - CONCLUSÃO
Por despacho proferido em 2016.05.12 foi projetada a decisão de indeferimento do pedido formulado em 2014.03.11, através do qual veio a executada oferecer, para efeitos de garantia, as ações que detém no capital social da B…, SA e a licença de estabelecimento que permitia a construção de uma central termoelétrica, solicitando-se ainda, a título subsidiário, o reconhecimento da dispensa da prestação da garantia.
Do despacho foi a executada notificada em 2016.05.18 para exercer o direito de audição o que veio a fazer através do documento apresentado no Serviço de Finanças de Tondela em 2016.06.02.
Os factos ora aduzidos, designadamente, a possível transmissão em conjunto dos ativos oferecidos, não são suscetíveis de alterar o sentido da decisão. Quanto aos restantes argumentos, não se traduzem em novos factos, limitando-se a executada a replicar as alegações formuladas no âmbito da reclamação judicial (que foram devidamente apreciadas no projeto de decisão) e a formular meras considerações quanto ao sentido da decisão.
Pelo que, a merecer concordância, parece-nos ser de confirmar a decisão, indeferindo-se o pedido.”.
22. A informação referida em 21., mereceu o parecer emitido em 23.06.2016, pelo Coordenador da Equipa de Apoio às Execuções Fiscais Manuel…, com o seguinte teor: “Visto o teor da informação prestada, com o qual concordo, sou de parecer que o pedido de aceitação da garantia oferecida, deve ser indeferido, porque insuficiente e inidónea, assim como o pedido de dispensa da prestação de garantia, para efeitos de suspensão dos autos, em virtude de não se mostrarem preenchidos os pressupostos legais estatuídos no n.º 4 do art. 52° da Lei Geral Tributária, conforme fundamentação vertida na informação e da qual me aproprio. A merecer concordância remeter-se-ia a presente informação ao SLF, para efeitos de notificação da executada. À consideração superior.”, que foi sancionado por despacho proferido em 26.08.2016 pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Viseu José… com o seguinte teor: “Concordo, pelos fundamentos invocados, com o indeferimento proposto. Remeta-se ao SFL competente, para efeitos de notificação do executado.”. – Cfr. fls. 288V.º, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
23. A Reclamante foi notificada do despacho referido em 22., pelo ofício n.º 1285 de 06.09.2016. – Cfr. fls. 288 do PF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
IV.2. Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
IV.3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e ao processo administrativo apenso, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de elementos de prova que confirmassem a sua veracidade.”
*
2. O Direito

A Recorrente começa por sustentar que o tribunal recorrido conheceu questão de que não podia tomar conhecimento, pelo que a sentença padece de nulidade.
A sentença deve conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Segundo o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões, de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37.
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no último segmento da norma.
A Recorrente sustenta que a sentença recorrida conclui pelo acerto do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia com base na análise da verificação de um requisito que a Autoridade Tributária jamais analisou, incorrendo em vício de excesso de pronúncia, o que constitui causa de nulidade.
Na verdade, a sentença recorrida julgou improcedente a presente reclamação, dado que a dispensa da prestação de garantia não depende da verificação de um dos dois pressupostos, ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens, não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
Não tendo a Reclamante feito qualquer prova deste último pressuposto, que por ser cumulativo, tem como consequência a falta de demonstração dos pressupostos necessários para ser concedida a dispensa da prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos nos artigos 52.º, n.º 4 da LGT, 170.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do CPPT.
Efectivamente, conforme decorre da petição inicial, com a presente reclamação a Recorrente pretendia eliminar da ordem jurídica a decisão, proferida em 26/08/2016, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, por violar o disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e 169.º e 170.º do CPPT, por violar o dever legal de fundamentação, nos termos do artigo 77.º da LGT, e do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT.
O tribunal recorrido conheceu todos os vícios imputados ao acto em crise. E, a propósito do erro nos pressupostos, quanto aos requisitos da dispensa de garantia previstos no artigo 52.º, n.º 4 da LGT, concentrou-se na análise do preenchimento do pressuposto cumulativo: que a insuficiência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção. É precisamente quanto a este aspecto que a Recorrente enfatiza ter havido excesso de pronúncia por parte da Meritíssima Juíza “a quo”.
Efectivamente, o tribunal não pode conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, mas apenas sindicar a legalidade da decisão do mesmo. E o tribunal recorrido limitou-se a apreciar os vícios imputados ao acto decisório, não tendo avançado no conhecimento de requisitos dessa dispensa que não tenham sido objecto de conhecimento pelo órgão de execução fiscal. Não temos dúvidas que a decisão reclamada também se referiu ao requisito cumulativo.
Vejamos.
Conforme consta do ponto 5 da factualidade apurada, em 11.03.2014, a Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças de Tondela, requerimento para prestação de garantia, para efeitos de obtenção da suspensão do processo de execução fiscal, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 195 a 198 do processo físico, tendo solicitado, a título subsidiário, a dispensa da prestação de garantia, para a eventualidade de o órgão de execução fiscal considerar os bens oferecidos em penhor insuficientes. Ou seja, o único fundamento invocado no requerimento da aqui Recorrente, tendo em vista a dita dispensa, prende-se com o requisito da insuficiência de bens penhoráveis, remetendo para prova documental – o seu Balanço contabilístico.
Na informação que viria a sustentar o projecto de decisão sobre este requerimento, indicada no ponto 10 do probatório, diz-se o seguinte: “(…) a executada alega a falta de meios económicos para prestar garantia (a indicação no requerimento que os bens oferecidos em penhor não deverão ser suficientes tem subjacente essa mesma insuficiência), sem no entanto sustentar essa alegação com prova documental suficiente, nem se pronunciar (ou provar) a falta de culpa pela situação de insuficiência de bens em que se encontra. (…) Já no que diz respeito à falta de culpa da executada e dos seus responsáveis pela insuficiência de bens, a requerente não apresentou qualquer argumentação nesse sentido, nem juntou qualquer documentação de prova referente a essa matéria, pelo que também este pressuposto não se pode considerar como provado. (…)”.
A informação que serve de base à decisão que determina o exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT, constante do ponto 17 da decisão da matéria de facto, também se refere expressamente ao pressuposto cumulativo da dispensa: “(…) Tendo presente que a executada não logrou provar, como lhe competia, que preenchia, à data do pedido, o pressuposto da falta de meios económicos e ainda a ausência de culpa pela insuficiência de bens foi também indeferido o pedido de dispensa da prestação da garantia. (…)”
E é por isso que no exercício do seu direito de audição a aqui Recorrente dedica os artigos 91.º a 97.º da sua peça à alegação de evidência da demonstração de ausência de culpa pela insuficiência de bens para prestar a garantia exigida para suspender o processo de execução fiscal – cfr. ponto 20 da decisão da matéria de facto.
A decisão final de indeferimento apropriou-se dos fundamentos constantes da informação elaborada em 22/06/2016, que procedeu à análise dos argumentos e elementos carreados pela Recorrente em sede de audição prévia – cfr. pontos 21 e 22 do probatório. Aqui, além de se salientar o facto de a prova quanto à insuficiência patrimonial não se dever limitar às demonstrações financeiras, mas, sempre que possível, ser efectuada com base em documentos externos à própria entidade (o que não ocorreu); também houve referência à invocação de evidência de demostração de ausência de culpa pela insuficiência de bens para prestar a garantia exigida, tendo-se mencionado que “(…) quanto aos restantes argumentos, não se traduzem em novos factos, limitando-se a executada a replicar as alegações formuladas no âmbito da reclamação judicial (que foram devidamente apreciadas no projecto de decisão) e a formular meras considerações quanto ao sentido da decisão. Pelo que, a merecer concordância, parece-nos ser de confirmar a decisão, indeferindo-se o pedido. (…)” – cfr. ponto 21 e a decisão final de concordância no ponto 22 do probatório. Isto é, a confirmação da decisão proposta à consideração superior refere-se ao projecto de decisão, onde também aí havia conhecimento expresso do pressuposto cumulativo (ausência de culpa na insuficiência patrimonial).
Nesta conformidade, não se verifica qualquer erro nos pressupostos de facto em que assentou a sentença recorrida, dado que a decisão final confirmou o projecto de decisão que havia considerado que os documentos apresentados não demonstram a ausência ou insuficiência do património da Reclamante e propunha o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, por considerar não demonstrado o pressuposto da falta de meios económicos e ainda da ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens.
Apenas uma precisão: na sentença recorrida afirma-se ter sido o Director de Finanças de Viseu que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, com esses fundamentos. Todavia, essa, que havia sido a decisão final, foi eliminada da ordem jurídica, no âmbito do processo n.º 518/14.8BEVIS – cfr. pontos 15 e 16 do probatório, tendo permanecido o projecto de decisão. A informação elaborada em 10/05/2016 (cfr. ponto 17 do probatório) repesca todos os fundamentos constantes da anterior informação que serviu de sustentação à decisão anulada (cfr. ponto 10 do probatório), por isso se entende que permaneceu na ordem jurídica o projecto de decisão. E, por constar do projecto de decisão a menção à falta do requisito da ausência de culpa na insuficiência do património, a Recorrente, em exercício do seu direito de audição, pronunciou-se acerca deste fundamento de indeferimento. Entendendo-se, assim, que a nova decisão final foi proferida, em 26/08/2016, pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Viseu (e não pelo Director de Finanças de Viseu), conforme é patente na decisão da matéria de facto, pelo que nenhuma correcção há a efectuar ao seu ponto 22.
Sendo esta decisão final, agora em crise, confirmativa do projecto de decisão, não residem dúvidas que na mesma foi considerado que os documentos apresentados não demonstram a ausência ou insuficiência do património da Reclamante e indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, por considerar não demonstrado o pressuposto da falta de meios económicos e ainda da ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens.
Aqui chegados, forçoso é concluir que a sentença recorrida se limitou a sindicar o acto reclamado, tendo tido por objecto o que foi apreciado no mesmo.
A competência para conhecer do pedido de dispensa de garantia é sempre e exclusivamente do órgão de execução fiscal, como se conclui do disposto no n.º 4 do artigo 52º da LGT, motivo por que «não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a actividade deste de resumir-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação das valorações que integram nessa margem [de livre apreciação]» - Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao art. 52.º, pág. 429.
Também quanto ao pressuposto cumulativo a sentença recorrida se limitou a verificar se a AT o apreciou e considerou devidamente, sindicando a legalidade da decisão sobre o pedido de dispensa de prestação da garantia.
Assim, o tribunal recorrido limitou-se a articular o vertido na petição inicial com as conclusões apresentadas, nos termos do artigo 277.º, n.º 1 do CPPT, cingindo-se aos pedidos, às causas de pedir e não tendo avançado no conhecimento de requisitos dessa dispensa que não foram objecto de conhecimento pelo órgão de execução fiscal. Isto é, o julgamento ateve-se ao conhecimento do que foi pedido pelas partes.
Pelo exposto, impõe-se concluir não enfermar a sentença recorrida da arguida nulidade.

Entendemos, assim, resultar da prova produzida nos autos que a Autoridade Tributária analisou, no âmbito do despacho reclamado, o requisito referente à responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra, e que concluiu pela falta de prova de ausência de tal responsabilidade.
Assim sendo, importa, agora, conhecer os motivos para a sentença recorrida não ter decidido verificar-se a ilegalidade do despacho reclamado por violação do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT.
Com efeito, no que se refere, em particular, à demonstração do requisito de falta de responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência patrimonial, resulta que, apenas, no âmbito do exercício do direito de audição, veio a Recorrente, pela primeira vez no procedimento, alegar e referir-se à verificação do requisito em questão. Esta necessidade surgiu, como vimos, pela menção que foi efectuada no projecto de decisão de falta de alegação e, consequentemente, de prova de tal pressuposto cumulativo.
Uma vez que em sede de audição prévia a Recorrente aborda a evidência da demonstração da ausência da sua responsabilidade pela insuficiência de bens, reitera, neste recurso, que a Autoridade Tributária fez tábua rasa quanto aos elementos factuais novos aduzidos pela Recorrente, omitindo qualquer valoração e apreciação dos mesmos na fundamentação da decisão final.
Sustenta, então, que a sentença recorrida, ao considerar que o despacho reclamado analisou os factos alegados pela Recorrente aquando do exercício do direito de audição, referentes ao pressuposto de ausência de responsabilidade da Recorrente pela situação de insuficiência patrimonial em que se encontra, incorreu, assim, em erro de julgamento e erro na apreciação da prova.
Vejamos como analisou a sentença recorrida este vício imputado ao acto reclamado, consubstanciado em violação do artigo 60.º, n.º 7 do LGT: «(…) De igual modo, constam da referida informação, que o despacho ora reclamado reproduz, os factos alegados pela Reclamante em sede de audição prévia, como se pode depreender da conclusão da mesma: “Do despacho foi a executada notificada em 2016.05.18 para exercer o direito de audição o que veio a fazer através do documento apresentado no Serviço de Finanças de Tondela em 2016.06.02. Os factos ora aduzidos, designadamente, a possível transmissão em conjunto dos ativos oferecidos, não são suscetíveis de alterar o sentido da decisão. Quanto aos restantes argumentos, não se traduzem em novos factos, limitando-se a executada a replicar as alegações formuladas no âmbito da reclamação judicial (que foram devidamente apreciadas no projeto de decisão) e a formular meras considerações quanto ao sentido da decisão.”, (ponto 21. do probatório).
Resulta, assim, manifesto que o despacho está fundamentado de modo claro, suficiente e congruente, não padecendo do vício de fundamentação que lhe é assacado. (…)»
Tendo a AT procedido à audição prévia, conforme decidido judicialmente, então, impõe-se-lhe que cumpra integralmente as regras que a lei prescreve para tal procedimento, sob pena de se esvaziar o sentido útil da norma constante do citado n.º 7 do artigo 60.º da LGT, da qual se depreende uma intenção legislativa no sentido de conferir aos contribuintes uma efectiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.
A respeito da questão em análise, a Recorrente dedicou sete artigos na peça em que exerceu o direito de audição: artigos 91.º a 97.º.
Observemos quais são estes elementos, carreados pela primeira vez, e como a AT os tratou e tomou posição:
Alegou a Recorrente ser evidente a demonstração de ausência de culpa da Contribuinte e dos seus responsáveis pela insuficiência de bens para prestar a garantia exigida para suspender o processo de execução fiscal (artigo 91.º).
“Pelo que, forçosamente, haverá que concluir que também este último requisito foi demonstrado.” (artigo 92.º)
“Com efeito, é evidente que não é possível imputar à Contribuinte ou aos seus responsáveis qualquer culpa pela insuficiência de património (que a Contribuinte nunca teve) para garantia de uma dívida cuja legalidade se encontra em discussão.” (artigo 93.º).
“Assim, resulta igualmente provado que a Contribuinte, bem como os seus responsáveis, não procederam à destruição ou danificação do património social, ou a qualquer ocultação e dissimulação do activo social.” (artigo 94.º)
“Nem tão pouco contribuíram para qualquer criação ou agravamento artificial de activos ou passivos.” (artigo 95.º)
“Não usaram crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros.” (artigo 96.º)
“Nem praticaram quaisquer outros factos que pudessem ser qualificados como gestão danosa do património.” (artigo 97.º)
A AT demonstra ter tido em conta esta argumentação, dado que transcreveu na informação que fundamenta o acto reclamado grande parte da motivação constante da peça apresentada em sede de audição prévia. Ali se reproduziu o invocado sobre o pressuposto cumulativo da seguinte forma: “Sendo ainda evidente a demonstração de ausência de culpa da Contribuinte e dos seus responsáveis pela insuficiência de bens para prestar a garantia exigida, sendo forçoso concluir que também este requisito foi demonstrado”.
Em conclusão, a AT refere-se ao documento apresentado em sede de direito de audição prévia, afirmando expressamente que os factos ora aduzidos não são susceptíveis de alterar o sentido da decisão e que, quanto aos restantes argumentos, não se traduzem em novos factos, limitando-se a Recorrente a formular meras considerações quanto ao sentido da decisão.
Daí que a decisão reclamada tenha emitido pronúncia sobre os elementos novos aportados pela contribuinte em sede de audição prévia, alertando que os mesmos não contribuíram para que o sentido da decisão fosse alterado. Sendo relevante a qualificação efectuada pela AT de que, essencialmente, não se carrearam factos novos, mas meros argumentos e considerações quanto ao sentido da decisão.
Efectivamente, nos artigos 91.º, 92.º e 93.º da peça apresentada em sede de audição prévia a Recorrente atem-se a afirmar a demonstração do último requisito, pela sua evidência, limitando-se, portanto, a negar que tenha culpa pela insuficiência patrimonial. Depois, nos artigos 94.º, 95.º, 96.º e 97.º, declara provadas algumas conclusões de facto, que apresenta sob a forma de negação, e que poderiam ser ilações de factos simples positivos (não invocados) e de prova documental adequada (não apresentada).
O disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária pretende efectivar uma real participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, mas para que a AT tenha que ter obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte, esses elementos têm que consubstanciar factos antes desconhecidos, susceptíveis de prova, ou novas perspectivas de direito assentes em factos já conhecidos. Se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.
Chegados à conclusão que o acto reclamado indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com base numa pluralidade de motivos, mas, essencialmente, tendo em conta que os documentos apresentados não demonstravam a ausência ou insuficiência de património da Recorrente, considerando, por isso, não evidenciado o pressuposto da falta de meios económicos, mas assentando, igualmente, na falta de demonstração da ausência de responsabilidade da executada na insuficiência de bens; impõe-se, agora, verificar se a sentença recorrida sindicou devidamente o acto reclamado, nomeadamente, quanto à invocada violação do artigo 52.º, n.º 4 da LGT. Contudo, tendo o acto em crise sido praticado em 26/08/2016, nunca estará em apreço a aplicabilidade do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, dado que nem o Tribunal a quo se substituiu à AT, nem este Tribunal se substituirá, limitando-se a sindicar os vícios invocados no que tange ao acto reclamado prolatado em 26/08/2016 (portanto, antes da entrada em vigor da redacção mencionada pela Recorrente) – cfr. as alegações de recurso, para efeitos de afastamento da sua conclusão R).
É, portanto, ao órgão de execução fiscal competente que cabe decidir da idoneidade da garantia já que, em última análise, é a ele que cabe decidir da isenção dessa prestação verificados os pressupostos a que a lei a condiciona - cfr artigo 52.º, n.º 4 da LGT. E a tal poder refere-se também expressamente o artigo 199.º, n.º 8 do CPPT.

Para além de a prestação de garantia suspender a execução, em certas condições a execução pode ser suspensa mesmo sem esta prestação.
Com efeito, nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar.
Cumulativamente com um destes pressupostos, o Requerente tem ainda que provar que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade.
O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária – cfr. artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT.
Tal é o que resulta do regime geral de repartição do ónus da prova [artigo 342.º do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1 da LGT] e, bem assim, do referido artigo 170.º, n.º 3 do CPPT, de onde podemos concluir que a prova dos pressupostos para a dispensa de prestação da garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Em suma, quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre este que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores - cfr., entre outros, Acórdão do STA, de 20/02/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 016/11.
Compulsado o requerimento de isenção de prestação de garantia, mencionado no ponto 5. da factualidade apurada, constatamos que o mesmo se cinge, no que agora importa, à alegação de falta de meios económicos para prestar garantia – a indicação no requerimento que os bens oferecidos em penhor não deverão ser suficientes tem subjacente essa mesma insuficiência – sem se pronunciar sobre a falta de culpa pela situação de insuficiência de bens em que se encontra.
Reiteramos que o requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado junto do Órgão de Execução Fiscal não esclareceu em que medida a (eventual) insuficiência de bens para garantir a dívida não é imputável à Recorrente, nada invocando a esse respeito. Com efeito, tal requerimento nada refere relativamente à irresponsabilidade da executada na insuficiência do património, sendo completamente omisso quanto a este pressuposto da dispensa de garantia.
Foi sobre este pedido de dispensa de garantia, com o intuito de obter a suspensão do processo executivo em causa, que a AT se pronunciou e decidiu indeferi-lo.
Como já referimos, os fundamentos do projecto de indeferimento deste pedido de dispensa mostram-se vertidos no ponto 17 da factualidade provada, que repescou anterior análise, aí constando que a executada não logrou provar, como lhe competia, que preenchia, à data do pedido, o pressuposto da falta de meios económicos e ainda a ausência de culpa pela insuficiência de bens.
Efectivamente, do requerimento da aqui Recorrente não se vislumbrava uma única referência a qualquer factualidade que fosse susceptível de densificar o requisito cumulativo, ou seja, aquele que tem obrigatoriamente que se verificar: não ser a insuficiência ou inexistência dos bens da responsabilidade do executado.
Mas, em face do teor do projecto de indeferimento, em sede de exercício do direito de audição, a aqui Recorrente pronunciou-se sobre esse requisito, como também já mencionámos, nos artigos 91.º a 97.º da peça apresentada.
Vejamos, então, em face desses elementos, como a sentença recorrida apreciou a decisão final de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia:
“(…) Volvendo ao caso em apreço nos autos, importa analisar se foram alegadas e demonstradas causas objetivas que levaram à insuficiência de bens da Reclamante e que permitam, desse modo, concluir que a mesma não teve uma participação culposa no estado de insuficiência patrimonial em que se encontra.
Conforme resulta da factualidade provada, no balanço da Reclamante relativo ao exercício de 2013, conta um ativo no valor de € 48.687,45 euros e contabilizando os resultados transitados ficou com um resultado negativo no valor de € 2.483,98 euros (ponto 5. e 6. Do probatório).
A Reclamante não apresentou quaisquer razões para justificar a situação patrimonial e financeira em que se encontra, referindo apenas, que a sua atividade desde 2008 é praticamente nula.
Com efeito, não foram demonstradas as razões que conduziram ao depauperamento da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos que a Reclamante vem apresentando.
A Reclamante somente argumenta, de uma forma geral e abstrata, que não procedeu à destruição ou danificação do património social ou a qualquer ocultação e dissimulação do ativo social, nem contribuiu para qualquer criação ou agravamento artificial de ativos ou passivos, nem praticou quaisquer outros factos que pudessem ser qualificados como gestão danosa do património.
Em suma, ficaram por demonstrar as razões subjacentes à situação económica e financeira e aos resultados operacionais negativos que a Reclamante vem apresentado, bem como eventuais medidas de gestão que poderiam ter sido desenvolvidas no sentido de inverter essa situação, não podendo o Tribunal concluir que a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante.
Aliás, como acima ficou dito, a dispensa da prestação de garantia não depende da verificação de um dos dois pressupostos, ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens, não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
E como se constatou, a Reclamante não fez qualquer prova deste último pressuposto, que por ser cumulativo, tem como consequência, a falta dos pressupostos necessários para ser concedida a dispensa da prestação de garantia.
Em face do exposto, não tendo a Reclamante demonstrando o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos nos artigos 52.º, n.º 4 da LGT, 170.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do CPPT, improcede, nesta parte, a presente reclamação. (…)”
Portanto, a sentença recorrida, dando de barato a situação patrimonial e financeira em que se encontra a Recorrente, entendeu não terem sido demonstradas as razões que conduziram ao depauperamento da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos que vem apresentando.
Sendo os pressupostos referidos na primeira parte do n.º 4 do artigo 52.º da LGT alternativos, ou seja, é suficiente que se verifique um ou outro, já o pressuposto referido in fine é sempre de verificação necessária.
A responsabilidade prevista no artigo 52.º, n.º 4, in fine, da LGT é uma responsabilidade subjectiva, culposa, sendo o executado responsável se a insuficiência patrimonial resultar de um comportamento que lhe possa ser imputado e que ele pudesse ter evitado. Portanto, o executado tem de demonstrar que as dificuldades na prestação da garantia não lhe são imputáveis, provando que essa situação não adveio de uma conduta culposa praticada com intuito de diminuir a garantia dos credores. Com esta exigência, pretendeu o legislador evitar que o executado se coloque deliberada e conscientemente numa situação de insuficiência/inexistência patrimonial, de modo a inviabilizar a realização de penhora ou a prestação de garantia, para, posteriormente, requerer a dispensa da prestação da garantia com fundamento precisamente nessa insuficiência de bens, o que, a suceder, configuraria, manifestamente, uma situação de abuso de direito. Naturalmente que nenhum sentido faria conceder a isenção da prestação de garantia a um executado que invoque prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos e que, por outro lado, tenha procedido, ele próprio, a uma prévia sonegação ou dissipação de bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que se tenha colocado culposamente em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia, caso em que ficará de igual modo, afastada a dispensa – cfr. neste sentido, Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, ed. 2001, p. 243 e João António Valente Torrão, Código de Procedimento e de Processo Tributário, p. 713 e Acórdão do STA, de 23/01/2013, Processo n.º 1499/12.
Como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “a responsabilidade do executado prevista na parte final do n.º 4 [do artigo 52º da LGT] se deve entender em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não como um mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens.” - in Lei Geral Tributária anotada, 4ª ed., 2012, p. 426.
De todo o modo, salientamos não bastar que nada conste dos autos que permita responsabilizar o executado pela falta/inexistência de bens. É necessária a prova positiva e efectiva de que essa responsabilidade não existiu, ainda que tal prova, devido à natureza negativa do facto, seja credora de uma menor exigência, como doutrinou o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 17/12/2008, proferido no âmbito do recurso n.º 0327/08.
Contudo, esta menor exigência probatória não pode servir para dispensar a Recorrente de alegar e demonstrar as razões subjacentes à sua situação económica e financeira e aos resultados operacionais negativos que vem apresentando, bem como eventuais medidas de gestão que poderão ter sido desenvolvidas no sentido de inverter essa situação. Pois somente assim será possível discernir entre a simples má gestão dos seus bens e a existência de uma dissipação de bens censurável, por exemplo.
A Recorrente não pode esquecer que lhe cabe o ónus de alegar e provar, como vimos; não podendo o Tribunal concluir, sem mais, que a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Recorrente.
Reiteramos que a irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens significa que o mesmo não actuou de tal forma que possa ser considerado o responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens, cabendo lhe a si a prova de que tal facto não lhe é imputável.
Estando em causa uma pessoa colectiva, como é o presente caso, há uma corrente que defende que só se deve considerar que este pressuposto é verificado no caso da dissipação dos bens estar absolutamente na indisponibilidade da empresa ou da administração que a representava ou representa; como por exemplo, no caso de catástrofe natural ou humana imprevisível. A não ser nestes casos, deverá considerar-se que existirá sempre uma responsabilidade da empresa pelo destino dado aos bens que fazem parte do seu património, pela actuação dos seus gestores/administradores.
Tal tese afigura-se-nos demasiado gravosa, aproximando-se quase de uma culpa objectiva. Como havíamos referido, o mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou a simples má gestão dos bens da pessoa colectiva não será suficiente para responsabilizar o executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens.
Contudo, perante o que foi argumentado pela Recorrente, é impossível apurar se estaremos perante uma situação, por exemplo, de gestão ruinosa.
Por isso, impunha-se saber quais foram as opções de gestão empresarial, não bastando alegar que a sociedade nunca teve património e que os seus responsáveis não procederam à destruição ou danificação do património social, nem ocultaram ou dissimularam o activo social. É irrelevante afirmar que não praticaram (genericamente) actos que pudessem ser qualificados como de gestão danosa, sem qualquer concretização, dado que é a partir de elementos de facto concretos que o tribunal poderá aferir se a Recorrente podia ou não ser responsabilizada pela insuficiência de património que veio a verificar-se.
Só que a Recorrente nada alegou neste particular. E, por isso, nada poderia ter provado. Nesta conformidade, a sentença recorrida, ao decidir no sentido de que a Recorrente não fez prova do requisito referente à responsabilidade pela situação de insuficiência de bens, fez uma correcta valoração da matéria factual, não incorrendo, assim, em erro de julgamento quanto à matéria de facto e improcedendo também as conclusões T) a EE) das alegações de recurso.
Pelo que vimos de dizer, e mostrando-se tal suficiente, atenta a importância determinante do pressuposto ora analisado constante do artigo 52.º, n.º 4 in fine da LGT, é de manter a sentença recorrida que julgou improcedente a reclamação interposta do despacho de indeferimento do pedido dispensa de prestação de garantia formulado pela Recorrente.

Conclusões/Sumário

I. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no último segmento da norma.
II O excesso de pronúncia pressupõe um julgamento para além do conhecimento que foi pedido ao julgador pelas partes.
III. Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
IV. O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar. Cumulativamente com um destes pressupostos, o Requerente tem ainda que provar que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade.
V. O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT).
VI. Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
VII. Não obstante o requisito cumulativo respeitar a factos negativos, o Requerente não está desonerado da prova de que a insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade (artigo 52.º, n.º 4 da LGT), embora sujeito a uma menor exigência, não bastando meras considerações genéricas.
VIII. Do disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária depreende-se uma intenção legislativa no sentido de conferir aos contribuintes uma efectiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.
IX. Contudo, se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 16 de Março de 2017.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves