Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00790/12.8BEAVR |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/24/2014 |
Tribunal: | TAF de Aveiro |
Relator: | Frederico Macedo Branco |
Descritores: | ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO; ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA; RESTITUIÇÃO DE QUOTIZAÇÕES. |
Sumário: | 1. O facto de o art. 21º do Estatuto da Aposentação prescrever que "só as quantias indevidamente cobradas serão restituídas pela Caixa" tal não significa que excecionalmente a posse posterior dos descontos do subscritor pela Caixa não possa vir a ser ela mesma indevida pela ocorrência de um fator superveniente. 2. Em tal hipótese, não só à luz dos princípios da confiança e da boa-fé, mas também segundo o instituto do enriquecimento sem causa, a Caixa está obrigada a restituir aquelas quantias. 3. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, nos termos do nº 2 do artº 473º, do Código Civil. 4. Perante a verificação de uma situação de facto superveniente, no caso, o facto de ter sido deferido o pedido de aposentação antecipada do então Autor, com efeitos reportados retroativamente a 31 de Dezembro de 2010, tal determinará necessariamente a inutilidade de todos os pagamentos feitos após aquela data.* * Sumário elaborado pelo Realator. |
Recorrente: | Caixa Geral de Aposentações |
Recorrido 1: | AGP... |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada pelo aqui Recorrido AGP, tendente, em síntese, a obter a restituição das quotizações descontadas para a CGA desde 31-12-2010, mais juros, inconformada com o Acórdão proferido em 29 de Janeiro de 2013, através do qual foi julgada “procedente a presente ação administrativa especial, anulando-se o ato praticado pelo Diretor Central da Ré” veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro. Formula a aqui Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso, apresentadas em 22 de Fevereiro de 2013, as seguintes conclusões: “1ª. Decorre do artigo 21º do Estatuto da Aposentação que as quotas, se tiverem sido regularmente pagas, não são, em caso algum, restituíveis. Se, porém, as quotas foram pagas sem fundamento legal, o seu reembolso é imposto por princípios basilares da nossa ordem jurídica. Para além da restituição das importâncias indevidamente recebidas pela Caixa, o Estatuto da Aposentação, adotando o princípio geral consagrado no artigo 480º do Código Civil, impõe o pagamento dos respetivos juros, à taxa de 4% ao ano. 2ª. A inscrição na Caixa Geral de Aposentações, com o inerente pagamento de quotas, é obrigatória para todos aqueles que se encontrem nas condições previstas no artigo 1º do Estatuto da Aposentação. Ou seja, verificados os pressupostos objetivos e subjetivos referidos no artigo 1º do Estatuto da Aposentação, a inscrição na Caixa Geral de Aposentações é obrigatória, devendo ser efetuados os respetivos descontos, independentemente de um juízo de prognose sobre os termos em que tais descontos influenciarão a pensão. 3ª. No sistema de solidariedade social, no qual se integra o regime de proteção social convergente, qualquer pessoa que desempenhe funções remuneradas deve efetuar os respetivos descontos para a segurança social. 4ª. Tal entendimento foi, aliás, adotado pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no Parecer no 448/2000, de 14 de Março de 2002. 5ª. Hoje, em dia, na doutrina e jurisprudência vinga a tese da parafiscalidade, de acordo com a qual as contribuições para a segurança social, enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são verdadeiros impostos ou taxas (dos quais se distinguem quanto aos objetivos, à estrutura jurídica e à própria cobrança), mas imposições parafiscais. 6ª. A tese da parafiscalidade da quota para a CGA é, de resto, a única consentânea com o modelo de financiamento do sistema de previdência da função pública assente num modelo de repartição e não de capitalização. Tal significa que as quotas cobradas aos trabalhadores ativos contemporâneos servem para financiar as pensões dos aposentados atuais. Ou seja, as quotas têm carácter parafiscal, não existindo, como no sistema de capitalização, uma relação direta causa-efeito quanto ao pagamento das quotas para efeitos de aposentação e a pensão paga ao respetivo titular. 7ª. Tal entendimento decorre do Estatuto da Aposentação que permite situações em que a fixação da pensão de aposentação não considera a totalidade das contribuições entregues - ou seja, em que não são considerados todos aqueles períodos contributivos que excedam o período temporal legalmente predeterminado como tempo de serviço ou carreira completa (e nem mesmo nestes últimos casos há lugar restituição de quotas). 8ª. Posto isto, é inquestionável que o desconto de quotas para a Caixa Geral de Aposentações, efetuado desde 31 de Dezembro de 2010 a 31 de Julho de 2012 decorre da lei, pelo que não existe qualquer que fundamento legal que permita a sua restituição. 9ª Em suma, ao condenar a CGA na restituição de montantes devidamente pagos pelo Recorrido a título de quotas para efeitos de aposentação violaram as instâncias o disposto no n.° 1 do artigo 21.° do Estatuto da Aposentação. Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.” O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido, por despacho de 7 de Maio de 2013 (Cfr. fls. 120 Procº físico). O aqui Recorrida veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 25 de Junho de 2013, nas quais concluiu (Cfr. fls. 123 a 126 Procº físico): Há que apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, se as controvertidas quotas pagas pela Recorrida à CGA deverão, ou não, ser devolvidas, uma vez que se reportam a um período posterior à data em que foi considerado desligado do serviço. III – Fundamentação de Facto IV – Do Direito Efetivamente, prevê o art. 21º nº 1 do Estatuto da Aposentação, que “só as quantias indevidamente cobradas serão restituídas pela Caixa, acrescendo-lhes juros à taxa de 4% ao ano desde a data do requerimento do interessado ou daquela em que a Caixa teve conhecimento da irregularidade da cobrança.” Se é certo que ambas as partes reconhecem que o pagamento das contribuições controvertidas eram devidas no momento em que o foram, o que é facto é que manifestamente ocorreu uma situação de posse indevida superveniente, resultante da aposentação antecipada “retroativa”, o que determinou a inutilidade das contribuições entretanto efetivadas. Sobre esta matéria se pronunciou já o TCAS (E não TCAN como por lapso se refere no Acórdão Recorrido) no Acórdão nº 2094/98 de 19-12-2000, em cujo sumário se refere sintomática e designadamente que: “I- O facto de o art. 21º do Estatuto da Aposentação prescrever que "só as quantias indevidamente cobradas serão restituídas pela Caixa" tal não significa que excecionalmente a posse posterior dos descontos do subscritor pela Caixa não possa vir a ser ela mesma indevida pela ocorrência de um fator superveniente. II- Em tal hipótese, não só à luz dos princípios da confiança e da boa-fé, mas também segundo o instituto do enriquecimento sem causa, a Caixa está obrigada a restituir aquelas quantias. (…)”. Em idêntico sentido aponta o Acórdão nº 08700/12 da Secção: CA - 2º JUÍZO do TCAS de 22-05-2014, em cujo sumário se pode ler, designadamente: II. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, nos termos do nº 2 do artº 473º, do Código Civil. Entendeu ali o TCAS, o que aqui se acompanha, que perante a verificação de uma situação de facto superveniente, no caso, o facto de ter sido deferido o pedido de aposentação antecipada do então Autora, com efeitos reportados retroativamente a 31 de Dezembro de 2010, tal determinará necessariamente a inutilidade de todos os pagamentos feitos após aquela data. Se é certo que a aqui Recorrente indeferiu inicialmente a pretensão do Recorrido, através de deliberação proferida pela sua Direção em 23 de Agosto de 2011, o que é facto é que em 9 de Julho de 2012, veio a deferir essa mesma pretensão, reportadamente a 31 de Dezembro de 2010, o que a constituirá na obrigação de restituir todas as contribuições efetivadas nesse período. A informação dos Serviços da CGA e que veio a suportar a decisão de deferimento da aposentação antecipada requerida é lapidar e sintomática, relativamente à situação controvertida. Aí se refere, designadamente, que: “(…) na verdade, analisado o processo instrutor, verificamos que, apesar de não ter sido apresentada, como acontece em casos semelhantes, a renúncia expressa ao estatuto de jubilado, certo é que, ao contrário do pressuposto no qual assentou o indeferimento consubstanciado no despacho de 23 de Agosto de 2010, o interessado nunca expressamente manifestou a intenção de aceder ao estatuto de jubilado através da aposentação antecipada”. O referido determinará pois como consequência normal e natural que, sendo inicialmente devidos os descontos efetuados de 31 de Dezembro de 2010 até Julho de 2012, perante o despacho de deferimento da aposentação antecipada, tais contribuições vieram a constituir-se como supervenientemente indevidas, uma vez que se tornaram inúteis para efeitos de aposentação. Citado no Acórdão Recorrido, mas pela sua clareza não se poderá deixar de aqui retomar as palavras de José Cândido de Pinho (In “Estatuto da Aposentação – anotado – comentado – jurisprudência” – págs. 69/70.) que a propósito de questão próxima, refere: “O facto da cobrança de quotizações ter sido regular quando efetivada, não invalida que por facto posterior se venha a verificar a sua redundância e inutilidade, situação em que se imporá a sua devolução, pois que a não ser assim, tal consubstanciaria uma manifesta quebra de confiança e da boa-fé”. Ao referido acresce ainda a circunstância de que a não devolução das quantias supervenientemente verificadas como inúteis e indevidamente efetuadas, determinaria um enriquecimento sem causa da CGA (art. 473º do C. C.) à custa do empobrecimento do subscritor, situação inaceitável. Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se vislumbra que o Acórdão objeto de impugnação mereça qualquer censura na medida em que estamos manifestamente perante uma posse supervenientemente entendida como indevida de quotas pagas à CGA durante período devidamente identificados, uma vez que o Recorrido nenhuma utilidade retirou das quotizações cuja devolução peticionou, face aos concretos contornos da deliberação proferida pela Direção da CGA em 9 de Julho de 2012, circunstância que não poderá ser condicionada mesmo que se entenda que as quotizações para a C.G.A. revestem natureza parafiscal. * * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando o Acórdão Recorrido.Custas pelo Recorrente. Porto, 24 de Outubro de 2014 Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco Ass.: João Beato Sousa Ass.: Maria do Céu Neves |