Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00480/18.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:DISCIPLINAR. GUARDA PRISIONAL. TRABALHO SUPLEMENTAR
Sumário:I) – Perante a absolvição do autor da prática de infracção disciplinar, e não procedendo imputado erro de julgamento, nega-se provimento ao recurso.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Ministério da Justiça (Praça ..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que julgou parcialmente procedente acção administrativa intentada por AA (com domicílio profissional no Estabelecimento Prisional ..., ... ...)

O recorrente verte em conclusões:

a) O A., ora Recorrido, elegeu como atos objeto dos presentes autos, conforme consta do introito da petição inicial, PI: o ato administrativo, datado de 23/04/2018, que puniu disciplinarmente o A.; o ato datado de 29/11/2017, da direção de Serviços de Segurança da direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que estabeleceu um conjunto de deveres a observar por parte do Corpo da Guarda Prisional, relacionados com a prestação de trabalho suplementar; e o ato praticado por membro do Governo, datado de 03/01/2018, que autorizou a realização de trabalho suplementar pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional no ano de 2018;
b) Sendo que a sentença recorrida determinou que o presente litígio tem por objeto a legalidade da decisão de 23/04/2018 do Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que aplicou a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão ao autor, bem como a determinação do trabalho suplementar a prestar, definida pelo ato da Direção de Serviços e Segurança da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de 29/11/2017 e pelo despacho e 03/01/2018 da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça (cfr. página 3 da sentença); ora,
c) A sentença recorrida ao julgar parcialmente procedente a presente ação anulou o ato de 23/04/2018, proferido pelo Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão; e declarou a ineficácia dos atos de atos de 29/11/2017 e 03/01/2018, não sendo estes oponíveis ao autor, por falta de notificação;
d) Reduzindo os temas da prova ao ato datado de 23/04/2018 do Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que aplicou a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão; e,
e) Deu como não provados os seguintes factos: o Autor foi notificado do despacho de 29/11/2017; o despacho de 29/11/2017 foi alvo de publicitação; o Autor foi notificado do despacho de 03/01/2018; o despacho de 03/01/2018 foi alvo de publicitação; autor desobedeceu a ordens superiores; no dia dos factos, BB disse ao autor que não podia sair às 18h00;
f) A sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e das quais, sobretudo na produção de prova, não podia deixar de tomar conhecimento, nos termos, designadamente das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo civil, aplicável por força, designadamente dos arts. 1.º e 140.º do CPTA, pelo que a sentença é nula; efetivamente,
g) Em face do determinado no saneador para temas da prova é manifesto que a prova documental, aliás contemporânea dos factos, evidenciam à saciedade que o A., ora Recorrido, abandonou o seu posto às 18:00 horas, conforme declarações escritas a fls. 162 do PA, em que o trabalhador que foi substituir o ora Recorrido afirma que “quando chegou à ala B para substituir o AA, às 18h30 não estando aquele neste posto, tendo saído, pensa que às 18h00.”, as quais foram mantidas pela próprio, em audiência, em que a testemunha reitera a existência de hierarquia (aos minutos da gravação da audiência: 11:26; 15:00; 25:45). O que a sentença desconsiderou;
h) Por outro lado, é o próprio magistrado subscritor da sentença, que refere (ao minuto: 23:04 e segs. da audiência de produção de prova), em que a testemunha CC e, entenda-se as demais, não sabe acerca dos despachos, que, de resto, se encontram nos autos; e que
i) Os atos datados de 03.01.2018 a autorizar a realização de trabalho suplementar pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional no ano de 2018, com dispensa dos limites legalmente estabelecidos quanto à sua duração; e o ato da Direção de Serviços e Segurança da Direção-Geral de reinserção e Serviços Prisionais de 29.11.2017, encontram-se no autos;
j) Todas as testemunhas inquiridas em audiência declararam: a existência de hierarquia no serviço específico do Estabelecimento Prisional ...; o desconhecimento de qualquer teor de conversa entre o A., ora Recorrido e a sua chefia direta; tendo ainda ficado patente, a inexistência de autorização para que o A. se pudesse ausentar. Por outro lado,
k) Pelo que a sentença recorrida não esclarece a razão de, relativamente ao ato disciplinar punitivo, ter preterido as declarações documentalmente prestadas e que foram corroboradas em audiência pela testemunha que foi substituir o A., ora Recorrente, na falta deste, na sequência do abandono do posto de trabalho do Autor;
l) O que constitui um vício da sentença;
m) Não se entendendo, em face da prova produzida – documental e em audiência - o iter cognoscitivo da decisão;
n) Quando à decisão de declaração de ineficácia dos atos de 29/11/2017 e 03/01/2018, o A. peticionou a declaração de nulidade. Sendo que o Tribunal alterou o pedido do A., ora Recorrente, e decidiu pela declaração de ineficácia dos atos;
o) A sentença não atentou nas noções de “validade” e de “ineficácia” e não detalhou os conceitos jurídicos, o que obscurece a decisão;
p) Também não se entende a razão de ser pela qual o Tribunal optou pela oficiosidade do conhecimento do tema da ineficácia, que, de resto, o A. não peticionou (a ineficácia dos atos de datados de 29/11/2017 e 03/01/2018);
q) Como é consabido – e o juiz da causa não poderia ter ignorado - que inexiste nos presentes autos pedido de declaração de ineficácia;
r) Sendo que também não foi suscitado qualquer impulso ou incidente processual atinente à consideração da declaração de ineficácia;
s) A declaração de ineficácia importa, no plano processual, o processamento a título de incidente, nos termos, designadamente do art. 128.º do CPTA, o qual, de resto, o A. não impulsionou; e que, também por isso, o Tribunal não poderia tomar conhecimento;
t) Acresce referir que, respeitosamente, o Tribunal errou quando optou na sentença e na decisão pela declaração de eficácia dos atos datados de 29/11/2017 e de 03/01/2018, pois, estes despachos não são atos administrativos, como o R., ora Recorrente deixou demonstrado na contestação, designadamente nos art. 40.º a 63.º, ao que a sentença recorrida não contrariou nem deu qualquer atenção; efetivamente,
u) A sentença recorrida desconhece e não deveria que Regulamento de Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional foi objeto de publicação em Diário da República, n.º 206/2017, Série II de 2017-10-25, a que se refere o Despacho n.º 9389/2017; e que, o acórdão proferido, a 10705/2018, pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo 2499/17.7BELSB (disponível em www.dgsi.pt) pronunciou-se no sentido de: as normas do Regulamento do Horário de Trabalho, cuja ilegalidade é sustentada pelo requerente, não são geradoras de danos ou prejuízos na esfera jurídica dos trabalhadores, não se pode concluir que com a sua entrada em vigor será criada uma situação de facto consumado que cumpra prevenir e acautelar à luz do disposto no artigo 120º nº 1 do CPTA;
v) Tanto mais porque, como mencionado no art. 38.º da contestação: os trabalhadores abrangidos pelo Estatuto possuem o vínculo de nomeação, nos termos, designadamente, da al. e) do n.º 1 do art. 8.º da LTFP, e do art. 3.º do Estatuto; as competências inerentes à qualidade de empregador público são exercidas pelo Senhor Diretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, nos termos, designadamente, da al. a) do n.º 1 do art. 27.º da LTFP; o poder de direção e a fixação dos termos em que deve se prestado o trabalho, a que se refere o art. 74.º da LTFP, é uma das competências abrangidas pela inerentes à qualidade de empregador público; a organização dos tempos de trabalho e dos tempos de não trabalho é matéria que vem prevista na LTFP, designadamente, nos arts. 101.º e segs., encontra-se enunciada no art. 62.º do Estatuto, bem como no Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional (Regulamento), aprovado pelo Despacho n.º 9389/2017, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 206, de 25 de outubro de 2017. Enquadramento ao qual a sentença recorrida não atribuiu qualquer significância e que não poderia desconhecer;
w) A sentença recorrida mostrou, ainda, desconhecer jurisprudência de referência como seja o acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00696/18.7BECBR, disponível em www.dgsi.pt, decidiu, em situação semelhante á dos presentes autos: tendo presente a factualidade apurada no procedimento disciplinar e o juízo efetuado pelo instrutor no relatório final e, em consequência, pelo órgão decisor na tomada da decisão punitiva, é manifesto que a saída antecipada e inadvertida antes do cumprimento do horário a que estava obrigado em termos de serviços mínimos e correspondente trabalho suplementar, causou manifesto prejuízo ao serviço, atenta a circunstancia de não ter sido possível efetuar de imediato a sua rendição;
x) Na verdade, conforme declarações em audiência da testemunha CC, este apenas veio a ocupar o posto de trabalho que era pertença do A., ora Recorrido, assegurar, às 18:30 horas;
y) Pelo que, provado nos autos - aliás em função do escopo através do qual o Autor, A., ora Recorrente, se apresentou à lide a justeza do ato punitivo;
z) Fica expressa a factualidade – patente na prova documental e em audiência - e o normativo especificamente aplicável ao ato objeto da lide ao qual a sentença não atribuiu qualquer relevância;
aa) Pelo que a sentença é nula nos termos do art. 615.º proémio do n.º 1 e alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil, aplicável por força, designadamente, do art. 1.º do CPTA.
Em face do exposto, e nos mais de direito aplicável deverá ser considerado o recurso procedente e considerada a sentença recorrida nula, na parte em que deu provimento parcial à ação.

O recorrido estende sob conclusões:

1) O Recorrente parece insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos temas da prova, qualificando-a de “redutora em face das questões relativamente às quais entendeu pronunciar-se”.
2) No caso concreto, o Tribunal a quo, cumprindo escrupulosamente o regime previsto no art. 596.º n.º 1 e 2 do CPC, definiu o objeto do litígio e os temas da prova em despacho proferido em 30 de maio de 2019, na sequência do despacho saneador.
3) Quanto aos temas da prova, referiu expressamente que eram definidos “em face dos elementos documentais já juntos e da posição assumida pelas partes”.
4) O Recorrente não reclamou daquela decisão do tribunal a quo o que faz com que, a mesma se tenha tornado definitiva e inimpugnável nesta fase de recurso, conforme resulta do art. 596.º n.º 3 do CPC.
5) De qualquer forma, impõe-se notar que o Recorrente nem sequer identifica os temas da prova que entendia que deveriam ter sido incluídos na decisão de 30 de maio, o que também impede que se compreendam as razões da censura.
6) Se o Recorrente pretendia defender que os temas da prova deveriam ter incluído os factos relacionados com a notificação e/ou publicitação dos despachos de 29/11/2017 e 03/01/2018, a verdade é que não tem nenhuma razão para o fazer.
7) Logo na sua petição inicial o Autor, ora Recorrido, alegou que nenhum daqueles atos havia sido objeto de publicação no Diário da República, nem em publicação oficial da DGRSP ou Ministério da Justiça ou respetivo sítio institucional da internet, nem em jornal de circulação nacional ou local, e que desconhecia em absoluto a sua existência, defendendo que, por via disso, os atos em causa não lhe eram oponíveis.
8) O Recorrente nunca contestou esses factos (nem agora o faz, em sede de recurso), o que legitimamente só podia fazer concluir que correspondiam à verdade.
9) Por essa razão e também pelo facto de tais factos só poderem ser contrariados através de prova documental, o tribunal a quo considerou, e bem, que essa matéria estava assente e não deveria ter sido levada aos temas da prova e objeto de demonstração em julgamento.
10) Por tudo o exposto, nada há a reprovar na atuação e decisão do Tribunal a quo.
11) Alega também o Recorrente que a sentença padece de nulidade porque “o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e das quais, sobretudo na produção de prova, não podia deixar de tomar conhecimento”, nos termos, designadamente das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo civil, aplicável por força, designadamente dos arts. 1.º e 140-º do CPTA, pelo que a sentença é nula.
12) Com o devido respeito, não fica o Recorrido a perceber, nem o Recorrente explica, quais as concretas razões que sustentam o apontado vício da sentença, parecendo apenas manifestar discordância e impugnar matéria de facto dada como provada ou não provada, embora o faça de forma que, para o Recorrido, não se afigura muito clara e percetível, além de não ter dado cumprimento aos ónus previstos no art. 640.º do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.
13) De facto, salva melhor opinião, o Recorrente não identifica, pelo menos na totalidade, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados na sentença recorrida, limitando-se a alegar que ficou provado “à saciedade” que o Recorrido abandonou o seu posto às 18:00 horas, que “existe hierarquia”, que existe “desconhecimento de qualquer teor de conversa entre o A., ora Recorrido, e a sua chefia direta” e que “ficou, ainda patente, a inexistência de autorização para que o A. se pudesse ausentar”, sem especificar, pelo menos em relação a todas essas suas alegações, que concretos meios probatórios as sustentam, sendo certo que, quando o faz, remete para determinados “minutos da gravação da audiência”, sem indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, conforme impõe a alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC.
14) Por esta razão, deve o recurso ser rejeitado, em conformidade com o estabelecido no citado art. 640.º do CPC.
Em todo o caso, e por cautela de patrocínio, sublinha-se o seguinte quanto às alegações feitas pelo Recorrente na parte II do seu recurso:
15) Relativamente à hora de saída de serviço do Autor, foi alegado na petição inicial que, depois de falar com os seus superiores hierárquico “o Autor saiu do serviço, pelas 18.40”, facto que, aliás, corresponde ao que estava alegado no art. 18.º da acusação deduzida contra o Autor, ao que foi reconhecido por este na sua defesa escrita e ao que foi dado como provado na decisão disciplinar28 [28 Cf. Decisão disciplinar, a fls. 200 e ss. do PA, mais concretamente art. 18.º da matéria dada como provada.], porque resultava “da visualização das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas na portaria do estabelecimento prisional”.
16) Andou bem, por isso, o tribunal a quo ao dar como assente que o Autor saiu do estabelecimento prisional pelas 18h40.
17) Também não há, nem nunca houve, qualquer controvérsia em relação à hora em que o Autor saiu do seu posto de trabalho, no 3.º piso da Ala B do estabelecimento prisional. Tal aconteceu pelas 18h00, conforme foi alegado na petição inicial (art. art. 41.º), dado como assente na decisão disciplinar (art. 14.º, 1ª parte, da matéria de facto provada) e foi sempre reconhecido pelo Autor, mesmo em sede do processo disciplinar (cf. art 18.º, 19.º e 20.º da defesa escrita).
18) Não existe, pois, nada de controverso em relação a esta matéria, não se alcançando (nem esclarecendo o Recorrente) em que medida é que ela assume relevância ou é apta a pôr em causa a validade ou acerto da sentença recorrida.
19) Relativamente à alegação de que “existe hierarquia”, com o devido respeito, também não se compreende a sua pertinência, já que nunca foi posta em causa a existência de hierarquia, nem o tribunal a quo se esqueceu disso. Bem pelo contrário, essa circunstância está na base do primeiro fundamento que levou o tribunal a quo a decidir o que decidiu: que a decisão disciplinar é inválida porque o Autor foi autorizado a sair do serviço por quem era hierarquicamente superior.
20) No que respeita ao invocado “desconhecimento de qualquer teor de conversa entre o A., ora Recorrido, e a sua chefia direta”, nota-se apenas que tal não corresponde à verdade, uma vez que, conforme resulta da sentença recorrida29, a testemunha DD confirmou que “em conjunto com o autor, foi ter com o graduado de serviço – BB – tendo sido formulado por ambos exatamente o mesmo pedido - sair naquele dia às 18h00 e não às 19h00, como estava previsto, desde que o serviço não ficasse afetado.”. Foi, aliás, com base neste depoimento, que foi dado como assente que a factualidade descrita no ponto 14 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
21) Por fim, alega também o Recorrente – sem razão - que ficou “patente” a inexistência de autorização para que o Autor se pudesse ausentar do serviço, acrescentando que não se entende “o iter cognoscitivo da decisão”, mais referindo que a sentença recorrida “não esclarece a razão de ter preterido as declarações documentalmente prestadas e que foram corroboradas em audiência pela testemunha que foi substituir o A., ora Recorrente, na falta deste, na sequência do abandono do posto de trabalho do Autor”.
22) A fundamentação da decisão tomada quanto à matéria de facto contida nos factos provados 14 a 21 e factos não provados c) e d), que não mereceram qualquer impugnação do Recorrente, explica, de forma clara e até extensiva, por que razão ou razões decidiu dar prevalência a determinadas provas em detrimento doutras e concluiu que o Autor não saiu do serviço sem ter sido previamente autorizado.
23) E, concluindo pela existência de autorização superior, dada inclusivamente com a cobertura do regime previsto no artigo 3.º, n. 1 e 11, do Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo despacho n. 9389/2017, forçosamente teria o tribunal a quo de concluir pela inexistência de infração disciplinar e decidir-se pela anulação da decisão disciplinar.
24) A sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura, nesta parte.
25) O Recorrente também se insurge contra a sentença recorrida por nela ter sido reconhecida a ineficácia dos atos de 29/11/2017 e 03/01/2018.
26) Como resulta dos autos, mais concretamente da petição inicial, o Autor, ora Recorrido, invocou a ineficácia dos atos de 29/11/2017 e 03/01/2018 como fundamento de invalidade da própria decisão disciplinar, pedindo a declaração de nulidade daqueles atos obviamente para a hipótese de não vir a ser reconhecida a sua ineficácia (até porque, nos termos do disposto no art. 54.º, n. 1 do CPTA, os atos ineficazes não são impugnáveis).
27) O Tribunal a quo considerou e bem que os atos em causa não eram eficazes em relação ao Autor, por não ter sido feita qualquer prova da sua respetiva notificação, dando como não provado que foram alvo de notificação e/ou publicitação.
28) E com base nessa razão (e também noutras), anulou a decisão disciplinar, conforme havia sido pedido pelo Autor, negando provimento aos restantes pedidos, ou seja, à declaração de nulidade dos atos de 29/11/2017 e 03/01/2018.
29) A ineficácia dos atos em causa foi, portanto, decidida e reconhecida com os efeitos e alcance previsto no art. 160.º do CPA, ou seja, para se concluir que os atos de 29/11/2017 e 03/01/2018 - que, na tese da decisão disciplinar, impunham ao Autor o dever de prestar o trabalho suplementar entre as 16h00 e as 19h00 - não lhe eram oponíveis, o que naturalmente invalidaria a decisão disciplinar.
30) E este reconhecimento da ineficácia daqueles autos nada tem a ver, obviamente, com a suspensão de eficácia prevista no art. 128.º do CPTA que se aplica a atos plenamente eficazes e que são objeto de processo cautelar com vista à suspensão dessa eficácia até ser decidida a causa principal, onde será apreciada a respetiva validade.
31) Alega também o Recorrente que o reconhecimento da ineficácia destes atos não era admissível porque os atos em causa não são atos administrativos, questão que já havia levantado na fase dos articulados e que o tribunal a quo decidiu no despacho saneador, considerando que os tais atos eram atos administrativos e que nada obstava à cumulação dos pedidos formulada na petição inicial.
32) Esta decisão deve ser mantida, não só porque é acertada, mas também porque não foi impugnada por via do presente recurso.
33) Em todo o caso, e por cautela de patrocínio, sempre se dirá, em relação ao ato da Direção de Serviços e Segurança de 29-11-2017, que a alegação de que se trata de ato normativo ou regulamentar é infundada e até um pouco inusitada.
34) Desde logo, porque, se o fosse, o ato configuraria o regulamento de um regulamento, o que não faria muito sentido (como resulta do próprio ato, a sua emissão teve em vista “orientar” ou “definir os paços a seguir” dos escaladores para a implementação do Regulamento do Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional em 10 estabelecimentos prisionais, sendo certo que no que se refere à prestação de trabalho suplementar, o ato em causa vai para além do próprio RHTCGP, uma vez que define, em concreto, uma obrigação de prestar de trabalho suplementar e quais os trabalhadores que a ela estão sujeitos).
35) Depois, porque na sua emissão o Recorrente não obedeceu a qualquer procedimento, muito menos ao procedimento previsto nos artigos 97º e ss. do CPA.
36) Por outro lado, e conforme foi alegado na petição inicial, o ato em causa não tem carácter geral, antes se destinando a um conjunto determinado e limitado de trabalhadores – os trabalhadores em funções nos estabelecimentos prisionais identificados em 10. da petição inicial.
37) Nem as suas disposições, principalmente as que se referem à prestação de trabalho suplementar que são as que relevam para o presente caso, podem ser consideradas como disposições normativas – elas consubstanciam a determinação ou ordem para prestação regular e permanente de trabalho suplementar.
38) Em todo o caso, por mera cautela de patrocínio e para a eventualidade de vir a ser dada razão ao Recorrente nesta parte e se considerar tratar-se de regulamento ou ato normativo, teriam de ser sempre consideradas e apreciadas as circunstâncias que foram invocadas na réplica e que fundamentaram o pedido subsidiário de declaração de ilegalidade desse regulamento, ou seja: a. a. As razões alegadas na petição inicial, relacionadas com os requisitos de licitude da exigibilidade do trabalho suplementar
b. O facto do ato em causa não ter sido precedido de qualquer procedimento, muito menos ao procedimento previsto nos artigos 97º e ss. do CPA
Efetivamente:
c. Não foi feita qualquer publicitação do início do procedimento para a emissão do ato em causa (artigo 98º do CPA)
d. Nem elaborado qualquer projeto de regulamento (artigo 99º do CPA).
e. Nem assegurada a audiência previa dos interessados ou consulta pública (artigos 100º e 101º do CPA).
f. Nem o ato foi praticado pelo órgão competente.
g. Por outro lado, não foi o ato sujeito a qualquer publicação, conforme já foi alegado nos art. 17. a 19. da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos.
39) Por isso, ainda que se tratasse de regulamento, o mesmo seria inválido por carência absoluta de forma legal e consulta pública, bem como ineficaz (artigos 139º, 143º, e 144º do CPA).
40) Por fim, alega o Recorrente que “a sentença recorrida mostrou, ainda, desconhecer jurisprudência de referência como seja o acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00696/18.7BECBR, disponível em www.dgsi.pt
41) No entanto, é patente que a jurisprudência citada nunca teria aplicação ao caso concreto, uma vez que respeita a um incumprimento de serviços mínimos decretados no âmbito de uma greve, tendo em conta necessidades essenciais e impreteríveis, cuja exigibilidade decorre de decisão de tribunal arbitral e/ou tribunal judicial, e não de qualquer dos atos impugnados no âmbito da presente ação.
42) O Recorrido considera que o Tribunal a quo decidiu bem ao anular a decisão disciplinar, pelos vários vícios reconhecidos na sentença
43) No entanto, na hipótese de assim não se entender, o Recorrido, por cautela e ao abrigo do art. 636.º n.º 1 do CPC, requer a ampliação do recurso, por forma a que sejam apreciadas as questões em que decaiu, e que igualmente motivariam a invalidade da decisão disciplinar e ainda a invalidade dos atos de 29/11/2017 e 03/01/2018.
Efetivamente,
A. DA INEXIGIBILIDADE DO TRABALHO SUPLEMENTAR E CONSEQUENTE INVALIDADE DA DECISÃO DISCIPLINAR
44) Ao contrário do que é referido na decisão disciplinar e na sentença recorrida, o horário de trabalho do Autor previsto para o dia 06.02.2018 era das 8h00 às 16h00 e não das 8h00 às 19h00, conforme resulta claramente do art. 10.º n.º 4 do RHTCGP, que prevê os horários a praticar de cada turno, sendo certo que, no presente caso, se tratava de turno de “2º dia” com horário das 8h00 às 16h00.
45) Por isso, o trabalho previsto na escala do dia 06-02-2018 para depois das 16h00 sempre teria de corresponder a trabalho suplementar (cf. n. º1 do art. 226º do Código do Trabalho, ex vi art. 120º, n. 1 da LTFP).
46) Impugna-se, por isso, o facto alegado no art. 11.º da matéria dada como provada na sentença recorrida, devendo em substituição ser dados como provados os factos alegados nos art. 26.º a 30.º da petição inicial, ou seja, que:
a. A partir de 2 de janeiro de 2018, o Autor passou a exercer o seu trabalho no regime de trabalho por turnos organizado nos termos descritos no n. 4 do artigo 10º do RHTCGP.
b. Exceto no que respeita ao turno do segundo dia, dado que, nesse caso, as escalas de serviço elaboradas pelos seus superiores hierárquicos sempre previram como horas de início e termo do trabalho as 8H00 e 19H00, respetivamente.
c. Assim, a partir de 02 de janeiro de 2018, o Autor, em cada 6 dias, passou a trabalhar:
i. no 1ª dia: das 8H00 às 16H00
ii. no 2ª dia: das 8H00 às 19H00
iii. no 3ª dia: das 16H00 às 24H00
v. no 4ª dia: descanso
v. no 5ª dia: das 00H00 às 8H00
vi. no 6ª dia: descanso.
d. No dia 06.02.2018, o Autor encontrava-se no 2ª dia daquele período de seis.
e. E, de acordo com a escala de serviço elaborada para esse dia, integrado no designado “3º Turno”, para o qual se previa como hora de início do trabalho as 8H00 e hora de saída as 19H00 (cf. documento de fls. 57 do PA).
47) Nenhum dos factos acima alegados foi impugnado pelo Recorrente, pelo que devem considera-se assentes, por acordo ou confissão, acrescendo que correspondem à posição defendida pelo Recorrente e ao que resulta de vários documentos constantes dos autos, designadamente do despacho de fls. 69 do PA, proferido pelo Sr. Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em 10-11-2017, das escalas constantes do PA a fls. 57 e 84, referentes aos dias 4 e 6 de fevereiro de 2018 e do ato da Direção de Serviços e Segurança de 29-11-2017, a fls. 71 e ss. do PA, que estabelece a forma como deveria ser prestado/organizado o trabalho por turnos, determinando como princípio que “os elementos designados para cumprir o 2º turno das 08H00-16H00 permanecem ao serviço até às 19H00, de forma a garantir o apoio necessário aos elementos que entram no turno das 16H00- 00H00” (fls. 79);
48) Do exposto resulta que a saída do Autor pelas 18h40, alegadamente “por sua livre iniciativa” ou sem motivo, “contrariando as ordens emanadas”, teria de ser entendida, quando muito, como recusa de prestação de parte de trabalho suplementar (20 minutos), e não como violação do horário de trabalho, como é referido na decisão disciplinar e usado para fundamentar a aplicação de sanção ao Autor.
49) E sendo ou podendo ser apenas um caso de não prestação de trabalho suplementar é à luz do regime que regula esta matéria que a questão deve ser apreciada, concretamente o regime estabelecido no art. 227.º do Código do Trabalho (ex vi art. 120º, n.º 1 da LTFP) e no art. 120.º, n. 2 e 3 da LTFP.
50) Destes normativos e também dos preceitos constitucionais previstos no artigo 59.º, nº 1, alínea b/ e d/ da CRP, resulta que o recurso ao trabalho suplementar só será possível mediante a existência de circunstâncias excecionais e transitórias, que não justifiquem a admissão de trabalhador, e será lícito se respeitar os limites temporais legalmente estabelecidos.
51) Está em causa a proteção de direitos fundamentais do trabalhador ao descanso, à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a permitir a realização pessoal do trabalhador, à conciliação da vida familiar com a vida profissional e à proteção da vida familiar.
52) Ora, com a entrada em vigor e aplicação do RHTCGP e das respetivas “normas para implementação” (fls. 71 e ss. do PA), o trabalho suplementar é exigido aos trabalhadores do CGP de forma regular e permanente, durante todo o ano, e não por ocorrência de qualquer circunstância excecional.
53) Foi o que aconteceu com o Autor, que, com a entrada em vigor deste Regulamento, mas sobretudo por força das suas “normas de implementação” fixadas no ato de 29-11-2017, ficou sujeito ao regime de turnos e passou a ter de prestar trabalho suplementar sempre no segundo dia dum conjunto de seis, quando está escalado para o turno compreendido entre as 8.00h e as 16.00h, independentemente de qualquer acontecimento.
54) A exigência de trabalho suplementar nos termos acima descritos, feita de forma sistemática e permanente e não em circunstâncias excecionais e transitórias, que não justifiquem a contratação de trabalhadores, é ilícita, destina-se a assegurar necessidades normais e permanentes de qualquer estabelecimento prisional e não passa de um mecanismo usado para suprir a insuficiência de trabalhadores que é, aliás, reconhecida.
55) De facto, refere-se no ato da Direção de Serviços e Segurança de 29/11/2017 que “está claramente identificada a necessidade de realização de trabalho suplementar entre as 16H00 e as 19H00, devendo ser estabelecido um padrão na gestão dos elementos disponíveis”, de forma a que “os elementos de um dos turnos que trabalha entre as 8H00 e as 16H00 deve garantir a realização de trabalho suplementar até às 19H00, o que garantirá, de forma permanente, a satisfação das necessidades associadas ao jantar e fecho dos reclusos”.
56) Também no requerimento/pedido de autorização para serem ultrapassados os limites legalmente fixados de trabalho suplementar, dirigido pelo Senhor Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais à Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, se reconhece que “ao longo dos anos tem vindo a constatar-se que o número de efetivos é insuficiente para assegurar o normal serviço de vigilância e segurança, fundamento esse que tem vindo a servir de base para a autorização da realização de trabalho suplementar.” (cf. fls 81 do PA).
57) Verifica-se, pois, que o trabalho suplementar que foi exigido ao Autor entre as 16h00 e as 19h00 e que continua a ser exigido a todos os elementos do Corpo da Guarda Prisional se destina a satisfazer necessidades permanentes de serviço relacionadas o “jantar e fecho dos reclusos” (que, naturalmente, ocorre todos os dias) e que são resultantes de carências de pessoal invocadas pelo próprio Recorrente (ou seja, necessidades que justificariam a admissão de trabalhadores).
58) Por isso, a exigência deste trabalho suplementar entre as 16h00 e as 19h00 – que ainda hoje se verifica – jamais poderá considerar-se lícita, por constituir uma violação clara das normas dos art. 227.º, n. 1 e 2 do Código do Trabalho, art. 120.º, n. 2 e 3 da LTFP e dos princípios constitucionais que aquelas normas visam salvaguardar.
59) O que equivale a dizer que os atos de que emerge essa exigência – o ato datado de 29.11.2017 e o despacho de 03.01.2018 – são ilícitos, por ofenderem aquelas normas e princípios constitucionais.
60) Com o devido respeito, não tem razão o tribunal a quo quando afirma que este trabalho suplementar se encontra justificado com base nas razões indicadas no pedido/requerimento de autorização dirigido pelo Senhor Diretor Geral de Reinserção e serviços prisionais à Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça.
61) Em primeiro lugar, porque essas razões foram invocadas e acolhidas para tornar legítima uma eventual transposição dos limites legais de duração do trabalho suplementar e não para legitimar o trabalho suplementar efetivamente exigido, diariamente, entre as 16H00 e as 19H00.
62) Por outro lado, porque o trabalho suplementar não pode ser justificado por insuficiência de recursos humanos, ainda para mais, como se admite no mesmo despacho, uma insuficiência que se verifica “ao longo dos anos” e que torna necessário trabalho suplementar para “assegurar o normal serviço de vigilância e segurança”.
63) Acresce que o ato de 29/11/2017, praticado pela Direção de Serviços e Segurança, não foi sujeito a homologação pelo Senhor Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais o que, pelo menos na parte em que constitui ato determinativo da prestação de trabalho suplementar, é causa de invalidade, uma vez que a entidade legalmente competente para determinar ou autorizar a prestação de trabalho suplementar é o Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e não aquele serviço.
64) Foi este, aliás, o entendimento defendido pelo Recorrente, no âmbito de um outro processo disciplinar que correu termos sob o número 981/..., contra outro trabalhador do Corpo da Guarda Prisional, de nome EE, na qual é sufragado um entendimento muito diferente, se não mesmo oposto, ao entendimento que o Recorrente defendeu nos presentes autos, sendo certo que que trata casos em tudo semelhantes.
65) No caso dos presentes autos, à semelhança do que havia sucedido naquele processo disciplinar identificado no número anterior, também não existiu qualquer despacho da entidade legalmente competente – o Senhor Subdiretor-geral -, prévio à escala de fls. 57 do PA, a autorizar ou a determinar a realização concreta de trabalho suplementar no Estabelecimento Prisional ..., especificamente no dia 6 de fevereiro de 2018, ou em período mais amplo (ato administrativo escrito, produtor de efeito jurídico individual e concreto sobre os trabalhadores), sendo certo que, tal como defendeu o Recorrente no processo n. 981/..., quer o despacho de 3 de janeiro de 2018 da Exma. Secretária de Estado Adjunta e da Justiça quer o ato administrativo (ou regulamento) da Direção de Serviços de Segurança da DGRSP de 29.11.2017, que também contém um conjunto de “princípios” que visaram “garantir a uniformidade de procedimentos”, não são suscetíveis de valer como tal.
66) Por isso, à luz da argumentação acima expendida, também não seria possível defender que o trabalho suplementar após as 16.00h foi efetivamente ordenado ao Autor, no dia 6 de fevereiro de 2018.
67) Pelas razões acima expostas, deverá concluir-se que o Autor não estava obrigado a prestar o trabalho suplementar determinado na escala do dia 06-02-2018 (entre as 16H00 e 19H00), trabalho esse que resultava ou decorria da previsão de atos administrativos inválidos por ofenderem as normas dos art. 227.º, n. 1 e 2 do Código do Trabalho, art. 120.º, n. 2 e 3 da LTFP e dos princípios constitucionais que aquelas normas visam salvaguardar e/ou por não terem sido praticados por quem tinha legitimidade, e que, por via disso, não cometeu a infração que lhe foi imputada, sendo a decisão de 23.04.2018, proferida pelo Senhor Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e que puniu disciplinarmente o Autor, anulável, nos termos do disposto no art. 163 do CPA.
B. DA NULIDADE DOS ATOS DE 29-11-2017 E 03-01-2018
68) Tal como já resulta do acima exposto, o ato administrativo datado de 29.11.2017, da autoria da Direção de Serviços e Segurança da DGRSP, e o despacho de 03.01.2018, proferido pela Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, violam claramente as normas acima referidas e os direitos fundamentais que elas visam salvaguardar e que são os direitos trabalhador ao descanso, à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a permitir a realização pessoal do trabalhador, à conciliação da vida familiar com a vida profissional e à proteção da vida familiar, que estão consagrados no art. 59.º n.º 1 alíneas b) e d) da CRP.
69) Por isso, no entender do Recorrido, os atos em causa são nulos, por força do disposto na alínea d), n.º 2 do art. 161.º do CPA.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso ser julgado improcedente e confirmar-se a sentença recorrida.
Subsidiariamente, ao abrigo do abrigo do art. 636.º n.º 1 do CPC e pelos fundamentos indicados no ponto IV desta peça processual, requer a ampliação do recurso, por forma a que sejam apreciadas as questões em que o Recorrente decaiu, e que igualmente motivariam a invalidade da decisão disciplinar e ainda a invalidade dos atos de 29/11/2017 e 03/01/2018.

O recorrente opinou pela inadmissibilidade da ampliaçao do objecto do recurso e pela sua falta de sustento.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer, concluindo que o recurso “deve ser julgado improcedente”.
*
Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
Os factos, consignados como provados na sentença recorrida:
1. O autor integra o Corpo da Guarda Prisional, desde 02/12/2002 e tem a categoria de guarda (cf. fls. 32 do PA).
2. O autor exerce funções no Estabelecimento Prisional ... (cf. fls. 32 do PA).
3. O autor faz parte do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (cf. depoimento de FF).
4. Por despacho n.º 9389/2017 de 26/09/2017, o Diretor Geral da Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais aprovou o Regulamento do Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional (cf. fls. 59 a 68 do PA).
5. O despacho referido no ponto anterior, foi publicado com o n.º 9389/2017 no DR, 2.ª Série – n.º 206 de 25/10/2017 (cf. fls. 59 a 68 do PA).
6. Por despacho de 10/11/2017, o Diretor Geral da Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais determinou a aplicação do novo horário de trabalho com efeitos a 2 de janeiro de 2019 nos Estabelecimentos Prisionais ..., ..., ..., ..., ... e ..., entre o mais, com o seguinte teor:
“(…)
Verificando-se que,
- a primeira fase do curso de formação do Corpo da Guarda Prisional terminou no passado dia 3/11/2017,
- a segunda fase (formação em contexto real de trabalho) inicia-se no próximo dia 20/11,
- Que se aproximam as Quadras Festivas do Natal e Fim do Ano, em que os trabalhadores integrados em regimes de trabalho por escala já têm previsibilidade dos respetivos horários a cumprir e das possibilidades de organização e planeamento da sua vida pessoal e sociofamiliar para esse período.
Entendeu-se que a implementação do novo horário de trabalho deve iniciar-se apenas os eventos supramencionados.
(…)
Comunique-se aos Diretores de EP para divulgação e afixação nos locais de estilo. Dê-se conhecimento aos Gabinete de Sua Ex.ª a Sra.ª SEAJ, às Associações Sindicais e Sindicatos representantes do Corpo da Guarda Prisional.
(…)”.
7. Em 29/11/2017, a Direção de Serviços de Segurança da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais elaborou um documento intitulado “Normas para implementação do Regulamento do Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional”, tendo por base o Despacho n.º 9389/2017 e o Despacho de 10/11/2017 (cf. fls. 71 a 80 do PA).
8. O referido documento no ponto 7) tem como destinatário o Estabelecimento Prisional ..., tendo, entre o mais, o seguinte teor:
“(…)
A implementação dos horários de trabalhos previstos nos artigos 9.º e 10.º do Despacho 9389/2017, de 26 de Setembro, deve obedecer a critérios claros e uniformes, assente em regras previamente definidas e que permitam uma transição suave do modelo atual, caracterizado pela existência de uma diversidade de escalas e, em muitos casos, adaptadas à realidade singular de cada EP. O presente documento pretende servir de base ao trabalho a desenvolver pelos escaladores e orientar a gestão a implementar pelos Chefes dos Serviços de Vigilância e Segurança de cada um dos Estabelecimentos Prisionais (EP’) abrangidos pelo Despacho do Diretor-Geral, datado de 10 de novembro de 2017.
Numa primeira fase, serão definidos os passos a seguir para iniciar a transição das escalas atuais para as duas escalas previstas no Regulamento (Horário Rígido e Horário por Turnos).
Numa segunda fase, serão dadas orientações para efetuar a gestão dos elementos que integrarão as duas escalas e as especificidades associadas a cada uma em concreto. Serão igualmente integrados os formulários desenvolvidos pela Direção de Serviços de Recursos Humanos, necessários para o registo do trabalho e das horas realizadas por cada um dos elementos.
(…)
1. HORÁRIO POR TURNOS
a. Caracterização e distribuição das equipas
Tendo por base o disposto no artigo 10.º do Regulamento, existe necessidade de criar 6 equipas de trabalho, que serão distribuídas por cada uma das situações em que se pode encontrar, de acordo com o seguinte quadro:
EQUIPA A 08H00-16H00
EQUIPA B 08H00-16H00
EQUIPA C 16H00-00H00
EQUIPA D DESCANSO (DCS)
EQUIPA E 00H00-08H00
EQUIPA FFOLGA






(…)
4.TRABALHO SUPLEMENTAR
A realização de trabalho suplementar deve igualmente respeitar critérios uniformes e claros, em função das necessidades do serviço e respeitando os limites legalmente estabelecidos.
Está claramente identificada a necessidade de realização de trabalho suplementar no período compreendido entre as 16H00 e as 19H00, devendo ser estabelecido um padrão na gestão dos elementos disponíveis.
Assim, os elementos de um dos turnos que trabalha entre as 08H00 e as 16H00 deve garantir a realização de trabalho suplementar até às 19H00, o que garantirá, de forma permanente, a satisfação das necessidades associadas a jantar e ao fecho dos reclusos.
Em regra, todos os elementos podem ser designados para realizar trabalho suplementar, devendo ser respeitados os limites remuneratórios legalmente estabelecidos. Os elementos serão designados em função das necessidades do serviço para assegurar tarefas tanto no interior como no exterior dos EP’s.
De forma a garantir uniformidade de procedimentos são estabelecidos os seguintes princípios:
1. Os elementos designados para cumprir o 2.º turno das 08H00-16H00 permanecem ao serviço até às 19H00, de forma a garantir o apoio necessário aos elementos que entram o turno das 16H00-00H00; Estes elementos serão os primeiros a ser designados para as diligências cuja previsão de terminar seja após o final do turno;
2. Nos dias em que se verifique um acréscimo de serviço podem ser designados, no mesmo período, elementos do 1.º turno das 08H00-16H00 e elementos inseridos no horário rígido;
3. Os elementos que se encontrem de serviço nos restantes turnos podem ser designados para a prestação de trabalho suplementar antes ou após o início dos respetivos turnos, entre outras, nas seguintes situações:
a) Diligências que impliquem um início de serviço mais cedo;
b) Diligências que se prolonguem para além da hora de saída;
c) Necessidade de assegurar a execução de tarefas em períodos de acréscimo de serviço ou para fazer face a situações de urgência;
d) Garantir custódias hospitalares.
4. A responsabilidade pela gestão do trabalho suplementar é do escalador, sob supervisão do Chefe do Serviço de Vigilância e Segurança;
5. Sempre que possível, devem ser designados para a realização de trabalho suplementar os elementos cujo registo de horas seja inferior, de forma a evitar que o limite remuneratório seja ultrapassado;
6. O registo das horas é efetuado diariamente e deve servir de base para o planeamento atempado das necessidades”.
(cf. fls. 71 a 80 do PA).
9. Por documento de 02/01/2018, o Diretor Geral da Reinserção e Serviços Prisionais pediu autorização à Secretária de Estado Adjunta e de Justiça, para a realização de trabalho suplementar pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional no ano de 2018, tendo, entre o mais, seguinte teor:
“(…) Ao longo dos anos tem vindo a constatar-se que o número de efetivos é insuficiente para assegurar o normal serviço de vigilância e segurança, fundamento esse que tem vindo a servir de base para a autorização da realização de trabalho suplementar.
(…)
Conforme resulta do meu despacho, datado de 10 de novembro do ano transato, em 2018 proceder-se-á à aplicação faseada do Regulamento do Horário de Trabalho do CGP (RHTCGP), o que irá implicar profundas alterações na organização dos horários de trabalho a praticar nos diversos estabelecimentos prisionais.
Resulta do exposto que se mantém a necessidade de realização de trabalho suplementar pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional embora se estime eu, com a aplicação do RHTCGP, venha a ocorrer uma significativa redução da sua prestação, adequando-se ao regime legal aplicável.
(…)”
(cf. fls. 81 do PA)
10. Por despacho de 03/01/2018, a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça deferiu a referida autorização mencionada no ponto anterior (cf. fls. 81 do PA).
11. No dia 06/02/2018, autor tinha de cumprir o horário das 08H00 às 19H00 (cf. fls. 57 do PA).
12. No dia 06/02/2018, o autor foi colocado a trabalhar no 3.º piso da Ala B do Estabelecimento Prisional ... (cf. fls. 57 do PA).
13. No dia 06/02/2018, o graduado de serviço era o Chefe BB que efetuava o controlo dos guardas presentes e escalados ao serviço (cf. depoimentos de CC, GG, HH e auto de inquirição de BB a fls. 51 do PA).
14. No dia 06/02/2018, o autor foi pedir a BB que promovesse a sua rendição pelas 18H00 (cf. depoimento de FF).
15. Às 16H00, o guarda prisional CC deslocou-se da sua área de trabalho – Corpo Central – para o piso 3 da Ala B para substituir o autor, por indicação de BB (cf. depoimentos de CC, GG, HH).
16. Por indicação do autor, CC voltou para o seu posto de trabalho inicial – Corpo Central –, tendo voltado para o Piso 3 da Ala B às 18H00 (cf. depoimentos de CC, GG, HH).
17. No dia 06/02/2018, o autor saiu do estabelecimento prisional às 18h40 (por acordo).
18. Antes de sair do Estabelecimento Prisional, o autor perguntou a HH se podia sair (cf. depoimento e auto de inquirição de HH).
19. HH deu autorização ao autor para sair, mas antes para falar com BB (cf. depoimento e auto de inquirição de HH).
20. O autor voltou a falar com BB para confirmar a sua saída (cf. depoimento de HH).
21. Nesse dia, HH encontrava-se a coadjuvar BB, no período das 16H00 às 19H00, nas funções de chefia (cf. depoimento e auto de inquirição de HH).
22. No dia 06/02/2018, foi elaborada informação por parte de BB, dando conta que o autor se recusou a continuar o serviço das 18H00 às 19H00, saindo do Estabelecimento Prisional às 18H00 (cf. fls. 4 do PA).
23. Em 12/02/2018 foi iniciada a instrução do processo disciplinar contra o autor, que correu termos no âmbito do processo AUD.D/2018/7 (cf. fls. 9 do PA).
24. Em 23/02/2018, foi proferida acusação no âmbito do processo mencionado no ponto anterior, entre o mais, com o seguinte teor:
“(…)
8.º
No dia 6 de fevereiro de 2018, o AA encontrava-se escalado para prestar serviço, no referido estabelecimento prisional, no 3.º turno, no 3.º piso, Ala B, cujo período normal de trabalho decorre entre as 08.00 e as 16.00/19.00 horas, cf. escala de serviço afixada a dia 5 de fevereiro.
9.º
Na mesma escala de serviço, estavam contempladas um período de horas de trabalho suplementar, entre as 16.00 e as 19.00 horas, que o AA deveria efetuar e que decorriam do referido nos números 4.º a 7.º do articulado da presente acusação.
10.º
O AA era e é conhecedor, daquela necessidade era e é conhecedor dos referidos despachos, pela sua ampla divulgação, porque a escala afixada reflete os horários previsos, nos despachos supra referidos e porque o não cumprimento se deveu, como é, aliás, público e notório, à não concordância com estes.
11.º
O AA estava escalado para exercer as suas funções de vigilância no 3.º piso, Ala B. 12.º
No período da manhã, o AA dirigiu-se ao chefe de equipa e informou-o que não iria cumprir com a totalidade do seu horário de trabalho, avisando que iria sair às 18.00 horas, não efetuando o trabalho escalado para o período compreendido das 18.00 às 19.00.
13.º
Nesse mesmo momento, foi informado pelo chefe de equipa que estava obrigado a prestar o serviço até às 19.00 e advertido que caso se retirasse do serviço teria de participar essa ocorrência. Em ato simultâneo, o chefe de equipa, na presença do arguido, contactou o Sr. Comissário do EP, reforçando, após conversa com o superior hierárquico, que não poderia abandonar o serviço pois estava escalado naquele dia para cumprir trabalho suplementar.
14.º
Chegadas as 18.00, o trabalhador AA, por sua livre iniciativa, retirou-se e abandonou o posto para o qual estava escalado e onde se encontrava a prestar as suas funções, expressando verbalmente que se ia embora e que não efetuava mais o serviço, não obstante ter sido advertido pelo graduado de serviço para que não o fizesse, interrompendo, sem motivo atendível, a sua prestação laboral.
15.º
Entre as 18.00 e as 19.00 competia-lhe efetuar o controlo e vigilância e mais especificamente o controlo e vigilância da abertura das celas, pelas 18.45 e encerramento geral, pelas 19.00 horas.
16.º
O AA, estando escalado no turno referenciado, deveria ter cumprido, na íntegra, com o horário estipulado na escala de serviço, das 08.00 às 16.00/19.00 horas, ao abandonar o posto de trabalho, sabia que estava a prejudicar gravemente o serviço, colocando em casa a execução das tarefas referidas no artº 15.º desta peça.
17.º
Para que se pudesse dar cumprimento às tarefas indicadas no artº 15.º desta peça, uma vez que se trata de período do dia em que os reclusos do regime comum estão abertos e decorrem as refeições nos refeitórios, teve que ser chamado para estas funções outro colega, caso contrário as mesmas não poderiam ser executadas e, com isto, colocada em causa a segurança do estabelecimento prisional. A colocação de um colega a efetuar as funções que se recusou a efetuar, implicou que este tivesse de ser retirado de outro serviço e assim tendo fragilizado este.
18.º
Após visualização das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas na portaria do exterior do estabelecimento prisional, verificou-se que o trabalhador saiu do estabelecimento prisional, passando da portaria para o exterior às 18.40 horas, ausentando-se do posto de trabalho, contrariando as ordens emanadas e violando o seu horário de trabalho para o qual tinha prévio conhecimento.
19.º
O AA bem sabia que só se podia ausentar do posto de trabalho, a que estava escalado, depois das 19.00 horas, bem como sabia dos prejuízos para o normal funcionamento do EP e em particular do setor onde estava escalado, incumprindo com o designado nas als. a), b) e c) do n.º 1 do artigo 27.º do Estatuto.
(…)
21.º
Assim, o trabalhador incorreu na prática de infração disciplinar, pelo incumprimento do horário de trabalho a que estava adstrito e previamente avisado, colocando em causa ordem e segurança do EP, demonstrando falta de zelo, obediência, lealdade e assiduidade, bem como respeito pelo cumprimento da prossecução do interesse público. (…)
23.º
Com os comportamentos enunciados o trabalhador violou, por incumprimento das competências especialmente consignadas nas als. a), b) e c) do n.º 1 do artigo 27.º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, os deveres gerais da prossecução do interesse público, zelo, obediência, lealdade e assiduidade, a que está vinculado por força do preceituado nas disposições combinadas do artigo 5.º e 7.º do Decreto-Lei 3/2014, de 9 de janeiro que aprovou o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional e do artigo 73.º, n.º 2, als. a), e), f), g) e i) e nos n.ºs 3, 7, 8, 9 e 11 da LTFP.
III – DA SANÇÃO LEGAL
24.º
O AA violou os deveres gerais supra exposto, com grave negligência e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, sendo autor material de infracção disciplinar a que corresponde a sanção prevista no corpo do artigo 186.º e al. g) da LTFP, a que é abstratamente aplicável a pena consignada no artigo 181.º, n.º 3 e 4 do mesmo diploma legal.
IV – DAS ATENUANTES AGRAVANTES
25.º
A favor do trabalhador, o seu registo disciplinar, onde na consta qualquer condenação.
26.º
O trabalhador exerce funções na Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais desde 02/12/2002 e nos anos de 2005, 2006 e 2007, teve avaliação de desempenho “Bom”.
27.º
Em prejuízo do trabalhador concorrem as circunstâncias agravantes especiais do artigo 191.º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.ºs 2 e 4 da LTFP.
(…)”.
(cf. fls. 97-104 do PA).
25. Em 20/04/2018, foi proposta pelo Coordenador do SA/Norte a aplicação ao autor da sanção disciplinar de suspensão de funções, por um período de 40 dias, entre o mais com o seguinte teor:
“(…)
VII – Aqui chegados cumpre aferir da responsabilidade disciplinar e em concreto qual a sanção a aplicar.
Está aqui em causa a violação dos deveres gerais da prossecução do interesse público, zelo, obediência, lealdade e assiduidade, a que está vinculado por força do preceituado nas disposições combinadas do artigo 5.º e 7.º do Decreto-Lei 3/2014, de 9 de janeiro que aprovou o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional e do artigo 73.º, n.º 2, als. a), e), f), g) e i) e nos n.ºs 3, 7, 8, 9 e 11 da LTFP e o incumprimento das competências especialmente previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artº 27.º naquele estatuto.
O pessoal do corpo da guarda prisional está sujeito ao regime jurídico dos demais funcionários civis da administração pública, com a especialidade que decorre da sua função e que se encontra fixada em estatuto próprio, o DL n.º 3/2014 de 09/01, regulando quanto aos deveres o seu artº 18.º, normas que especializam toda uma conduta dos membros do corpo da guarda prisional, remetendo o art.º 7.º, do mesmo normativo legal, em termos disciplinares, para o regime geral previsto na Lei 35/2014, de 20/06.
Com a sobredita factualidade trabalhador, por ação, violou os deveres acima transcritos, com o propósito intencional doloso e com grave desinteresse pelo seu cumprimento. O seu comportamento atentou gravemente contra a dignidade e o prestigio da sua função quando desobedeceu de forma escandalosa a ordens superiores e deixou de efetuar o serviço para o qual estava escalado, colocando em causa a ordem e a segurança no estabelecimento prisional.
(…)”
(cf. fls. 180 a 198 do PA).
26. Por despacho de 23/04/2018, o Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais determinou a aplicação ao autor a sanção disciplinar de suspensão de funções, por um período de 40 dias (cf. fls. 200 do PA).
27. A Ala A tinha cerca de 300 prisioneiros (cf. depoimentos de GG e HH).
28. A Ala B tinha cerca de 200 prisioneiros (cf. depoimentos de GG e HH).
29. O jantar dos reclusos é servido, no refeitório a partir das 17h45 (cf. depoimentos de CC e HH)
30. A seguir ao jantar, os reclusos podem estar no pátio até às 18h45 (cf. depoimentos de HH).
31. Durante o período do jantar, as celas estão fechadas (cf. depoimentos de GG, HH).
32. Durante o período de jantar, os guardas prisionais que estão adstritos às alas, estão a vigiar o pátio (cf. depoimentos de GG).
33. As celas têm campainhas (cf. depoimento de HH).
34. A abertura das portas das celas, para os reclusos entrarem, dá-se às 18H45 (cf. depoimento de CC).
35. O encerramento geral dá-se às 19H00, hora em que todos os reclusos têm de estar no interior das celas (cf. depoimentos de CC e HH).
36. No corpo central, são sempre escalados, por cada turno, três guardas prisionais (cf. depoimento de HH).
37. Durante o período das 18H00 até às 19H00, o trabalho dos guardas prisionais que estão no corpo central é o de dirigir os prisioneiros para as celas (cf. depoimento de HH).
38. O autor, em 2005, 2006 e 2007, obteve a classificação de “Bom” (cf. fls. 39 do PA).
39. O autor pertence ao Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (cf. depoimento de DD).
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E julgou-se não provado:
a) O Autor foi notificado do despacho de 29/11/2017.
b) O despacho de 29/11/2017 foi alvo de publicitação.
c) O Autor foi notificado do despacho de 03/01/2018.
d) O despacho de 03/01/2018 foi alvo de publicitação.
e) O autor desobedeceu a ordens superiores.
f) No dia dos factos, BB disse ao autor que não podia sair às 18h00.
*
O mérito da apelação:
Em termos do julgamento de facto, no que se expressa supra quanto aos factos provados e não provados supra elencados, nada impõe sua modificação.
Em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, o recorrente tem de cumprir com os seguintes ónus impugnatórios: a) indicar, nas conclusões de recurso, os concretos pontos da matéria de facto que impugna; b) indicar, na motivação de recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto que impugna; c) indicar, na motivação, por referência a cada um dos pontos da matéria de facto que impugna, os concretos meios probatórios constante do processo, do registo ou gravação que impõem o julgamento de facto que propugna, devendo fazer uma análise crítica desses meios de prova, demonstrando as concretas razões pelas quais aqueles não consentem o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo, mas antes impõem o julgamento de facto que propugna; e d) quanto à prova gravada, terá, na motivação, de indicar o início e o termo dos excertos dos depoimentos e/ou declarações em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição desses excertos.” – Ac. deste TCAN, de 21-05-2021, proc. nº 01841/12.1BEBRG.
O recorrente aduz que “é manifesto que a prova documental, aliás contemporânea dos factos, evidenciam à saciedade que o A., ora Recorrido, abandonou o seu posto às 18:00 horas.
Veja-se, a este propósito, as declarações escritas a fls. 162 do PA, em que o trabalhador que foi substituir o ora Recorrido afirma que “quando chegou à ala B para substituir o AA, às 18h30 não estando aquele neste posto, tendo saído, pensa que às 18h00.”.
Declarações escritas do declarante – a primeira das testemunhas a ser inquirida em audiência, CC -, aliás reiteradas em audiência, na qual também reitera a existência de hierarquia (aos minutos da gravação da audiência: 11:26; 15:00; 25:45).” (cfr. corpo de alegações).
Mas que CC substituiu o autor no posto de trabalho às 18:00 horas é o que coincidentemente é perfeitamente captável na narrativa do que foi julgado provado, no sucessivo encadeamento fáctico expresso em 14., 15, e 16. do elenco fáctico; que aí se veja simultâneo “abandono”, isso já tem (outra) carga jurídica que carece de análise conclusiva dada por restante leitura fáctica.
Não tem qualquer sustento afirmar que “a sentença recorrida não esclarece a razão de, relativamente ao ato disciplinar punitivo, ter preterido as declarações documentalmente prestadas e que foram corroboradas em audiência pela testemunha que foi substituir o A., ora Recorrente, na falta deste, na sequência do abandono do posto de trabalho do Autor. O que constitui um vício da sentença. Não se entendendo, face ao exposto, o iter cognoscitivo da decisão.”; não existe semelhante preterição ou vício; e se não existe não tem de ser esclarecida na suposição de que exista, ficando o não entendimento do recorrente no domínio das suas dificuldades de percepção.
O recorrente aponta que:
Ficou ainda demonstrado que se encontram nos autos:
- O ato datado de 03.01.2018 a autorizar a realização de trabalho suplementar pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional no ano de 2018, com dispensa dos limites legalmente estabelecidos quanto à sua duração; e
-O ato administrativo da Direção de Serviços e Segurança da Direção-Geral de reinserção e Serviços Prisionais de 29.11.2017”.
Mas a decisão recorrida em nada se opõe à sua existência, pelo contrário!
Mais aduz que “ficou patente na prova produzida em audiência:
- a existência de hierarquia, declarada por todas as testemunhas;
- o desconhecimento de qualquer teor de conversa entre o A., ora Recorrido e a sua chefia direta, declarado por todas as testemunhas;
- ficou, ainda patente, a inexistência de autorização para que o A. se pudesse ausentar.”.
Ora, a existência de hierarquia não é contrariada em qualquer momento do julgamento de facto, seja pelo que foi apurado como provado, seja pelo que foi julgado não provado; a afirmação do desconhecimento de qualquer teor de conversa entre o A., ora Recorrido e a sua chefia direta, é desacompanhada de conexão para com o julgamento de facto feito a modos de cumprir com os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC; tal como sucede com a afirmada inexistência de autorização para que o A. se pudesse ausentar (sem embargo do que, ao adiante, em juízo crítico e sobre ilação se possa apreciar pelo que se encontra fixado).
Posto isto.
O autor peticionou:
a) Ser anulado o ato administrativo praticado pelo Senhor Diretor de Reinserção e Serviços Prisionais datado de 23-04-2018, que aplicou ao Autor a pena disciplinar de 40 dias de suspensão;
b) Ser declarado nulo o ato administrativo da Direção de Serviços e Segurança da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais datado de 29.11.2017, que serviu de fundamento ao ato referido na al. a);
c) Ser declarado nulo o ato administrativo datado de 03.01.2018, praticado pela Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, que autorizou a realização de trabalho suplementar pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional no ano de 2018, com dispensa dos limites legalmente estabelecidos quanto à sua duração, e que também serviu de fundamento ao ato referido na al. a)”
O Mmº Juiz julgou “parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência:
a) anulo o ato de 23/04/2018, proferido pelo Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão;
b) declaro a ineficácia dos atos de atos de 29/11/2017 e 03/01/2018, não sendo estes oponíveis ao autor, por falta de notificação.” [nesta última estatuição perceptível um erro de escrita].
O recorrente imputa que a sentença é nula nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil.
O art. 615.º, n.º 1, do CPC, enumera taxativamente as específicas causas, de nulidade, determinando que (apenas) podem consistir na omissão da assinatura do juiz [al.a)]; na omissão da especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão [al.b)]; na contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [al.c)]; na omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia [al.d)]; na condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [al.e)]; o seu n.º 4 disciplina perante qual tribunal devem ser arguidas.
«Todavia, nenhuma nulidade verte quando, como é correntemente afirmado, “só a absoluta falta de fundamentação é motivo de nulidade da sentença, sendo que uma fundamentação insuficiente ou medíocre dos respectivos fundamentos apenas permite que a decisão venha a ser revogada ou alterada em via de recurso” (cfr. Ac. do STA, de 30-10-2014, proc. nº 0681/14)» – Ac. deste TCAN, de 19-02-2016, proc. nº 01340/15.0BEPRT; «Só ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação quando esta é absoluta» - Ac. deste TCAN, de 12-09-2014, proc. nº 00431/14.9BEPRT.
Não é certamente o caso; como já decorre do que supra se consignou, o tribunal “a quo” verteu julgamento de facto, e alicerçou de direito, dando a solução jurídica com que, precisamente, o recurso procura modificação.
E «saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, corretamente realizada, ou se a norma selecionada é a aplicável, e foi corretamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo nº 00A3277)» – Ac deste TCAN, de 15-07-2021, proc. n.º 474/20.3BECBR.
Não se detectando qualquer obscuridade que torne a decisão ininteligível porque não se “atentou nas noções de “validade” e de “ineficácia” e não detalhou os conceitos jurídicos, o que obscurece a decisão”; pelo contrário, bem se vê que atentou tratar-se de realidades jurídicas distintas; que não se tenha detalhado conceito, daí também não advém obscuridade, quando não se alcança que, por essa falta, se depare ininteligibilidade; “A ambiguidade ou a obscuridade apenas relevam quando gerem ininteligibilidade, id est, quando um declaratório normal não possa extrair da parte decisória (e só desta) um sentido ou alcance unívoco, mesmo depois de lançar mão da fundamentação para a interpretar. Se os recorrentes compreendem bem os fundamentos e apenas não concordam com eles, nem com a respetiva decisão, não se verifica a alegada ambiguidade/obscuridade originadora de ininteligibilidade” (Ac. do STJ, de 08-09-2020, proc. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1); e sobre o detalhe dos conceitos o próprio recorrente se tem habilitado a uma inteligível percepção, quando o próprio situa que “a validade de um ato administrativo traduz-se na aptidão intrínseca do ato para produzir efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica (cfr. os arts. 161.º e seg. do Código do Procedimento Administrativo, CPA); por outro lado, a eficácia consiste na efetiva produção dos mesmos efeitos (cfr. os arts. 155.º e seg. do Código do Procedimento Administrativo, CPA).” (cfr. corpo de alegações).
Já será de censurar a decisão recorrida por não ter respeitado os seus limites de cognição, contra princípio de identidade de causa de pedir e causa de julgar.
«Há nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. E há nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o tribunal se ocupa de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.» - Ac. do STA, de 11-05-2016, proc. n.º 01668/15.
Efectivamente, e acabando por “condenar” em objecto diverso do pedido, excedeu pronúncia, ocupando-se – e não se trata de uma mera questão de diferente qualificação (tanto assim que sobre o que o autor veio imputar para sustento de nulidade dos ditos “actos”, a sentença não acolheu causa de invalidade, nessa medida se compreendendo que tenha concluído por julgar “parcialmente procedente a presente ação”, mesmo que sem expressa menção de absolvição do pedido formulado) - de questão de eficácia que não estava em confronto.
Pelo que, em tal parte, a decisão recorrida é nula, tendo de ficar expurgada do excesso.
Donde, neste segmento que afecta a pronúncia, a decisão não pode manter-se.
Ficará de retomar o tema ao adiante, a propósito da ampliação, caso se justifique, perante a sorte do recurso.
Vejamos.
Por despacho proferido pelo Senhor Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em 26/09/2017, publicado com o n.º 9389/2017 no Diário da República n.º 206/2017, Série II de 2017-10-25, foi aprovado o Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional (RHTCGP), dando cumprimento ao previsto no n.º 3 do art.º 62.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional (EPCGP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 09/01.
Em matéria de duração do trabalho, prevê o art.º 5.º, n.º 1, do RHTCGP que “a duração semanal do trabalho é de trinta e cinco horas, distribuídas por um período normal de trabalho diário de sete horas, de segunda a domingo, incluindo formação, sem prejuízo do previsto no Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional e no presente regulamento”.
Acrescenta o art.º 8.º do RHTCGP, com a epígrafe “Regras específicas dos regimes de prestação de trabalho do pessoal do Corpo da Guarda Prisional”, que, “sempre que necessário para o regular funcionamento do serviço, a duração do período normal de trabalho diário dos elementos do Corpo da Guarda Prisional, pode ser acrescida de um período de 15 minutos destinado à passagem de serviço” (n.º 1). Por outro lado, “o período normal de trabalho pode ser prolongado para além das sete horas, sempre que se verifiquem situações excecionais que comprometam o normal funcionamento do serviço ou a segurança prisional” (n.º 2), sendo que, “sem prejuízo da ocorrência de situações excecionais, diariamente não podem ser prestadas mais de nove horas de trabalho” (n.º 3).
No que se refere ao trabalho suplementar, e para além do que decorre dos normativos acima transcritos, tem, ainda, aplicação ao CGP o disposto no art.º 120.º da LGTFP (ex vi art.º 17.º, n.º 1, do RHTCGP), cujos n.ºs 1 e 2 estipulam que “é aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos artigos seguintes, o regime do Código do Trabalho em matéria de trabalho suplementar”, ficando este sujeito, por trabalhador, “aos seguintes limites: a) 150 horas de trabalho por ano; b) duas horas por dia normal de trabalho; c) um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados; d) um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar”. No entanto, estes limites “podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 /prct. da remuneração base do trabalhador: (…) b) em circunstâncias excepcionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência” (n.º 3).
Segundo o art.º 227.º do Código do Trabalho, “o trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador” (n.º 1), podendo ainda “ser prestado em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade” (n.º 2). Acresce que “o trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa” (n.º 3) (sublinhado nosso).
Dispõe o art.º 2.º do RHTCGP, com a epígrafe “Disponibilidade”, que “o serviço do Corpo da Guarda Prisional considera-se de carácter permanente e obrigatório, sendo considerados dias de trabalho todos os dias da semana, sem prejuízo dos dias de descanso semanal obrigatório e complementar, bem como das férias, faltas e licenças, nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, e sem prejuízo do previsto no regime geral aplicável em matéria de compensação por trabalho suplementar” (n.º 1). O pessoal do CGP “não pode recusar-se, sem motivo justificado, a comparecer no local de trabalho ou a nele permanecer, para além do período normal de trabalho, nem a eximir-se de desempenhar qualquer missão de serviço, desde que compatível com seu conteúdo funcional” (n.º 2). Nestas situações, os trabalhadores do CGP “são compensados nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, nos termos legalmente previstos e que não colidam com o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional” (n.º 3) (sublinhado nosso).
O art.º 3.º do RHTCGP, com a epígrafe “Deveres de assiduidade e pontualidade”, estabelece que “o pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve cumprir os regimes de prestação de trabalho resultantes do presente regulamento, comparecendo regular e continuadamente ao serviço, não podendo ausentar-se sem autorização do responsável de vigilância ou de quem o substitua, salvo nos casos previstos na lei ou em situações devidamente justificadas” (n.º 1). E, “sem prejuízo do regime normal de trabalho, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve ainda apresentar-se ao serviço quando convocado, sempre que situações de necessidade urgente, nomeadamente de ordem e segurança prisional, exijam a sua presença, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado” (n.º 2) (sublinhado nosso).
Sob “Da anulabilidade da decisão de 23/04/2018”, o tribunal “a quo” desenvolveu:
«(…)
Resulta da matéria de facto provada que, no dia dos factos, o autor teria que cumprir o horário das 08h00 às 19h00, sendo que das 16h00 às 19h00 seria prestado trabalho suplementar.
Nesse dia, de manhã, o autor foi pedir autorização a BB, Graduado de Serviço, para sair do serviço mais cedo, ou seja, à 18h00. Apesar de não lhe ter sido dada uma resposta específica, BB providenciou a rendição do autor.
Naturalmente, a existência de um colega para o substituir na última hora do turno, das 18h00 às 19h00, levou a crer o autor que teria sido autorizada a sua saída. Contudo, este agindo de forma cautelosa, antes de sair do serviço, ainda foi perguntar a outro graduado de serviço, HH, tendo obtido a sua anuência.
De seguida, por indicação deste graduado de serviço, o autor voltou a perguntar a BB que, atendendo às regras da experiência, depois de ter proporcionado a sua rendição, terá anuído com a saída do autor.
Ora, de facto, de acordo com o artigo 3.º, n.º 1 Despacho n.º 9389/2017, que aprovou o Regulamento de Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional: “O pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve cumprir os regimes de prestação de trabalho resultantes do presente regulamento, comparecendo regular e continuadamente ao serviço, não podendo ausentar-se sem autorização do responsável de vigilância ou de quem o substitua, salvo nos casos previstos na lei ou em situações devidamente justificadas” (negrito e sublinhados nossos).
E tendo em conta o n.º 3 do artigo 11.º do referido Despacho: “Exceto em situações devidamente fundamentadas e autorizadas pelo Chefe do efetivo do Corpo da Guarda Prisional, ou por quem o substitua, não é permitida a troca de postos de trabalho”.
Ou seja, destes normativos, os guardas prisionais devem cumprir com o seu horário de trabalho, sendo que a sua eventual substituição deverá ser autorizada pelo Chefe efetivo do Corpo da Guarda Prisional.
No caso dos autos, atento à prova produzida, foi possível o Tribunal concluir que o procedimento normal nos casos de substituições, é a seguinte: em primeiro, o guarda prisional pede autorização para sair mais cedo ao graduado de serviço que depois reportará ao graduado de serviço. Assim sendo, entendemos que o autor procedeu dentro da rotina e dos trâmites seguidos no estabelecimento prisional.
Assim, atendendo aos contornos da sua conduta, não se antevê que o autor tenha violados os deveres de prossecução do interesse público; de zelo; de obediência; de lealdade e de assiduidade. Senão vejamos:
Comecemos pela violação da prossecução do interesse público.
Deveremos ter em atenção que todo o regime legal regulador da atividade pública, nomeadamente da atividade dos funcionários, agentes, trabalhadores em funções públicas, tem em vista a prossecução do interesse público. A máquina estadual, a Administração Pública visa a prossecução do interesse público.
Por isso, poder-se-ia supor que qualquer falha no cumprimento do regime legal representaria, afinal, uma ofensa do dever de prossecução do interesse público. Ao falhar-se, de modo intencional ou negligente, há algo que impede a melhor prossecução do interesse público que todo o regime legal intenta realizar.
Todavia, quando se trata de inscrição de um determinado comportamento em certa qualidade de comportamento disciplinar censurável há que fazer distinção mais fina.
No caso dos autos, é certo que o autor não cumpriu com o seu horário de trabalho até ao fim, mas também é verdade que apenas se ausentou do serviço, após autorização e quando teve a sua rendição. Para mais, vejamos que o autor apenas não cumpriu uma hora do seu serviço.
Desta feita, não vemos como é que o autor violou com o seu dever da prossecução do interesse público.
O mesmo se diga quanto ao zelo, pois o autor deixou o seu trabalho cumprido antes de se sair do serviço.
Quanto ao dever de obediência e lealdade, o Tribunal também não entende como é que este terá sido violado, pois o autor pediu autorização para sair do serviço, tendo assumido, na verdade, uma conduta diligente ao ter perguntado a outro graduado de serviço, para obter uma autorização ‘reforçada’, mesmo sabendo que já tinha a sua rendição.
E, por fim, não é pelo simples facto de o autor ter saído do serviço uma hora mais cedo que o dever da assiduidade tenha sido violado, para mais quando cumpriu com o horário normal do serviço, não tendo apenas cumprido com a última hora do trabalho suplementar.
Na verdade, o autor não faltou o dia todo, nem se verifica que tenha faltado noutros dias, de forma reiterada ou espaçada. Antes pelo contrário, constata-se da nota biográfica do autor que este apenas falta por motivo atendível, como doença/ internamento.
Para além do mais, veja-se que o autor obteve classificações de “bom”, nos anos de 2005, 2006 e 2007.
Tudo isto conjugado, leva a ter em consideração que nunca foi intenção do autor colocar em causa o serviço, nem de violar os deveres alegados pela entidade demandada.
Vejamos, ainda, se houve prejuízo para o serviço, com a saída do autor às 18h00.
Ora, no horário das 18h00 às 19h00, os reclusos encontram-se na sala do refeitório, sendo que às 19h00 dá-se o encerramento, hora em que os reclusos recolhem à cela.
Ou seja, durante este período, os guardas prisionais que estão adstritos às alas, como estava o autor, no dia dos factos, dirigem-se para o pátio, pois nas alas há menos movimento de reclusos, até porque as celas estão encerradas. Nesta altura, os reclusos que tenham ficado nas celas, têm sempre a hipótese de tocar à campainha, caso necessitem de algo dos guardas prisionais, o que também proporciona a desnecessidade de haver guardas nas alas, de forma permanente.
Veja-se, ainda, que o autor foi rendido, atempadamente por CC que, na altura dos factos, estava adstrito ao Corpo Central, onde existem sempre três guardas prisionais. Ou seja, com a sua saída para a ala B, para substituir o autor, ainda ficou, no Corpo Central, dois guardas prisionais.
Durante este período, o Corpo Central tem uma menor intensidade de trabalho, pois já não existem visitas de familiares, advogados, nem deslocações médicas ou à enfermaria, pelo que as funções se reconduzem à passagem dos reclusos do refeitório/pátio para as alas.
Para mais, nesse dia não se verificou qualquer fenómeno atípico, que fosse relacionável com a ausência do autor durante o período das 18h00 às 19h00.
Desta feita, conjugados todos estes fatores, o Tribunal não considera que tenha existido prejuízo para o serviço.
Aqui chegados, o Tribunal entende que o autor não pode ser punido com a sanção de suspensão de 40 dias, pois não se verificam os pressupostos pelos quais o autor foi sancionado, nomeadamente, violação do dever de prossecução do interesse público, zelo, obediência, lealdade e assiduidade, nem se tendo verificado qualquer prejuízo para o serviço.
Por fim, cumpre ainda fazer referência ao facto de que foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão ao autor, tendo por base o preceituado no artigo 186.º, g) da Lei n.º 35/2014, que determina o seguinte: “A sanção disciplinar de suspensão é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando: (…) g) Desobedeçam escandalosamente, ou perante o público e em lugar aberto ao mesmo, às ordens superiores (…)”.
E, ainda, tendo em conta o estabelecido no artigo 191.º, n.º 1, a) a c) da Lei n.º 35/2014, que determina o seguinte:
“1 - São circunstâncias agravantes especiais da infração disciplinar:
a) A intenção de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, independentemente de estes se terem verificado;
b) A produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta;
c) A premeditação (…)”.
Ora, no caso dos autos, não se afigura que o autor tenha desobedecido a qualquer ordem, ainda para mais de forma escandalosa, nem perante o público. A entidade demandada não fez prova cabal de tal. Aliás, da prova produzida, resulta expressamente o contrário, pois, conforme já mencionado, o autor pediu autorização para sair às 18h00 a dois graduados de serviço e não recebeu ordem expressa em contrário. Daqui também resulta que não se verificam as circunstâncias agravantes referidas no artigo 191.º, a) a c) da Lei n.º 35/2014, pois da conjugação da prova produzida, não foi possível o Tribunal concluir que foi intenção do autor prejudicar o serviço, nem que tenha existido qualquer tipo de premeditação nesse sentido. Aliás, nem vemos com que objetivo o autor teria querido causar qualquer prejuízo ao serviço e o tivesse premeditado, ainda, para mais, quando é conhecido, no seu seio, como um bom trabalhador, espelhando a sua boa conduta nas suas avaliações, conforme já mencionado. Para além do mais, não existem quaisquer antecedentes/ condenações no seu registo e a acusação dá disso conta.
Atento o exposto, o ato de 23/04/2018, proferido pelo Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão ao autor, é anulável.
(…)».
Este juízo, alavancando no pressuposto de que “o autor teria que cumprir o horário das 08h00 às 19h00, sendo que das 16h00 às 19h00 seria prestado trabalho suplementar”, tem fundamental motivo de que, ainda assim, apesar de tal obrigação, ela não terá sido postergada porque terá sido concedida autorização ao autor para sair do serviço no período de trabalho suplementar.
Recordemos um pertinente núcleo dos factos provados (dos não provados ilação contrária se não autoriza):
“13. No dia 06/02/2018, o graduado de serviço era o Chefe BB que efetuava o controlo dos guardas presentes e escalados ao serviço.
14. No dia 06/02/2018, o autor foi pedir a BB que promovesse a sua rendição pelas 18H00.
15. Às 16H00, o guarda prisional CC deslocou-se da sua área de trabalho – Corpo Central – para o piso 3 da Ala B para substituir o autor, por indicação de BB.
16. Por indicação do autor, CC voltou para o seu posto de trabalho inicial – Corpo Central –, tendo voltado para o Piso 3 da Ala B às 18H00.
17. No dia 06/02/2018, o autor saiu do estabelecimento prisional às 18h40.
18. Antes de sair do Estabelecimento Prisional, o autor perguntou a HH se podia sair.
19. HH deu autorização ao autor para sair, mas antes para falar com BB.
20. O autor voltou a falar com BB para confirmar a sua saída.
21. Nesse dia, HH encontrava-se a coadjuvar BB, no período das 16H00 às 19H00, nas funções de chefia (cf. depoimento e auto de inquirição de HH).
22. No dia 06/02/2018, foi elaborada informação por parte de BB, dando conta que o autor se recusou a continuar o serviço das 18H00 às 19H00, saindo do Estabelecimento Prisional às 18H00 (cf. fls. 4 do PA).
Quem podia dar autorização seria o Chefe BB, graduado que efetuava o controlo dos guardas presentes e escalados ao serviço, que HH se limitava a coadjuvar, e que, precisamente nessa limitação, remeteu o autor para o Chefe BB quanto à autorização para a saída; e nessa reveladora consciência de necessidade o autor foi depois falar com o Chefe BB.
Mas, de prova provada (directa), nada percepciona que ela tenha sido dada.
Todavia, «Como se sabe, as instâncias podem tirar, através das chamadas presunções judiciais, ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a. Os factos comprovados podem ser trabalhados com base em regras racionais e de conhecimentos decorrentes da experiência comum de modo a revelarem outras vivências desconhecidas.
Quando assim é, decorrendo a conclusão de facto das regras da experiência, dos juízos de probabilidade e da aplicação dos princípios da lógica, está-se perante matéria de facto (cfr. Ac. STJ, 28/9/2000, CJ VIII-III-54; A. VARELA, CJ XX-IV-13 e RLJ 122.º-219 e ss.)» (Ac. deste TCAN, de 05-12-2014, proc. nº 290/04.0BEMDL).
E, no ponto, “Os Tribunais da Relação podem reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais” (Ac. do STJ, de 19-10-2021, proc. n.º 295/20.3T8VRL.G1.S1); as presunções simples ou naturais cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto (Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1-333 e ss.).
Ora, não temos como suficientemente sólido o juízo de ilação de que o tribunal “a quo” se serviu, ponderando que “o autor foi pedir autorização a BB, Graduado de Serviço, para sair do serviço mais cedo, ou seja, à 18h00. Apesar de não lhe ter sido dada uma resposta específica, BB providenciou a rendição do autor.
Naturalmente, a existência de um colega para o substituir na última hora do turno, das 18h00 às 19h00, levou a crer o autor que teria sido autorizada a sua saída. Contudo, este agindo de forma cautelosa, antes de sair do serviço, ainda foi perguntar a outro graduado de serviço, HH, tendo obtido a sua anuência.
De seguida, por indicação deste graduado de serviço, o autor voltou a perguntar a BB que, atendendo às regras da experiência, depois de ter proporcionado a sua rendição, terá anuído com a saída do autor.”.
Na ausência de positiva demonstração, o tribunal “a quo” avançou que o Chefe BB “terá anuído com a saída do autor”.
Mas não vemos fundamento; a normalidade, plausibilidade ou probabilidade não dita semelhante juízo.
O tribunal “a quo” tirou ilação “atendendo às regras da experiência”.
Recordando Ac. deste TCAN, de 18-12-2015, proc. n.º 2517/15.3BEBRG-A, “«As regras da experiência não exigem certezas científicas, não são perícias, nem exames donde resultem aquelas certezas, mas informações reais que a vida ensina na verificação empírica de resultados produzidos.» - Ac. do STJ, de 22-02-2013, proc. nº 420/06.7GAPVZ.P1.S2”.
Cfr. Ac. do STJ, de 06-10-2010, proc. n.º 936/08.JAPRT:
II - A verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.
III - A observação e verificação do homem médio constituem o modelo referencial.
IV -Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Assim, e vendo do caso.
Certo que antes o Chefe BB já tinha providenciado a rendição do autor; mas também sem ter dado resposta específica quanto à autorização para a saída às 18h.; desperta que, mesmo sem ter dado autorização, o BB projectou que o autor iria manter o seu intento de saída, havendo que dar solução; mas de nenhum modo legitima que, sem resposta específica, isso tenha levado “a crer o autor que teria sido autorizada a sua saída”; na oportunidade desse tempo de saída também essa autorização não resulta afirmada e firmada na prova produzida como dada pelo BB; e antes nesse próprio dia o BB elaborou a informação dando conta de que o autor se recusou a continuar o serviço das 18H00 às 19H00.
Dir-se-á que os próprios factos base alicerçam a contraprova.
«Um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico da prova» (Ac. do STJ, de 07-07-2021, proc. n.º 128/19.3JAFAR.E1.S1); mais por aí assentará juízo quando por si só menos notoriedade de erro se ofereça.
Parece que o julgamento do tribunal “a quo” não terá ficado imune à apreciação feita em motivação quanto ao depoimento do BB, “pautado por esquecimentos e por lembranças súbitas, sem qualquer explicação plausível para que fosse possível ao Tribunal apurar se, realmente, existia falta de memória ou se tal lhe seria conveniente, por alguma razão especial”.
Mas, entre contornos e detalhes, o depoimento mais titubeante - mais a mais num contexto de vida nos serviços prisionais, sem que ao próprio julgador saia apurada razão - ainda assim não justifica a ilação tirada, esquecendo, ou até contrariando, o que o depoimento não proporcionou; daquele que poderia ter autorizado e que ao tempo até elaborou a informação dando conta de que o autor se recusou a continuar o serviço depois das 18h., e cujo relato a motivação do tribunal “a quo” não dá com testemunho de a ter concedido; o que mais coerente é com a falta de uma autorização dada (independententemente da sua forma, até eventualmente verbal), que o contrário.
Portanto, no que o tribunal “a quo” alicerçou para afastar a falta disciplinar - a existência de autorização de saída - o juízo feito não pode manter-se.
Ainda assim, e não obstante.
O autor, acusado e punido, terá violado “deveres gerais da prossecução do interesse público, zelo, obediência, lealdade e assiduidade, a que está vinculado por força do preceituado nas disposições combinadas do artigo 5.º e 7.º do Decreto-Lei 3/2014, de 9 de janeiro que aprovou o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional e do artigo 73.º, n.º 2, als. a), e), f), g) e i) e nos n.ºs 3, 7, 8, 9 e 11 da LTFP e o incumprimento das competências especialmente previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artº 27.º naquele estatuto”.
Mas é claro que o desenho fáctico do sucedido - no elenco do julgamento feito pelo tribunal “a quo” - não permite afirmação de violação de todos os assinalados deveres.
O tribunal “a quo” entendeu que não resultam violados os deveres de prossecução do interesse público; de zelo; de obediência; de lealdade e de assiduidade.
Mais vincado na solução jurídica do caso é relativo ao dever de obediência.
A imputação feita ao Autor foi a de ser “autor material de infracção disciplinar a que corresponde a sanção prevista a sanção prevista no corpo do artigo 186.º e al. g) da LTFP, a que é abstratamente aplicável a pena consignada no “artigo 181.º, n.º 3 e 4 do mesmo diploma legal”.
O dito “art.º artigo 186.º e al. g) da LTFP”, prevê que “A sanção disciplinar de suspensão é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando: (…) g) Desobedeçam escandalosamente, ou perante o público e em lugar aberto ao mesmo, às ordens superiores;”.
Ora, se se percebe que no contexto do processo disciplinar a desobediência tivesse tido expressão de imputação, com o que então se considerou de acervo fáctico, o certo é que o juízo vertido do tribunal “a quo” sobre a matéria de facto arreda qualquer sustentabilidade de semelhante infracção.
Mesmo depurado da obtenção de autorização de saída com que o tribunal “a quo” arredou violação do dever de obediência.
Não se pode afirmar violação de dever de obediência.
Não se percepciona no recurso qualquer censura autónoma com relação ao juízo do tribunal “a quo” quanto à violação dos deveres de prossecução do interesse público; de zelo; de obediência; de lealdade e de assiduidade.
Donde, acaba por se coincidir na solução final expressa, que anulou o ato de 23/04/2018, proferido pelo Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão.
O conhecimento da possibilidade de apreciar o pedido de ampliação do objecto do recurso está dependente de uma outra possibilidade, a de o recurso interposto pela recorrente poder proceder.
O art.º 636º, n.º 1, do CPC, estabelece que “no caso de pluralidade de fundamentos de ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”, acrescentando o n.º 2 que “pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
Traduz-se no estender da apelação interposta pelo apelante, a solicitação do apelado, aos fundamentos de facto e/ou de direito em que este decaiu, não obstante tenha obtido vencimento de causa, para que o tribunal de recurso os conheça caso venha a dar provimento ao recurso interposto pelo apelante, assistindo-lhe igualmente, em sede de ampliação de recurso, o direito de arguir a nulidade da sentença proferida.
Todavia, a idoneidade da ampliação, no caso, não se verifica.
Recorde-se que o tribunal “a quo” anulou “o ato de 23/04/2018, proferido pelo Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão”, e declarou “a ineficácia dos atos de atos de 29/11/2017 e 03/01/2018, não sendo estes oponíveis ao autor, por falta de notificação.” [nesta última estatuição perceptível um erro de escrita].
O recorrido justifica a ampliação, conquanto olha para os “atos de 29/11/2017 e 03/01/2018 como fundamento de invalidade da própria decisão disciplinar” (cfr. conclusão 26º e 30º).
Foi também assim (mesmo que a propósito de outro tema – cumulação de pedidos) que o tribunal “a quo” o entendeu em saneador, vendo que “o ato de 29.11.2017 e o despacho de 03.01.2018 respeitam à regulação do trabalho suplementar dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional. E o despacho de 23.04.2018, embora não respeitando a essa regulação, constitui uma sanção disciplinar que assenta na violação, pelo autor dessa regulação.
Qualquer normal destinatário da p.i., percebe facilmente que o autor pretende não só reagir contra a decisão disciplinar, mas também contra os atos que regulamentaram o trabalho suplementar que deve prestar, e que, conforme alega, não tinha conhecimento por não terem sido publicados ou notificados, e que constituem o fundamento da aplicação da sanção disciplinar. Daí a existência de uma relação de prejudicialidade ou dependência entre os pedidos.
No fundo, o que o autor pretende é atacar a validade e efeitos a retirar dos artigos 5º, 6º e 7º da acusação, o que facilmente se percebe se se atender à parte final das alíneas b) e c) dos pedidos formulados, já que aí é expressamente referido que a invalidade pretendida resulta do facto de constituírem fundamento para a sanação disciplinar aplicada. E como referido no artigo 16º da réplica, o autor vem ao invocar a invalidade dos atos identificados nas alíneas b) e c), fundamentar a própria invalidade, consequente, da sanação disciplinar que lhe foi aplicada.” [queereia escrever-se “sanção”, ao invés de “sanação”].
Para o pedido de ampliação do objecto do recurso tem legitimidade exclusiva a parte vencedora quando, apesar de a decisão lhe ser favorável, não tenham sido acolhidos todos ou alguns dos fundamentos de facto ou de direito que tenha invocado (cfr. artigo 636.º, n.º 1, do CPC).
Cabe ampliação “prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
«Daqui deflui com mediana clareza que aquela «necessidade» de que nos fala o preceito só surge, quando conhecemos do objecto do recurso interposto pelo vencido na medida em que este conhecimento possa vir abalar a decisão proferida e em desabono da parte vencedora, impondo-se, assim, que se conheçam dos demais fundamentos, cfr inter alia os Ac STJ de 20 de Novembro de 2003 (Relator Ponce Leão), in www.dgsi.pt e de 29 de Março de 2007 (Relator Oliveira Rocha), in SASTJ, no site do STJ.» - Ac. do STJ, de 30-05-2013, proc. n.º 860/03.3TBLGS.E1.S1[itálico nosso].
Ora, a respeito da decretada anulação do “ato de 23/04/2018, proferido pelo Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão”, revela-se indiferente à sorte do recurso a discussão quanto aos “atos de 29/11/2017 e 03/01/2018 como fundamento de invalidade da própria decisão disciplinar”; no ponto a apelação, não provida, não suscita o despertar do que vinha prevenido.
Nesta perspectiva, mesmo que situados no contexto do que é fundamento da acção, não cabe conhecer da ampliação do objecto do recurso.
Por outro lado.
É certo que em relação aos ditos “atos de 29/11/2017 e 03/01/2018” existiu também uma pronúncia a título principal sobre os respectivos pedidos (não meramente subsidiários) de declaração de nulidade.
Julgada “parcialmente procedente a presente acção”, o autor decaiu nesses pedidos.
Ora, «como é sabido, “não é através da ampliação do âmbito do recurso que o interessado poderá promover a reapreciação da decisão no segmento em que saiu vencido, mas mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., 2014, 97)» (Ac. deste TCAN, de 17-04-2015, proc. n.º 1299/14.0BEPRT);
A assacar erro de julgamento a esta parte da decisão, seria “no âmbito de um recurso pois, nos termos da lei (cfr. arts. 633.º e 636.º do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA), tendo a ora recorrente decaído em relação a determinados “pedidos”, o instrumento formalmente idóneo para reagir contra esse decaimento será um recurso e não um pedido de ampliação do objecto ou âmbito do recurso” (Ac. do STA, de 23-04-2020, proc. n.º 0498/18.0BECTB).
Seria esse o trilho, não a ampliação.
E fosse a posição actual do apelado até conforme à solução que afinal veio a ser alcançada (decretando ineficácia), à defesa dessa subsistência, bastar-lhe-ia pleitar em sede das contra-alegações; acontece que, no caso, afectada essa parte pela já observada nulidade, encerra-se discussão a tal propósito.
*

Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, declarando a nulidade da decisão recorrida na parte que declara “a ineficácia dos atos de atos de 29/11/2017 e 03/01/2018, não sendo estes oponíveis ao autor, por falta de notificação.”, mantendo-a no mais.

Custas: por recorrente e recorrido, em partes iguais.

Porto, 1 de Julho de 2022.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa