Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03329/04-Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/11/2011
Relator:José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS A CONCEDER A MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
A QUESTÃO DA COMPATIBILIDADE DA SITUAÇÃO DE SÓCIO GERENTE DE SOCIEDADE POR QUOTAS COM A DE TRABALHADOR SUBORDINADO
Sumário:I- O DL 160/95, de 06.JUL, veio introduzir benefícios destinados a estimular a constituição, em 1995, de novas micro e pequenas empresas sob a forma de sociedades, bem como o aumento de capital social e a realização de investimento produtivo adicional pelas já existentes.
II- A questão de saber se a qualidade de sócio gerente é compatível com a de trabalhador subordinado não é pacífica na doutrina e tem dividido a jurisprudência.
III- Aceitando-se essa compatibilidade, tal pressuporá sempre a existência de um contrato de trabalho ou seja de uma subordinação jurídica da actividade prestada por parte do sócio trabalhador em relação à sociedade.
IV- Não se demonstrando que os sócios gerentes estivessem ligados à sociedade por contrato de trabalho, ou seja que a actividade por eles prestada se revestisse de subordinação jurídica, sendo exercida sob a autoridade e a direcção da sociedade, não podem para efeitos dos benefícios fiscais previstos pelo DL 160/95, de 06.JUL, qualificar-se aqueles como trabalhadores;
V- Em ordem a poder ou não concluir pela existência de contrato de trabalho relativamente a gerentes que eram também sócios de sociedade por quotas, deve deitar-se mão de índices relevantes para o efeito, tais como:
«1.º — À anterioridade, ou não, do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio gerente;
2.º — À retribuição auferida, procurando surpreender alterações significativas ou dualidade de retribuições;
3.º — À natureza das funções concretamente exercidas, antes e depois da ascensão à gerência, designadamente em vista a apurar se existe exercício de funções tipicamente de gerência e se há nítida separação de actividades;
4.º — À composição da gerência, designadamente ao número de sócios gerentes e às respectivas quotas;
5.º — À existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes;
6.º — À dependência, hierárquica e funcional, dos sócios gerentes que desempenham tarefas não tipicamente de gerência, relativamente a estas actividades». (Cfr. neste sentido o Ac. STJ de 29.SET.99)*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN:
I- RELATÓRIO
“P, LDA”, devidamente id. nos autos, inconformada com a decisão do TAF de Viseu, datada de 03.DEZ.07, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO JUDICIAL por si instaurada contra a FAZENDA PÚBLICA, referente a liquidação de IRC dos exercícios de 1996 e 1997, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
A) Os dois gerentes trabalhadores exerciam actividades como os demais trabalhadores;
B) O conceito de trabalhador "in casu", advém do Direito Tributário, sem necessidade de aplicação supletiva de outros ramos de direito;
C) Os gerentes trabalhadores no caso "sub iudice", atenta a especificidade da sua actividade, provada e relevada na Douta sentença, deviam ser considerados trabalhadores nos termos do Direito Laboral;
D) A recorrente, tinha, assim ao seu serviço 5 trabalhadores no ano de 1995 e 1996 e 7 em 1997;
E) A jurisprudência predominante considera compatível o gerente trabalhador com o trabalhador subordinado;
F) A sentença recorrida violou a alínea c) do art° 668° do Código de Processo Civil, e os art°s 1° e 2° do Decreto-Lei n° 160/95, de 6 de Julho.
NESTES TERMOS, nos demais de direito e, como sempre, com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente sentença proferida ser revogada "in totum", com as legais consequências.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mº Pº excepcionou a questão prévia da incompetência absoluta do tribunal em razão da hierarquia, por se entender estar em causa neste recurso jurisdicional exclusivamente matéria de direito.
Por despacho de fls. 146 foi ordenada a notificação das partes nos termos do disposto no artigo 704º do CPC para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da eventual incompetência deste TCAN em razão da hierarquia.
Com dispensa de vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
a) A questão prévia da incompetência absoluta do tribunal em razão da hierarquia;
b) A nulidade da sentença, por contradição entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro de julgamento de facto, quanto à consideração do nº de trabalhadores que a Recorrente tinha ao seu serviço nos anos de 1995, 96 e 97; e
d) O erro de julgamento de direito, quanto à apreciação da matéria de facto, com violação do disposto nos artºs 1° e 2° do DL 160/95, de 06.JUL.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, que se reproduz ipsis verbis:
a) Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
A) A Impugnante constituiu-se por escritura pública outorgada em 1995.12.27, no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, com o capital social de cinco milhões de escudos e correspondente à soma de três quotas pertencentes aos sócios pela foram seguinte:
a. A, uma quota de dois milhões e seiscentos mil escudos;
b. M, uma quota de um milhão e quatrocentos mil escudos;
c. R, uma quota de um milhão de escudos;
B) Os sócios A e M foram designados gerentes no pacto social;
C) E, tem por objecto a reciclagem de artigos de matérias plásticas e outras não metálicas;
D) Em 1995.12.28, no Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis - 1, foi entregue a declaração de início de actividade;
E) E, em 1996.05.29, foi entregue a declaração mod. 22 de IRC, relativa ao exercício de 1995;
F) Os exercícios de 1996 e 1997 foram inspeccionados internamente;
G) E, em 2001.03.28, foi elaborado relatório, do qual se extracta:
a. [Foi] solicitado ao sujeito passivo (..) o envio de um questionário devidamente preenchido para controlo dos benefícios fiscais (...) tendo-se detectado que o contribuinte não preenchia as condições de enquadramento [no Decreto-Lei no 160/95, de 6 de Julho], nomeadamente:
i. (...) Indicou no ponto 2.4 do questionário como número médio de trabalhadores o número de 3;_
ii. (..) O sujeito passivo indicou no ponto 2.3 do questionário (..), a data de 1996.01.04 como tendo sido a do registo definitivo;
b. Nesta medida propõem-se as seguintes correcções:
c. Exercício de 1996: foi apurado lucro tributável de PTE 47 337 786$00, e deduzidos prejuízos fiscais de PTE 882 637$00 e benefícios ficais de PTE 44 970 897$00, apurando-se matéria colectável no montante de PTE 1 484 252$00 (...) valor da correcção à matéria tributável PTE 44 970 897$00;
d. Exercício de 1997: foi apurado lucro tributável de PTE 242 677 107$00, e deduzidos benefícios fiscais de PTE 230 543 252$00, apurando matéria colectável no valor de PTE 12 133 855$00 (...), valor da correcção à matéria colectável PTE 230 5430252$00;
e. Direito de audição: (...);
f. Propostas: em face do exposto, consideramos terem sido infringidos os artigos 150 CIRC, e 20 do DL n° 160/5, de 6 de Julho, sendo de manter as correcções propostas à matéria colectável (..);
H) Em 2001.07.27, foi emitida a liquidação no 8310010457, de IRC de 1996, no montante de € 123 904,93, com data limite de pagamento até 2001.09.26;
I) E, em 2001.07.27, foi emitida a liquidação no 8310010458, relativa a IRC de 1997, no montante de € 541 533,68, com data limite de pagamento de 2001.09.26;
J) Os sócios gerentes exerciam funções na empresa ao lado e na presença dos trabalhadores cumprindo tarefas não dissemelhantes;
K) As liquidações adicionais encontram-se pagas;
L) Em 2001.10.26, impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis - 1.
b) Factos não provados
Dos factos constantes da impugnação, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.
IV — Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e nos depoimentos das testemunhas indicados com conhecimento directo e por isso convincente nomeadamente no que diz respeito ao indiferenciado de tarefas dos gerentes e trabalhadores.
III-2. Matéria de direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, num primeiro plano, apreciar a questão prévia da incompetência do tribunal; e, num segundo plano, determinar se a sentença recorrida enferma de nulidade, por contradição entre a fundamentação e a decisão bem como dos imputados erro de julgamento de facto e de direito.
III-2-1. Da incompetência absoluta do tribunal em razão da hierarquia
O Mº Pº excepcionou a questão prévia da incompetência absoluta do tribunal em razão da hierarquia, por se entender estar em causa neste recurso jurisdicional exclusivamente matéria de direito.
Observado o disposto no artº 704º do CPC, a Recorrente é do entendimento que o recurso jurisdicional não se restringe a matéria de direito, em face das conclusões A) e D) das alegações de recurso.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto nos artºs 26º alínea b) do ETAF de 2002 e 280º nº 1 do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito.
“Na delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso, o recorrente pede a alteração da matéria de fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” – Cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 2006, pág. 213.
No caso dos autos, em face das conclusões A) e D) das alegações de recurso, aceita-se a tese invocada pela Recorrente no sentido de ter sido colocado em causa, no recurso, factualidade subjacente à decisão recorrida, no que respeita, nomeadamente, a saber quantos trabalhadores tinha a Recorrente ao seu serviço nos anos de 1995, 96 e 1997, por outro lado, e se os seus 2 sócios-gerentes exerciam funções de trabalhadores, por outro lado, devendo, inclusive, equacionar-se tal questão em sede também de erro de julgamento de facto.
Assim, resultando das conclusões do recurso jurisdicional, que delimitam os respectivos âmbito e objecto (cf. art. 684.º, n.º 3, do CPC), que a Recorrente põe em causa a sentença no que respeita ao julgamento efectuado quer quanto a aspectos que relevam em sede de matéria de facto quer no que concerne à apreciação jurídica dela constante, somos levados a entender que o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário deste TCAN, de harmonia com o disposto nos artºs 26º, nº 1, al. b) e 38º, nº 1, al. a), do ETAF e 280º nº 1 do CPPT.
Assim sendo, é de declarar este Tribunal Central Administrativo Norte competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo certo que esta questão assume carácter prioritário relativamente a todas as outras, conforme decorre do disposto no artigo 13º do CPTA, aplicável por força do estatuído no artigo 2º, alínea c), do CPPT.
Improcede, deste modo a questão prévia da incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo Mº Pº.
III-2.2. Da nulidade da sentença
Invoca a Recorrente na alínea F) das suas conclusões de recurso, ter violado a sentença a alínea c) do artº 668º do CPC, isto sem que das conclusões antecedentes bem como das alegações especifique em que consista tal violação.
A norma invocada respeita à nulidade da sentença por oposição entre a fundamentação e a decisão.
Vejamos então se a sentença enferma de tal nulidade.
Em matéria de objecto e nulidades da sentença estabelecem os artºs 123º e 125º do CPPT, que:
“Artigo 123.º
(Sentença. Objecto)
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Artigo 125.º
(Nulidades da sentença)
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
2 - A falta da assinatura do juiz pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento dos interessados, enquanto for possível obtê-la, devendo o juiz declarar a data em que assina.”.
Por outro lado, dispõe o 668º do CPC, aplicável ao Processo Tributário, ex vi do artº 2º-e) do CPPT, sobre a mesma matéria, que:
“Art. 668º
(Causas de nulidade da sentença)
“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
A existência de contradição entre os fundamentos e a decisão constitui causa de nulidade da sentença.
Com pertinência para a apreciação desta nulidade, extrai-se da sentença recorrida o seguinte:
“(…)
0 Decreto-Lei no 160/95, de 6 de Julho instituiu beneficios fiscais destinados a estimular a constituição em 1995, de novas micro e pequenas empresas sob a forma de sociedades, bem como o aumento de captal social e a realização de investimento produtivo adicional pelas já existentes.
Assim no artigo 1º, deste diploma legal, define-se como micro e pequena empresa: as que tenham um numero medio de trabalhadores superior a 3 e inferior a 20 e um volume de negocios nao superior a 500 000 contos.
Se bem compreendemos a questão dos autos limita-se a responder à seguinte questão: podem os gerentes ser considerados como trabalhadores para efeitos de atribuição do beneficio fiscal?
(...)
A questao de saber se a qualidade de sócio gerente é compativel com a de trabaihador subordinado não é pacífica na doutrina e tem dividido a jurisprudencia.
Neste ponto seguiremos de perto o Ac STA 2a Subsecção do CA, de 2003.02.11, Proc no 046858 e Ac TCAS, 20 Juízo do CT, de 2004.06.08, Proc no00014/04, disponíveis em www.dgsi.pt.
(...)
O argumento repetido em todos os acordãos citados nos arestos é que para haver contrato de trabalho é indispensavel a verificação de todos os elementos típicos, de que sobressai o vinculo de subordinação juridica do trabalhador: é conciliável, assim, a situação de gerente com a subordinação juridica que o contrato de trabaiho supõe.
A resposta tern sempre que ser averiguada caso a caso, em confronto com os factos-indice apurados.
Resultou da materia provada que os gerentes laboravam ao lado dos trabalhadores stricto senso da empresa, prestando a sua actividade manual e intelectual.
(...)
Aqui, (...) não havia contrato de trabalho anterior, pois ambos foram nomeados gerentes no pacto social.
(...)
0 mero facto de exercerem a sua actividade dentro do mesmo horário dos trabalhadores e de escolherem as pegas recicláveis e não reciclaveis ao lado dos demais, também não é a suficiente para se concluir que prestavam trabalho subordinado, pois, não ficou apurado se esse horario e essas tarefas lhe eram impostas pelo vínculo à empresa ou se representavam apenas uma certa técnica de gestao.
Ora, a lei a clara: consideram-se micro e pequenas empresas, para efeitos de atribuição do beneficio fiscal apenas aquelas que tenham, em média, mais de 3 e menos de 20 trabalhadores.
E, a Impugnante, apesar de preencher os demais requisitos tinha, nos anos em análise, só 3 trabalhadores ao seu serviço.
Não se mostrando assim preenchidos os pressupostos previstos na lei.
(...)”.
Assim, na tese da sentença impugnada, não tendo ficado provado nos autos que os gerentes da Recorrente prestassem trabalho subordinado não podem ser contabilizados como trabalhadores.
Assim, exigindo a lei, para efeitos de qualificação como micro e pequenas empresas e de atribuição de benefício fiscal, a existência de em média, mais de 3 e menos de 20 trabalhadore, como a Recorrente só possuia, nos anos em referência, 3 trabalhadores, na falta de contabilização para esse efeito dos sócios gerentes, não se mostram preenchidos os preesupostos para atribuição do benefício fiscal à Recorrente.
Deste modo, não se configura a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão constantes da sentença recorrida.
Nestes termos improcedem também as conclusões de recurso referentes à alegada nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão.
III-2.3. Do erro de julgamento de facto
Sustenta a Recorrente que os dois gerentes trabalhadores exerciam actividades como os demais trabalhadores e que, por isso, tinha ao seu serviço 5 trabalhadores no ano de 1995 e 1996 e 7 em 1997.
De tal alegação parece poder inferir-se padecer a sentença recorrida de erro de julgamento de facto, porquanto deu como provado que a Recorrente tinha ao seu serviço um número médio de 3 trabalhadores, durante todo aquele período de tempo, quando ao invés, na tese da Recorrente, esta tinha ao seu serviço 5 trabalhadores no ano de 1995 e 1996 e 7 em 1997, sendo que os seus sócios gerentes exerciam actividades como os demais trabalhadores.
Vejamos.
Em relação ao julgamento sobre a factualidade constante da alínea G) da matéria de facto provada supra referida, atinente ao nº de trabalhadores existentes ao serviço da Recorrente, durante aquele período de tempo, afigura-se-nos que, não obstante alguma falta de rigor técnico que se pode assinalar à formulação escolhida pela sentença, o recurso, nesta parte, não poderá proceder.
Com efeito, neste ponto, o Tribunal recorrido, com base no Relatório da Inspecção Tributária, elaborado em 2001, deu como provado aquilo que dele consta, ou seja, que a Recorrente/Impugnante “indicou no ponto 2.4 do questionário como número médio de trabalhadores o número de 3”.
Por outro lado, ao contrário do que pretende a Recorrente, não se vislumbra qualquer elemento de prova, de natureza documental ou testemunhal, que permita concluir no sentido por si pretendido, sendo certo que, na ponderação dos meios de prova de que dispunha, e que eram o Relatório da Inspecção Tributária, por um lado, e os depoimentos testemunhais, por outro, o Tribunal a quo acabou por dar relevância àquele em prejuízo destes, sem que se vislumbre aí qualquer erro que imponha a alteração da decisão recorrida.
Finalmente, no que se refere à circunstância dos sócios gerentes da Recorrente exercerem actividades como os demais trabalhadores, somos de considerar que tal factualidade se encontra vertida na alínea J) da matéria de facto, com a redacção que foi possível lavrar ao tribunal recorrido em face da prova produzida, sendo certo que a qualificação dos sócios gerentes também como trabalhadores releva já do foro jurídico.
Nestes termos, improcedem as conclusões de recurso atinentes à matéria de facto.
III-2-2. Do erro de julgamento de direito
Sustenta a Recorrente que os seus dois gerentes trabalhadores exerciam actividades como os demais trabalhadores, pelo que deveriam ser considerados trabalhadores nos termos do Direito Laboral e nessa medida a Recorrente, tinha, assim ao seu serviço 5 trabalhadores no ano de 1995 e 1996 e 7 em 1997, pelo que a sentença recorrida ao não contabilizar aqueles no elenco dos trabalhadores da Recorrente, ao negar-lhe o direito ao benefício fiscal contemplado pelo DL 160/95, de 06 de JUL, violou o disposto nos seus artºs 1º e 2º.
Vejamos se lhe assiste razão.
O DL 160/95, de 06.JUL, veio introduzir benefícios destinados a estimular a constituição, em 1995, de novas micro e pequenas empresas sob a forma de sociedades, bem como o aumento de capital social e a realização de investimento produtivo adicional pelas já existentes.
Nesse âmbito, dispõem os artºs 1º e 2º que:
“Artº 1.° O presente diploma estabelece um regime de benefícios fiscais aplicável às micro e pequenas empresas, considerando-se como tais as que, no exercício de 1995, tenham um número médio de trabalhadores superior a 3 e inferior a 20 e um volume de negócios não superior a 500 000 contos.
Artº 2.° - 1 - As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, com sede e direcção efectiva em território português, abrangidas pelo presente diploma que se tenham constituído ou venham a constituir no ano de 1995 podem deduzir no seu lucro tributável 95% do mesmo, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) respeitante aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, na parte que não diga respeito a rendimentos de capitais ou rendimentos prediais.”.
Ora, no caso dos autos, a Recorrente para poder se considerada micro ou pequena empresa e nessa medida beneficiar do regime consagrado por tal diploma legal, importava que tivesse no exercício de 1995, tenham um número médio de trabalhadores superior a 3 e inferior a 20 e um volume de negócios não superior a 500 000 contos.
Acontece que, da prova produzida, resulta que no exercício do ano de 1995, a Recorrente possuía apenas 3 trabalhadores ao seu serviço.
Argumenta a Recorrente que os seus 2 sócios gerentes eram também trabalhadores, pelo que nesse exercício tinha não 3 mas 5 trabalhadores ao seu serviço.
A questão de saber se a qualidade de sócio gerente é compatível com a de trabalhador subordinado não é pacífica na doutrina e tem dividido a jurisprudência.
(Cfr. a este propósito o Ac. do STA de 08.JUN.04, in Rec. 0014/14, onde se faz uma abordagem extensíssima sobre esta problemática, e o Ac. do TCAS, de 11.FEV.03, in Rec. nº 046858, citados aliás pela sentença recorrida).
Tal como se assinala naquele 1º acórdão, no sentido da incompatibilidade podem citar-se os Acs. do STA de 18.JUL.50, 10.MAR.53, 18.OUT.60 e 01.FEV.66, respectivamente em Colectânea Oficial dos Acórdãos Doutrinais, XII, pág. 199, XV, pág. 134, XXII, pág. 956, e Acórdãos Doutrinais, V, pág. 499, e os Acs. do STJ de 15.OUT.80, 16.DEZ.83, 08.OUT.90, 25.FEV.93 e 17.FEV.94, respectivamente em Boletim do Ministério da Justiça, nº 300, pág. 228, nº 332, pág. 418, Acórdãos Doutrinais, nº 360, pág. 1417, n.º 378, pág. 716, e Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1994, tomo I, pág. 293.
E no sentido da compatibilidade, os Acs. do STJ de 04.FEV.72, 07.FEV.86, 23.JUL.82, 08.JAN.92 e 19.MAR.92, respectivamente, em Boletim Ministério da Justiça, n.º 214. pág. 210, nº 354, pág. 380, Acórdãos Doutrinais, nº 252, pág. 612, Boletim do Ministério da Justiça, nº 413, pág. 360 e n.º 415, pág. 421.
Mais recentemente e também neste sentido, o Ac. do STJ de 29.SET.99, in BMJ nº 489, pág. 232.
Em todo o caso, aceitando-se essa compatibilidade, tal pressuporá sempre na tese daqueles arestos jurisprudenciais, a existência de um contrato de trabalho ou seja de uma subordinação jurídica da actividade prestada por parte do sócio trabalhador em relação à sociedade.
Ora, será que no caso sub judice, existirá essa subordinação jurídica?
Compulsados os autos, temos que, da matéria de facto assente, resulta, com efeito, que os sócios gerentes exerciam funções na empresa ao lado e na presença dos trabalhadores cumprindo tarefas não dissemelhantes.
Acontece que a Recorrente não logrou fazer prova de que os seus sócios gerentes fossem efectivamente trabalhadores, isto é, que exercessem trabalho subordinado, ou seja que entre eles e a sociedade, em referência, existisse um vínculo de subordinação jurídica do trabalhador, não se tendo provado designadamente a existência de um contrato de trabalho anterior à gerência, mas apenas que os referidos sócios foram nomeados gerentes no pacto social, não se podendo retirar a existência de tal contrato ou subordinação jurídica da mera circunstância dos sócios gerentes exercerem funções na empresa ao lado e na presença dos trabalhadores cumprindo tarefas não dissemelhantes.
Com efeito de acordo com o artº 1º da LCT, aprovada pelo DL 49 408, de 24.NOV.69, aplicável ao caso dos autos, "o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta". Assim, a qualificação como trabalhador pressupõe a existência de um vínculo de subordinação jurídica do trabalhador.
Refere, contudo, a Recorrente que o conceito de trabalhador "in casu", advém do Direito Tributário, sem necessidade de aplicação supletiva de outros ramos de direito.
Não parece, porém, que seja esse o entendimento que resulta do disposto no artº 11º da LGT, a propósito da interpretação das normas tributárias.
Com efeito, dispõe tal comando jurídico que:
“Artº 11.º
(Interpretação)
1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”.
A este propósito, escreve CAMPOS, Diogo Leite, in LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Comentada e Anotada, 3a Ed., Setembro 2003, Vislis, a pp. 75 e 76, o seguinte: “(...) é bem conhecido que o Direito Fiscal utiliza conceitos recebidos do ordenamento jurídico privado, do Direito Administrativo e dos outros ramos de Direito. Haverá, assim, a tendência de sujeitar a interpretação das normas tributárias aos critérios admitidos nos outros ramos de Direito. E, também, a qualificar os conceitos recebidos do modo porque o são no direito de origem (...) Não está em causa que o Direito tributário possa qualificar qualquer conceito com o sentido que considere conveniente, mas não é menos certo que, normalmente, tais conceitos apresentarão, no âmbito tributário, um sentido semelhante ou muito próximo do que lhes é atribuído nos seus ramos de origem (...).”.
Assim sendo, ainda que se entenda não ser incompatível a qualidade de sócio gerente com a de trabalhador, não se demonstrando nos autos que os sócios gerentes da Recorrente estivesse ligados a esta por contrato de trabalho, ou seja que a actividade por eles prestada se revestisse de subordinação jurídica, isto é que a mesma fosse exercida sob a autoridade e a direcção da sociedade Recorrente, não podemos para todos os efeitos e designadamente para efeitos dos benefícios fiscais previstos pelo DL 160/95, de 06.JUL, qualificar aqueles como trabalhadores, pelo que, na falta de poderem os mesmos serem considerados como trabalhadores, possuindo a recorrente no exercício de 1995 apenas 3 trabalhadores ao seu serviço, não pode a mesma ser qualificada como micro ou pequena empresa e nessa medida poder beneficiar daquele regime fiscal.
(No sentido da exigência de tal subordinação jurídica, decorrente da celebração de contrato de trabalho – Cfr. os arestos jurisprudenciais atrás citados).
Com efeito refere-se no Ac. do STA, de 11.FEV.03, in Rec. nº 046858, que:
“(…)
Não havendo obstáculo intransponível à subordinação, mesmo no caso de sócio-gerente único, a decisão nesta matéria haverá de encontrar-se caso a caso, na realidade concreta, através da consideração de factos/índices capazes de esclarecer se existe ou não contrato de trabalho.
(…)”.
E no Ac. do TCAS de 08.JUN.04, in Rec. nº 014/04, escreve-se a dado passo o seguinte:
“(…) Haverá que apurar se, face às circunstâncias do caso, se pode ou não concluir pela existência de contrato de trabalho relativamente às gerentes que, em 1995, eram também sócias da sociedade Recorrente.
Nessa tarefa, podemos socorrer-nos de diversos índices, sendo que o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1999, refere como os de maior relevo os respeitantes:
«1.º — À anterioridade, ou não, do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio gerente;
2.º — À retribuição auferida, procurando surpreender alterações significativas ou dualidade de retribuições;
3.º — À natureza das funções concretamente exercidas, antes e depois da ascensão à gerência, designadamente em vista a apurar se existe exercício de funções tipicamente de gerência e se há nítida separação de actividades;
4.º — À composição da gerência, designadamente ao número de sócios gerentes e às respectivas quotas;
5.º — À existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes;
6.º — À dependência, hierárquica e funcional, dos sócios gerentes que desempenham tarefas não tipicamente de gerência, relativamente a estas actividades».
No caso, não se verifica índice algum que aponte no sentido da existência de contrato de trabalho relativamente às sócias-gerentes. Bem pelo contrário, os índices apontam no sentido contrário:
– elas eram, em 1995, data em que se constituiu a sociedade, as únicas sócias;
– foram nomeadas gerentes quando da constituição da sociedade; e
– tinham quotas do mesmo valor, o que tudo leva a crer que não existia, relativamente a qualquer delas, a subordinação jurídica imprescindível à existência do contrato de trabalho e que quem dava as ordens e instruções eram as próprias gerentes.
(…)”.
No caso dos autos, tal como no mencionado no último dos acórdãos citados, regista-se também a ausência de índices reveladores da existência de contrato de trabalho relativamente aos gerentes que, em 1995, eram também sócios da sociedade Recorrente, pelo que não podem os mesmos ser contabilizados no elenco dos trabalhadores que a Recorrente tinha ao seu serviço nesse ano.
Nestes termos, improcedem as conclusões de recurso.
E improcedendo as conclusões de recurso, impõe-se, em consequência, a manutenção da sentença recorrida.
IV- CONCLUSÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente.
Porto, 11.FEV.11
José Luís Paulo Escudeiro
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro