Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01158/15.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E PASSAGEM DE CERTIDÕES
Sumário:I-No âmbito do CPTA, de particular monta, é todo o quadro normativo dirigido aos processos de intimação;
I.1-a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões foi instituída como um processo principal de âmbito alargado ao exercício do direito à informação procedimental e à informação extra-procedimental - artºs 104º a 108º -;
I.2-esta via processual surge inspirada na ideia de que os Administrados são sujeitos com direitos, pretensões legitimantes, pelo que se torna imperiosa a tutela do direito à informação.
II-Na sentença recorrida considerou-se que o pedido formulado respeitou todos os requisitos formais exigidos pelos artºs 104° e 105º do CPTA;
II.1-o pedido da Requerente é claro e, deste modo, está o Requerido vinculado a dar-lhe cumprimento integral, uma vez que é dever da Administração emitir uma pronúncia efectiva face a todos os requerimentos que lhe sejam dirigidos por requerentes (artigo 13° do CPA), agindo e relacionando-se com eles segundo as regras da boa-fé e dentro do princípio da colaboração (artºs 10° e 11° do CPA);
II.2-a Requerente (na qualidade de cabeça-de-casal), que vê o seu terreno ocupado há vários anos sem que lhe seja paga a respectiva indemnização, tem direito a obter a certidão solicitada no sentido de fazer valer os direitos nos meios judiciais competentes;
II.3-foi pedida a certificação de todos os documentos que integram a ocupação dos terrenos em causa, nomeadamente as peças do processo expropriativo, pelo que não requereu apenas certificação de documentos do processo expropriativo;
II.4-acresce que, mesmo a não existir qualquer dos documentos solicitados, sempre a Requerente teria direito a uma certidão de teor negativo relativamente aos mesmos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Oliveira de Azeméis
Recorrido 1:MNTSC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
MNTSC, NIF 1…, residente na Travessa …, na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito de LSC, instaurou processo de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, contra o Município de Oliveira de Azeméis, sito no …, peticionando que este seja intimado a facultar a informação certificada requerida.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgado procedente o pedido e, consequentemente, foi intimado o Requerido a emitir à Requerente, no prazo de 5 (cinco) dias, certidão contendo a informação solicitada no requerimento referido na alínea A) do probatório.
Desta decisão vem interposto recurso.
Nas alegações o Município concluiu que:
I. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida nos autos que julgou procedente o pedido de intimação e intimou o Requerido a emitir à Requerente, no prazo de 5 dias, certidão contendo a informação solicitada pela Requerente no requerimento referido na al. A) do probatório.

II. A sentença enquadrou a intimação no âmbito do direito à informação procedimental, ou seja, nos termos do artº 268º da C.R.P. o direito de ser informado sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

III. A Requerente, através da documentação que juntou com a sua pronúncia à resposta do Requerido (a saber: comunicação que lhe dirigiu o Presidente da Câmara em 3.1.2004; certidão da resolução de requerer a declaração de utilidade pública; comunicação que o Presidente da Câmara lhe enviou em 9.10.2012) demonstra que foi devidamente informada – inclusivé com entrega de certidão - sobre a questão da parcela 31.

IV. A requerente pede, pois, informação e certidão que já lhe foi facultada por iniciativa do Requerido.

V. Por isso, não se compreende quer o pedido de intimação, quer a decisão judicial que sobre ele recaiu.

Porém,

VI. Não basta que a Requerente insista que existe um procedimento administrativo ou expropriação para que tal procedimento passe a existir, muito menos para que o Tribunal possa decidir que tal procedimento existe, sobretudo quando o Requerido afirma e esclarece que não existe tal procedimento.

VII. Com efeito, ainda que se assuma que o Requerido deveria ter aberto tal processo, a verdade é que não o fez e, consequentemente não pode satisfazer pretensões, pedidos de informação que o pressuponham, como é o caso.

VIII. Por isso, a prevalecer o decidido na douta sentença, tal levaria inequivocamente à prática de um acto inútil pois que defende a fls. 52 que mesmo a não existir qualquer dos documentos solicitados, sempre a Requerente teria o direito a uma certidão de teor negativo relativamente aos mesmos, o que não se coaduna com o dever de gestão processual prescrito no artº 6º do C.P.C..

IX. Pelas razões expostas, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artºs 268º da C.R.P., 82º e 104º do CPTA e 6º do C.P.C., e por isso deverá ser revogada.

Não foram juntas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Em 05.11.2015, a Requerente, através de requerimento que deu entrada nos serviços do Requerido, endereçado ao seu Presidente, requereu fosse prestada informação certificada, o qual tem o seguinte teor:
«
(imagem omissa)
»
(cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 8 a 15 dos autos - processo físico);

B) Até à presente data, o Requerido não emitiu a certidão solicitada pelo requerimento referido na alínea A) (facto não controvertido);

C) A petição inicial da presente intimação deu entrada neste Tribunal em 09.12.2015 (cfr. fls. 1 dos autos - processo físico).

DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença proferida pelo TAF de Aveiro que, julgando procedente a presente intimação, intimou o Requerido a emitir à Requerente, no prazo de 5 (cinco) dias, certidão contendo a informação solicitada no requerimento referido na alínea A) do probatório.
Na óptica do Recorrente a decisão violou o disposto nos artºs 268º da CRP, 82º e 104º do CPTA e 6º do CPC, e por isso deverá ser revogada.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se aqui transcrito o discurso jurídico fundamentador da sentença sob censura:
A questão decidenda prende-se em saber se assiste à Requerente o direito a obter a intimação do Requerido a prestar-lhes as informações certificadas solicitadas.
Apreciando.
O processo de intimação, previsto no artigo 104º do CPTA, constitui um processo principal e urgente destinado a obter a satisfação de pretensões informativas, no âmbito do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, direitos estes cuja consagração constitucional encontramos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O n.º 1, do artigo 268º da CRP preceitua que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas” – direito à informação procedimental.
Por outro lado, de acordo com o estabelecido no n.º 2, do artigo 268º da CRP, “os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” – o que se entende ser a afirmação do direito de acesso a documentos e registos administrativos, através da consagração do princípio da administração aberta – direito à informação não procedimental.
A distinção entre as duas figuras em que se decompõe o direito dos particulares à informação prende-se com o seguinte critério: o direito à informação procedimental pressupõe a existência de um processo pendente e, por banda do particular, um interesse directo ou legítimo na obtenção da informação, sendo que o direito à informação não procedimental é conferido a todas as pessoas.
As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa.
À luz dos critérios supra enunciados, de distinção entre as duas manifestações do direito à informação administrativa, temos que o pedido de informações certificadas cuja emissão foi requerida se insere no domínio da informação procedimental, ao abrigo do disposto nos artigos 82º e seg. do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Constituem requisitos do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões:
a) não ter sido dada satisfação ao pedido formulado, no prazo de 10 dias – n.º 3, do artigo 82º do CPA;
b) o requerimento da intimação ter dado entrada no tribunal dentro do prazo de 20 dias após o decurso do prazo de 10 dias que a lei impõe à entidade pública para a emissão dos solicitados elementos – n.º 2, do artigo 105º do CPTA;
c) a matéria objecto dos pedidos formulados não ter carácter secreto – artigo 83º do CPA.
Assim, o prazo legalmente estabelecido para que o pedido de prestação de informações certificadas em apreço seja satisfeito é de 10 dias úteis.
E decorrido que seja esse prazo de 10 dias sem que as informações sejam prestadas, pode o requerente, dentro de vinte dias, solicitar ao Tribunal, a intimação da autoridade requerida em ordem à satisfação do seu pedido.
Na situação em apreço, o requerimento objecto destes autos foi apresentado ao Requerido em 05.11.2015 [cfr. alíneas A) do probatório], tendo a petição inicial relativa à presente intimação dado entrada no Tribunal em 09.12.2015 [cfr. alínea C) do probatório], isto é, dentro do prazo de 20 dias após o decurso do prazo de 10 dias que a lei fixa para a emissão da certidão por si requerida, pelo que concluiu-se que, do ponto de vista processual, nada obsta ao deferimento da pretensão formulada.
A Requerente dirigiu requerimento ao Requerido, ao qual não lhe foi dada satisfação, requerimento esse no qual foi peticionado a emissão de certidão contendo a seguinte informação:

(imagem omissa)

a qual não lhe foi prestada [cfr. alínea B) do probatório].
Por seu lado, referiu o Requerido, na respectiva resposta, não ter requerido a Declaração de Utilidade Pública da parcela pertencente à Requerente e que não existe qualquer processo expropriativo.
Ora, conforme se constata do requerimento apresentado pela Requerente ao Requerido, foi pedida a certificação de todos os documentos que integram a ocupação dos terrenos em causa, nomeadamente as peças do processo expropriativo, pelo que não requereu a Requerente apenas certificação de documentos do processo expropriativo.
Importa clarificar que é absolutamente inequívoco que o Requerente tem direito a obter do Requerido a certidão pretendida, com as informações solicitadas, sendo que mesmo a não existir qualquer dos documentos solicitados, sempre a Requerente teria o direito a uma certidão de teor negativo relativamente aos mesmos.
Com efeito, nada há de equívoco ou ambíguo naquilo que foi peticionado pela Requerente ao Requerido – trata-se de um pedido de informação claro – e nessa medida está o Requerido vinculado a dar-lhe cumprimento integral, uma vez que é dever da Administração emitir uma pronúncia efectiva face a todos os requerimentos que lhe sejam dirigidos por requerentes – artigo 13º do CPA, agindo e relacionando-se com eles segundo as regras da boa-fé e em estreita colaboração com eles – artigo 10º do CPA, pelo nada obsta ao deferimento da presente intimação.”
X
Vejamos:
No âmbito do CPTA, de particular monta, é todo o quadro normativo dirigido aos processos de intimação.
Estes constituem processos urgentes de imposição e compreendem dois tipos:
1-A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (instituída como um processo principal de âmbito alargado ao exercício do direito à informação procedimental e à informação extra-procedimental) - arts. 104º a 108º - (esta via processual surge inspirada na ideia de que os Administrados são sujeitos com Direitos, pretensões legitimantes, pelo que se torna imperiosa a tutela do direito à informação (fala-se mesmo em tutela da curiosidade, desde que, naturalmente, não contenda com o sigilo ou segurança do Estado)-; e
2-A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que vem concretizar, no domínio do contencioso administrativo, a garantia consagrada no artigo 20°, n.° 5, da CRP, “para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” e que pode assumir particular acuidade em situações em que seja urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.
Este novo meio processual criado pelo CPTA - artºs 109º a 111º - é o resultado de um processo de maturação, legislativa e doutrinal, sobre o tema da protecção jurisdicional específica dos direitos fundamentais.

No caso em concreto está-se perante a intimação para a prestação de informações e passagem de certidões.
Na sentença recorrida considerou-se que o pedido formulado respeitou todos os requisitos formais exigidos pelos artºs 104° e 105º do CPTA.
Resta saber se assiste à Requerente o direito a obter a intimação do Requerido a prestar-lhes as informações certificadas solicitadas.
Como decorre dos autos, foi pedida pela Requerente a certificação de todos os documentos que integram a ocupação dos terrenos em causa, nomeadamente todas as peças do processo expropriativo subsequente à comunicação da DUP, por forma a permitir ter conhecimento do desenvolvimento do mesmo e ter todos os elementos necessários a poder actuar em conformidade.
Em face do pedido, é óbvio que a resposta da entidade requerida não satisfaz a pretensão deduzida.
O pedido da Requerente é claro e, deste modo, está o Requerido vinculado a dar-lhe cumprimento integral, uma vez que é dever da Administração emitir uma pronúncia efectiva face a todos os requerimentos que lhe sejam dirigidos por requerentes (artigo 13° do CPA), agindo e relacionando-se com eles segundo as regras da boa-fé e dentro do princípio da colaboração (artºs 10° e 11° do CPA).
E nessa medida a Requerente tem o direito de saber e lhe ser certificado o conjunto dos documentos que integram o processo (bem como o estado deste) que levou à ocupação do terreno em causa, com vista à construção da "via do nordeste". E não se argumente que esse processo não existe, pois a sua existência decorre claramente dos documentos de fls. 39 a 44 dos autos.
A Requerente (na qualidade de cabeça-de-casal), que vê o seu terreno ocupado há vários anos sem que lhe seja paga a respectiva indemnização, merece consideração, como bem observa o Senhor PGA, e tem direito a obter a certidão solicitada no sentido de fazer valer os direitos nos meios judiciais competentes.
Por outro lado, como bem salienta o Tribunal a quo, pela Requerente ao Requerido, foi pedida a certificação de todos os documentos que integram a ocupação dos terrenos em causa, nomeadamente as peças do processo expropriativo, pelo que não requereu apenas certificação de documentos do processo expropriativo.
Acresce que, mesmo a não existir qualquer dos documentos solicitados, sempre a Requerente teria o direito a uma certidão de teor negativo relativamente aos mesmos.
Logo, contrariamente ao invocado, a decisão recorrida não violou o disposto nos artºs 268º da CRP, 82º e 104º do CPTA e 6º do CPC, pelo que será mantida na ordem jurídica.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 20/05/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro