Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00399/15.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; REPOSIÇÃO DAS PRESTAÇÕES DE DESEMPREGO
Sumário:
I-Uma vez que o Autor não alegou perante o Tribunal de primeira instância qualquer “incumprimento justificado” não podia o Senhor Juiz pronunciar-se sobre essa questão; consequentemente inexiste qualquer omissão de pronúncia;
I.1-dito de outro modo, dado que perante o Tribunal de primeira instância não alegou o Autor qualquer facto susceptível de densificar aquele conceito de “incumprimento justificado” nenhuma prova poderia produzir-se quanto a tais (inexistentes factos);
I.2-logo, não existe o apontado erro de julgamento de facto.
II-Os recursos jurisdicionais servem para reexaminar as decisões tomadas pelos Tribunais de primeira instância e não para apreciar questões novas;
II.1-constatando-se que a invocação pelo Autor de um alegado “incumprimento justificado” surge pela primeira vez em sede de recurso, estamos perante uma questão nova, que nunca foi colocada à apreciação do Tribunal a quo e que por isso está também vedada à apreciação deste Tribunal;
II.2-aceitar-se a tese de que aos beneficiários a quem é deferido o pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego seja permitido acumular o exercício do posto de trabalho criado com qualquer outra actividade profissional seria colocar estes beneficiários, injustificadamente, numa situação de vantagem relativamente àqueles que recebendo mensalmente as prestações encontram emprego e, consequentemente, cessam o recebimento de tais prestações sem chegarem a receber a totalidade do período inicialmente concedido;
II.3-a sentença sob escrutínio desenvolveu com acerto os elementos lógico e teleológico dos preceitos visados, não deixando de notar que pelo prisma alegado pelo Autor, não pode concordar com a inconstitucionalidade invocada, porque foi com vista a proteger e a incentivar a iniciativa privada que o Estado concedeu aos cidadãos, desde que reunidos os respectivos pressupostos legais, o pagamento global das prestações de desemprego. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AJARC
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
RELATÓRIO
AJARC instaurou acção administrativa especial contra o Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Viseu, ambos já melhor identificados nos autos, visando a impugnação do despacho que determinou a reposição das prestações de desemprego, no valor global de € 25.235,84.
Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
A) O recorrente não pode conformar-se com a sentença recorrida, razão pela qual interpõe o presente recurso.
B) Entende o Recorrente que não incumpriu o projeto de criação do próprio emprego ou por outras palavras não incumpriu injustificadamente as condições de determinaram a aprovação do projeto de criação do próprio emprego
C) Mantendo actualmente, o Recorrente não só o posto de trabalho que criou como gerou mais dois outros postos de trabalho
D) O que vai de encontro às expectativas geradas no espirito do legislador, pois que, a atividade da empresa criada e o posto de trabalho preenchido pelo beneficiário das prestações de desemprego, mantém-se ainda hoje e a sua durabilidade estende-se, além do mínimo de três anos legalmente fixado.
E) Subjacente ao “Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego” está uma ideia de criação de emprego e fomento do crescimento económico por via do investimento.
F) Havendo, consequentemente que interpretar o n.º 1 do artigo 12.º da portaria n.º 985/2009 de 04 de Setembro, no sentido de determinar o seu significado no que respeita à expressão” e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário.”
G) Sendo certo que, o Recorrente sempre cumpriu os tempos de trabalho na empresa e muito outros para além do estrito conceito de durabilidade máxima da jornada de trabalho, estando na mesma a tempo inteiro e, isto, apesar de no ano letivo de 2011 ter exercido funções desde o dia 21 de Setembro de 2011 ao dia 31 de Julho de 2012.
H) Docência que era no mencionado período, exercida às terças-feiras durante 2 horas e 5 horas à quinta-feira.
I) Funções aquelas, perfeitamente conciliáveis com as exercidas na empresa AJC e desempenhadas por força da necessidade financeira que o próprio recorrente e a sua empresa, necessitavam naquele ano de 2011.
J) Ter-se-á o mesmo, por justificado, ante a atendível razão da empresa criada AJC, LDA, que hoje é uma empresa estável e em paulatino crescimento, se ter digladiado no ano de 2011, com inúmeras dificuldades económicas, que impediriam inclusive o ora recorrente de retirar proveito suficientes à subsistência do seu agregado familiar e ao cumprimento das suas obrigações.
K) Tal qual desponta da factualidade alegada em 18º da PI e igualmente invocada em sede de audição prévia perante a Entidade Dimanada, as dificuldades de mercado verificadas nos primeiros tempos da empresa AJC, traduziram-se em diminutos proveitos e exígua Clientela, muito por conta do contexto económico da época.
L) Importa ainda considerar factores relevantes, relacionados com o elevado investimento do recorrente na empresa e a juventude de uma empresa acabada de criar.
M) Essas mesmas dificuldades de mercado, falta de clientes e exíguos proveitos nesse ano de 2011, foram pura e simplesmente branqueados pelo Tribunal recorrido, que nem sequer equacionou, como se impunha tal alegação, como justificativas para o incumprimento que logrou assinalar.
N) Violando, assim ostensivamente os seus deveres de pronúncia.
O) Sendo relevante e mesmo decisivo, para cabal esclarecimento desta matéria a inquirição da testemunha arrolada pelo recorrente e que o Tribunal recorrido considerou desnecessária.
P) É que, o Tribunal recorrido, para motivar a não abertura de um período de produção de prova, tal qual refere no despacho saneador, entendeu inexistir matéria de facto ainda controvertida, justamente por a Entidade Demandada não ter impugnado tal matéria.
Q) Assim o considerou, contudo, não extraiu as necessárias conclusões, ou seja, in casu, transpondo para a panóplia de factos provados o alegado em 18º da PI (…) não obstante, exercer aquelas funções limitadas de docência perfeitamente conciliáveis, que aliás até são justificadas, o que per si não gera incumprimento, por a AJC, LDA, que hoje é uma empresa sólida e que, inclusive, já aumentou o seu número de trabalhadores, estar em inicio de atividade no ano de 2011, com as dificuldades de mercado e clientela inerentes a essa mesma condição.
R) Não o tendo feito e, declinando a produção de prova testemunhal, decisiva aliás, nesta matéria, de modo a clarificar as dificuldades pessoais do recorrente no ano de 2011 e as de insuficiência de proveitos da empresa AJC, nesse mesmo ano, como justificativa para o exercício das funções de doente, incorreu em manifesto erro de julgamento de facto e por consequência de direito, o qual apenas poderá ser expurgado pela via do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.
S) Assim e mesmo considerando, como considerou o Tribunal Recorrido, o incumprimento, pelo Recorrente, do previsto no aduzido artigo 34º/3/4 do Decreto-Lei nº 220/2006 (alt. pelo Decreto-Lei nº 72/2010 e pelo Decreto-Lei nº 64/2012), nada disse quanto à justificação ou não da conduta.
T) Defensa-se pois, que entender-se pelo incumprimento, sempre o mesmo seria justificado, sendo que, o Tribunal sempre teria que aferir dos motivos justificativos ou pelo menos, ante a não impugnação dos mesmos pela Entidade Demandada, que os dar por assentes, transpondo-os como se impunha, para a panóplia factual dada como provada.
U) Impondo-se também a aplicabilidade da máxima metódica da proporcionalidade, prevista, para as relações jurídicas administrativas, nos artigos 266º/2 da Constituição da República Portuguesa e 7º do atual Código do Procedimento Administrativo/2015.
V) Na tese da Entidade Administrativa Demandada e do Tribunal recorrido, o Autor, ora recorrente, não podia acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período (3 anos) em que são obrigados a manter aquela atividade.
W) Todavia, se o incumprimento do dever imposto no nº 3 tiver uma justificação aceitável, não haverá lugar às consequências negativas ali previstas, designadamente a restituição da verba recebida.
X) Há, pois, que saber, se a justificação exposta é aceitável ou razoável e adequada, no caso em apreço, o que impõe a necessidade de concretizar a expressão “incumprimento injustificado”.
Y) O rendimento obtido pelo recorrente da execução deste projeto aprovado, não permitia que vivesse com normal dignidade, o que também decorre da crise económico-financeira nacional desde 2011.
Z) Sem o segundo trabalho, ou segunda atividade profissional, o recorrente não teria tido condições para viver, nem para evitar o fecho da empresa criada, que hoje em dia, conta para além de si próprio com mais dois trabalhadores e perspetiva ampliar o seu quadro de pessoal, face ao progressivo aumento da atividade da empresa.
AA) O posto de trabalho projetado pelas aqui partes processuais, no quadro legal referido, manteve-se e a segunda atividade parcial e não permanente do Ex desempregado (ora recorrente) impediu a empresa e o posto de trabalho de desaparecerem (essencial no espírito desta legislação).
BB) Assim e subsidiariamente, deve ser ordenada a devolução do processo ao Tribunal de 1.ª instancia, a fim de ser ampliada a matéria de facto relacionada com as dificuldades económico-financeiras da empresa AJC e do recorrente, no ano de 2011, justificativas do exercício pelo período de 10 meses da docência e, após, ser proferida nova sentença.
CC) De outro modo, nada se força se se concluir que se tratou de um incumprimento justificado e assim sendo, o despacho que ordenou a restituição do valor, deverá ser anulado (cfr. art.º 163º/1 do Código do Procedimento Administrativo/2015 e, antes, o artigo 135º).
DD) Pois que, não estão reunidos os requisitos para se apurar se o declarado incumprimento foi injustificado, conforme decidido pela sentença recorrida, o que pelas razões aventadas, faz com que tenha incorrido num erro de julgamento de facto e de direito que importa a sua revogação.
Nestes termos e nos melhores de Direito que suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e, substituída por outra que, declare a anulabilidade do despacho que determinou a reposição do montante global das prestações de desemprego, e assim, decidindo, farão JUSTIÇA!
*
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1 - Impugna o Autor a sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu invocando que a interpretação a conferir, no seu entendimento, ao conceito de “emprego a, tempo inteiro,” consagrado no artigo 12.º, n.º 1 da Portaria n.º 985/2009, de 04/09, não impõe aos promotores de projetos de criação do próprio emprego, beneficiários do pagamento, por uma só vez, do montante global de prestações de desemprego, o exercício em regime de exclusividade do posto de trabalho criado.
2 - A esse entendimento do Autor respondemos já na contestação apresentada nos autos para a qual, por economia processual, remetemos.
3 - Acresce que, tal interpretação encontra-se também rebatida pelos fundamentos decisórios expostos na sentença aqui sob recurso. Assim, e por concordarmos inteiramente com a interpretação e aplicação que na sentença de primeira instância ficou feita do regime jurídico aplicável ao caso dos autos, consagrado no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11 e na Portaria n.º 985/2009, de 04/09, abstemo-nos de aqui reproduzir o entendimento que aí ficou exposto, para o qual remetemos.
4 – Apenas acrescentaremos que aceitar que aos beneficiários a quem é deferido o pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego seja permitido acumular o exercício do posto de trabalho criado com qualquer outra atividade profissional é colocar estes beneficiários, injustificadamente, numa situação de vantagem relativamente àqueles que recebendo mensalmente as prestações encontram emprego e, consequentemente cessam o recebimento de tais prestações sem chegarem a receber a totalidade do período inicialmente concedido.
5 - Invoca ainda o Autor que a existir da sua parte incumprimento do projeto de criação do próprio emprego o mesmo seria de considerar “justificado”.
6 - Constata-se que esta alegação de um “incumprimento justificado surge pela primeira vez em sede de recurso. Nunca o Autor invocou tal questão perante o Tribunal de primeira instância, que quanto a ela não teve oportunidade de se pronunciar.
7 - Mais, perante o Tribunal de primeira instância, não alegou o Autor quaisquer factos susceptíveis de produção de prova e que, em tese, pudessem sustentar a qualificação da sua atuação como de “incumprimento justificado” do projeto de criação do próprio emprego.
8 - E mesmo em sede de recurso o que alega o Autor quanto a este “incumprimento justificado” são apenas conclusões e nenhuns factos.
9 - Pelo que, necessariamente, inexiste qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal de primeira instância quanto a uma questão que nunca foi colocada à sua apreciação. Como inexiste qualquer erro no julgamento da matéria de facto.
10 - Não pode o Autor pretender que ao elenco dos factos provados da sentença sob recurso fossem levados factos que nem sequer foram alegados.
11 - Assim como, não faz qualquer sentido a crítica que aponta o Autor à atuação do Tribunal de primeira instância ao afirmar que este declinou a produção de prova testemunhal quanto aos motivos justificativos do seu incumprimento, pois que, não tendo sido alegados quaisquer factos quanto a essa matéria, necessariamente, não poderia ter existido produção de prova quanto à mesma.
12 - Os recursos jurisdicionais servem para reexaminar as decisões tomadas pelos Tribunais de primeira instância e não para apreciar questões novas. E assim, constatando-se que a invocação pelo Autor de um alegado “incumprimento justificado” surge pela primeira vez em sede de recurso, estamos perante uma questão nova, que nunca foi colocada à apreciação do Tribunal de primeira instância e que por isso mesmo está também vedada à apreciação deste Venerando Tribunal de recurso.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se os termos do que ficou decidido pelo Tribunal de primeira instância.
Assim decidindo, farão JUSTIÇA
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O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Em 3/01/2011, o A. apresentou à ED. um requerimento de prestações de desemprego.
B) Através do ofício nº 001949, de 06/01/2011, o A. foi notificado pela ED. de que o requerimento apresentado e referido na alínea anterior foi deferido, nos seguintes termos «- Foi-lhe atribuído Subsídio Desemprego no montante diário de € 41,92 (quarenta e um euros e noventa e dois cêntimos) e será concedido por um período de 780 dias, com início em 2011-01-03, a que corresponde a data de apresentação do requerimento da prestação.».
C) Em 1/07/2011, foi comunicado à ED., pelo Centro de Emprego de Viseu, a apresentação pelo A. de um projeto de emprego promovido por beneficiário de prestações de desemprego, que incluía um requerimento, datado de 15/06/2011, ao abrigo do disposto no artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de novembro, e no artigo 12º da Portaria nº 985/2009, de 4 de setembro, para concessão do pagamento global das prestações de desemprego para a criação do próprio emprego.
D) No projeto de criação do próprio emprego foi prevista a criação pelo A. do seu posto de trabalho, através da constituição de uma sociedade unipessoal por quotas, denominada AJC, Lda, para o exercício de “Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão”.
E) Através do ofício nº 064696, de 11/07/2011, o A. foi notificado pela ED. de que o requerimento apresentado e referido na alínea C) supra foi deferido, nos seguintes termos:
«Pagamento do montante global das prestações de desemprego no valor de € 25.235,84 (vinte e cinco mil duzentos e trinta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), referente ao período de 2011-07-01 a 2013-03-02, por ter sido considerado viável, pelo respectivo centro de emprego, o projecto de criação do próprio emprego.
Mais se informa, que o emprego deve ser mantido pelo período mínimo de três anos, sendo o pagamento do montante global das prestações de desemprego considerado indevido em caso de incumprimento injustificado, sem prejuízo da aplicação do regime jurídico de contra-ordenações ou penal…».
F) Em 4/08/2011, o A. constituiu a sociedade unipessoal por quotas denominada AJC, Lda, na qual o A. é único sócio e gerente.
G) Através do ofício nº 004733, de 15/01/2015, sob o “Assunto: Notificação por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego”, o A. foi notificado pela ED., nomeadamente, do seguinte:
«Informa-se V. Ex.ª de que haverá lugar à restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de € 25.235,84 (vinte e cinco mil duzentos e trinta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos) se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção deste ofício, não der entrada nestes serviços resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar à referida restituição, juntando meios de prova se for caso disso.
Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição foi o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto (alínea b) do nº 9 do artigo 12º da Portaria nº 985/2009 e nº 10 do Despacho nº 7131/2011), acima referenciados)...».
H) Através de carta do mandatário do A., datada de 22/01/2015, endereçada ao Diretor do Centro Distrital de Viseu do Instituto de Segurança Social, I.P., e sob o “Assunto: Resposta escrita à notificação por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego”, instruída com o histórico de contribuições dos três trabalhadores, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos, foi requerido o seguinte:
«…REQUER-SE A V. EXA. SE DIGNE DAR SEM EFEITO A NOTIFICAÇÃO RECLAMADA, E/OU ANULADA A MESMA, ORDENANDO-SE NOVA NOTIFICAÇÃO COM AS RAZÕES DE FACTO JUSTIFICATIVAS DO INCUMPRIMENTO DO PROJETO DE CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO, CONTANDO-SE SÓ DESDE ENTÃO, O PRAZO PARA TOMAR POSIÇÃO ADEQUADA, ISTO SEM PRIMEIRAMENTE OU DE IMEDIATO SE CONSIDERAR FACE ÀS DEMAIS ADUZIDA ARGUMENTAÇÃO E PROVA JUNTA COMO NÃO INCUMPRIDO O PROJETO DE CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO.».
I) Através do ofício nº 012124, de 03/02/2015, sob o “Assunto: Notificação por Incumprimento Injustificado do Projeto de Criação do Próprio Emprego”, o A. foi notificado pela ED., nomeadamente, do seguinte:
«O Centro Distrital de Viseu, do Instituto da Segurança Social, IP, em resposta à comunicação acima referenciada, tem a honra de informar V. Excia do seguinte:
Dispõe o nº 1 do Artigo 12º, da Portaria nº 985/2009, de 04 de setembro, que: “Há lugar ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas, ao abrigo do previsto no artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego apresente um projeto ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 1º e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário”.
Acontece que, após consulta ao SISS – Sistema de Informação da Segurança Social, constata-se que o beneficiário AJARC encontra-se, desde 21 de setembro de 2011, enquadrado como TCO – Trabalhador por Conta de Outrem, na Entidade Empregadora AEOF, com sede na Rua D…, em Oliveira de Frades.
Pelo exposto, considera-se que se verificou um incumprimento injustificado das condições que determinaram a aprovação do projeto de criação do próprio emprego, antes do decurso de 3 anos a contar da data do projeto (alínea b) do nº 9 do artigo 12º da Portaria nº 985/2009 e nº 10 do Despacho 7131/2011, de 11 de maio).
Assim, e pela razão do incumprimento do disposto na alínea b) do nº 9, do artigo 12º da Portaria 985/2009, de 04 de setembro, conjugado com os artigos 2º, 3º e 15º, nº 1, do Decreto Lei 133/88, de 20 de Abril, fica o beneficiário responsável pela restituição dos valores indevidamente recebidos, através das formas do diploma referido, e sob pena da comunicação da dívida para execução fiscal…».
J) Através de ofício datado de 17/02/2015, sob o “Assunto: Restituição de prestações indevidamente pagas”, o A. foi notificado da Nota de Reposição nº 9129654 e para devolver à ED. o valor de € 25.235,84, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos.
K) Através de carta do mandatário do A., datada de 06/03/2015, endereçada ao Diretor do Centro Distrital de Viseu do Instituto de Segurança Social, I.P., e sob o “Assunto: Resposta escrita à notificação por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego”, instruída com o registo biográfico do Ministério da Educação e histórico de contribuições dos três trabalhadores, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos, foi requerido o seguinte:
«…REQUER-SE A V. EXA. SE DIGNE DAR SEM EFEITO A NOTIFICAÇÃO RECLAMADA, E/OU ANULADA A MESMA, DANDO-SE A FINAL COMO NÃO INCUMPRIDO O PROJETO DE CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO.».
L) Através do ofício nº 026092, de 11/03/2015, sob o “Assunto: Notificação por Incumprimento Injustificado do Projeto de Criação do Próprio Emprego”, o A. foi notificado pela ED., nomeadamente, do seguinte:
«O Centro Distrital de Viseu, do Instituto da Segurança Social, IP, em resposta à comunicação acima referenciada, tem a honra de informar V. Excia do seguinte:
Face aos elementos consignados na exposição que acima se faz referência, e porque, mais uma vez, nada de novo tal documento incorpora que seja juridicamente relevante ou pertinente, nada justifica que, perante tais elementos, estes Serviços alterem o teor dos ofícios oportunamente remetidos a V. Excia. E cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Assim, nada mais estes Serviços têm a acrescentar, reiterando, assim, o teor e conteúdo de todas as nossas anteriores comunicações.
Por outro lado e não se verificando qualquer facto que possa ter por efeito alterações ao presente procedimento, decidem estes Serviços por termo a concretizar qualquer resposta relativamente à presente matéria que nos seja dirigida, sempre com a salvaguarda dos interesses legítimos dos beneficiários…».
Em sede de motivação da factualidade apurada o Tribunal fez constar que formou a sua convicção, tomando em consideração os documentos juntos aos presentes autos e constantes do processo administrativo, por referência aos factos necessitados de prova e com observância das regras gerais sobre o ónus da prova.
Todos os factos com interesse para a decisão da ação sub judice foram analisados concretamente, não se provando os factos que não constam da matéria de facto assente.
X
DE DIREITO
Na óptica do Recorrente não estão reunidos os requisitos para se apurar se o declarado incumprimento foi injustificado, conforme decidido pela sentença recorrida, o que faz com que esta tenha incorrido em erro de julgamento de facto e de direito que importa a sua revogação.
Subsidiariamente, entende que deve ser ordenada a devolução do processo ao Tribunal de 1ª instancia, a fim de ser ampliada a matéria de facto relacionada com as suas dificuldades económico-financeiras e as da empresa AJC no ano de 2011, justificativas do exercício, pelo período de 10 meses, da docência e, após, ser proferida nova sentença.
Cremos que carece de razão.
Atente-se no discurso jurídico fundamentador da decisão:
Importa verificar, em concreto e face ao direito aplicável, se o A. incumpriu injustificadamente as condições que determinaram a aprovação do projeto de criação do próprio emprego (alíneas C), G) e I) do probatório).
O A. requereu, em 15/06/2011, ao abrigo do disposto no artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de novembro, e no artigo 12º da Portaria nº 985/2009, de 4 de setembro, a concessão do pagamento global das prestações de desemprego para a criação do próprio emprego, cujo deferimento lhe foi comunicado por ofício datado de 11/07/2011.
À data da apreciação do seu pedido, estava em vigor a seguinte redação do artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3/11:
«Artigo 34.º Montante único das prestações de desemprego
1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projecto de criação do próprio emprego.
2 - O montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
3 - A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio.».
Também estava em vigor nessa data e mantém-se em vigor [apesar das posteriores alterações legislativas – Portaria nº 95/2012, de 4/04 e Portaria nº 157/2015, de 28/05], a seguinte redação dos nºs 1 e 9, alínea b), do artigo 12º, da Portaria nº 985/2009, de 4/09, que aprovou a criação do Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE), a promover e executar pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P. e pela Cooperativa António Sérgio para a Economia Social - Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada (CASES), e regulamentou os apoios a conceder no seu âmbito (cfr. artigo 1º, nº 1):
«Artigo 12.º Antecipação das prestações de desemprego
1 - Há lugar ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas, ao abrigo do previsto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego apresente um projecto ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 1.º e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário.(…)
9 - Os projectos referidos no presente capítulo que não beneficiem das medidas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 1.º: (…)
b) Devem manter a actividade da empresa e os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos. (…)» (destaques da signatária).
Por sua vez, o Despacho nº 7131/2011, de 11 de maio, definiu o procedimento administrativo aplicável ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego a que o beneficiário tem direito, nos termos previstos no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, estabelecendo no seu nº 10 que «10 - Sempre que na execução do projecto de criação do próprio emprego se verificar incumprimento injustificado das condições que determinaram a sua aprovação ou se apurar ter havido aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam, aplica-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou penal a que houver lugar.» (sublinhado da signatária).
A partir de 1/04/2012, a redação do artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3/11, foi alterada pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 64/2012, de 15/03, passando a ser a seguinte:
«Artigo 34.º Montante único das prestações de desemprego
1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projecto de criação do próprio emprego.
2 - O montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
3 - Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade.
4 - O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.
5 - Sem prejuízo das competências dos centros de emprego, os serviços de fiscalização da segurança social podem, para efeitos do número anterior, verificar o cumprimento das condições de atribuição do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego.
6 - A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio.» (destaques da signatária).
O Decreto-Lei nº 64/2012, de 15 de março, procedeu à alteração do regime jurídico de proteção no desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, beneficiários do regime geral de segurança social, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, estabelecendo no seu artigo 7º, nº 1, sobre a epígrafe “Produção de efeitos o seguinte:
«1 - O disposto nos artigos 12.º, 17.º, 20.º, 24.º, 34.º, 34.º-A, 45.º, 49.º, 60.º, 70.º, 72.º e 76.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na redação dada pelo presente decreto-lei, aplica-se às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior.» (destaques da signatária).
De acordo com o estabelecido neste normativo, a nova redação do artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, introduzida pelo Decreto-Lei nº 64/2012, de 15/03, é aplicável à situação concreta do A., apesar do seu pedido ter sido apreciado e decidido antes da referida alteração legislativa.
Resultava já do artigo 12º, nº 9, alínea b), da citada Portaria nº 985/2009, que o A. era obrigado a manter os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos, manutenção essa, no que concerne ao A. e enquanto promotor destinatário, que teria que ser a tempo inteiro.
Invoca o A. o disposto no artigo 203º, nº 1, do Código de Trabalho, para referir que sempre cumpriu com os tempos de trabalho na empresa, apesar de ter exercido funções de docente no ano letivo de 2011, de 21/09 a 31/07/2012, que fez num horário reduzido.
Uma coisa são os limites máximos do período normal de trabalho e outra a criação de emprego a tempo inteiro do promotor destinatário, para efeitos do pagamento do montante global das prestações de desemprego.
O legislador ao estabelecer o requisito legal de tempo inteiro, quis manifestamente dizer que o promotor destinatário teria que se dedicar exclusivamente ao projeto a que se propôs, pelo menos, durante três anos.
O A. não desconhecia tal obrigação.
O A. estava obrigado a manter o seu posto de trabalho, previsto no Projeto de criação do próprio emprego, a tempo inteiro, nos termos do artigo 12º, nº 9, alínea b), da Portaria nº 985/2009, de 4/09, norma que estava em vigor à data da apreciação e deferimento do seu pedido e que se mantém em vigor.
Com a redação introduzida pela Lei nº 64/2012, ao artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, o legislador veio expressamente consagrar e tornar clara a impossibilidade de acumular o exercício da atividade resultante da criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, com outra atividade normalmente remunerada, durante o período em que o beneficiário era obrigado a manter aquela atividade.
Isto é, durante o período de três anos em que se obrigou a manter o seu posto de trabalho, previsto no Projeto de criação do próprio emprego, o A. devia ter exercido a sua atividade a tempo inteiro/exclusividade.
O artigo 34º, nº 3, do Decreto-Lei nº 220/2006, na redação do Decreto-Lei 64/2012, acabou, assim, por tornar claro o que já estava previsto no artigo 12º, nº 1, da Portaria nº 985/2009.
Dentro do período de três anos em que o A. estava obrigado a manter o seu posto de trabalho, previsto no Projeto de criação do próprio emprego, de 4/08/2011 a 4/08/2014, o A. exerceu funções docentes de 21/09/2011 a 31/07/2012, no AEOF, o que permite concluir que durante este período não exerceu a tempo inteiro/exclusividade o seu posto de trabalho previsto no Projeto de criação do próprio emprego.
Cumpre referir que foi já decidido pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, em 10/10/2014, no Processo 00129/11.0BEAVR, que com a devida vénia ao seu Relator passo a citar parcialmente o seu sumário, o seguinte «Tendo-se um trabalhador vinculado ao cumprimento da legislação aplicável, ao abrigo da qual lhe foi deferida a concessão da totalidade do subsídio de desemprego - Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro regulamentado pela Portaria n.º 196-A/2001 de 10 de Março (com as alterações efetuadas pela Portaria n.º 255/2002 de 12 de Março -, e o Despacho n.º 21094 de 10 de Outubro, não poderá exercer qualquer atividade remunerada, que durante o período em questão, em termos análogos, determinasse a perda das prestações do subsidio de desemprego.».
Pelo exposto, conclui o Tribunal que o A. incumpriu injustificadamente as condições que determinaram a aprovação do projeto de criação do próprio emprego.
Refere, ainda, o A. que o nº 3, do artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, na redação do Decreto-Lei 64/2012, aplicando-se à sua situação concreta, limita a iniciativa privada e o direito ao trabalho, permitindo concluir que é mais vantajoso e seguro nada fazer e continuar, sem mais, a receber as prestações do desemprego, invocando a inconstitucionalidade do preceito normativo por violação do direito fundamental consagrado no artigo 58º da CRP.
Pelo prisma alegado pelo A., não pode o Tribunal concordar com a inconstitucionalidade invocada, porque foi com vista a proteger e a incentivar a iniciativa privada, que o Estado concede aos cidadãos, desde que reunidos os respetivos pressupostos legais, o pagamento global das prestações de desemprego.
A não permissão de acumulação de atividades, pelo menos, durante três anos, visa impor ao beneficiário uma dedicação a tempo inteiro/exclusividade à atividade privada para a qual o Estado lhe antecipou o montante global das prestações de desemprego.
Considera, pois, o Tribunal que o regime consagrado no nº 3, do artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, na redação do Decreto-Lei 64/2012, não infringe o disposto no artigo 58º da Constituição da República Portuguesa, nem os princípios nela consignados.
Prosseguindo. Alega, ainda, o A. que a revogação do ato de deferimento do pagamento global das prestações constitui um ato revogatório ilegal, por violar o disposto no artigo 15º do Decreto-Lei nº 133/88, o artigo 141º do CPA e o artigo 79º da Lei nº 4/2007.
Em sua defesa, invoca a ED. que o ato que impõe ao A. a obrigação de restituir o montante pago, não é em si mesmo um ato administrativo revogatório do ato de deferimento do pagamento do montante global das prestações de desemprego, por fundamento na ilegalidade deste, mas sim um ato de reapreciação, com fundamento em factos novos e supervenientes, que não está sujeito ao prazo consagrado no artigo 141º do CPA, porque a referida obrigação de restituição pode ser notificada no prazo máximo de 5 (cinco) anos.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 15º, do Decreto-Lei nº 133/88, de 20/04, que:
«Artigo 15.º Revogabilidade dos actos de atribuição das prestações
1 - Os actos administrativos de atribuição de prestações feridos de ilegalidade são revogáveis nos termos e nos prazos previstos para os actos administrativos constitutivos de direitos, salvo o disposto no número seguinte.
2 - Tratando-se de actos administrativos de atribuição de prestações continuadas, a verificação da respectiva ilegalidade após a expiração do prazo de revogação determina a imediata cessação da respectiva concessão.» (sublinhado da signatária).
Estabelece o artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo [anterior ao aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro] que:
«Artigo 141.º Revogabilidade dos actos inválidos
1. Os actos administrativos inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
2. Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar.» (sublinhado da signatária).
E o artigo 79º da Lei nº 4/2007, de 16/01 [Lei de Bases do Sistema da Segurança Social] que:
«Artigo 79.º Revogação de actos inválidos
1 - Os actos administrativos de atribuição de direitos ou de pagamento de prestações inválidos são revogados nos termos e nos prazos previstos na lei, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Os actos administrativos de atribuição de prestações continuadas inválidos podem, ultrapassado o prazo da lei geral, ser revogados com eficácia para o futuro.» (sublinhado da signatária).
Resulta dos preceitos normativos transcritos e invocados pelo A. que a revogação em causa pressupõe a invalidade do ato administrativo.
Todavia, no caso concreto dos autos não resulta do probatório que o ato de deferimento do pagamento global das prestações de desemprego para a criação do próprio emprego ao A. fosse ou seja inválido, mas antes que o A. incumpriu uma das condições a que se obrigou e que justificou a prolação do ato de restituição das prestações de desemprego pagas pela ED.
O ato de restituição consubstancia apenas a revogação do apoio concedido e não a revogação do ato de deferimento do pagamento global das prestações de desemprego para a criação do próprio emprego, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar, conforme dispõe o nº 4 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006, na redação do Decreto-Lei nº 64/2012.
Estabelece, assim, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 133/1988, de 20/04, sob a epígrafe «Pagamento de prestações indevidas imputável aos interessados», que «No caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respectiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respectiva concessão.».
Foi decidido pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, em 30/11/2012, no processo 00356/07.4BEMDL, que com vénia ao seu Relator passo a citar o seu sumário, que «Sob pena de violação do princípio da segurança jurídica, corolário de um Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20.04, deve ser interpretado, compaginado com o disposto no artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, neste sentido: “No caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respectiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respectiva concessão, até ao limite máximo de cinco anos.”».
Atento o exposto e porque o ato impugnado não só não padece de nenhum dos vícios que o A. lhe assaca, como ainda não tinha decorrido o prazo de cinco após o recebimento do apoio em causa, o valor em questão é devido à ED. e deve ser pago pelo A.
X
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado quer pela lei processual quer pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim sendo, analisadas as conclusões, resulta que o Recorrente assaca à decisão erro de julgamento de facto e de direito.
Porém, sem fundamento.
Vejamos:
Através do presente recurso o Apelante impugna a sentença proferida, seguindo para tal duas linhas de argumentação:
-A interpretação a conferir ao conceito de “emprego a tempo inteiro,” consagrado no artigo 12º/1 da Portaria 985/2009, de 04/09, não impõe aos promotores de projectos de criação do próprio emprego, beneficiários do pagamento, por uma só vez, do montante global de prestações de desemprego, o exercício em regime de exclusividade do posto de trabalho criado. Termos em que entende que as funções lectivas que exerceu por conta do AEOF, no período de 21/09/2011 a 31/07/2012, não consubstanciam incumprimento do regime jurídico aplicável às medidas activas de reparação da situação de desemprego e incentivo à criação do próprio emprego consagrado, nomeadamente, no DL 220/2006, de 03/11 (com as alterações introduzidas pelos DL 72/2010, de 18/06, 64/2012, de 15/03 e 13/2013, de 25/01) e pela Portaria 985/2009, de 04/09 (com as alterações introduzidas pela Portaria 58/2011, de 28/01);
-a existir incumprimento da sua parte o mesmo será de considerar “justificado”. Advoga para tal que “o incumprimento das condições que determinaram a aprovação de projecto de criação do próprio emprego” será de considerar “justificado” por, alegadamente, a sociedade criada, AJC, Lda. “se ter digladiado no ano de 2011, com inúmeras dificuldades económicas, que impediram inclusive o ora recorrente de retirar proveitos suficientes à subsistência do seu agregado familiar e ao cumprimento das suas obrigações” e por aquela sociedade no ano de 2011 ter “diminutos proveitos e exígua clientela”. Mais alega, nesta sede recursiva, que quanto aos alegados “motivos justificativos” da sua conduta não se pronunciou o Tribunal a quo, nem quanto aos mesmos aceitou produzir prova, pelo que existe omissão de pronúncia, o que impõe seja ordenada a devolução do processo ao Tribunal de 1ª instância, a fim de ser ampliada a matéria de facto relacionada com as suas dificuldades económico-financeiras e as da empresa AJC, no ano de 2011, justificativas do exercício pelo período de 10 meses da docência.
Ora, quanto à interpretação do conceito de “emprego a, tempo inteiro,” consagrado no artigo 12º/1 da Portaria 985/2009, de 04/09, limita-se o aqui Recorrente a reproduzir o iter argumentativo exposto na petição inicial. Esse entendimento foi bem esmiuçado e afastado pelo Senhor Juiz, na linha, aliás, da posição sustentada em sede de contestação.
A interpretação que o Autor/Recorrente faz do citado artigo 12º/1 da Portaria 985/2009, encontra-se bem desenvolvida nos fundamentos decisórios expostos na sentença sob recurso, aos quais aderimos por inteiro e por isso nos abstemos de repetir, seja por razões de celeridade, seja por motivos de economia processual.
De facto, não é possível esquecer que todo o regime jurídico da protecção na eventualidade de desemprego está construído no sentido dos beneficiários apenas terem direito às prestações de subsídio de desemprego enquanto se mantêm numa situação de desemprego. Assim, mesmo quando pago na modalidade de montante único, o subsídio de desemprego não deixa de ter a natureza de prestação para protecção daqueles que não dispõem de emprego. Pelo que, a partir do momento em que os beneficiários exercem actividade profissional cessa o direito a auferirem prestações de desemprego.
Assim sendo, se aos beneficiários a quem é deferido o pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego fosse permitido depois acumular o exercício do posto de trabalho criado com qualquer outra actividade profissional estar-se-ia, injustificadamente, a colocar-se estes beneficiários em situação de vantagem relativamente àqueles que recebendo mensalmente as prestações encontram emprego e cessam o recebimento de tais prestações sem chegarem a receber a totalidade do período inicialmente concedido. Seria, pois, desvirtuar o espírito dos diplomas criados em seu auxílio.
Quanto à segunda linha de pensamento seguida pelo Recorrente nas suas alegações de recurso, respeitante à invocação de um “incumprimento justificado”, constata-se que tal alegação surge pela primeira vez em sede de recurso. Ao contrário do que pretende fazer crer, nunca tal questão foi invocada perante o Tribunal de primeira instância e nunca este teve oportunidade de se pronunciar sobre qualquer modalidade de “incumprimento justificado”.
Desta forma, necessariamente, inexiste qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo quanto a uma questão que nunca foi colocada à sua apreciação.
Como é sabido, os recursos jurisdicionais visam decisões judiciais, e devem, assim, consubstanciar pedidos de revisão da sua legalidade, com base em erros ou vícios das mesmas, erros ou vícios estes que devem afrontar, dizendo do que discordam e porque discordam - artigos 676º/1 e 684º/3 do CPC; a propósito, Ac. do STA/Pleno de 03/04/2001, rec. 39531; Ac. do STA de 09/05/2001, rec. 47228; Ac. do STA/Pleno de 16/02/2012, rec. 0304/09.
Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e o seu objecto são os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribui; daí que se torne imprescindível que este na sua alegação de recurso desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão sob censura.
Dito de outra forma, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - cfr. Acs. do STA de 26/09/2012, rec. 0708/12; de 13/11/2013, rec. 01460/13; de 05/11/2014, rec. 01508/12; de 03/11/2016, rec. 01407/15; Acs. deste TCAN de 08/01/2016, rec. 00902/13.4BECBR; de 06/03/2016, recs. 794/09.8BEBERG, 480/10.6BEPRT e 594/11.5BEPRT, entre muitos outros.
Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não sejam de conhecimento oficioso - sentenciou o citado Acórdão do STA de 26/09/2012.
Ora, não tendo a referida questão sido submetida à apreciação do Tribunal a quo, é patente que configura questão nova e, na medida em que não participa do objecto da causa, não pode ser considerada por este tribunal ad quem.
Na verdade, constata-se, da análise da petição inicial que o Autor apenas impugnou o acto administrativo praticado pelo Réu por entender que o regime jurídico aplicável ao caso não lhe impunha que exercesse em regime de exclusividade o posto de trabalho criado. Nunca perante a 1ª instância invocou qualquer conceito de “incumprimento justificado” do seu projecto de criação do próprio emprego. E muito menos alegou, perante o mesmo, quaisquer factos susceptíveis de produção de prova e que, em tese, pudessem sustentar a qualificação da sua actuação como de “incumprimento justificado” do projecto de criação do próprio emprego; pelo que, também não faz qualquer sentido a crítica que aponta o aqui Recorrente à actuação do Senhor Juiz, qual seja a de que este declinou a produção de prova testemunhal.
A verdade é que, quanto a esta alegação de “incumprimento justificado”, nenhuma factualidade foi invocada que pudesse ser objecto de prova a produzir em primeira instância. Aliás, mesmo nesta sede de recurso o que alega quanto a este “incumprimento justificado” são conclusões e não factos. Mas, como bem sabe o Apelante, à produção de prova o que importa é a prévia alegação de suporte fáctico que conduza a uma decisão num ou noutro sentido.
Dizer-se que:
-a sociedade AJC, Lda. no ano de 2011 passou por “inúmeras dificuldades económicas, que impediram inclusive o ora recorrente de retirar proveito suficientes à subsistência do seu agregado familiar e ao cumprimento das suas obrigações”;
-nos “primeiros tempos” teve “diminutos proveitos e exígua Clientela”, que esteve em “situação de fecho eminente”; que tinha “insuficiência de proveitos”;
-o próprio Autor/recorrente se debateu com “uma espiral de dificuldades financeiras pessoais e empresariais”;
-“o rendimento obtido… não permitia que vivesse com normal dignidade” -
tudo são meras conclusões e não factos, como bem observa o aqui Recorrido.
Invoca ainda o Recorrente que por falta de impugnação da matéria por si alegada no artigo 18º da P.I. deveria o Tribunal a quo ter transposto a mesma para a panóplia de factos provados. Mas o que o Autor, naquele artigo 18º da petição inicial, aduz são meras conclusões sem qualquer suporte factual.
Em suma:
-uma vez que o Autor não alegou perante o Tribunal de primeira instância qualquer “incumprimento justificado” não podia o Senhor Juiz pronunciar-se sobre essa questão; consequentemente inexiste qualquer omissão de pronúncia;
-dito de outro modo, dado que perante o Tribunal de primeira instância não alegou o Autor qualquer facto susceptível de densificar aquele conceito de “incumprimento justificado” nenhuma prova poderia produzir-se quanto a tais (inexistentes factos);
-logo, não existe o apontado erro de julgamento de facto;
-os recursos jurisdicionais servem para reexaminar as decisões tomadas pelos Tribunais de primeira instância e não para apreciar questões novas;
-constatando-se que a invocação pelo Autor de um alegado “incumprimento justificado” surge pela primeira vez em sede de recurso, estamos perante uma questão nova, que nunca foi colocada à apreciação do Tribunal e que por isso está também vedada à apreciação deste Tribunal;
-aceitar-se a tese de que aos beneficiários a quem é deferido o pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego seja permitido acumular o exercício do posto de trabalho criado com qualquer outra actividade profissional seria colocar estes beneficiários, injustificadamente, numa situação de vantagem relativamente àqueles que recebendo mensalmente as prestações encontram emprego e, consequentemente cessam o recebimento de tais prestações sem chegarem a receber a totalidade do período inicialmente concedido;
-a sentença sob escrutínio desenvolveu com acerto os elementos lógico e teleológico dos preceitos visados, não deixando de notar que pelo prisma alegado pelo Autor, não pode concordar com a inconstitucionalidade invocada, porque foi com vista a proteger e a incentivar a iniciativa privada que o Estado concedeu aos cidadãos, desde que reunidos os respectivos pressupostos legais, o pagamento global das prestações de desemprego.
Tendo feito correcta leitura dos diplomas e normativos em referência a decisão tem de ser mantida na ordem jurídica.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 12/10/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa