Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00061/15.8BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTENCIOSO ELEITORAL; PLENA JURISDIÇÃO;
N.º 2 DO ARTIGO 97º, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS DE 2002; N.º 1 DO ARTIGO 98º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS DE 2015; VALIDADE DO ACTO DE HOMOLOGAÇÃO DOS RESULTADOS DAS ELEIÇÕES; PRESSUPOSTOS LEGAIS DO DIREITO À HOMOLOGAÇÃO; ELEIÇÃO PARA DIRECTOR DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. JAC; PLÁGIO DE OBRAS; ARTIGO 5.º DO DECRETO-LEI 75/2008, DE 22/04, ARTIGO 6.º-A, N.º 2, AL. A) DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (PRINCÍPIO DA BOA-FÉ); DEVER DE ISENÇÃO; ARTIGO 3.º, N.º2, AL. B) DO ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS APROVADO PELA LEI N.º 58/2008, DE 09 DE SETEMBRO.
Sumário:1. Na impugnação da matéria de facto o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição, além do mais, os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, nos termos do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil de 2013 e como já impunha o artigo 690º - A do Código de Processo Civil de 1995.
2. Apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013).
3. O contencioso eleitoral é de plena jurisdição, como determina o n.º 2 do artigo 97º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 (em vigor quando foi proposta a acção) e o n.º 1 do artigo 98º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015, actualmente em vigor.
4. Assim, a decisão judicial que julgue tal processo deve apreciar a validade do acto de homologação, mas não apenas; deve verificar também os pressupostos legais para a procedência do pedido de homologação do resultado da eleição, pelo que não se excede nem erra na pronúncia a decisão que conclui correctamente não se verificarem os pressupostos legais para a homologação, julgando improcedente a acção, para além dos apontados na decisão de não homologação, como não verificados no candidato ganhador.
5. Justifica-se não homologar os resultados da eleição para Director de um Agrupamento de Escolas em que foi ganhador um candidato que tinha plagiado obras de terceiros, dado essa conduta violar o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 75/2008, de 22/04, o disposto no art.º 6.º-A, n.º 2, al. a) do Código de Procedimento Administrativo (princípio da boa-fé) e o dever de isenção previsto no art.º 3.º, n,º2, l. b) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de Setembro.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MJST
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência; Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Dr. JAC.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso Eleitoral (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
MJST veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 08.09.2015 que manteve a sentença do mesmo Tribunal, de 08.04.2015, pela qual foi julgada improcedente a acção, de contencioso eleitoral, intentada contra o Ministério da Educação e Ciência e em que foi indicado como contra-interessado o Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Dr. JAC, para anulação “do despacho de não homologação do resultado da eleição do director, realizada em reunião de 8 de Janeiro de 2015, do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Dr. JAC, proferido pela Directora Geral da Administração Escolar…”.

Invocou para tanto, de essencial, que a decisão recorrida incorreu em violação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22.04, dos artigos 6.º-A, n.º 2, al. a), do anterior Código de Procedimento Administrativo, do artigo 3.º, n.º 2, al. b), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09.09, e do artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código de Processo Civil. Imputou ainda à decisão recorrida a nulidade decorrente da falta de fundamentação.

Cada um dos recorridos apresentou as suas contra-alegações, ambos a defenderem a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu também parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª - Por aviso n.º 11950/2011, publicado no Diário da República, II Série, de 01.06, foi publicitada a abertura de procedimento concursal para recrutamento do lugar de director do Agrupamento de Escolas Dr. JAC.

2ª - O autor, aqui recorrente, foi oponente ao referido concurso, tendo sido aceite a sua candidatura.

3ª - Em 08.01. 2015 reuniu o Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Dr. JAC, ora contra-interessado, a fim de realizar o (segundo) escrutínio.

4ª - Realizado o acto eleitoral, apurou-se o seguinte resultado: 1 voto nulo, 16 votos em branco e 4 votos no candidato MJST, aqui autor, pelo que, em consequência foi declarado eleito.

5ª - O indicado Conselho Geral comunicou à Direcção Geral de Administração Escolar, além do mais, o resultado do aludido escrutínio para efeito de homologação prevista no artº 23º, nº 4, do citado DL.

6ª - Em 23.01.2015 a Directora Geral da Administração Escolar proferiu o despacho de não homologação, em concordância e pelos fundamentos constantes da Informação nº B15029099K, de 22.01.2015, ou seja, pela pretensa falta de originalidade do projecto de intervenção do recorrente, concluindo “que o referido projecto não cumpre com os requisitos exigidos e plasmados no Decreto-Lei 75/2008 e Portaria nº 604/2008”.

7ª - A sentença sob recurso, corroborando parte do entendimento perfilhado pelo recorrente, considera que o autor não violou o disposto no artigo 6º, nº 1 da Portaria 604/2008, de 9/7, e concluiu que o réu, ora recorrido, “violou o disposto no artº 7º, nº 3, al. b), porque foi além daquilo que a norma consente”, dado que o acto objecto de impugnação não indica “os aspectos concretos do projecto do autor que, pelo facto de não serem originais, são completamente desajustados ao Agrupamento de Escolas em causa”.

8ª - A verdade é que o autor, aqui recorrente, não deixou de impugnar a alegação de que o seu projecto de intervenção não era original pelo que, salvo melhor opinião, tal facto não poderia ser dado como provado, pelo menos, com recurso à fundamentação constante do mesmo.

9ª - Vale isto por dizer que o Juiz a quo, como o autor, considerou que o recorrido, pelos fundamentos invocados - pretensa falta de originalidade do projecto de intervenção -, não poderia deixar de homologar o resultado da eleição – in casu, a violação da lei nos termos invocados pelo recorrente não se verificou!

10ª - Não obstante, e sem mais considerações, o Juiz a quo concluiu que pelo facto do projecto de intervenção do autor ter partes idênticas (plágios) a outros projectos de intervenção apresentados noutros procedimentos concursais, por outros candidatos, sem lhe fazer menção, violou o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei 75/2008, de 22.04, o disposto no artº 6º-A, nº 2, al. a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (princípio da boa fé), e o dever de isenção previsto no artº 3º, nº 2, al. b), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei 58/2008, de 09/9.

11ª - Sucede que o autor impugnou o despacho de não homologação, proferido pela Senhora Directora Geral da Administração Escolar, em concordância e pelos fundamentos constantes da Informação nº B15029099K, de 22.01.2015, que não faz qualquer referência a tais considerações…!

12ª - Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não compete ao Tribunal fundamentar o acto posto em crise, porque se assim fosse (como é) estaríamos perante um “novo acto”, novos factos, nova fundamentação.

13ª - A fundamentação do discutido despacho de não homologação apenas se prende com a pretensa violação da citada Portaria nº 604/2008, e o artigo 23º, nº 5, do Decreto-Lei nº 75/2008, de 22.04.

14ª - Em relação ao artigo 5º do citado Decreto-Lei nº 75/2008, bastará atentar ao respectivo teor para se concluir que apenas se dirige ao exercício de funções pelos titulares dos cargos previstos no mesmo diploma, o que manifestamente não é o caso.

15ª - De resto, o aqui recorrente, desconhece em que medida é que violou as citadas disposições legais, nem os factos dados como provados permitem esse raciocínio e decisão…!

16ª - Com efeito, considerar-se, sem mais, que o autor violou o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22.04, o disposto no artigo 6º-A, nº 2, al. a) do Código de Procedimento Administrativo (princípio da boa fé), e o dever de isenção previsto no artigo 3º, nº 2, al. b), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei 58/2008, de 09/9, sem contudo se explicitar como, em que medida e porquê, impossibilita que o mesmo possa fazer uma apreciação e exame crítico da sentença ora posta em causa, das razões que subjazem ao decidido, não lhe permitindo, por isso, “o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação” (Acs. TC, 5º - 467)

17ª - Vale isto por dizer que, salvo melhor opinião, a sentença em mérito padece de falta de fundamentação, dado que “não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

18ª - Finalmente, cumpre referir, que a conclusão final vertida na sentença em mérito de que o autor, aqui recorrente, “omitiu que parte do seu projecto era plagiado de outros projectos de intervenção e, com esse facto, quebrando a confiança suscitada em quem o avaliou, retirou para si uma vantagem indevida”, não tem qualquer base de sustentação quer nos factos dados como provados quer na matéria alegada pelas partes.

19ª - Em suma, dado que o Juiz a quo considerou que o autor não violou o disposto no artigo 6º, nº 1 da Portaria 604/2008, de 09/07, e ter concluído que o réu, ora recorrido, “violou o disposto no artº 7º, nº 3, al. b), porque foi além daquilo que a norma consente”, uma vez que que o acto objecto de impugnação não indica “os aspectos concretos do projecto do autor que, pelo facto de não serem originais, são completamente desajustados ao Agrupamento de Escolas em causa”, deveria a presente acção ter sido julgada procedente conforme peticionado.

20ª - Atento o exposto, a sentença sob recurso é nula porque não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, ex vi dos artigos 1º e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto, entre outros, no artigo 5º do Decreto-Lei nº 75/2008, de 22.04, no artigo 6º-A, nº 2, alínea a) do (revogado) Código de Procedimento Administrativos, no artigo 3º, nº 2, al. b), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei 58/2008, de 09/09, no artigo 608º, nº 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil, ex vi dos artigos 1º e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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II – Matéria de facto.

O recorrente refere que a decisão recorrida deu como provado que o autor apresentou um projecto de intervenção não original (plagiou obras de terceiros) apesar de ter impugnado na sua alegação tal facto.

Em bom rigor a sentença deu como provado o teor da informação em que se fundou o despacho atacado na acção por si deduzida e não o facto em si mesmo.

Em todo o caso a decisão ora recorrida acaba por partir desse facto como certo para julgar a acção improcedente.

Assim sendo deverá considerar-se que a decisão recorrida deu esse facto como provado.

Nesta circunstância, para atacar a decisão da matéria de facto, não bastava dizer que tinha impugnado tal facto, cabia antes cumprir o disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil em vigor (2013):

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

(…)”

Ónus que já impunham os artigos 690º - A, n.º 1, al. b), e 712º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil de 1995 (neste sentido ver o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.10.2005, processo 01060/05).

Ora o recorrente não aponta um único meio de prova do qual resulte erro, menos ainda grosseiro, em dar como provado que plagiou obras de terceiros.

Termos em que se impõe manter inalterada a matéria de facto constante da decisão recorrida.

Deverão assim dar-se como provados os seguintes factos:

1. Por Aviso n.º 11950/2011, publicado no Diário da República, II Série, de 01.06, foi publicitada a abertura de procedimento concursal para recrutamento do lugar de director do Agrupamento de Escolas Dr. JAC – documento n.º 1 da petição inicial.
2. O autor foi oponente ao referido concurso, tendo sido aceite a sua candidatura – documento n.º 2 da petição inicial.

3. Para efeitos de candidatura o autor apresentou um projecto de intervenção no agrupamento de escolas que não era original, sendo cópia de partes de projectos de intervenção apresentados por outros candidatos noutros procedimentos concursais semelhantes, sem existir qualquer referência bibliográfica que permitisse a sua citação – cfr. documentos 3 a 6 da contestação do contra interessado e cfr. pontos 56, 65 66, 68 do parecer no qual a decisão impugnada se fundamentou e teor da petição inicial.

4. Em 08.01.2015 reuniu o Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Dr. JAC, ora contra-interessado, a fim de realizar o (segundo) escrutínio – documento n.º 3 da Petição inicial.

5. Realizado o acto eleitoral, apurou-se o seguinte resultado: 1 voto nulo, 16 votos em branco e 4 votos no candidato MJST, aqui autor – fls. 105 dos autos (proc. físico).

6. Em consequência foi declarado eleito o autor – fls. 105 dos autos (proc. físico).

7. Tendo o identificado Conselho Geral comunicado à Direcção Geral de Administração Escolar, além do mais, o resultado do aludido escrutínio para efeito de homologação – fls. 105 dos autos.

8. Dão-se aqui por reproduzidos os documentos 3, 4, 5 e 6 da contestação do contra interessado, que se reportam a projectos de intervenção apresentados, respectivamente, por JMSS a Director do Agrupamento de G...; por AMV a Director do Agrupamento de Escolas MC; por AAP a Director de Escolas de AC; e pelo autor.

9. Em 23.01.2015 a Directora Geral da Administração Escolar proferiu o despacho de não homologação (documento n.º 4 da petição inicial), em concordância e pelos fundamentos constantes da Informação nº B15029099K, de 22/1/2015, conforme documento n.º 5 da petição que aqui se dão por reproduzidos, com o seguinte destaque:

“ 56. Razão pela qual na apreciação e homologação do presente ato eleitoral se mostra legalmente prudente verificar-se os factos de ao projeto de intervenção do candidato vencedor poderem ser assacados a falta de originalidade e a cópia de partes de projetos de intervenção apresentado por outros candidatos e em outros procedimentos concursais, redundam em ilegalidade conducente à não homologação do resultado da eleição.

57. Ora, quando no n.° 1 do artigo 6.º da Portaria n.° 604/2008, de 9 de julho, se fala na apresentação de projeto de intervenção pelos candidatos, fala-se em projeto de intervenção para o Agrupamento do Escolas em concreto, caso a caso, não se podendo subsumir da referida norma que o mesmo projeto de intervenção possa ser utilizado para todos as agrupamentos para os quais um determinado candidato, decida concorrer.

(…)

59. O que vale por dizer que, para cada um dos procedimentos concursais, o projeto de intervenção será, necessariamente aquele que os candidatos julgam adequado aos problemas, missão, metas e linhas de orientação dos Agrupamento de Escolas e Escolas não agrupadas aos quais dizem respeito.

60. De facto, constituindo os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas unidades orgânicas dotadas de características e especificidades únicas, em razão entre outros factores do meio em que se inserem e da comunidade educativa que servem não se conceberia que, por decalque. Pudessem ser definidas necessidades e estratégias de intervenção, porquanto as mesmas poderiam não apenas não se revelar adequadas ao agrupamento em questão mas, também, serem de difícil ou até mesmo impossível concretização, gorando-se assim os objetivos consagrados legalmente para o aproveitamento do projeto de intervenção do diretor eleito, como elemento estruturante da atuação educativa do agrupamento.

(…)

68. Constatando-se que existem partes do projeto de intervenção apresentado pelo candidato MJST que são idênticas às dos projetos de intervenção apresentados pelos candidatos supra identificados a outras procedimentos concursais, sem exista qualquer referência bibliográfica que permita a sua citação, haverá de concluir-se que o referido projeto não cumpre com os requisitos exigidos e plasmados no DL n.° 75/2008 e Portaria n.° 604/2008.

(…)”.


*

III - Enquadramento jurídico.

III.I. A nulidade da decisão.

Invoca nesta parte o recorrente que “a sentença sob recurso é nula porque não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.ºs 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. B), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).

Neste mesmo sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.09.2008 recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09), citados no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.11.2009, no processo 03399/09.

No caso concreto a decisão recorrida aponta os factos essenciais e suficientes para a decisão; assim como convocou, de forma sucinta, o Direito que se entendeu ser aplicável.

Se os factos não comportam o enquadramento jurídico dado ou a decisão em si mesma, são questões que se prendem com o acerto da decisão, com o seu mérito, e podem conduzir, à respectiva revogação.

Não traduzem uma omissão de pronúncia conducente à respectiva nulidade.

Termos em que se julga improcedente esta arguição.

III.II. O mérito da decisão.

A sentença reclamada que o acórdão recorrido confirmou na íntegra tem o seguinte teor, no que toca ao enquadramento jurídico da causa:

O Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, estabeleceu o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

O art.º 22.º, n.º 1 prevê que o procedimento concursal, para além das regras já definidas no diploma, conteria regras próprias a aprovar por portaria que, veio a verificar-se, é a 604/2008, de 9/7.

De acordo com o preâmbulo da Portaria em questão, “ Entre as principais alterações introduzidas neste novo regime contam -se, para além da generalização do cargo unipessoal do director, as regras que conduzem à sua eleição pelo conselho geral. Assim, previamente àquele órgão proceder ao acto electivo, deve ser observado um procedimento concursal em que se procura apurar qual dos candidatos se encontra em melhores condições para exercer, naquele agrupamento de escolas ou escola não agrupada, o cargo de director”.

Podem candidatar-se ao cargo de director os professores de carreira de ensino público ou docentes profissionalizados com contrato por tempo indeterminado do ensino particular e cooperativo que possuam, pelo menos, cinco anos de serviço e qualificação para o exercício das funções de gestão escolar. – cfr. art.º 2.º da Portaria.

Entre as qualificações exigíveis para o desempenho do cargo contam-se a formação especializada em administração escolar ou educacional, a realização de um mestrado ou de um doutoramento nestas áreas ou, ainda, a experiência correspondente a um mandato completo com funções directivas na escola.

Consideram-se qualificados para o exercício de funções de administração e gestão escolar os docentes que sejam detentores de um curso de formação especializada em Administração Escolar ou Administração Educacional; ou sejam possuidores do grau de mestre ou de doutor nas áreas referidas na alínea anterior; ou possuam experiência correspondente a, pelo menos, um mandato completo no exercício dos cargos a que a al. c), do n.º 3 do art.º 2.º alude – cfr. art.º 2.º.

Estabelece o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria 604/2008, de 9/7, que o pedido de admissão ao procedimento concursal para recrutamento de lugar de director (de agrupamento de escolas) é efectuado por requerimento e é acompanhado, para além de outros documentos exigidos no aviso de abertura, pelo curriculum vitae e por um projecto de intervenção no agrupamento de escolas ou escola não agrupada.

No caso dos autos o A. foi oponente ao referido concurso, tendo sido aceite a sua candidatura. Para esse efeito apresentou um projecto de intervenção no agrupamento de escolas.

Tendo o identificado Conselho Geral comunicado à Direcção Geral de Administração Escolar o resultado do escrutínio no qual o A. foi eleito, para efeito de homologação, a Directora Geral da Administração Escolar proferiu o despacho de não homologação.

A recusa de homologação baseou-se fundamentalmente no facto do A. não ter apresentado um projecto de intervenção (original) a que o n.º 1, do art.º 6.º da Portaria alude.

Nos termos do art.º 7.º, n.º 3 “A comissão que procede à apreciação das candidaturas, além de outros elementos fixados no aviso de abertura, considera obrigatoriamente: //a) A análise do curriculum vitae de cada candidato, designadamente para efeitos de apreciação da sua relevância para o exercício das funções de director e o seu mérito; //b) A análise do projecto de intervenção no agrupamento de escolas ou escola não agrupada; //c) O resultado da entrevista individual realizada com o candidato.”

O art.º 23.º, n.º 5 do DL 75/2008, de 22/4, na redacção dada pelo DL Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de Julho, prevê o seguinte “5 — A recusa de homologação apenas pode fundamentar-se na violação da lei ou dos regulamentos, designadamente do procedimento eleitoral”. Portanto, a recusa de homologação pode basear-se em leis ou regulamentos que não digam directamente respeito ao procedimento eleitoral.

Pergunta-se: o A. violou o disposto no art.º 6.º, n.º 1 da Portaria pelo facto de não ter apresentado um projecto de intervenção original?

Não, porque o que releva para efeitos do preceito em causa é o projecto de intervenção para o agrupamento de escolas a que o A. é candidato a director. A análise da candidatura deve incidir, para o que nos autos interessa relevar, sobre a conveniência, interesse, pertinência ou adequação daquele projecto ao agrupamento em causa, e não sobre a originalidade, ou falta dela.

A originalidade não é um valor, ou característica, que se esgota em si, porque um projecto de intervenção pode ser original e ser completamente desfasado do agrupamento que visa atingir.

Ora, não indicando o acto objecto de impugnação os aspectos concretos do projecto do A. que, pelo facto de não serem originais, são completamente desajustados ao Agrupamento de Escolas em causa só podemos concluir que o R. violou o disposto no art.º 7.º, n.º3, al. b) porque foi além daquilo que a norma consente. Sublinhamos “concretos” porque embora o R. tivesse genericamente invocado que os agrupamentos são unidades orgânicas com características únicas, em função do meio em que se inserem e da comunidade educativa que servem e que não se conceberia que, por decalque, pudessem ser definidas necessidades estratégicas de intervenção, não aponta as reais acções ou as intervenções do projecto do A. que se ajustavam a outros Agrupamentos mas que eram inaplicáveis ao Agrupamento de Escolas Dr. JAC.

Por outro lado ficamos sem saber se o decalque que o A. fez do projecto de intervenção se reporta a agrupamento(s) que não se insere(m) no mesmo meio, ou em meios com características diferentes, daquele a cuja direcção se candidatou, para podermos assertivamente concluir que, expurgando a forma condicional exposta no parecer no qual a decisão impugnada se fundamentou (“porquanto as mesmas (necessidades estratégicas) poderiam não apenas não se revelar adequadas ao agrupamento em questão mas, também, serem de difícil ou até mesmo impossível concretização (…)” – cfr. facto n. 8.), as ditas necessidades estratégicas não se revelam adequadas ao agrupamento em causa.

Sob a epígrafe “Princípios gerais de ética” dispõe o art.º 5.º do DL 75/2008, de 22/4, que

“No exercício das suas funções, os titulares dos cargos previstos no presente decreto-lei estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo observar no exercício das suas funções os valores fundamentais e princípios da actividade administrativa consagrados na Constituição e na lei, designadamente os da legalidade, justiça e imparcialidade, competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa -fé.”.

O que dizer da actuação do A. que largamente plagiou os projectos de intervenção apresentados por JMSS a candidato a Director do Agrupamento de G...; por AMV candidato a Director do Agrupamento de Escolas MC; e por AAP candidato a Director de Escolas de AC, sem lhe fazer menção?

Concluímos que violou o disposto naquele preceito, o disposto no art.º 6.º-A, n.º 2, al. a) do CPA (principio da boa fé), e o dever de isenção previsto no art.º 3.º, n,º2, l. b) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de Setembro, porque, com a actuação descrita, omitiu que parte do seu projecto era plagiado de outros projectos de intervenção e, com esse facto, quebrando a confiança suscitada em quem o avaliou, retirou para si uma vantagem indevida.”


O recorrente ataca o mérito da decisão recorrida, no essencial, porque nesta não se julgaram violadas normas que foram consideradas no despacho impugnado como desrespeitadas, para depois se julgarem violadas outras não consideradas como tal no despacho impugnado.

Vejamos.

O contencioso eleitoral é de plena jurisdição, como determina o n.º 2 do artigo 97º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 (em vigor quando foi proposta a acção) e o n.º 1 do artigo 98º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015, actualmente em vigor.

Esta norma foi, de resto, expressamente invocada pelo autor na sua petição inicial para pedir, além da anulação do despacho de não homologação do resultado da eleição de director, a “consequente homologação do mesmo resultado”.

No caso, a decisão recorrida partiu do mesmo facto essencial de que partiu o acto de não homologação: o autor plagiou obras de terceiros.

Para depois proceder a um enquadramento jurídico distinto, julgando nessa conduta violadas normas que não foram consideradas no acto impugnado e não violadas normas que no acto impugnado foram consideradas violadas.

Tudo dentro do objecto da acção, não só avaliar a validade do acto de não homologação como decidir se estão ou não verificados os pressupostos para a pedida homologação.

O discurso jurídico feito na decisão recorrida confirma a validade do acto de não homologação na parte em que se fundou – ao contrário do que sustenta o recorrente – no não cumprimento dos “requisitos exigidos e plasmados no DL n.° 75/2008”, de 22.04. Embora não o confirme numa outra vertente, ligada à violação da Portaria nº 604/2008.

E vai mais além, concluindo que a conduta do autor violou o disposto naquele preceito [art.º 5.º do DL 75/2008, de 22/4], o disposto no art.º 6.º-A, n.º 2, al. a) do CPA (princípio da boa fé), e o dever de isenção previsto no art.º 3.º, n,º2, l. b) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de Setembro, porque, com a actuação descrita, omitiu que parte do seu projecto era plagiado de outros projectos de intervenção”.

O que não só não estava vedado fazer como era imperativo para apreciar, julgando improcedente, o pedido de homologação do resultado da eleição.

E com acerto, dado que plagiar obras de terceiros integra efectiva e indiscutivelmente as normas e os princípios acabados de indicar.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


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Porto, 08.01.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro