Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00154/10.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:URBANISMO. SUPERFÍCIE DE PAVIMENTO. VARANDAS.
Sumário:I) – Ao tempo do Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 42/94 ( DR nº 139, de 18-06-1994, I Série B), e na definição aí constante de «Superfície de pavimento», incluíam-se as varandas privativas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município da Figueira da Foz
Recorrido 1:Ministério Público e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Município da Figueira da Foz, interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção administrativa especial intentada contra si e contra-interessados JAMN e esposa MCN () pelo Ministério Público.

O recorrente formula as seguintes conclusões de recurso:

I. O Tribunal julgou incorrectamente os factos dados como provados nos artigos 23 a 28 da matéria de facto (art. 1 e 2º da base instrutória).

II. A prova de tais factos teve por base exclusivamente a prova pericial realizada nos autos a qual, no entanto, assentou em pressupostos errados. Com efeito, como é visível pela delimitação realizada pelo Dt° perito nos desenhos juntos aos autos com os esclarecimentos que veio prestar, o cálculo da área das várias telas finais apresentadas no âmbito do processo administrativo de licenciamento peca por excesso:
a) A área de projecção das escadas no último piso não pode ser contabilizada por já o ter sido no piso imediatamente inferior, facto que, com o devido respeito, qualquer académico notaria. O perito duplicou área (Veja-se, com interesse, a este propósito a Recomendação n° 11/A/2008 do Provedor de Justiça, de 25/11/2008, disponível em http://www.provedor-jus.pt?action=5&idc=67&idi=3505).
b) A noção de superfície de pavimento ínsita no art. 8° do PDM da Figueira da Foz levaria a excluir do cálculo dessa superfície as escadas da cave por as mesmas estarem integradas na área de estacionamento. O Tribunal e o perito fizeram uma errada e restritiva interpretação da noção de áreas de estacionamento vertida naquela norma o que, por sua vez, redundou num incorrecto julgamento dos factos dados como provados sob os pontos 23 a 28.
c) A soma da superfície bruta de todos os pisos, tal como prevista no art. 8° do PDM, deve ser realizada - segundo as boas normas e regras contidas no Vocabulário do Ordenamento do Território ou no Vocabulário Urbanístico da Direcção-Geral do Ordenamento do Território - contabilizando a área pelo extradorso das paredes exteriores o que, invariavelmente, exclui a área das varandas.
d) Por outro lado, ainda que assim não fosse, certo é que as varandas do 1° andar viradas para a frente são descobertas. Sabendo-se que terraço ou varanda são sinónimos e que o art. 8º do PDM prevê expressamente que os terraços descobertos não entram no cálculo da superfície de pavimento, impor-se-á igualmente a exclusão da área daquelas varandas;
e) É desadequado e inoportuno trabalhar sobre o conceito de área bruta previsto no art. 67°, 2, al, a) do RGEU, porquanto este artigo trata sobre os valores mínimos das áreas brutas dos fogos e define aquilo que se deve entender sobre o conceito de área bruta de fogo, não de área bruta de um edifício. No cálculo das áreas das telas finais devia o Dt° perito ter considerado o conceito de área bruta vertido no Vocabulário do Ordenamento do Território, edição da Direcção-Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, 2000.
III. Em suma, para chegar à fixação dos factos 23 a 28, o tribunal firmou-se exclusivamente na força probatória de um relatório que contempla demasiados erros no modo de contabilizar as áreas das telas finais. Impunha-se a que douta sentença tivesse ido mais longe na apreciação crítica da perícia.
IV. Admitindo-se que os autos não dispõem de elementos que permitam alterar a decisão da matéria de facto em consonância com os critérios que devem presidir à contabilização das telas finais, e até por tal operação envolvel um juízo técnico, deve anular-se a decisão da primeira instância ordenando-se a reapreciação dos artigos 1° e 2° da base instrutória em consonância com a interpretação do art. 8° do PDM aqui sustentada e com os critérios e as fontes normativas e bibliográficas explanadas no presente recurso.

Contra-alegou o autor, concluindo:

1ª – A matéria de facto fixada na sentença recorrida é bastante e suficiente para uma boa decisão de mérito da causa sujeita a julgamento.

2ª - Em particular, os factos constantes dos pontos 23 a 28 do douto acórdão sob recurso, fundamentaram-se no exame livre e crítico não só da prova pericial individual, mas também de todos os documentos juntos aos autos e que não foram impugnados.

3ª – A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (Ac. do STJ, de 2004.11.25, in CJS, 2004, tomo III, pág. 123).

4ª – O relatório pericial que se encontre devidamente fundamentado, não pode, sem a relevância de qualquer outra argumentação, ser posto em causa pelo tribunal que não se socorre, no confronto de valores apresentados, doutros critérios técnicos, objectivamente sustentados (Ac. da Rel. de Évora, de 2005.05.05, in CJ, 2005, III, pág. 241).

5ª – No cálculo de SUPERFÍCIE DE PAVIMENTO, de acordo com o conceito definido no art. 8º do Regulamento do PDM da Figueira da Foz, está incluída a superfície das escadas de acesso, nomeadamente, à cave de estacionamento, bem como as varandas privativas.

6ª – Assim, como muito bem se sentenciou, os despachos impugnados de 18 de dezembro de 2001, do Vereador em exercício de funções no sector do urbanismo da Câmara Municipal da Figueira da Foz, e de 18 de maio de 2004, 23 de fevereiro de 2005 e 30 de maio de 2005, estes do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, são nulos, nos termos do art. 68º, al. a), do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12 (RJUE), por violação do art. 43º, al. a) do Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz, por permitirem “a aprovação de um licenciamento urbanístico de que resulta um índice de utilização líquido superior a 0,25, in casu, 0,33 [arredondado, por excesso, às décimas]”.

*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, que a decisão recorrida consignou como provados:
1) - C.C.U. - Promoção Imobiliária, Lda, em 2000.06.15, requereu na Câmara Municipal da Figueira da Foz (CMFF) a aprovação do projecto de arquitectura para construção de uma moradia bifamiliar geminada, tipologia (por fogo) T 4, composta por cave (destinada a garagem), rés-do-chão e 1° andar, no Lote 8 do Loteamento titulado pelo alvará n° 1/00, situado na Rua da FN, B..., Figueira da Foz, dando origem ao processo camarário n° 580/00 (Doc. n° 1 - 6 fls.);
2) - Por despacho do Vereador em Exercício de Funções no Sector de
Urbanismo, de 17 de Novembro de 2000, este pedido foi deferido (
Doc. n°2 da PI – 1 fls);
3) - Apresentados os projectos de especialidades, o pedido de licenciamento foi deferido, por despacho do Vereador em Exercício de Funções no Sector de Urbanismo, de 18 de Dezembro de 2001 (Doc. nº 3 da P1 -3 fls.);
4) - Em 2003.03.12, é emitido o alvará de licença de construção n° 141/03, em nome da requerente CCU (Doc. n°4 da PI – 1 fl);
5) - Em 2004.01.07, a C.C.U. apresentou na CMFF "alterações ao projecto
aprovado, nomeadamente no que respeita à legalização do muro de suporte de terras". Ainda, e ao nível dos três pisos da moradia, legalização das alterações efectuadas...", pedido este que foi
precedido da aprovação do alvará de loteamento, por despacho do Presidente da CMFF de 2003.12.23 (Doc. n°5 da P1 -3 fls);
6) - Entretanto, por despacho da Chefe de Divisão de Procedimentos
Administrativos, de 2004.02.06, o processo de licenciamento com o nº 580/00 foi averbado em nome do aqui contra-interessado particular JAMN (
Doc. n° 6 da P1 —2 fls.);
7) - Depois de apresentados elementos em falta, bem como os correspondentes
projectos de especialidades, as alterações ao projecto inicial foram aprovadas por despacho do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 2 de Marco de 2004 (
Doc. n° 7 da PI - 2 fls);
8) - Em 2004.05.12, foi emitido o Alvará de Obras de Construção n° 273/04, em nome de JAMN, com fundamento no despacho de deferimento supra mencionado de 2004.03.02, do Presidente da CMFF (Doc. n° 8 da PI - 1 fl.);
9) - Por despacho do Presidente da CMFF de 18 de Maio de 2004 foi deferido, com o condicionamento de serem favoráveis os pareceres a emitir por Águas da Figueira e CVILPENSE, o pedido de alterações ao projecto de construção da moradia e muros de suporte, bem como foi determinado o desembargo parcial referente aos muros de suporte (Doc. n° 9 da P1 - 2 fls);
10) - Pela apresentação de 2004.05.31, na Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz, foi operada a propriedade horizontal, no Lote B. descrito sob o nº 03658, com a constituição das fracções (A e B), após parecer favorável dos Serviços Técnicos do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da CMFF, de 2004.05.17, constante da certidão n° 191/04 (Docs. nº 10 – 2 fls. e 11 da P:I. - 7 fls.);
11) - Em 2004.09.08, foi emitido o alvará de obras de alteração n° 477/04, em nome do dono da obra - JAMN - aprovadas pelo acima mencionado despacho do Presidente da CMFF de 2004.05.18 (Doc. n° 12- 1 fl.);
12) - Nesta mesma data, foi emitido o alvará de utilização n° 368/04, referente à piscina a que corresponde o alvará de licenciamento de construção n° 273, emitido em 2004.05.12 a favor de JAMN (Doc. n° 13 da PI – 1 fl.);
13) - Entretanto, em 2004.09.24, com os aditamentos de 2004.10.18 e 2004.12.22, o dono da obra requereu a "legalização de ampliação de uma moradia geminada e abertura de vão de escalda...", no Lote 8 (Doc. n° 14 da PI - 7 fls.);
14) - Após apresentação, pelo dono da obra, de aditamento ao "projecto de estabilidade-legalização", de acordo com as alterações anteriormente apresentadas, este último pedido de legalização foi aprovado por despacho do Presidente da CMFF de 23 de Fevereiro de 2005 (Doc. n° 15 da PI - 3 fls.);
15) - Em 2005.03.18, foi emitido o alvará de obras de alteração nº 126/05,
aprovadas por este despacho de 2005.02.23 (
Doc. n° 16 da PI - 3 fls.);
16) - Após apresentação de telas finais de "legalização face às anomalias
detectadas aquando da passagem da comissão de vistorias", por despacho do Presidente da CMFF de 30 de Março de 2005, o pedido de autorização/legalização das alterações foi deferido (
Doc. nº 17 da PI - 3 fls.);
17) - Em 2005.04.04, foi emitido o alvará de obras de alteração n° 154/05,
aprovadas por este despacho de 2005.03.30 (
Doc. n° 18 da P1 - 1 fls.);
18) - Na mesma data de 2005.04.04, foi emitido o alvará de utilização de
habitação/ocupação n° 143/05, em nome do dono da obra JAMN (
Doc. nº 19- l fl.);
19) - Segundo o Alvará de Utilização n° 143/05, por despacho de 30/3/2005 do
director do Departamento de Urbanismo foi autorizada a seguinte utilização:
"Habitação - 2 Fogos - 412 m2 + 2 Garagens —130 m2 + Arrumo —9 m2" (Doc. n° 19);
20) - O prédio objecto do loteamento titulado pelo alvará n° 1/00 (processo
camarário n° 2/99), do qual resultou o aludido Lote B, insere-se em área definida no Plano Director Municipal do concelho da Figueira da Foz como Espaço Periurbano I (P.U.I), da qual uma pequena parte se encontra afecta a Espaço Natural de protecção II - E.N.P. II (
Doc. n°20 da P1 -9 fls.);
21) - No alvará de loteamento (e após 4 alterações), ficou estabelecido que o Lote
8, dos contra-interessados particulares, tinha a dimensão de 1.451,62 m
2 (Doc. n° 21 da PI -4fls.);
22) - Os contra-interessados JAMN e mulher são donos do lote B, onde foi licenciada a construção da moradia vinda a referir (Doc. n° 11 da PI - 8 fls.):
23) - Na versão inicial do projecto de arquitectura (com registo de entrada na Câmara Municipal da Figueira da Foz n° 4613 em 15.06.2000 e com a substituição de peças desenhadas (com o registo de entrada na Câmara Municipal em 28.11.2000), a soma das superficies brutas de todos os pisos ou área bruta é de 387,20 m2;
24) - No aditamento ao projecto de arquitectura (com registo de entrada n° 94 em 07.01.2004), a soma das superfícies brutas de todos os pisos ou área bruta é de 437,66 m2;
25) - Nas telas finais, com o requerimento referente ao pedido de emissão de licença ou autorização de utilização que integra as telas finais (com registo de entrada nº 6421, 08.07.2004 e com auto de vistoria datado de 16.08.2004), a soma das superficies brutas de todos os pisos ou área bruta é de 437,66 m2;
26) - Nos aditamentos ao projecto de arquitectura (com registos de entrada n° 8962 em 24.09.2004, nº 9617 em 18.10.2004 e n° 11713 em 22.12.2004), a soma das superficies brutas de todos os pisos ou área bruta é de 473,00 m2; 27) - Nas telas finais, com o requerimento referente ao pedido de emissão de licença ou autorização de utilização que integra as telas finais (com registo de entrada n° 2406 em 14.03.2005 e com auto de vistoria datado de 21 de Março de 2005), a soma das superficies brutas de todos os pisos ou área bruta é de 473,00 m2;
28) - Nas telas finais, com o requerimento de junção de documentos a processos (com registo de entrada n° 2814 em 24.03 .2005), a sonsa das superficies brutas de todos os pisos ou área bruta dde 473,00 m2;
29) - No depósito da Ficha Técnica da Habitação (com registo de entrada nº 8290 em 19.08.2005), a soma das superficies brutas de todos os pisos ou área bruta é de 473,00 m2.
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Do mérito da apelação:
Por via da acção o autor peticionou a nulidade de cinco despachos impugnados, que a seu ver deram abrigo a construção que comporta índice de utilização que excede o permitido pelo Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz (Ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 42/94 – DR nº 139, de 18-06-1994, I Série B).
Conclui a decisão recorrida que a acção era parcialmente procedente, pelo que declarou a nulidade do despacho de 18.12.2001 do Vereador em exercício de funções no sector do urbanismo da Câmara Municipal da Figueira da Foz e dos despachos do presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 18.05.2004, de 23.02.2005 e de 30.05.2005.
Perante os factos, a decisão recorrida resolveu assim o direito:
«(…)
Apresentados os projectos de especialidades, o pedido de licenciamento foi deferido pelo despacho de 18.12.2001 do Vereador em exercício de funções no sector do urbanismo da Câmara Municipal da Figueira da Foz, tendo sido emitido alvará de licença de construção 141/03.
Foram efectuadas várias alterações ao projecto aprovado, as quais foram sucessivamente sendo aprovadas pelos diversos despachos do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz impugnados nos presentes autos.
Ninguém põe em causa que o prédio objecto do loteamento titulado pelo alvará n° 1/00, do qual resultou o lote B, se insere em área caracterizada no plano como Espaço Periurbano 1, estando uma pequena parte afecta a Espaço Natural de Protecção II.
Também não é contestado que no alvará de loteamento e pós as 4 alterações efectuadas ficou estabelecido que o lote B tinha a dimensão de 1451,62 m2.
Ora, nos termos da alínea a) do artigo 43.° do Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 42/94, de 28.04.1994, publicado na 1 Série-13 do DR n.° 139, de 18.06.1994, a construção nos espaços periurbanos 1, fica sujeita a, entre outras regras, um índice de utilização liquido 0,25, conclusão a que chegam todas as partes.
As partes concluem todas no sentido de no lote B o índice de utilização líquido permitido ser igual ou inferior a 362,91 m2 [por arredondamento por excesso, às décimas] (1 451,62 x 0,25).
De acordo com o artigo 8° do referido Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz entende-se por índice de utilização líquido o "quociente da superficie de pavimento pela superfície total da parcela ou lote".
Por sua vez entende-se, conforme consta do mesmo artigo, por superficie de pavimento "a soma das superfícies brutas de todos os pisos (incluindo escadas e caixas de elevadores), acima e abaixo do solo, com exclusão de
Terraços descobertos;
Áreas de estacionamento;
Serviços técnicos instalados nas caves dos edifícios;
Galerias exteriores públicas,
Arruamentos ou espaços livres de uso público cobertos pela edificação;
Zonas de sótão não habitáveis".
Como resulta expressamente deste normativo apenas as áreas correspondentes a terraços descobertos, áreas de estacionamento, serviços técnicos instalados nas caves dos edifícios, galerias exteriores públicas e arruamentos ou espaços livres de uso público cobertos pela edificação e zonas de sótão não habitáveis estão excluídas da noção de superfície de pavimento, mas já não os respectivos acessos a essas áreas.
De realçar que, como decorre do artigo 9º, n° 3 do CC, o sentido e alcance das normas há-de ser fixada, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ou seja, se fosse intenção excluir da noção de superfície de pavimento os acessos às áreas expressamente excluídas, tal seria expressamente referido, o que não acontece.
A interpretação sugerida pelo Réu na contestação, no sentido de que tais acessos seriam também de excluir, além de não encontrar um mínimo de correspondência verbal à letra da norma em questão, subverte os princípios interpretativos.
De facto, as normas que restringem ou consagram excepções a uma regra geral, não podem, sem mais, ser interpretadas de forma extensiva, sob pena de a regra geral se tornar excepcional ou excluir-se do âmbito de aplicação da regra geral situações que o autor da norma quis incluir.
Assim, é de concluir que a área de acesso à garagem está incluída na contabilização da superfície de pavimento, e, consequentemente, releva para efeitos do índice de utilização líquido.
Depois, e ao contrário do também defendido pelo Réu, as comunicações verticais (escadas, elevadores) são contabilizadas por piso e não apenas no rés-do-chão.
O legislador expressamente se refere que a superfície de pavimento engloba as superfícies brutas de todos os pisos, acrescentando, para não deixar dúvidas, que estão incluídas as escadas e caixas de elevadores.
Ou seja, em cada piso devem ser contabilizadas as escadas e as caixas de elevadores respectivas, independentemente do local a que dão acesso.
Por fim, não se afigura, ao contrário do sustentado pelo Réu e pelos Contra-interessados, fundamento para que o Autor não possa ter-se socorrido da licença de utilização, já que não se vislumbra que a licença de utilização seja emitida com áreas ou valores substantivamente diversos.
É certo que para determinar o índice de utilização líquido importará excluir as áreas correspondentes a terraços descobertos, áreas de estacionamento, serviços técnicos instalados nas caves dos edifícios, galerias exteriores públicas, arruamentos ou espaços livres de uso público cobertos pela edificação e zonas de sótão não habitáveis, as quais estão incluídas na licença de utilização.
Mas repare-se que na p.i. (artigo 25°) o Autor não somou todas as áreas constantes da licença de utilização, já que apenas conclui que o índice líquido de utilização é de 421 m2, o que resulta da soma de 412 + 9; significa isto que o Autor não incluiu as áreas correspondentes às garagens e que totalizam 130 m2.
Afigura-se não haver nada a apontar à utilização, como ponto de partida, das áreas constantes da licença de utilização, como feito pelo Autor, já que se mostra um meio de que é legítimo socorrer-se na ausência de conhecimentos técnicos específicos que possibilitem, a partir das telas e projectos apresentados, determinar a área do imóvel tal como foi aprovado, o que depois deverá ser determinado no âmbito das diligências probatórias, como ocorreu no caso em apreço.
Despacho do presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 02.03.2004
O Réu suscita também a questão (artigos 19° e ss. da contestação) de o despacho do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 02.03.2004 respeitar apenas ao pedido de licenciamento de construção de uma piscina, o que não constitui qualquer ediflcio, não releva para a noção de superfície de pavimento e não entra em linha de conta para o cálculo do índice de utilização.
Tendo em consideração as noções já apontadas referidas no artigo 8° do Regulamento do Plano Director Municipal, verifica-se, de imediato, que a área ocupada por uma piscina exterior não entra para o cálculo do índice de utilização liquido, na medida em que o mesmo é calculado pelo quociente entre a superfície de pavimento e a superfície total do lote, sendo que a superfície de pavimento não contempla as piscinas exteriores.
Assim, assiste razão à entidade demandada quando defende que, quanto ao despacho impugnado do Presidente da Câmara da Figueira da Foz, de 02-03-2004, que procedeu à aprovação do projecto de construção da piscina, e só deste, o mesmo não violou qualquer disposição apontada pelo Autor.
De facto, o processo relativo ao licenciamento da piscina foi feito de forma totalmente independente do licenciamento da construção da habitação, razão pela qual, a haver algum vício no processo de licenciamento da habitação, o mesmo não se comunica ao da piscina.
Assim, improcede, desde já, o pedido de declaração de nulidade do despacho do Presidente da Câmara de 02.032004.
Relativamente aos demais despachos impugnados
Como resultou do exposto supra, no âmbito do lote em causa nos presentes autos, as normas regulamentares aplicáveis (artigos 42°, 43º, al. a) e 8° do Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz), impunham que o índice de utilização líquido não ultrapassasse 362,91 m2.
Porém, atendendo à factualidade apurada, forçoso é concluir que o projecto aprovado e as sucessivas alterações contemplavam um índice de utilização líquido que ultrapassava o limite máximo referido.
Na verdade, o despacho de 18.12.2001 do Vereador em exercício de funções no sector do urbanismo da Câmara Municipal da Figueira da Foz aprovou um projecto referente a uma construção com uni índice de utilização líquido de 387,20 m2.
Depois o despacho do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 18.05.2004 aprovou o aditamento ao projecto de arquitectura de que resultou um índice de utilização líquido de 437,66 m2.
Por fim, os despachos do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 23.02.2005 e de 30.05.2005 reportam-se a uma construção cujo índice de utilização líquido é de 473 m2.
Assim, assiste razão ao Autor quando afirma que se impunha ao Réu indeferir o projecto e respectivas alterações, com fundamento no facto de terem um índice de utilização líquido superior ao regulamentarmente permitido, nos termos do disposto no artigo 24°, n° 1, al. a) do Decreto-Lei n°555/99, de 16 de Dezembro.
Tal, porém, não ocorreu.
Deste modo, os despachos ora em análise estão feridos de nulidade, como resulta do disposto no artigo 68°, al. a) do Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro por violação do artigo 43°, al. a) do Regulamento do Plano Director Municipal da Figueira da Foz, em virtude de constituírem actos de aprovação de um licenciamento de que resulta um índice de utilização líquido superior a 0,25, in casu, 0,33 [arredondado, por excesso, às décimas].
É, portanto, de concluir pela parcial procedência da presente acção, declarando a nulidade do despacho de 18 122001 do Vereador em exercício de funções no sector do urbanismo da Câmara Municipal da Figueira da Foz e dos despachos do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 18.05.2004, de 23.02.2005 e de 30.05.2005.
(…)».

O recurso interposto aponta que o tribunal “a quo” julgou incorrectamente os factos dados como provados nos artigos 23 a 28 da matéria de facto.
Vejamos, seguindo o que o sustenta.
I) --- [conclusão a)]
Sustenta o recorrente que a área de projecção das escadas no último piso não pode ser contabilizada por já o ter sido no piso imediatamente inferior, e que terá o perito, no que é imputação do recorrente, feito tal contabilização em “duplicado”.
Todavia, não se retira que tenha sido esse o caso.
A questão foi equacionada por referência à determinação de área de construção.
O perito respondeu que não constitui entendimento generalizado na prática das boas regras de aplicação de requisitos de concepção e compreensão dos edifícios, a exclusão da área resultante da projecção das escadas no último piso.
Também colocada questão sobre se no cálculo realizado foi, ou não, contabilizada a área resultante da projecção de escadas no último piso, o perito respondeu que no cálculo realizado foi contabilizada a área resultante da projecção das escadas no último piso.
O recorrente atém-se à afirmação constante da Recomendação n.º 11/A/2008 do senhor Provedor de Justiça, onde a dado passo se refere que « Excluiu-se ainda do cálculo da superfície ou área de pavimento/área de construção, a área resultante da projecção de escadas no último piso (5,42 m²), por ter a mesma já sido contabilizada no piso imediatamente inferior (obstando deste modo à duplicação de áreas no cálculo correspondente), isto conforme entendimento generalizado na prática das boas regras de aplicação de requisitos na concepção e compreensão dos edifícios, quando da análise da representação gráfica de arquitectura».
Contrapõe-se, pois, dissonante entendimento.
Mas este é apenas a respeito da “praxis”, a propósito da qual também não raro se encontram soluções de repartição de área pelos dois pisos, ou (já o vimos) de simples não contabilização.
De todo o modo, mesmo no que é tido como boa prática na dita Recomendação, a área em questão é de contabilizar (no piso imediatamente inferior).
O recorrente não opõe que tal área houvesse de ser contabilizada
E o perito deu-a como contabilizada.
Opõe-se é que essa área possa ser “duplicada”.
Mas esse é um suscitar de problema que apenas é de hipótese, já que nada ancora que o perito tenha feito essa “duplicação”.
O recorrente aponta, em documentos juntos aquando da prestação de esclarecimentos, a delimitação a cor vermelha (em expressão do contabilizado) sobreposta nas telas finais, cobrindo no último piso e no piso inferior a caixa de escadas, pretendendo aí ver essa duplicação.
Mas como na referida Recomendação se assinala “A área da projecção de escadas no último piso não se confunde, pois, com aquela que é ocupada pela caixa de escadas” (nota 4).
II) --- [conclusão b)]
Entende o recorrente que as escadas que servem o estacionamento devem ser contabilizadas como área de estacionamento.
Todavia, e de acordo com o Regulamento do PDM com que nos confrontamos, as escadas não são excepcionadas na contabilização da superfície de pavimento.
Antes estão expressamente incluídas.
Pelo que não pode ter-se a interpretação feita pelo tribunal “a quo” como restritiva; a proposta pelo recorrente é que seria abrogante; se se trata de um acesso ao estacionamento, não é área de estacionamento; não vemos razão para ir mais além que a mera interpretação declarativa, aglutinando no conceito de área de estacionamento as escadas que o possam servir; não é de comum préstimo que as escadas sirvam para estacionar.
III) --- [conclusão d)]
O recorrente entende que mal andou o perito ao ter contabilizado a área das varandas, pois, segundo argumenta, varanda e terraço são sinónimos, pelo que, em lógica, sendo as varandas do 1° andar viradas para a frente descobertas e prevendo expressamente o art. 8º do PDM que os terraços descobertos não entram no cálculo da superfície de pavimento, impor-se-á igualmente a exclusão da área daquelas varandas.
Parte de errada permissa.
Tem o recorrente como alicerce a referência com que em dois dicionários da língua portuguesa se identifica varanda com terraço (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa; Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Lexicoteca).
Como o próprio recorrente não deixa de contextualizar em recurso, estamos em específico ambiente técnico e de direito, com o que mais de pertinente e em particular diga respeito.
E basta atentar nalguns contributos mais próximos para concluir que não poderemos aqui considerar os dois termos como sinónimos.
Assim, se atentarmos no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382 de 7 de Agosto de 1951), é inequívoco que os dois termos de não confundem (ainda que aí só se suponham os terraços de cobertura).
Visto o Código Civil, são também os inúmeros exemplos (seja no Livro das obrigações, seja no Livro das Coisas) que nos ditam que os termos se distinguem.
Nem outro é o tratamento jurisprudencial.
«Com efeito, a varanda é um prolongamento, normalmente, em suspensão, da edificação de que faz parte, desprovida de uma base de sustentação que a suporte, constituindo uma realidade, completamente, distinta do terraço, que consiste, usualmente, numa cobertura plana de um edifício, num balcão amplo e descoberto.» - Ac. do STJ, de 15-05-2012, proc. nº 218/2001.C3.S1.
Não se pode, pois, acompanhar a lógica argumentativa.
IV) --- [conclusões c) e e)]
Recorde-se o art.º 8º do Regulamento do PDM aqui à liça, que define:
“Superfície de pavimento - para os edifícios construídos ou a construir, quaisquer que sejam os fins a que se destinam, é a soma das superfícies brutas de todos os pisos (incluindo escadas e caixas de elevadores), acima e abaixo do solo, com exclusão de:
Terraços descobertos;
Áreas de estacionamento;
Serviços técnicos instalados nas caves dos edifícios;
Galerias exteriores públicas;
Arruamentos ou espaços livres de uso público cobertos pela edificação;
Zonas de sótão não habitáveis”.
O que seja a “superfície bruta” de cada piso não se encontra definida neste instrumento.
O perito recorreu à definição do artigo 67º, nº 2, a), do RGEU, que define superfícies brutas de todos os pisos ou área bruta, a superfície total do fogo, medida pelo perímetro exterior das parcelas exteriores e eixos das paredes separadoras dos fogos, e inclui varandas privativas, locais acessórios e a quota-parte que lhe corresponda nas circulações comuns do edifício.
O recorrente pugna que deveria ser usada noção dada em “Vocabulário do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano” (2000), da Direcção-Geral do Ordenamento do Território, apontando que define área bruta de construção o valor expresso em m2, resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e abaixo do solo, medidas pelo extradorso das paredes exteriores com exclusão de: Sotãos não habitáveis; Áreas destinadas a estacionamento; Áreas técnicas (PT, central térmica, compartimentos de recolha de lixo, etc.); Terraços, varandas e alpendres; Galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação.
[o dito “Vocabulário” define também “área bruta do fogo” : “Superfície total do fogo, medida pelo perímetro exterior ou extradorso das paredes exteriores e pelos eixos das paredes separadoras dos fogos. Inclui varandas privativas e a parte correspondente às circulações comuns do prédio. (RGEU)]
Conforme uma ou outra acepção, resultando a inclusão ou exclusão dos terraços.
A propósito de questão urbanística com algum contacto, este TCAN teve já ocasião de expressar que que «Antes da definição constante do Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de Maio, devia-se atender á definição dada pela DGOTU, em que área de implantação será o valor expresso em m2, do somatório das áreas resultantes da projecção no plano horizontal de todos os edifícios (residências e não residenciais), incluindo anexos, mas excluindo varandas e platibandas.» (Ac. de 05-06-2015, proc. nº 00562/05.6BEBRG).
A situação presente não deixa, porém, de ser distinta.
Também no nosso caso a “superfície de ocupação” e respectivo “índice” excluem as varandas (não ocupam o solo).
[No referido art.º 8º do Regulamento do PDM seguem-se outras definições: Superfície de ocupação - é a área medida em projecção zenital das construções, delimitada pelo perímetro dos pisos mais salientes, excluindo varandas e platibandas; Índice de ocupação - é igual ao quociente da superfície de ocupação pela área total da parcela ou lote; Índice de utilização bruto - é igual ao quociente de superfície de pavimento pela superfície total da parcela a lotear. Quando a parcela a lotear for marginada por arruamento público, a sua superfície total inclui metade do arruamento; Índice de utilização líquido - é igual ao quociente da superfície de pavimento pela superfície total da parcela ou lote;]
Mas o que aqui se persegue é outro conceito.
Possa a norma comportar mais que um significado, sempre se tem de optar, na falta de elementos que levem a conclusão contrária, pelo significado mais natural e directo da expressão utilizada (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág.).
Recorde-se que o Regulamento foi aprovado em 1994.
A referência (normativa) contemporânea mais próxima é a do RGEU.
A definição tem em vista o conjunto do edificado, não o simples somatório estanque dos fogos que o individualizam.
Mas há-de sempre incluir o que lhes respeite.
A não ser que resulte o contrário.
Ora, no que foi exceptuado não constam as varandas; e certamente fosse outra a intenção normativa, não deixariam estas de constar do elenco de excepções formulado.
Em conclusão, nada impõe modificação da matéria de facto fixada.
Mantendo-se julgamento a tal nível e incólume a solução de direito que nela assentou, mais não resta que negar provimento ao recurso.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.

Porto, 15 de Julho de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins