Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00244/13.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:DISPENSA DE GARANTIA
REQUISITOS DE QUE DEPENDE
ÓNUS DE PROVA
RESTITUIÇÃO DE PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
Sumário:1. É sobre o executado que pretende obter a dispensa de prestação de garantia que recai o ónus de demonstrar que se verificam os requisitos legais de que depende o seu deferimento e, nomeadamente, que não lhe é subjectivamente imputável a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis;
2. Não logra fazer tal prova o executado que se limita a debitar à crise económica do país a situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis que alega, sem concretizar factos tendentes à demonstração das reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens que o tribunal tenha validado em sede probatória e ainda que possam encontrar a sua génese na crise económica do país.
3. A restituição aos sócios das prestações suplementares efectuadas à sociedade sem que se demonstre a solidez dos seus capitais próprios não permite descartar a hipótese de se tratar de uma medida de descapitalização da sociedade contrária ao interesse dos credores sociais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

S…, Lda., recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação deduzida, nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho do Sr. Director de Finanças de Vila Real, proferido em 23/04/2013, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º2380201301002023 que corre no serviço de finanças de Chaves por dívida de IRC relativa ao ano de 2008.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

Em face do que se alegou, demonstrado ficou que:
I. Sem prejuízo da Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da reclamação do ato do órgão de execução fiscal, importa salientar o seguinte:
II. A decisão recorrida considerou que a Recorrente fez prova da manifesta falta de meios económicos para pagamento da dívida exequenda e acrescido, encontrando-se preenchido o primeiro requisito, nos termos do n.º 4 do artigo 52º da LGT;
III. E que apenas não fez prova do segundo requisito da falta de culpa na insuficiência ou inexistência do seu património para prestar a garantia aqui exigida;
IV. A convicção do Tribunal a quo baseou-se essencialmente na (i) alegada falta de prova da Recorrente e (ii) no facto de os sócios terem efetuado prestações suplementares, em 2008, no montante de € 2.750.000,00, e que em 2009 essas prestações suplementares foram restituídas aos sócios;
V. O requisito para a isenção da prestação de garantia consubstanciado na falta de culpa na insuficiência ou inexistência de bens para a prestação da garantia, prevista no n.º 4 do artigo 52º da LGT, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como um mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos credores;
VI. A acrescida dificuldade da prova de factos negativos, como é o presente caso, deverá ter como corolário somente, por força do princípio constitucional da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP, artigo 55º da LGT e artigo 5º, n.º 2, do CPA), uma menor exigência probatória por parte do aplicador do Direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, como resulta da jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada dos tribunais superiores;
VII. A dívida exequenda e acrescido aqui em causa no montante total de € 1.746.322,00 encontra-se impugnada judicialmente no âmbito do processo n.º 2024/13.9 BEPRT e, portanto, não está reconhecida pela Recorrente;
VIII. Daí que não seria minimamente expectável que a Recorrente tivesse reservado qualquer parcela do seu rendimento (a existir) para cobrir tal montante exorbitante;
IX. A Recorrente fez prova de factos positivos, como aliás reconhece e bem o Tribunal a quo, que provam a origem da insuficiência ou inexistência de bens;
X. Como alegou a Recorrente e asseverou o Tribunal a quo, a Recorrente não tem resultados praticamente desde 2008 e toda a sua atividade cessou desde 2011;
XI. Todos estes factos são elucidativos das dificuldades económicas vividas pela Recorrente desde 2008 e que obrigaram, inclusive, a Recorrente a vender várias frações do último empreendimento abaixo do preço do mercado, para poder o empréstimo bancário;
XII. Ora, os factos positivos que conduziram à impossibilidade de a Recorrente prestar, em 19 de março de 2013, a garantia no montante elevadíssimo de € 2.202.954,26, foram, essencialmente, (i) a crise económica que afeta o país desde 2008 e, em particular, o setor da construção civil e da comercialização imobiliária, e (ii) a falta de resultados da Recorrente desde 2008 que afetou com gravidade o seu último empreendimento imobiliário, tendo conduzido à cessação da sua atividades desde 2011, como resultou provado nos presentes autos;
XIII. Assim, podemos concluir que ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo a Recorrente fez prova de que a falta de insuficiência ou inexistência de bens para prestar a garantia aqui exigida não foi culpa sua, nomeadamente, se atendermos ao facto de que estamos a falar de uma garantia superior a € 2.000.000,00;
XIV. O Tribunal a quo alega que a “retirada e / ou devolução” em 2009 das prestações suplementares de € 2.500.000,00 efetuadas em 2008 consubstancia um facto «notório e inexplicável» de descapitalização da Recorrente e, como tal, representa uma tentativa da Recorrente de dissipar bens com o intuito de diminuir a garantia dos créditos;
XV. Em primeiro lugar, à data da restituição das prestações suplementares em 2009 os créditos tributários aqui em causa nem sequer existiam, seja em sede de liquidação adicional, seja em sede de execução fiscal;
XVI. A inspeção tributária que deu origem à presente dívida exequenda apenas teve o seu início em 16 de junho de 2011;
XVII. Por seu lado, a garantia aqui em apreço apenas foi exigida em 20 de fevereiro de 2013;
XVIII. Desde já não se encontra demonstrado o nexo de causalidade entre a restituição das prestações suplementares em 2009 e a insuficiência ou inexistência de bens para prestar, em 2013, a presente garantia;
XIX. Em segundo lugar, os sócios da Recorrente efetuaram em 2008 prestações suplementares, ao abrigo dos artigos 209º e seguintes do CSC, com vista a reforçar os rácios dos capitais próprios da sociedade, pois foi o ano em que se iniciou a construção do empreendimento aqui em causa e a sociedade necessitava de financiamento bancário para a construção;
XX. As prestações suplementares são capitais que os sócios conseguem obter por via dos seus próprios recursos, ou por via do financiamento bancário;
XXI. Portanto, não se tratam de recursos próprios da sociedade, mas uma via de financiamento complementar à sociedade;
XXII. São recursos que os sócios, à época em 2008, conseguiram obter para reforço dos capitais próprios da sociedade;
XXIII. Quando em 2009 o empreendimento já estava com financiamento aprovado e em construção, e a situação líquida da sociedade já estava melhor, a sociedade procedeu legitimamente à restituição das prestações suplementares, nos termos legais do artigo 213º do CSC;
XXIV. Portanto, não se tratou de qualquer ato ou negócio com vista a dissipar bens da Recorrente, pois os bens que entraram em 2008 eram recursos dos sócios para reforço dos capitais próprios da sociedade;
XXV. Aliás, em consonância com esta posição está a prova de que os sócios desde 2008 nunca distribuíram dividendos e que apenas foram restituídas as prestações suplementares em 2009 que eles próprios lá colocaram em 2008 para os fins acima indicados:
XXVI. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e aplicação da matéria dos factos, ao abrigo do n.º 4 do artigo 52º da LGT e do artigo 170º do CPPT;
XXVII. A Recorrente produziu prova idónea, capaz e suficiente, de acordo com o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP, artigo 55º da LGT e artigo 5º, n.º 2, do CPA), através de factos positivos, que não teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens para prestar uma garantia superior a € 2.000.000,00,
XXVIII. Bem como se demonstrou que as prestações suplementares foram efetuadas em 2008 pelos sócios, com recurso aos seus próprios meios financeiros, com vista a reforçar os capitais próprios da sociedade e que a sua restituição no ano imediatamente seguinte não visou dissipar o património da sociedade;
XXIX. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença do Tribunal a quo, e, em consequência, o pedido subjacente à reclamação do ato do órgão de execução fiscal interposta pela Recorrente deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais.

Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente, não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a reclamação do ato do órgão de execução fiscal apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã
JUSTIÇA!».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos a este tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo manter-se a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, a questão a decidir reconduz-se, nuclearmente, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Recorrente não fez prova da falta de culpa na insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida.
3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

a) Em 26/01/2013 foi instaurado contra a, aqui, reclamante, no Serviço de Finanças de Chaves, o processo de execução fiscal nº 2380201301002023, por dívidas relativas a IRC do ano de 2008, no montante de €1.733.212,49 (cf. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal apenso aos autos, doravante, apenas PA). ---
b) A reclamante foi citada para a execução em 20/02/2013 (cf. fls. 17/18 do PA). ---
c) Foi fixado o valor da garantia a prestar no montante de €2.202.954,26.
d) Por requerimento de 20/03/2013, a Reclamante, no processo executivo referido em a), solicitou a isenção de prestação de garantia juntando para o efeito 12 documentos que a seguir se descriminam (cf. fls. 20 a 47 do PA):
• Print de duas notícias publicadas no “Jornal Expresso” (cf. fls. 33/34 do PA);
• “Demonstração de Resultados por Natureza Modelo Reduzido” a Dezembro de 2011, com indicação dos resultados líquidos dos anos de 2010 e 2011 (cf. fls. 35 do PA);
• “Balanço Modelo Reduzido” a Dezembro de 2011, com indicação do total de activos dos anos de 2010 e 2011 (cf. fls. 36/37 do PA);
• Cópia da folha de rosto da “Citação Via Postal” que lhe foi enviada pelo Tribunal Judicial de Valongo, no âmbito do processo nº 181296/11.8YIPRT-A, 3º Juízo, em que consta como exequente a sociedade “V…– Portas e Automatismos, Lda.” e executada a, aqui, reclamante, pelo montante de €20.621,92 (cf. fls. 38 do PA);
• A cópia do requerimento executivo com a referência 8370254, processo nº 188941/11.3YIPRT em que consta como exequente a sociedade “A…, Lda.”, sem que dele resulte quem é o executado (cf. fls. 39 do PA);
• A petição inicial de acção de processo comum sumário (Refª 8511764) intentada no Tribunal Judicial de Paredes contra a Reclamante pelo montante de €28.400,00 (cf. fls. 40 do PA);
• A petição inicial de acção de processo comum ordinário (Refª 8227878) intentada no Tribunal Judicial da Maia contra a sociedade “V…– Sociedade Imobiliária, Lda.” (anterior denominação social da reclamante), pelo montante de €109.862,64 (cf. fls. 41 do PA);
• A carta datada de 26/02/2013, enviada pela CA – Crédito Agrícola à Reclamante a informar que “(…) dada a situação económico-financeira, não reúne os pressupostos para a aprovação do referido financiamento” que era no valor de €111.301,82 (cf. fls. 42 do PA);
• A carta datada de 26/02/2013, enviada pela CA – Crédito Agrícola à Reclamante a informar que ““(…) dada a situação económico-financeira, não reúne os pressupostos para a provação da referida garantia bancária” que era no montante de €139.127,28, a prestar no processo executivo nº 1805201101097024 (cf. fls. 43 do PA);
• O documento emitido pelo Banco de Portugal acerca do reclamante, atestando as suas responsabilidades a 31/12/2013 epigrafado de “Central de Responsabilidades de Crédito” (cf. fls. 44 a46 do PA);
• O print da página Portal das Finanças onde acerca da “Lista de veículos automóveis associados ao contribuinte” refere que “Não foram encontrados veículos automóveis associados ao número de contribuinte” (cf. fls. 47 do PA);
e) Em 25/03/2013 é elaborada informação onde além do mais se refere “Da consulta ao SIPE, verifica-se que existem bens penhoráveis, designadamente imóveis (6), outros valores e rendimentos (1) e créditos (1), cujo valor total é de €189.619,67” (cf. fls. 50 do PA). ---
f) O pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pelo Reclamante foi indeferido por despacho de 23/04/2013, comunicado à Reclamante através do ofício nº 3531, de 08/05/2013, com a seguinte fundamentação (cf. fls. 98 e 100 dos autos):


g) Inconformada com o indeferimento do seu pedido, a Reclamante deduziu, em 24/05/2013, a presente reclamação, onde junta toda a documentação que já havia apresentado com o pedido de dispensa de garantia e adita a “Informação Empresarial Simplificada” IES do ano de 2008 (cf. fls. 54 a 59 dos autos). ---
h) O IES do ano de 2009 (cf. fls. 98 dos autos). ---
i) As Declarações Modelo 22 relativos aos anos de 2010 e 2011 e o Balancete de 2010 e 2011 (cf. fls. 133/145 e 147 dos autos).---
j) As cópias das Declarações Modelo 22 dos períodos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 e da Informação Empresarial Simplificada (IES) do ano de 2009 (cf. fls. 276/338 dos autos).---
k) A cópia da petição inicial relativa à “Acção Especial de Insolvência” apresentada no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, pela sociedade “R… Material Eléctrico, SA” onde requer a insolvência da Reclamante (cf. fls. 339/425 dos autos).---
l) No âmbito do processo 203/12.5TYVNG (Insolvência pessoa colectiva), onde é requerente “R…, Lda.” e requerida a, aqui, reclamante, foi proferida em 27/11/2013, sentença a homologar a desistência da instância da acção de insolvência referida em k) (cf. fls. 426/427 dos autos).---
m) A sociedade “R…, Lda.” requereu a insolvência da reclamante conforme processo que corre termos sob o nº 7/14.0TBCHV (cf. fls. 472/488 dos autos). ---
n) A reclamante tem no activo 3 imóveis que correspondem a uma loja e das garagens e não tem viaturas (cf. depoimento da testemunha). ---
o) A Reclamante tem dívidas a fornecedores algumas das quais encontram-se em contencioso no tribunal (cf. depoimento da testemunha). ---
p) Um dos credores pedir a insolvência da reclamante (cf. depoimento da testemunha).--
q) A Reclamante tem financiamentos bancários na ordem dos €400.000,00 (cf. depoimento da testemunha). ---
r) A Reclamante não tem actividade desde 2011, a última vez que teve actividade foi na construção de imóvel com cerca de 100 fracções cuja construção iniciou em 2008 e findou em 2011 (cf. depoimento da testemunha). ---
s) A Reclamante teve dificuldades em concluir e vender o prédio que iniciou em 2008, e devido à crise imobiliária chegou a vender abaixo do preço para poderem pagar ao banco (cf. depoimento da testemunha). ---
t) As declarações de IVA da reclamante são preenchidas a zero (cf. depoimento da testemunha). ---
u) A reclamante não distribui resultados aos sócios desde 2008 (cf. depoimento da testemunha). ---
v) A reclamante tem crédito de terceiros, por ex. da L… no valor de cerca €120.000,000, que não recebem porque aquela empresa está em processo de recuperação que não está a cumprir (cf. depoimento da testemunha)».

E mais se deixou consignado na sentença:


«Factos não provados

Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa. ---
***
O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos e no depoimento da testemunha».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente imputa à sentença erro de julgamento ao concluir pela não verificação dos requisitos legais de que depende o deferimento do pedido de dispensa de garantia.

Estabelece o art.º170.º, n.º1, do CPPT (redacção da Lei n.º64-B/2012, de 31 de Dezembro), «Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior».

Estatui o seu n.º3 que «O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».

Os requisitos para o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia decorrem do disposto no n.º4 do art.º52.º, da LGT, que estatui: «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».

Em anotação ao referido preceito, escrevem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro de Escrita, 4ª edição, 2002, o seguinte:
“…Para ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se satisfaçam três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas, pelo que o executado deverá na petição tê-los em conta:
- que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;
- que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado;
- que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.

Estando-se num processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no CC, designadamente as que constam dos seus arts. 342.º e 344.º.

À face destas regras, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida, terá de considerar-se todos os factos de depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no n.º3 do citado art.º342.º do CC.

A eventual dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art.º344.º, do CC».

Este entendimento doutrinário quanto ao ónus da prova dos requisitos da dispensa de prestação de garantia encontra expressão na jurisprudência do STA, destacando-se o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 17/12/2008, proferido no processo n.º0327/08, onde, além do mais, se pode ler:

«A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (( ) Neste sentido, pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 451, nota (2) (página 467, na 2.ª edição), em que se refere que «já se tem entendido, erroneamente, que a extrema dificuldade de prova do facto pode inverter o critério legal de repartição do ónus da prova».)
É certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no art. 20.º, n.º 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.
Mas, por um lado, no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (( ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.)
Estas regras, nesta situação, conduzirão, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado».

Assente que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, que recai o ónus de demonstrar que se verificam as condições de que tal dispensa depende – e, nomeadamente, o ónus de provar que não lhe é subjectivamente imputável a insuficiência de bens penhoráveis, isto é, que não tem culpa pelo facto de o património penhorável se ter tornado insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido - , pois se tratam de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, desçamos aos autos.

Insurge-se a Recorrente contra o decidido na sentença por nesta se ter concluído que a executada não fez prova de que a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida e acrescido não lhe é imputável.

Escreveu-se, nomeadamente e a propósito na sentença recorrida:

«(…) impunha-se, ainda, que a reclamante provasse a falta de culpa na insuficiência ou inexistência do seu património.---
E será que a reclamante provou o último dos requisitos exigidos (não seja da responsabilidade do executado a insuficiência ou inexistência de bens) para que lhe seja concedida a isenção da garantia? Temos para nós que não. ---
In casu, a Reclamante, no pedido de isenção que formulou, não provou a verificação de todos os requisitos. ---
Concretizemos. ---
É que, não resulta dos autos, uma vez que a reclamante nada provou, a demonstração de que a alegada insuficiência ou inexistência de bens não seja de sua responsabilidade. Com efeito, a este nível, a reclamante nada provou limitando-se apenas a alegar a inexistência de bens e/ou património e a chamar à colação a crise económica nacional e europeia e, concretamente, no sector do mercado imobiliário, sem que concretizasse de que modo no seu particular caso a afectou. Ora, como já deixámos referido, impunha-se que a reclamante fizesse tal prova. ---
Independentemente de a dispensa de prestação da garantia assentar na ocorrência de prejuízo irreparável ou na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre a reclamante que impende o ónus da alegação e prova dos pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores . ---
Sendo certo que a «responsabilidade do executado, prevista na parte final do número 4, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não mero nexo de casualidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens».
O que bem se compreende, pois não se justifica conceder a isenção da prestação de garantia a um executado que invoque prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos e que, por outro lado, tenha procedido, ele próprio, a uma prévia sonegação ou dissipação de bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores.
Ou que se tenha colocado culposamente em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia, caso em que ficará de igual modo, afastada a dispensa . ---
Ora, quanto a este considerando temos que assentir com a Fazenda Pública quando refere que resulta do IES - balanço de capital próprio e activo referente ao ano de 2008, que os sócios realizaram prestações suplementares no montante de €2.750.000,00, e que resulta do IES do ano de 2009 – balança do capital próprio e passivo, que aquelas prestações suplementares já não se encontram registadas no dito documento.---
É sabido que as prestações suplementares representam um reforço do capital próprio da sociedade e contribuem para a capitalização da empresa e para a protecção dos credores. ---
As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objecto – art. 210º do Código das Sociedades Comerciais. ---
Assim, se aquele reforço foi efectivamente feito e existiu em 2008, tal como resulta do IES, mas deixou de constar no IES de 2009, apenas pode significar que houve uma retirada e/ou devolução de tais quantias por parte da empresa, o que constitui uma notória e inexplicável descapitalização da reclamante, atenta a situação em que já se encontrava, com a consequente diminuição de garantias dos seus credores, nos quais se inclui o Estado.---
Note-se que não estamos a falar da retirada de um valor insignificante, mas antes do montante de €2.750.000,00, que não pode deixar de ser considerado como muito significativo na “saúde” contabilística da reclamante. ---
Incumbindo à Reclamante o ónus da prova dos factos que alega, a falta de prova dos pressupostos de que o legislador fez depender a dispensa da prestação de garantia, que devia ser apresentada com o requerimento em que manifesta essa pretensão, como impõe o disposto no artigo 170º, n° 3 do CPPT, importa a penalização da sua pretensão tal como ocorreu na decisão recorrida. -
Assim sendo, afigura-se-nos que não se encontram reunidos os pressupostos para a reclamante beneficiar da dispensa da prestação de garantia, uma vez que não se mostram cumpridos os requisitos do art. 52º, nº 4 da LGT, nada havendo a censurar na decisão reclamada».

Contra este modo de ver, não se conforma a Recorrente porquanto e, por um lado, diz, fez prova positiva de factos que originaram a impossibilidade de prestar garantia e que foram (i) a crise económica que afecta o país e especialmente o sector da construção desde 2008 e (ii) a falta de resultados da Recorrente desde 2008, que afectou a sua actividade com gravidade desde o seu último empreendimento imobiliário, tendo conduzido à cessação das suas actividades desde 2011.

E, por outro lado, diz a Recorrente, não resulta demonstrado qualquer nexo de causalidade entre a restituição das prestações suplementares ocorrida em 2009 e a inexistência ou insuficiência de bens para prestar, em 2013, garantia destinada a assegurar a dívida exequenda, que resultou de uma inspecção iniciada em 16/06/2011 e se tornou exigível em 20/02/2013.

E, acrescenta, tais prestações suplementares efectuadas em 2008 constituem recursos dos sócios e não recursos próprios da sociedade executada e foram restituídos após melhoria da situação líquida da empresa e depois de aprovado o financiamento bancário de que ela necessitava para dar início à construção de um empreendimento e em vista do qual foram efectuadas tais prestações suplementares. Vejamos.

Antes de mais, convém assentar, na linha da doutrina e jurisprudência atrás citadas, que constitui requisito da dispensa de garantia a não imputabilidade ao executado da “situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido”, não se reportando essa falta de imputabilidade à impossibilidade de prestar garantia.

Compreende-se que assim seja. A impossibilidade de prestar garantia, seja por manifesta falta de meios económicos para a prestar, seja por sobrevir prejuízo irreparável com a sua prestação, é já uma consequência da debilidade patrimonial do executado.

O relevante é saber como se chegou a essa situação de debilidade, traduzida na inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida e do acrescido; se foi por actuação ou omissão imputável ao executado, se foi por causas externas que não estava ao seu alcance evitar ou prevenir.

Pois bem. A sentença, na ponderação que fez da matéria de facto assente, não teve dúvidas em concluir pela manifesta falta de meios económicos da executada/ Recorrente, para prestar garantia, salientando as suas dificuldades económicas, a trajectória descendente da actividade e dos resultados operacionais da executada desde 2008, a falta de financiamento bancário, as acções judiciais intentadas por credores sociais e o pedido de insolvência com que se viu confrontada.

No entanto, reflectindo embora esses factos a debilidade da situação patrimonial da executada à data em que foi chamada a prestar garantia, nada demonstram quanto à sua irresponsabilidade na génese dessa situação de debilidade patrimonial concretizada na falta ou insuficiência de bens penhoráveis.

Como bem se salienta na sentença, debitar tal situação à crise económica nacional e europeia e, particularmente, ao sector do mercado imobiliário em que a executada opera, não chega.

Na verdade, sendo certo que à crise económica de 2008 não falta a generalidade cognitiva para ser qualificada como um facto notório (cf. art.º412.º nº1, do CPC), que o julgador colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, apreende sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (cf. Castro Mendes, "Do Conceito de Prova", 711 e Vaz Serra, Provas, BMJ 110.º-61), a verdade é que a crise económica – entendida como degradação dos indicadores económicos de crescimento e desenvolvimento – não explica minimamente, nem comporta qualquer relação de causalidade necessária com a situação de insuficiência ou inexistência de bens dos diferentes agentes económicos que operam no espaço ou sector atingido pela crise.

Há, até, consabidamente, empresas que prosperam em tempo de crise e nela encontram excelentes oportunidades de negócio. Mas sobretudo, o que importa sublinhar é que a crise económica impacta diferentemente na vida das empresas e através de factos, que, esses sim, importava trazer para os autos e demonstrar, posto que não são do conhecimento geral.

Ou seja, à executada/ Recorrente importava concretizar factos que, podendo embora ter a sua génese na crise económica, foram os determinantes em termos de causalidade e sem que o executado o pudesse evitar, para a situação a que chegou de insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

Ora, a tal respeito nada resulta de concreto e relevante do estabilizado probatório, a não ser que a executada tem créditos incobráveis de 120.000€ e experimentou dificuldades na venda de fracções do prédio que edificou, chegando a comercializá-las “abaixo do preço de mercado”.

Mas se por um lado o montante do crédito incobrável se apresenta diminuto face ao volume de negócios da empresa (que em 2008 se situaria em 17.030.568,57€ conforme despacho executivo reproduzido em f) do probatório), por outro, se o prédio edificado tinha cem fracções, quantas dessas fracções foram, afinal, vendidas “abaixo do preço de mercado”? E os proveitos obtidos ficaram de tal modo aquém dos custos incorridos com a construção do edifício que determinaram a situação de insuficiência ou inexistência de bens a que chegou?

A executada/ Recorrente não o esclarece minimamente, sendo que o ónus de demonstrar a factualidade relevante que determinou a falta ou insuficiência de bens lhe incumbia.
Por outro lado, consente a executada/ Recorrente que os sócios efectuaram, em 2008, prestações suplementares no montante de 2.750.000,00€, restituídas pela sociedade em 2009.

Esse facto, ponderou-o a sentença como um acto de descapitalização da sociedade executada, traduzindo uma diminuição da garantia dos credores.

Alega a Recorrente que a exigência de prestações suplementares foi deliberada pelos sócios de modo a ajustar os capitais próprios da executada às suas necessidades de financiamento bancário para construção. E que aprovado o financiamento necessário, foram restituídas aos sócios.

As prestações suplementares, previstas no art.º210.º e seguintes, do Código das Sociedades Comerciais, visam, por um lado, a capitalização da sociedade, ou seja, adequar o seu capital próprio às necessidades sociais e, por outro, constituem uma garantia dos credores sociais, tanto que não podem ser restituídas se o capital próprio ficar inferior à soma do capital social e da reserva legal (cf. artigos 201.º, 213.º, n.º1 e 218.º, do CSC).

Ora, este escopo das prestações suplementares não se compadece com actuações do tipo daquelas que a Recorrente assinala – isto é, reforçar os capitais próprios para satisfazer necessidades pontuais de financiamento bancário e aprovados tais financiamentos, destruir a solidez desses capitais próprios – porque tal não evidencia o propósito da protecção dos credores, antes representa uma redução do património que responde pelas dívidas sociais (cf. art.º197.º, n.º3, do CSC).

Assim, se por um lado a Recorrente não demonstra que a “situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido” se deveu a circunstâncias externas à empresa, que não estava nas suas mãos prevenir ou evitar, por outro, actuou manifestamente contra o interesse dos credores ao deliberar a restituição de prestações suplementares no quadro de uma pré-anunciada crise do imobiliário e sem que tenha comprovado nos autos que tal restituição manteve intacta a solidez dos seus capitais próprios, já pela melhoria da situação líquida, já por um acréscimo de receitas operacionais ou extraordinárias.

E assim sendo, à falta de melhor prova, não se pode descartar a hipótese de que, não fora a restituição das prestações suplementares, no valor de 2.750.000,00€, a executada manteria uma situação líquida que, pelo menos, lhe permitiria resistir ao alegado (mas indemonstrado) impacto da crise na sua actividade e prevenir a venda de fracções “abaixo do preço de mercado” para pagar o empréstimo bancário contraído para a construção (como também diz), renegociando os termos desse crédito em condições favoráveis que a propositada descapitalização da empresa deixou de permitir.

Resulta do exposto que a Recorrente não logra fazer a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado na situação de insuficiência ou inexistência de bens, mediante alegação de factos positivos tendentes à demonstração das reais causas da tal insuficiência ou inexistência de bens que o tribunal, em sede probatória, tenha validado.

A sentença não incorreu, pois, no erro de julgamento que lhe vem assacado, ao dar por não verificado o pressuposto da irresponsabilidade do executado na situação de insuficiência ou inexistência de bens.

E sendo os requisitos de dispensa de prestação de garantia cumulativos, como é pacífico na jurisprudência e na doutrina, a não concorrência de qualquer um deles logo inviabilizaria o deferimento do pedido.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 29 de Janeiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro