Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01282/10.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:TRANSFERÊNCIA DE FARMÁCIA; ATO ININTELIGÍVEL; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; AMPLIAÇÃO DE RECURSO
Sumário:1 – O objeto do ato administrativo é ininteligível quando se não consiga descortinar o que é que foi decidido, qual o seu sentido decisório. A ininteligibilidade de um ato administrativo resulta, não de ele ser passível de duas ou mais interpretações, mas de não se saber o que aí se determina.

2 - “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
O respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

3 - A possibilidade de ampliação do objeto do recurso, nos termos do art.º 636.º, n.º 1. do CPC não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na ação (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Farmácia R. R., Sociedade Unipessoal, Lda
Recorrido 1:INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos Saúde IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Não tomar conhecimento da ampliação do recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Não se deveria tomar conhecimento da ampliação do objecto do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A Farmácia R. R., Sociedade Unipessoal, Lda., no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos Saúde IP, tendente à declaração de nulidade ou anulação do despacho de 29/1/2010 do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Infarmed, que autorizou a transferência da Farmácia F., propriedade da contrainteressada, para a Rua (...), não se conformando com o Acórdão proferido no TAF do Porto em 30 de abril de 2015, que veio a julgar a ação improcedente, veio em 16 de junho de 2015 a recorrer jurisdicionalmente da mesma.
Formula o aqui Recorrente/Farmácia R. R. nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“1) As instalações do Centro Médico de C... constituem uma fração autónoma com entrada pela Rua (...) e pela Travessa (...), n° 15.
2) E da Rua (...), n° 2300, nova localização da Farmácia F., à Travessa (...) são 86,40m conforme certidão da Câmara Municipal de G. de 27/04/2010 inserta a fls. 14 e 15 do processo cautelar apenso.”
3) Por isso, o ponto III. 8) da matéria de facto deve ser alterado, substituindo 93m por 86,40m, ficando com esta ou semelhante redação: "A nova localização da Farmácia F. - Rua (...), n" 2300 - situa-se a 86,40m do Centro Médico de C... - cfr. fls. 14 e 15 do processo cautelar apenso. "
4) O pedido de transferência da Farmácia F. foi formulado para local apenas identificado pela rua e número de polícia - Rua (...), 2300 - não esclarecendo se se tratava de prédio ou fração autónoma e omitindo quer o artigo matricial quer a descrição no registo predial.
5) Além disso, o local assinalado na planta de localização que instruía o pedido (Cfr fls 11 do PA) não corresponde ao local com entrada pelo n° 2300 da Rua (...).
6) Por isso o pedido de transferência, por impreciso, incompleto e contraditório, revela-se ininteligível e o despacho impugnado de 29-1-2010" que o deferiu, ininteligível é necessariamente também, o que o torna nulo nos termos do nº 133, nº, al. c) do CPA.
7) Mesmo que assim não se entenda, sempre o despacho impugnado de 29-1-2010, por deferir pedido de transferência impreciso, incompleto e contraditório violou o art. 74, nº 1, al. d) do CPA, o que o torna anulável.
8) No Centro Médico de C..., Lda. à Rua (...) em C..., 4 médicos, únicos sócios e gerentes desse centro, prestam cuidados de saúde primários, na especialidade de Medicina Geral e Familiar, aos utentes do SNS da área do Centro de Saúde de B. do C. ao abrigo de contratos de prestação de serviços, celebrados após concurso público com a Administração Regional de Saúde do Norte, aí atendendo os utentes do Serviço Nacional de Saúde que antes eram atendidos no centro de saúde e optaram por se transferir para o Centro Médico de C....
9) Na prestação desses serviços, os médicos contratados estão sujeitos aos deveres estatuídos nos seus contratos e nas normas reguladoras, fixadas pela Portaria 667/90, maxime art° 16°, cujo cumprimento é controlado, na terminologia legal, pelo "centro de saúde onde se inserem" isto é, o centro de saúde de B. do C., que, aliás, lhes fornece os impressos de prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico.
10) Esta unidade de saúde composta pelos 4 médicos, também conhecida por Medicina Concorrência 1, é havida por extensão de saúde quer pelo Município de G. quer pelo Ministério da Saúde no Portal da Saúde e pelo próprio ACES- Agrupamento de Centros de Saúde do Grande Porto VIII - G..
11) À luz duma interpretação estritamente literal, a unidade de saúde existente no Centro Médico de C... poderá parecer que não é uma extensão de saúde por não constituir uma unidade periférica do centro de saúde de B. do C., gerida diretamente pelo centro de saúde e com pessoal do próprio centro de saúde.
12) Porém, em termos substanciais, trata-se de uma extensão de saúde desse centro de saúde porque presta precisamente os mesmos cuidados de saúde primários aos utentes do centro de saúde que antes eram prestados neste e, por opção dos utentes e com transferência do seu processo clínico, passam a sê-lo no Centro Médico de C... ou Medicina em Concorrência 1, essencializando esse sentido teleológico.
13) Cotejando os cuidados que contratualmente os 4 médicos convencionados são obrigados a prestar - cuidados de saúde primários na especialidade de Medicina Geral e Familiar - aos utentes do SNS da área do centro de saúde de B. do C. com as funções legais (art. 42 n° 1 da Lei 56/79) do próprio centro de saúde -prestação de cuidados de saúde primários - fácil é de constatar que há equiparação, melhor identidade, entre as atividades desenvolvidas no próprio centro de saúde e pelos 4 médicos contratados no Centro Médico de C....
14) Além disso, sendo os médicos contratados para superar a incapacidade de resposta do centro de saúde em relação à totalidade seus utentes do SNS, com transferência do processo clínico dos utentes, que façam a opção, do centro de saúde para os consultórios médicos, fácil é de ver que atividade desenvolvida é precisamente a mesma.
15) Constituindo a unidade de saúde instalada no Centro Médico de C... e designada por Medicina em Concorrência 1 uma extensão de saúde em termos substanciais, deve ser atingida e beneficiar das restrições impostas pelo artº 2, n° 1 aI. c) da Portaria 1430/2007 em relação à distância de 100m exigida para instalação e transferência de farmácias, por força da interpretação extensiva da norma.
16) Na verdade, substanciando-se a teleologia da norma na 'pretensão de que não se instalem farmácias demasiado perto dos locais onde se prestam cuidados de saúde primários aos utentes do SNS, estabelecendo uma zona de exclusão na distância de 100m, a razão da proibição verifica-se quer quando o serviço prestador é uma unidade gerida diretamente por serviços oficiais como quando é de gestão privada, contratualmente assumida com a administração da saúde, irrelevando a forma de prestação e privilegiando a sua substância.
17) O legislador não é perfeito, disse menos do que pretendia e o intérprete deve dar ao preceito um alcance correspondente ao pensamento legislativo, fazendo corresponder a letra com o espírito da lei.
18) Doutro modo, assistiríamos a uma suma fraude à lei, aplicando a distância de 100m do preceito em relação a unidades de saúde com poucas centenas de utentes só porque são geridas diretamente pela Administração Pública e abstraindo dessa distância em relação a unidades de saúde, com milhares de utentes, que prestam os mesmos cuidados, só porque são de gerência privada.
19) Também a Provedoria de Justiça entendeu, numa interpretação teleológica e atualista, que o preceito e distância de afastamento que ele impõe eram de aplicação ao caso sub judice (cfr. fls.228 dos autos)
20) Por isso, o douto acórdão, vinculando-se a entendimento que não resulta da lei, mas como se dela derivasse, decidindo em contrário e em desconformidade, violou o sobredito preceito querido aplicar - art.º 2, nº 1 aI. c) da Portaria 1430/2007 -, incorrendo em erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogado, como propugnado.
Termos em que e com o douto suprimento o douto acórdão recorrido deve ser revogado e a ação ser julgada procedente, como é de JUSTIÇA”

A Contrainteressada F. e G., Lda., veio em 21 de agosto de 2015 apresentar as suas contra-alegações de Recurso “com ampliação do âmbito do Recurso”, tendo concluído:
“1. A aqui contrainteressada Recorrida efetuou a transferência definitiva porquanto assim a autorizaram, não lhe sendo hoje possível regressar às anteriores instalações, porquanto eram arrendadas e, por outro lado, porque não cumprem as exigências legais e também em face do avultado investimento realizado não é economicamente possível suportar todo esse investimento e ter agora de sair destas novas instalações.
2. O Juiz "a quo", no ponto III. do douto acórdão recorrido escreve "Atenta a prova documental produzida e constante dos autos bem como a posição da partes sobre os mesmos e o processo administrativo apenso, consideram-se provado os seguintes factos relevantes para a decisão da causa Rua (...) 8) A nova localização da Farmácia F. - Rua (...) nº 2300 - situa-se a 93 m do "Centro Médico de C..., Lda." cfr , fls. 9 do PA e artigo 25º da PI não impugnado", ora, afigura-se-nos que o Tribunal "a quo" errou na apreciação que fez dos factos, da prova e do direito.
3. E o Tribunal "a quo" também errou quando nesse ponto 8) sugere que essa matéria não foi impugnada, pois, a verdade é que foi impugnada. A Recorrida desde a primeira hora, contesta a distância da Farmácia F. ao Centro Médico de C..., Lda. (Medicina da Concorrência), pois sempre defendeu e defende que se trata de distância superior a 100 metros.
4. A redação do ponto 8) tem de ser alterada para: A nova localização da Farmácia F. - Rua (...) nº 2300 - situa-se a uma distância não concretamente apurada do "Centro Médico de C..., Lda." (Medicina da Concorrência}.
5. Não foi feita prova que permitisse ao Tribunal determinar que a distância é inferior a 100 metros.
6. O Tribunal "a quo" ao fixar a matéria de facto provada e constante do ponto 8) do acórdão recorrido, não só tinha que ter prova que a isso lhe permitisse (e não tem) como tinha que tomar posição sobre a questão de direito suscitada pela Recorrida quanto à medição dessa distância, e, o que é certo é que não o fez e, por isso, o acórdão recorrido, nessa parte padece de nulidade por omissão de pronúncia.
7. O quadro normativo invocado pela Recorrente impõe uma distância mínima de 100 metros da localização da farmácia relativamente a extensão de saúde, centros de saúde ou estabeleci mento hospitalar, ora, como resulta da pág. 16 do douto Acórdão recorrido, a farmácia em causa dista 677 metros do Centro de Saúde de C..., portanto, não há dúvida que a menos 100 metros da localização da farmácia em causa não existe nem uma extensão de saúde, nem centros de saúde, nem estabelecimento hospitalar.
8. A questão suscitada pela Recorrente não é a distância da farmácia relativamente a outras farmácias (quanto a isso, a Portaria 1430/2007, de 2 de Novembro define que a distância para as demais farmácias tem de ser, no mínimo, de 350 metros e, no caso, é superior a 500 metros) mas sim a distância da farmácia relativamente a extensão de saúde, centro de saúde ou hospital, o que é muito diferente.
9. O legislador estabeleceu em Portaria que a distância entre farmácias se mede em linha reta, de porta a porta, o que é diferente da distância de farmácia para centro de saúde, extensão de saúde, hospital pois, subjacente a essa norma estava a preocupação de corrigir assimetrias na distribuição de farmácias no território nacional.
10. No caso da distância das farmácias para um hospital, centro de saúde, extensão de saúde, a preocupação do legislador, já não está em causa a preocupação do legislador de corrigir assimetrias na distribuição das farmácias, mas, a de que no perímetro de influência de 100 metros não exista uma farmácia, ora, como está demonstrado nos autos (p.a. e doc. 4 junto com a contestação) a farmácia da contrainteressada Recorrida respeita esse perímetro dos 100 metros.
11. A Recorrente não fez qualquer prova quanta à distância exata entre a porta da farmácia da Contrainteressada Recorrida sita na Rua (...) 2300, C..., VN G. e a porta do Centro Médico de C..., Lda., nem quanto à medição do perímetro, no entanto, a farmácia da contrainteressada Recorrida respeita os 100 metros de influência caso a medição se efetue de porta a porta ou pelo perímetro.
12. Os documentos que o Acórdão recorrido menciona, nomeadamente a certidão da Câmara Municipal de V. N. G. que consta do processo administrativo, apenas atestam a distância de 93 metros entre os dois prédios, medida em linha reta, mas não a partir dos limites exteriores, ora, para efeitos de medição dos 100 metros a que se referem os artigos 2º nº 2 e 23º nº 1 alínea d) da Portaria 1430/2007, de 2 de Novembro, é correto medir de porta a porta (limites exteriores).
13. Essa medição, em face da ratio legis daquelas normas da referida Portaria deveria ser medida em linha reta mas tendo necessariamente em conta as construções que se interpõem entre os dois locais, devendo ser calculada em função das distâncias que os utentes dos respetivos estabelecimentos de saúde têm que percorrer, tendo em consideração a própria malha urbana, isto é, os percursos e as vias de comunicação existentes entre os dois pontos.
14. A 100 metros de distância da farmácia da contrainteressada Recorrida não existe nem hospital, nem centro de saúde nem extensão de saúde
15. Qualquer outra interpretação que se faça da redação daquelas normas em sentido contrário, viola-as e viola o artigo 9º do Código Civil, é desfasada da realidade, é uma interpretação artificiosa, que tem em conta critérios virtuais e irrealistas que não promovem a transparência do processo de instalação e transferência das farmácias, sendo certo que não foi esse o objetivo do legislador.
16. O Acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia e, por outro lado, a redação do ponto 8) da matéria de facto deve ser alterada para "A nova localização da Farmácia F. - Rua (...) nº 2300 - situa-se a uma distância não concretamente apurada do "Centro Médico de C..., Lda.",
17. Acresce que, é de referir que por força do Decreto-Lei nº 235/2006, de 6 de Dezembro, passou a ser possível instalação de farmácias junto de hospitais do SNS, desaparecendo essa preocupação de excluir farmácias do perímetro dos 100 metros e, mais dispõe o artigo 48º, nº 1 do referido D.L que "Nos hospitais que não integram o Serviço Nacional de Saúde podem ser instaladas farmácias de dispensa de medicamentos ao público"
18. O entendimento seguido pela Recorrente configura violação dos princípios da proporcionalidade, necessidade, igualdade, legalidade e desrespeito petas princípios comunitários da liberdade de estabelecimento e da livre concorrência consagrados no Tratado de Lisboa.
19. O artigo 49.º TFUE impõe a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento. As disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e segundo jurisprudência assente, o artigo 49.º TFUE opõe-se a qualquer medida nacional que, mesmo que seja aplicável sem distinção quanto à nacionalidade, seja suscetível de perturbar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C 371/10, ainda não publicado na Coletânea, n.ºs 35 e 36).
20. Em conformidade com o artigo 168.°, n.º 7, TFUE os Estados Membros devem respeitar o direito da União, designadamente as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de estabelecimento, o que comporta a proibição de os Estados Membros introduzirem ou manterem restrições injustificadas ao exercício dessas liberdades (v., neste sentido, acórdãos de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o., C 171/07 e C 172107, Colet., p. I 4171, n." 18; de 14 de outubro de 2010, van Delft e o., C 345/09, ainda não publicado na Coletânea, n.º 84, bem como de 16 de dezembro de 2010, Comissão/França, C 89/09, ainda não publicado na Coletânea, n.º 41).
21. As restrições à liberdade de estabelecimento, podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas para garantir a realização do objetivo por elas prosseguido e não ultrapassem o necessário para alcançar esse objetivo (acórdão Blanco Pérez e Chao Gómez, referido supra, n.º 61).
22. Resulta igualmente do artigo 52.º, n.º 1, TFUE que a proteção da saúde pública pode justificar restrições à liberdade de estabelecimento. A importância do dito objetivo é confirmada pelos artigos 168.°, n.º 1, TFUE e 35,º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por força dos quais, nomeadamente, a restrição à liberdade de estabelecimento da contrainteressada não encontra qualquer fundamento válido à luz do Tratado e da jurisprudência da União Europeia,
23. Uma legislação nacional que impedisse a transferência de uma farmácia apenas pelo simples facto de distar, alegadamente, menos de 100 metros de uma extensão de saúde, centro de saúde, hospital, constitui uma restrição ilegal à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.º TFUE, matéria que poderá merecer um reenvio prejudicial para que o TJUE se pronuncie quanto à interpretação destes normativos, conformes ao princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artigo 46º, 168º, nº do TFUE e 36º da Carta Europeia.
24. Foram preenchidos todos os requisitos do artigo 23º nº1 alínea c] da Portaria 1430/2007 de 2 de Novembro e tanto a entidade administrativa como os interessados, tiveram perfeito conhecimento da nova localização da farmácia da Recorrida como se percebe da análise do processo instrutor e da petição da Autora/Recorrente. Tanto o INFARMED como a Recorrente, perceberam claramente o pedido de transferência e todos os elementos da sua instrução incluindo a nova localização.
25. O Centro Médico de C..., Lda., não é, nem hospital, nem centro de saúde nem extensão de saúde. (doc. 5 e cfr. p.a. e informação ARS Norte junta a fls.). O Centro Médico do C..., Lda., (Medicina da Concorrência I) é uma pessoa coletiva de direito privado, sociedade comercial por quotas de direito privado que é independente e autónomo e não está sujeito à tutela nem superintendência do Ministro da saúde. (cfr. p.a. e informação da ARS a tis.)
26. Não sendo (como não é) O Centro Médico de C..., Lda. (Medicina da Concorrência I um Hospital, centro de saúde ou extensão de saúde, não existe qualquer limitação de distância para com a farmácia da contrainteressada. (artigo 3º do D.L 157/99 de 10 de Maio) e. tanto assim é que no ofício junto a fls , a ARS informa o Tribunal de forma clara e inequívoca:
" ... a entidade Centro Médico de C..., Lda., sito na Rua do Espinheiro, nº 71, C..., V. N. G., não instruiu processo de licenciamento no âmbito das Clinicas Médicas junto deste instituto ... "
27. O artigo 1º da Portaria 667/90, de 13.08 prevê a possibilidade da ARS celebrar contratos com médicos ou com pessoas coletivas privadas e é a própria ARS quem vem informar ao processo que não tem quaisquer contratos com a pessoa coletiva privada "Centro Médico de C..., Lda." "Medicina da Concorrência - 1".
28. Trata-se de uma instituição de direito privado que não se enquadra na previsão legal do artigo 23º da Portaria 1430/2007. A Recorrente parece não saber que a pessoa coletiva é sujeito de direitos, independente e autónomo da pessoa singular.
29. A tese da Recorrente não só desrespeita a distinção básica e elementar de pessoa coletiva e pessoa singular como não tem qualquer correspondência com o direito constituído nem respeita aquela ratio legis, violando o artigo 9º do código Civil.
30. No douto Acórdão recorrido (pág. 22) em que nos louvamos, a exigência desse limite dos 100 metros destina-se apenas aquelas entidades e não a médicos, pessoas singulares, porquanto não é isso que resulta do quadro legal existente, nem a interpretação esforçada da Recorrente tem qualquer correspondência com o direito constituído.
Termos em que V.S.ª Exas. não dando provimento ao recurso da Recorrente e, dando provimento à omissão de pronúncia suscitada pela Recorrida e apreciando e decidindo favoravelmente os demais funda mentos invocados pela Recorrida, farão, como é habitual, inteira Justiça!”

Atenta a ampliação do objeto do Recurso apresentado, em 16 de Setembro de 2015, veio a Farmácia R. apresentar resposta, na qual concluiu:
“1 - A solicitada alteração do ponto 8 da matéria de facto no sentido propugnado pela recorrida constitui um venire contra factum proprium, pois a formulação de tal ponto assenta na certidão apresentada pela recorrida com o pedido de transferência da Farmácia (fls. 9 do P.A.).
2 - Além disso e ao contrário do alegado pela recorrida, tal ponto 8 assenta, não em documento particular, mas em documento autêntico (certidão de fls. 9 do P.A.) e nesta certidão atesta-se que a distância entre os dois prédios é em linha reta a partir dos limites exteriores.
3 - E essa distância terá de ser medida em linha reta, e não pelas vias de comunicação, nos termos do art.º 2º, nº 1, aI. c) da Portaria 1430/2007.
4 - Assim improcedem as razões invocadas pela recorrida para a por si pretendida alteração do ponto 8 da matéria de facto.
S - Na fixação da distância de 93m no ponto 8 da matéria de facto o Tribunal tomou posição quanto ao modo de medir a distância em causa, ou seja, em linha reta entre os limites exteriores dos prédios, conforme a certidão de fls. 9 do P.A. para que remete.
6 - lnexiste, por isso, a omissão de pronúncia invocada pela recorrida particular.
Termos em que devem improceder os pedidos formulados pela recorrida particular na ampliação do objeto do recurso, como é de inteira JUSTIÇA.”

O aqui Recorrido/INFARDED veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 17 de setembro de 2015, tendo então concluído:
“1.ª Os documentos emitidos pela Câmara Municipal de V. N. G. e pela ARSN, fazem prova plena de que o Centro Clínico do C... não é um centro ou extensão de saúde para efeitos do artigo 2.º/1/c) da Portaria 1430/2007 e que o mesmo centro se situa a 93 metros das novas instalações da Farmácia F..
2.ª O ato impugnado nunca pode ser invalidade por ininteligibilidade com base nas alegações da Recorrente, porquanto esse vício só se verifica relativamente ao ato administrativo em si e não relativamente ao requerimento do administrado que originou um determinado procedimento administrativo e consequentemente um ato final desse mesmo procedimento.
3.ª Sendo que o ato impugnado é perfeitamente determinável o seu sentido decisório, não comportando qualquer outra determinação.
4.ª O ato impugnado não viola qualquer disposição da Portaria 1430/2007, na medida em que o INFARMED decidiu o procedimento em causa nos presentes autos com base nos documentos apresentados pela ora Contrainteressada e que atestavam o respeito pelos limites estabelecidos no artigo 2.º da referida portaria, assim como o respeito das áreas mínimas exigidas em regulamento emitido pelo INFARMED.
5.ª Além disso, e conforme a ARSN demonstrou nos presentes autos, o Centro Clínico do C... não é não constitui uma extensão de saúde, nem um centro de saúde, nem um estabelecimento hospitalar.
6.ª Sendo que todos os médicos que trabalharam nesse mesmo local e que a Recorrente alega que atendiam doentes do Serviço Nacional de Saúde, faziam-no no exercício de atividade privada através de contratos individuais celebrados com a ARSN.
7.ª Pelo que, como bem referiu o douto Tribunal a quo, não se pode interpretar a norma do artigo 2.º/1/c) da Portaria 1430/2007 de forma a considerar que o Centro de Saúde de C... se enquadra nos conceitos constantes daquele mesmo artigo, nomeadamente porque é absolutamente volátil essa situação, nunca se sabendo se naquele local exista a prestação de cuidados primários por clínicos privados “convencionados” com a ARSN.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes, mantendo-se o douto Acórdão recorrido, com as legais consequências.”

Em 8 de outubro de 2018 foi no TAF do Porto proferido Despacho de Admissão do Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 9 de dezembro de 2015, veio a emitir Parecer em 20 de dezembro de 2015, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mais entendendo que não se deverá tomar conhecimento do pedido de ampliação do objeto do recurso.
A Farmácia R. R. veio ainda, em 19 de janeiro de 2016, responder ao Parecer do Ministério Público, reiterando tudo quanto já havia anteriormente referido.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, mormente no que concerne aos suscitados erros de julgamento da matéria de facto (Ponto 8) e Erro de julgamento da matéria de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
“1) A A. é proprietária da Farmácia R. R., sita na Rua Tenente Valadim, nº 913 e 921 da freguesia de C..., em V. N. G.;
2) Por sua vez, a contrainteressada F.e G., Lda. é dona da Farmácia F., sita na Rua B. do C., nº270, freguesia de Santa Marinha, V. N. G.;
3) Em 09.11.2009, a ora contrainteressada requereu ao INFARMED a transferência de instalações da Farmácia F., com o alvará n.º 3217, para a Rua (...) nº 2300, freguesia de C..., concelho de V. N. G., distrito do P., ao abrigo do art. 23.º da Portaria n.º 1430/2007, de 02.11, instruindo o pedido nos termos que do PA constam e que aqui se dão por reproduzidos (cfr. fls. 01 a 25 e 29 a 40 do PA);
4) O n.º 2300 da Rua (…) insere-se num prédio em propriedade horizontal, com várias frações, prédio esse inscrito na matriz urbana de C... sob o artº 5437 e na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1402/19930310 - doc. 2 junto com a p.i.;
5) O pedido de transferência foi deferido por despacho de 29.01.2010 do Sr. Vice-Presidente do Conselho Diretivo do INFARMED, lavrado sobre uma Proposta favorável da Direção de Inspeção e Licenciamentos, datada de 25.01.2010, com o teor constante do doc. 1 junto com a p.i.., que aqui dou por integralmente reproduzido;
6) A Farmácia R. R. dista cerca de 500 m do local para onde foi autorizada a transferência da Farmácia F. (cfr. doc. de fls. 09 do PA);
7) Na Rua (…), nº71, C..., V.N. de G., está instalado o Centro Médico de C..., Lda., pessoa coletiva de direito privado sob a forma de sociedade comercial por quotas, cujo objeto social é a prestação de serviços médicos, cirúrgicos e enfermagem (cfr. doc. 3 junto com a contestação da «CI», a fls. 111 e ss - processo físico);
8) A nova localização da Farmácia F. – Rua (...) nº 2300 – situa-se a 93m do Centro Médico de C..., Lda. – cfr. fls. 9 do PA e artº 25º da p.i. não impugnado;
9) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor do ofício da ARS Norte, datado de 08.07.2010, constante de fls. 151 (processo físico) dos autos de processo cautelar nº 1282/10.5BEPRT-A, nos termos do qual se informa que ¯esta ARS não possui qualquer acordo ou contrato com a entidade Centro Médico…, Ld.ª‖, e que foram sim celebrados individualmente contratos, em Maio/1991, com 4 médicos do referido Centro Médico, através dos quais tais médicos assumiram com a ARS a responsabilidade de prestar cuidados de saúde primários naquela área;
10) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor dos doc. 4 a 11 juntos com a p.i.;
11) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor dos contratos celebrados em Agosto de 1995 entre a ARS Norte e os médicos do Centro Médico…, Ld.ª, juntos por cópia a fls. 184-187, 188-191, 192-195, 196-199 e 210-213 (processo físico), respetivamente;
12) Dou aqui por integralmente reproduzida a Informação prestada pela ARSN, nº 408/2010, de 22/11/2000 bem assim como os documentos que a acompanham - fls. 175 a 201 dos autos (processo físico);
13) Dou aqui por integralmente reproduzidos os doc. de fls. 224 a 233 dos autos (processo físico).

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“Alega a Autora, Rua (...) que a localização para a qual a Entidade Demandada autorizou a transferência da farmácia da Contrainteressada dista menos de 100 metros da localização do Centro Médico de C..., Lda. que é uma extensão de saúde designada Medicina em Concorrência 1, do Centro de Saúde de B. do C., integrado no agrupamento de Centros de Saúde do Grande Porto VIII- G., todos inseridos no Serviço Nacional de Saúde.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, procedeu a uma profunda reorganização jurídica do sector das farmácias, estabelecendo, pela primeira vez, o princípio da liberdade da sua instalação, desde que observados determinados requisitos legais (artigo 3º), e agilizando e facilitando a possibilidade de transferência da sua localização dentro do mesmo município, a qual passou a ser possível independentemente de concurso público e de licenciamento (artigos 25.° e 26.°).
Tal reformulação teve, assim, em vista promover a liberalização do sector, a qual, modificando “Rua (...) um regime jurídico desadequado e injustificadamente limitador do acesso à propriedade, afastando as regras que restringiam exclusivamente a farmacêuticos, como o próprio legislador sentiu necessidade de fazer consignar, quer no respetivo preâmbulo, quer no articulado (cfr. artigo 14.°), passava não só pela livre instalação de novas farmácias, mas também pela liberdade de proceder à transferência da sua localização, desde que esta se efetuasse dentro do mesmo município e observasse determinados condicionalismos.
E, se assim é, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.03.2011 (processo n.º 057/11), Rua (...) este confessado propósito liberalizador deverá guiar o intérprete não só na aplicação daquele Decreto-Lei mas também do diploma que o regulamentou, a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, designadamente no que tange às condições que consentem a transferência da farmácia e aos condicionalismos que nesse procedimento importa respeitar”.
Estabelece a referida Portaria que a alteração do local da farmácia depende de autorização do INFARMED, a quem o proprietário que pretenda transferir a localização da sua farmácia deve dirigir pedido nesse sentido, instruído com a documentação identificada seu artigo 23.°, n.º 1, pedido que só pode ser indeferido se não forem cumpridas as condicionantes legais dessa transferência.
Rua (...)
As alíneas b) e c) do n° 1 do seu artigo 2.° impõem, por seu turno, que o local para onde se pretende a transferência da farmácia distancie, respetivamente, pelo menos 350 metros, em linha reta entre a localização pretendida e a farmácia mais próxima, e 100 metros de extensão de saúde, centro de saúde ou estabelecimento hospitalar.
Esta decisão de aptidão, que tem de ser divulgada no sítio do INFARMED na Internet (artigo 24.º), é, porém, provisória, uma vez que “o proprietário da farmácia deve requerer ao INPARMED, a realização de uma vistoria às novas instalações, no prazo de seis meses a contar da decisão de aptidão” (artigo 27.°, n.°1) e, realizada a vistoria, pode ser formulado um juízo negativo relativamente ao cumprimento das normas legais e regulamentares das novas instalações - o que conduzirá ao indeferimento do pedido de transferência da farmácia.
Se, porém, a vistoria conduzir à confirmação da decisão de aptidão inicialmente tomada, o proprietário da farmácia é notificado para proceder ao pagamento da quantia indispensável ao averbamento da nova localização e, após este, pode proceder à transferência da farmácia (artigos 27.°, nº 1, 4, 5 e 6 e 34º).
A referida Portaria só prevê, assim, como fundamento de indeferimento de um pedido de transferência o incumprimento dos requisitos indicados no artigo 25.° e a constatação, após vistoria às instalações, de que estas não cumprem as normas legais e regulamentares exigidas. O que quer dizer que, formulado o pedido, analisada a documentação apresentada, vistoriadas as instalações, verificado que tudo está conforme à lei e paga a citada quantia, o INFARMED decide definitivamente pela aptidão do novo local após o que se procede ao averbamento da nova localização, encerrando-se desta forma o procedimento de transferência.
Ora, compulsados os autos e o processo administrativo instrutor, constata-se que o pedido efetuado pela Contrainteressada foi considerado pelo Infarmed como instruído nos termos exigidos pelo artigo 23.°, n.º 1, designadamente, nas respectivas alíneas c) e d), da supramencionada Portaria n.º 1430/2007, isto é, com uma planta de localização do edifício para onde se pretendia a transferência, à escala de 1:2000, incluindo o nome da rua e o número de polícia, na qual era representada a área envolvente da farmácia numa distância de 350 metros contada dos respetivos limites exteriores da farmácia, de acordo com documento emitido pela CMVNG relativa à Medicina de Concorrência 1, Rua do (…), 71, C..., às instalações da Farmácia R. R. (ora A.) – 509m – Farmácia C... com transferência já aprovada – 523m -, Farmácia S. P. (618m), Farmácia C... (661m), Centro de Saúde de C... (677m) bem como de uma declaração no sentido do preenchimento dos requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do nº1 do artº 2º da Portaria nº 1430/2007, de 2 de Novembro.
Rua (...)
Por sua vez o Artigo 2.º, sob a epígrafe Requisitos, estabelece que a transferência de farmácia no município depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha reta, dos limites exteriores das farmácias;) Distância mínima de 100 m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha reta, dos respetivos limites exteriores, salvo em localidades com menos de 4.000 hab.
Rua (...)
Por outro lado deverá o interessado na transferência, nos termos da alínea c) do artº 2º provar a distância mínima de 100 m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha reta, dos respetivos limites exteriores.
Rua (...)
Mas a A. vem invocar na p.i. que o pressuposto de que a nova localização da farmácia respeitava a distância mínima de 100 m em relação a uma extensão de saúde, centro de saúde ou estabelecimento hospitalar não se verifica porque considera que a designada “Medicina de concorrência 1” é uma extensão de saúde do centro de saúde de B. do C., por sua vez integrado no Agrupamento de Centros de Saúde do Grande P… VIII- G., que presta consultas de medicina geral e familiar no âmbito do SNS por força de uma convenção estabelecida com os competentes serviços de saúde pública, de 2ª a 6ª feira das 8h às 20h na área de freguesia de C..., como consta do portal de saúde do Ministério da Saúde, de que juntou cópias e como a própria A. reconhece, porque juntou ao processo de transferência de declaração em que refere tratar-se de uma clínica convencionada de tratamento médico.
A questão está, pois, centrada em saber se o referido ¯Centro Médico de C..., Lda. também apelidado de “Medicina de Concorrência 1”, sito na Rua (…), nº 71, C..., que a Câmara Municipal de V. N. G., na certidão que emitiu localizou a 93 m de distância do local de transferência da farmácia da contrainteressada é ou não uma extensão de um centro de saúde.
Nesta matéria, como resulta do probatório, a ARS em 14/7/2010 emitiu uma declaração da qual consta que “(…) esta ARS não possui qualquer acordo ou contrato com a entidade “Centro Médico do C..., Lda.”. No entanto foi possível apurar que o referido Centro Médico é composto por 4 médicos, os quais celebraram individualmente contratos, em Maio/1991, assumindo com esta ARS a responsabilidade de prestar cuidados de saúde primários naquela área”, tendo, posteriormente, em ofício datado de 24/8/2010, anexado cópias dos referidos contratos e, por ofício de 25/11/2010, remetido cópia da informação nº 408/10 sobre a qual recaiu despacho de concordância, na qual se concluiu que os contratos celebrados se reportam aos médicos e não ao Centro Médico do C....
Ora, tais contratos foram celebrados entre a ARSN e os médicos, ao abrigo da Portaria 667/90, de 13 de Agosto que, perante as constatadas dificuldades de acesso dos utentes ao SNS, consagrou a possibilidade de recorrer à atividade privada como forma de ultrapassar as dificuldades tendo consagrado as Normas Reguladoras da Articulação entre as ARS e a atividade privada.
Nas referidas “Normas Reguladoras” prevê-se, precisamente, a possibilidade de, “Sempre que as circunstâncias o aconselhem, podem as administrações regionais de saúde celebrar contratos com médicos de clínica geral ou pessoas coletivas privadas para prestação de cuidados de saúde primários aos seus utentes”, tendo em vista o acesso aos cuidados de saúde primários prestados, de utentes do SNS, residentes nas áreas de atuação dos contratos e desde que munidos de cartão de utente fornecido pelos serviços de saúde – nº 1 do artº 9º.
Encontram-se, ainda, estabelecidos nas “Normas Reguladoras”, os deveres dos médicos contratos nos seguintes termos:
No caso presente, de acordo com as regras estabelecidas na Portaria 667/90, a ARSN celebrou contratos com alguns médicos para prestarem cuidados de saúde aos utentes do SNS, residentes na área do Centro de Saúde de B. do C., cuidados esses prestados no consultório do médico (s), sito no Centro Médico de C..., Lda. na Rua (...), C... ou no domicílio dos utentes ou em qualquer outro local da área do Centro de Saúde – v. Cláusulas 2ª e 5ª dos contratos.
Assim sendo, do que se trata é da colaboração de médicos no exercício de atividade privada com o SNS que celebraram contratos individuais com a ARSN para prestação de cuidados de saúde primários aos utentes do SNS, ficando os médicos contratados obrigados a articular a sua ação com o respetivo Centro de Saúde.
Tendo presente a prestação dos cuidados de saúde nos moldes descritos, julgamos que a situação relatada não cabe no âmbito da aplicação da norma que restringe a possibilidade de transferência de farmácia quando a menos de 100 metros exista um centro de saúde, extensão de centro de saúde ou estabelecimento hospitalar.
O facto de existirem médicos em exercício de clínica privada articulada com o SNS e destinada a utentes desse SNS – médicos convencionados com o SNS – bem assim como a existência de informação divulgada pela CMVNG ou até pelo Ministério da Saúde que faz referência à sua ligação ao SNS, não permite, por si só, que se faça uma equiparação com a atividade desenvolvida de um centro de saúde, extensão de centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, de forma a abranger, também, tal situação no âmbito da limitação consagrada na Portaria 1430/2007.
É que, se essa fosse a intenção do legislador, teria sido contemplada a atividade exercida por médicos de clínica geral que individualmente celebraram contratos com a ARSN/ou pessoas coletivas privadas que prestam cuidados de saúde primários aos utentes do SNS como uma situação equiparada à atividade desenvolvida de um centro de saúde, extensão de centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, sendo certo que essa possibilidade de prestação de cuidados de saúde primários através de entidades privadas já se encontrava prevista desde longa data – note-se que a portaria que criou tal possibilidade e definiu os termos em que a mesma seria exercida data de 1990 – quando foi publicada a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, que regulamentou o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, pelo qual se procedeu a uma reorganização jurídica do sector das farmácias.
Ora, incumbindo aos Tribunais, no exercício das suas funções, a interpretação e aplicação da Lei, de acordo com as limitações impostas pela própria lei e tendo presente que o ponto de partida e o limite dessa interpretação será sempre a letra da lei – nº 2 do artº 9º do CC –, o que impede que seja considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e, tendo em conta o princípio consagrado no nº3 do artº 9º do CC, segundo o qual, o intérprete presumirá que o legislador ¯soube exprimir o seu pensamento em termos adequados‖, não se vislumbra como permitida a interpretação que a A. quer dar à limitação consagrada na alínea c) do n° 1 do artigo 2.° da Portaria que impõe que o local para onde se pretende a transferência da farmácia distancie, pelo menos, 100 metros de extensão de saúde, centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, de forma a incluir outras realidades, como seja a prestação de cuidados de saúde primários por clínicos privados ¯convencionados‖ com o SNS, partindo de um pressuposto (que não se verifica no caso em análise) de que a previsão legal falha, na medida em que essa realidade não vem contemplada e devia tê-lo sido.
Aqui chegados, tudo visto e considerado, julgamos que não pode ser assacado ao ato ora impugnado o vício de erro sobre os pressupostos de facto.”

Vejamos:
A Farmácia R. R., Sociedade Unipessoal, Lda. vem Recorrer do acórdão proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, que julgou improcedente a presente ação administrativa especial, a qual visava a declaração de nulidade ou anulação do despacho de 29/1/2010 do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Infarmed, que autorizou a transferência da Farmácia F., propriedade da contrainteressada, para a Rua (...).

Vem a Recorrente imputar à decisão recorrida, erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer no que concerne à interpretação e aplicação do direito, efetuadas pelo Coletivo a quo, com o que se mostrariam violados os artigos 133.º, n.º 2, al. c), 74.º, nº 1 al, d), ambos do anterior CPA e 2.º, n.º 1. al. c), da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de novembro.

Por outro lado, a contrainteressada F.e G., Lda. veio requerer, no âmbito das respetivas contra-alegações, a ampliação do objeto do recurso jurisdicional, porquanto, na sua perspetiva, o acórdão proferido enferma de erro de julgamento, quanto à matéria de facto e, igualmente, de nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC de 2013.

Analisemos desde já o Recurso da Farmácia R. R.:
A Recorrente entende desde logo que o Tribunal a quo deveria ter invalidado o ato objeto de impugnação por entender ser o mesmo ininteligível, uma vez que “o pedido de transferência ser impreciso, incompleto e contraditório”.

Refira-se desde logo que se não vislumbra que assim seja.

Como afirmado, designadamente, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 967/07, em 17.04.2008 “O objeto do ato administrativo é ininteligível quando se não consiga descortinar o que é que foi decidido, qual o seu sentido decisório”.

No mesmo sentido se pronunciaram, igualmente, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, afirmando que “A ininteligibilidade de um ato administrativo resulta, não de ele ser passível de duas ou mais interpretações, mas de não se saber o que aí se determina. Um ato de expropriação que pode ser lido de maneira diversa quanto às extremas da área expropriada nele estabelecidas, não cabe na previsão desta alínea, pedindo porventura, aclaração (ou interpretação)” (Cfr. página 645, in Código do Procedimento Administrativo – 2.ª edição, Almedina, 1997).

Na realidade, resulta insofismavelmente do ato objeto de impugnação que o mesmo é perfeitamente percetível quanto ao seu objeto e objetivo, em face do que se não reconhece a sua alegada ininteligibilidade.

É manifesto que o ato objeto de impugnação visa singelamente deferir o pedido de transferência da Farmácia F., sita na Rua B. do C., n.º 270, freguesia de S… M…, município de V. N. G., para a Rua (...) n.º 2300, freguesia de C..., no mesmo município.

Assim, e em função do precedentemente expendido, não merece censura o facto do tribunal a quo se ter pronunciado no sentido da improcedência do pedido ora analisado.

DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Contesta a Recorrente o conteúdo do ponto 8 da matéria de facto, por considerar que do mesmo deveria passar a constar que a nova localização da Farmácia F. se situa a 86,40m do "Centro Médico de C..., Lda." e não a 93m, tal como foi dado como provado.

Como afirmado pelo Ministério Público nesta instância, tal eventual alteração nada traria de substancial quanto ao sentido decisório, sendo que, em qualquer caso, não logrou a Recorrente demonstrar que assim deveria ser, sendo que, em bom rigor, não está em causa a distância a que está o Centro Clinico da novel farmácia, mas singelamente o facto do referido Centro não ser equiparável a um estabelecimento clinico de natureza pública, o que desde logo torna irrelevante qualquer que seja a distância em causa.

Em qualquer caso, acresce que, e como sumariado no Acórdão deste TCAN nº 00126/12.8BEMDL, de 12-06-2019 “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (Artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Rua (...)
O respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

Como se afirmou já, independentemente da questão da distância constante do artigo 2.º, n.º 1, al. c), da Portaria nº 1430/2007, o que sempre importaria ter em conta, seria a eventual distância igual ou superior a 100m em linha reta, entre a nova localização da farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, o que não está em causa.

Na realidade, da prova documental disponível, mormente de acordo com documento da ARSN, o Centro Clínico do C... não constitui uma extensão de saúde, nem um centro de saúde, nem um estabelecimento hospitalar.

Está pois por demonstrar que o Centro Clínico do C... seja, ou em algum momento tenha sido, uma extensão do Centro de Saúde, não obstaculizando assim a controvertida transferência de farmácia, nos termos do artigo 2.º/1/c) da Portaria 1430/2007.

Não merece pois censura a decisão proferida em 1ª instância quando afirmou que, “não se vislumbra como permitida a interpretação que a A. quer dar à limitação consagrada na alínea c) do nº 1 do artigo 2.º da portaria que impõe que o local para onde se pretende a transferência da farmácia distancie, pelo menos, 100 metros de extensão de saúde, centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, de forma a incluir outras realidades, como seja a prestação de cuidados de saúde primários por clínicos privados “convencionados” com o SNS, partindo de um pressuposto (que não se verifica no caso em análise) de que a previsão legal falha, na medida em que essa realidade não vem contemplada e devia tê-lo sido”.

Efetivamente, o Centro Clínico do C... constitui uma clínica privada ainda que convencionada, pelo que não se inclui no conceito de extensão de saúde ou centro de saúde.

Em face do que precede, improcede igualmente o analisado segmento recursivo.

DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Refira-se desde logo que se não vislumbram os invocados erros de julgamento de direito invocados pela Recorrente.

Efetivamente a Recorrente não logrou demonstrar que se tenham verificado quaisquer erros de direito na decisão proferida, em face do que aqui se ratificará o entendimento adotado em 1ª instância e supra transcrito.

Em qualquer caso, o essencial das questões controvertidas, reconduzem-se à interpretação a adotar relativamente a questões de facto, mormente no que concerne à medição da distância entre a novel farmácia e o Centro Clinico, o que desde logo ficou comprometido ao ter sido entendido que este não poderia ser equiparado a qualquer estabelecimento de saúde de natureza pública.

Quando o Recorrente afirma conclusivamente que “o douto acórdão, vinculando-se a entendimento que não resulta da lei, mas como se dela derivasse, decidindo em contrário e em desconformidade, violou o sobredito preceito querido aplicar - art.º 2, nº 1 aI. c) da Portaria 1430/2007 -, incorrendo em erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogado”, limita-se a querer impor a sua perspetiva, o que sendo legitimo, não se mostra, nem adequado nem suficiente para “desmontar” aquele que foi o entendimento dotado em 1ª instância no que concerne à metodologia adotada face aos distanciamentos de instituições.

Em face do supra expendido, improcede igualmente o vicio suscitado e aqui analisado.

DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Tal como preconizado pelo Ministério Público, entende-se que se mostra prejudicado a análise do pedido de ampliação do objeto do Recurso apresentado pela Contrainteressada F.e G., Lda., nos termos e para os efeitos do artigo 636.º do CPC/2013.

Com efeito, como resultava já do Acórdão do STA, de 06/10/2010, no Processo n.º 0200/09, "Rua (...) Como nos diz MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA. Estudos Sobre o Processo Civil, Lisboa, 1997, pág. 463 "O recurso sobre a causa de pedir ou fundamento em que a parte vencedora decaiu é sempre subsidiário perante a procedência do recurso interposto pela contraparte. Ele destina-se a obter uma decisão favorável à parte recorrida com base numa outra causa de pedir ou num outro fundamento, se o recurso interposto pela contraparte for procedente e se, portanto, for revogada a decisão impugnada naquilo que lhe era favorável".

No mesmo sentido AMANCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7,) Edição. pág. 161: "o recurso assume-se como subsidiário quando a sua apreciação é condicionada ao sentido do julgamento de um outro recurso, o que tanto pode ocorrer em relação a recurso interposto pela mesma parte como pela parte contrária. É desta última espécie a situação que ora cuidamos (o autor refere se ao regime do art. 684-A do CPC – Atual 636.º CPC -), não obstante se não configurar pela lei como recurso".
É também este o entendimento deste Supremo Tribunal, como pode ver-se no acórdão de 12-4-2007, proferido no processo 01207/06: "A possibilidade de ampliação do objeto do recurso, nos termos do art.º 684-A, n.º 1. do CPC (Atual 636.º CPC) não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na ação (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência." No referido acórdão citam-se ainda, no mesmo sentido, os seguintes: acórdão STA de 23.9.99 no recurso 41187 e acórdão STJ de 17.6.99 no P. 98B1051."

No referido acórdão citam-se ainda, no mesmo sentido, os seguintes: acórdão STA de 23.9.99 no recurso 41187 e acórdão STJ de 17.6.99 no P. 98B1051.

Assim, seria pressuposto da apreciação da ampliação do Recurso, a procedência do recurso principal apresentado pela Farmácia R. R., que tivesse determinado a anulação ou declarado a nulidade da decisão objeto de impugnação, o que não foi o caso.

Em face do que precede, mostrar-se-ia inútil analisar a ampliação do Recurso apresentada.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte:
a) Negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
b) Não tomar conhecimento da ampliação do Recurso

Custas pela Recorrente
Porto, 31 de outubro de 2019

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa