Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02190/08.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - Somente a falta de fundamentação absoluta pode gerar nulidade da sentença, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
II - A obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se inclui a valoração da prova e da matéria de facto que deva ser considerada na decisão da causa, por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
III - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E..., Lda.
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

E…, Lda., NIPC 5…, com sede na Praceta…, Maia, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 25/09/2012, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere às dívidas declaradas extintas ou anuladas pela Administração Tributária e, no mais, julgou improcedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 1301200601747150 e apensos, instaurada pela Secção de Processo de Execução Fiscal do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, para cobrança coerciva de montantes devidos a título de contribuições para a Segurança Social.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1 - Para além de uma imposição legal, é um dever fundamentar as decisões judiciais e administrativas.
2 - A fundamentação obriga a uma análise cuidada de toda a matéria constante dos autos, quer consubstanciada em depoimentos quer em documentos ou quaisquer outras informações.
3 - As partes têm o direito a que lhes sejam comunicados os motivos porque determinados factos foram dados como provados e não provados outros no final do julgamento, motivação essa que não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão, no culminar da audiência de julgamento.
4 - A não apreciação e valoração do conteúdo dos 116 documentos que a Recorrente juntou à oposição judicial preenche o pressuposto de “ falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”, previsto no artigo 125.º do C.P.P.T e, por conseguinte, falta de fundamentação.
5 - Por ter omitido a fundamentação necessária, a sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de nulidade, o que argui, para os devidos e legais efeitos.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., que sempre se espera, deve ser declarada a nulidade processual de vício, por a sentença carecer da necessária pronúncia e fundamentação de facto sobre o teor dos documentos apresentados pela Recorrente na oposição, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.



III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
“A. A execução nº 1301200601747150 e aps foi instaurada a 12 de Abril de 2006 pela Secção de Processo de Execução Fiscal do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social contra a Oponente para cobrança coerciva de montantes devidos a título de contribuições para a Segurança Social relativa aos períodos 1998-01, 1998-02, 1998-11, 1999-01, 1999-02, 1999-06, 1999-11, 1999-12 2000-03, 2000-04, 2000-05, 2000-06, 2000-07, 2000-08, 2000-09, 2000-10, 2000-11, 2000-12, 2001-01, 2001-02, 2001-03, 2001-04, 2001-05, 2001-07, 2001-10, 2001-11, 2001-12, 2002-01, 2002-02, 2002-03, 2002-04, 2002-05, 2002-06, 2002-07, 2002-08, 2002-09, 2002-10, 2001-11, 2002-12, 2003-03, 2003-04, 2003-05, 2003-06, 2003-07, 2003-08, 2003-09, 2003-10, 2003-11, 2003-12, 2004-01, 2004-03, 2004-04, 2004-05, 2004-06, 2004-07, 2004-08 e 2004-09 constante da certidão 680451 de cotizações referentes aos períodos 2000-06, 2000-07, 2000-09, 2001-11, 2001-12 e 2002-11, constante de certidão nº 680450 e juros de mora, constante de certidão 680459;
B. A oponente foi citada a 19 de Abril de 2006;
C. A oponente deduziu a presente oposição a 18 de Maio de 2006;
D. O processo de execução fiscal nº 1301200601747177, correspondente a montantes devidos por juros de mora constantes de certidão 680459 foi extinto por anulação;
E. Foram declaradas prescritas as contribuições referentes aos períodos 01/1998 a 11/1998, 01/1999, 02/1999, 106/1999, 12/1999, 03/2000 a 12/2000, 01/2001 a 03/2001;
F. Foram declaradas prescritas as cotizações referentes aos períodos 06/2000, 07/2000 e 09/2000.
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Factos não provados
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Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, não se provou que além do constante do facto provado B), se tenha verificado mais algum facto interruptível da prescrição e que o processo de execução fiscal tenha sofrido uma paragem superior a um ano. De igual forma não foi considerado provado que os montantes exigidos tenham sido já pagos pela Oponente.
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Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, ou na sua ausência – falta de prova de pagamento das contribuições/cotizações em dívida.”

2. O Direito

O presente recurso abrange, naturalmente, a parte da sentença que julgou a oposição improcedente.
Assim, estão fora do âmbito do recurso os montantes devidos por juros de mora, a que respeitava o processo de execução fiscal n.º 1301200601747177, bem como as contribuições referentes aos períodos 01/1998 a 11/1998, 01/1999, 02/1999, 06/1999, 12/1999, 03/2000 a 12/2000, 01/2001 a 03/2001 e, igualmente, as cotizações referentes aos períodos 06/2000, 07/2000 e 09/2000.
Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (cfr. artigo 684.º, n.º 4 do CPC, na redacção aplicável à data), sendo que a única questão aqui colocada se prende com a nulidade da sentença recorrida.
Sustenta a Recorrente que as partes têm o direito a que lhes sejam comunicados os motivos porque determinados factos foram dados como provados e não provados outros no final do julgamento, motivação essa que não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão, no culminar da audiência de julgamento.
Alerta que juntou 116 documentos para prova do pagamento dos montantes exigidos em execução fiscal e que a não apreciação e valoração do conteúdo desses 116 documentos que a Recorrente juntou à oposição judicial preenche o pressuposto de “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”, previsto no artigo 125.º do C.P.P.T e, por conseguinte, falta de fundamentação.
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668.º, actual artigo 615.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2, actual artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Na sua petição de oposição, a Recorrente indicou, essencialmente, duas questões: a prescrição e o pagamento dos montantes exigidos.
Entendemos que a sentença identificou e apreciou as questões concretamente suscitadas pela Recorrente.
É verdade que com a petição inicial se invocou o pagamento, tendo sido junta com a mesma abundante prova documental.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
In casu, verifica-se que o tribunal terá, alegadamente, desconsiderado prova, tendo julgado alguma factualidade não provada.
Ora, o invocado poderá constituir erro de julgamento na valoração da prova, na apreciação da matéria de facto e na consequente subsunção da mesma ao direito, mas já não omissão de pronúncia por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do CPC e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Com efeito, nos termos do direito supra exposto, a obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se inclui a valoração da prova e da matéria de facto que deva ser considerada na decisão da causa.
Por outro lado, nos termos do preceituado no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), actual artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Como explicava já o Prof. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, no seu volume V, na página 140, «(…) por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º»
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença do Tribunal “a quo”, é este fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Assim, embora possa ser relevante para efeito de considerar provado ou não provado que os montantes exigidos já se encontravam pagos a análise dos 116 documentos juntos aos autos, a fundamentação que consta da decisão da matéria de facto não permite concluir ser a mesma nula.
Efectivamente, pelo tribunal recorrido não foi considerado provado que os montantes exigidos tenham sido já pagos pela Oponente. Para declarar tal facto não provado o tribunal escudou-se na ausência de documentos ou informações que confirmassem o pagamento, pelo que concluiu faltar prova de pagamento das contribuições/cotizações em dívida.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita na sentença é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta por não ter considerado toda a prova ínsita nos autos (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode dizer-se que ocorre a invocada nulidade.
Concluindo, improcedem as conclusões do recurso exclusivas sobre as alegadas omissão de pronúncia e falta de fundamentação da decisão recorrida.
Todavia, não estando este tribunal limitado pelo enquadramento jurídico efectuado pela Recorrente, como já resulta do exposto, haverá que apreciar se estaremos perante erro de julgamento.
Ora, compulsada a petição inicial, constatamos que, com excepção das dívidas sobre as quais se defendeu verificar-se a sua prescrição, está invocado já ter procedido à sua liquidação. Com a petição, juntou-se 116 documentos e indicou-se prova testemunhal.
Sucede que, no tribunal recorrido, se entendeu (cfr. despacho proferido em 09/11/2010) não produzir a prova testemunhal requerida no articulado inicial.
Nessa decisão, atendeu-se à factualidade alegada na petição e à conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito, tendo-se considerado que a prova que competia a tal factualidade era a prova documental. Por este motivo, decidiu-se não proceder à inquirição das testemunhas arroladas, dado constituir diligência inútil e proibida. Neste despacho foi, ainda, determinada a notificação das partes para juntarem todos os documentos que considerassem pertinentes para prova das suas alegações ou contraprova do alegado pela parte contrária.
Nessa sequência, mais nenhuma prova foi produzida.
Analisando o teor dos documentos anexados pela Oponente, sem mais, mostra-se inviável firmar qualquer certeza acerca do pagamento das específicas dívidas em cobrança nas execuções fiscais em apreço. Na medida em que a decisão da matéria de facto não espelha os montantes em dívida por referência a cada período, nem especifica se se reportam a contribuições à Segurança Social ou a cotizações, é sempre possível afirmar que o teor dos documentos juntos tanto podem ser relativos aos valores em causa nestes autos como a quaisquer outras quantias devidas e pagas à Segurança Social.
Existindo a dificuldade em estabelecer este paralelismo, nada impedia que o julgador, para melhor firmar a sua convicção, solicitasse informação aos serviços da Segurança Social, por forma a não haver dúvidas a que dívidas se reportam os pagamentos constantes dos documentos juntos e poderia, ainda, ouvir as testemunhas arroladas se subsistissem dúvidas residuais.
Efectivamente, de harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).
Ora, analisando a petição da Recorrente, o despacho interlocutório e o teor da sentença recorrida, ressalta que o tribunal recorrido terá dispensado a prova testemunhal por ser sua convicção que a mesma nada traria de útil à descoberta da verdade material, dada a prevalência que definiu para a prova documental na situação concreta.
Não há qualquer dúvida que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E o facto invocado em causa (o pagamento dos montantes correspondentes às dívidas exigidas nas execuções fiscais em apreço) é susceptível de produção de prova, nos termos do artigo 115.º, n.º 1 do CPPT.
Realmente, a prova documental é a que permitirá, com a segurança e certeza exigíveis, a comprovação do pagamento. Contudo, outros meios de prova podem complementar e auxiliar precisamente na correspondência entre os montantes pagos que resultam dos documentos juntos e os valores em dívida objecto dos presentes processos de execução fiscal. É neste ponto que a entidade exequente poderá dar um contributo de grande valia, explicitando, concreta e detalhadamente, a origem das dívidas exequendas, uma vez que os documentos já juntos pela Oponente contêm a indicação não só dos períodos, mas também a identificação (pelo menos parcial) dos trabalhadores a que as contribuições já pagas se referem.
No entanto, o tribunal recorrido optou por afirmar na sentença em apreço que a Oponente não logrou provar o pagamento das contribuições/cotizações em dívida, a ela lhe cabendo o ónus da prova. Note-se, contudo, que também não lhe permitiu a produção cabal e ampla dessa prova (cfr. artigo 115.º do CPPT).
Antes de mais, sendo os factos relativos à execução de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil (CPC) – cfr. o correspondente actual artigo 412.º, n.º 2, resultando da análise dos processos executivos ínsitos nos autos e de informações oficiais, impõe-se a ampliação da decisão da matéria de facto de forma a concretizar quais os montantes, com referência a que períodos e contribuições, que são exigidos nas execuções fiscais em apreço.
Todavia, mostrando-se imperioso descobrir se essas quantias já foram ou não pagas, deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação, já que a sua fundamentação se limitou a afirmar a ausência de prova documental.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, seja solicitada informação ao órgão de execução fiscal acerca do pagamento das prestações subjacentes às dívidas, devendo pronunciar-se especificamente sobre o teor dos documentos juntos pela Oponente, e efectivadas as demais diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.

Conclusões/Sumário

I - Somente a falta de fundamentação absoluta pode gerar nulidade da sentença, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
II - A obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se inclui a valoração da prova e da matéria de facto que deva ser considerada na decisão da causa, por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
III - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença na parte recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão nessa parte, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
Sem custas.
D.N.
Porto, 09 de Novembro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves