Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00180/17.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
REQUERIMENTO
PEDIDO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:1. No requerimento para pagamento em prestações, o executado indicará a forma como se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta, instruindo-o com todas as informações de que disponha, devendo ainda demonstrar a existência de uma situação económica que não lhe permite solver a dívida de uma só vez (artigo 196º e 198º do CPPT).
2. A deficiência do requerimento, não leva de imediato ao seu indeferimento, se o Requerente cumpriu minimamente o ónus que sobre ele recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se, mas sim ao convite do interessado para suprir tais deficiências, nos termos do artigo 108º. n.º1 do NCPA, que nos diz ”1 - Se o requerimento inicial não satisfizer o disposto no artigo 102.º, o requerente é convidado a suprir as deficiências existentes.” *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

R..., Lda, com o NIPC 5…e sede na Rua…, no Porto, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação, por si deduzida, contra o acto do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o requerimento de pedido de pagamento em prestações, com dispensa de prestação de garantia, no processo de execução fiscal nº 3190201001018671.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. “ No dia 15 de Outubro de 2010, a Recorrente foi declarada insolvente por sentença do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, processo nº 664/10.7TYVNG, tendo sido reconhecido, naquele âmbito, um crédito privilegiado à Fazenda Nacional no valor global de €256.165,32, relativos a dívidas de IVA, IRS e IMI do ano de 2010.
B. Vem o presente recurso interposto por R…, LDA., Recorrente nos autos à margem referenciados da, aliás, mui douta sentença que julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução, em que é Reclamada a Fazenda Pública, por não se conformar aquela com a sentença recorrida, da qual deveria ter resultado o pronto deferimento do pedido de pagamento em prestações, com a consequente dispensa de prestação de garantia
C. No dia 13 de Novembro de 2015, a Recorrente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Porto - 5, um pedido de pagamento em prestações com dispensa de prestação de garantia no processo de execução fiscal n.° 713120167490012503, tendo também requerido a dispensa da prestação de garantia, por falta de capacidade financeira, tendo, em 19 de Julho de 2016, a Recorrente sido notificada do despacho de indeferimento do seu pedido de isenção da prestação de garantia e do indeferimento do pedido de prestações, que esteve na origem da reclamação de cuja sentença se recorre.
D. Ora, a Recorrente tem mandatário constituído pelo menos desde 13-11-2015 aquando da apresentação do pedido de pagamento em prestações e de dispensa da prestação de garantia, conforme procuração forense junta nessa data, constituindo a falta de notificação do despacho de indeferimento do pedido prestacional uma omissão de formalidade essencial que acarreta a nulidade insuprível do despacho, por violação do disposto no número 1 do artigo 40º do CPPT, impondo-se a repetição da notificação aos mandatários constituídos, com a anulação de todas os actos praticados subsequentemente, não se compreendendo em que medida, tendo sido provada a falta de notificação do mandatário da ora Recorrente, na alínea N) do probatório, não foi o despacho reclamado anulado.
E. A consagrar-se o entendimento vertido na douta sentença recorrida, outra opção não existe senão a declaração da nulidade do acto de notificação do despacho reclamado, sob pena de serem convalidadas todas as ilegalidades procedimentais que a Administração Tributária comete, pois que, se a Recorrente é notificada de um despacho, depois deter confiado o processo a um advogado, o que lhe cabe é remeter o despacho àquele; o que não convalida a ilegalidade procedimental cometida, até pelo exíguo prazo de reacção, que não permitiu um contacto directo com a Administração Tributária, pelo que sempre se impunha a anulação do despacho reclamado e a sua repetição na pessoa do seu mandatário judicial, por ter sido este quem, numa primeira instância, subscreveu o pedido de pagamento em prestações e a dispensa de garantia.
F. É, aliás, falso que o Cacto de a notificação ter sido efectuada à Recorrente, ao invés de o ter sido na pessoa do seu mandatário, em nada a tenha prejudicado, já que o gerente da Recorrente se encontra acamado, só tendo sido remetida a notificação ao ora signatário no penúltimo dia do prazo, o que, se não impediu, pelo menos coarctou os mais elementares direitos de defesa da Recorrente.
G. Pelo que se discorda da jurisprudência citada na sentença proferida pelo tribunal a quo, invocando a Recorrente, para o efeito, o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-05-2012 (proc. nº 0409/12), in www.dgsi.pt: “A falta de notificação das decisões proferida pelo órgão da execução fiscal ao mandatário legalmente constituído pela exequente A... é susceptível de constituir uma nulidade processual do processo de execução fiscal caso essa omissão possa ter influência no exame ou na decisão da causa.”
H. Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação e desadequada aplicação do direito, designadamente nas citadas disposições legais, que violou, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a nulidade invocada.
I. De acordo com o artigo 619.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a sentença transitada em julgado tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, tendo a ele associado o princípio da protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado, o que implica a garantia de um mínimo de certeza e de segurança das pessoas quanto aos direitos e às expectativas que lhes tenham sido juridicamente criadas.
J. Pelo que o desrespeito pelo plano de insolvência homologado, em processo em que a Fazenda Pública era parte, importa uma violação do princípio da confiança, pelo que sempre deverá ser deferido o pedido de pagamento em prestações formulado, por reflectir integralmente a sentença que homologou o plano em processo em que a Administração Tributária - realce-se -, era parte.
K. Ora, os artigos 217º, e 230º, nº 1, alínea b), do CIRE, determinam que a homologação do plano de insolvência lhe confere um carácter vinculativo, produzindo-se as alterações dos créditos introduzidos no plano, o que ocorreu.
L. Assim, realce-se, a sentença que homologa o plano terá necessariamente de ser oponível à Administração Tributária, sob pena de ser esvaziado de conteúdo do instituto do plano de insolvência, não se conformando a Recorrente com a sentença proferida pelo tribunal a quo e, bem assim, com a corrente jurisprudencial invocada, que em seu entendimento colide com as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e o principio da igualdade entre credores.
M. Para que um pagamento em prestações possa ser autorizado basta que seja possível verificar-se que o executado não consegue solver a dívida de uma só vez, dada a sua situação económica/financeira, o que chega a ser gritante no caso vertente em função do plano de insolvência homologado por sentença.
N. Seja como for, não se compreende por que motivo se entende que a ora Recorrente não terá requerido o seu pedido de pagamento em prestações, independentemente do plano de insolvência aprovado, isto porque, de acordo com o ponto K dos factos provados, a aqui Recorrente apresentou, em 13-11-2015, no Serviço de Finanças do Porto - 5, um requerimento epigrafado de: “requerimento para pagamento em prestações com dispensa de prestação de garantia”.
O. Ora, a Recorrente requereu o pagamento em 150 prestações e demonstrou que não se encontra em condições de prestar garantia, tendo requerido a sua isenção, dando por verificados todos os requisitos legais, sendo esta a semente da discórdia da Recorrente com o despacho de 11-07-2016, na parte em que aquele refere que “não é solicitado qualquer pedido de pagamento em prestações” o que é falso.
P. Sendo também errado o entendimento da sentença recorrida segundo o qual a Recorrente se cingiu ao plano de insolvência, pois que, se assim fosse, ter-se-ia limitado a requerer as guias e não a requerer o pagamento prestacional da dívida exequenda, pois que, independentemente da forma, a verdade é que a Recorrente apresentou um pedido de pagamento prestacional em respeito pelos ditames do artigo 196,° do CPPT, sendo o próprio tribunal a quo quem, na página 18 da sentença, refere o seguinte: no caso sub judice, deu-se como provado que foi o mandatário da Autora quem apresentou o requerimento de pagamento em prestações e de dispensa de prestação de garantia perante o Serviço de Finanças Porto – 5”.
Q. Importa referir que o pedido da Recorrente resulta evidente do teor do requerimento e, caso assim não se entendesse, do contexto da declaração, pois que se encontram verificados os pressupostos contidos no artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que possibilitaria à Administração Tributária deferir o pedido com a ressalva de que o mesmo não teria origem no plano de insolvência, mas, naturalmente, no requerimento do contribuinte.
R. Pois que, apenas se o pedido da Recorrente fosse outro que não a concessão da possibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda em 150 prestações é que poderia ter sido indeferido com os fundamentos constantes do despacho que originou a reclamação dos actos do órgão da execução fiscal.
S. A Recorrente - contrariamente ao que decorre da sentença recorrida não tinha que alegar que preenchia os pressupostos do artigo 196º do CPPT, mas ao invés, preenche-los, como o fez.
T. De acordo com aquele requerimento, a Recorrente apresentou “requerimento para pagamento em prestações com dispensa de prestação de garantia”, pelo que a sua intenção era patente e declarada, independentemente do entendimento de que o plano de insolvência é oponível à Administração Tributária,
U. Outrossim, não teria a Recorrente requerido, “nos termos do artigo 196º, e 199º do CPPT” a concessão do pedido de pagamento em prestações, mas a mera emissão das guias de pagamento, que sempre seriam a consequência natural do deferimento do infra referido pedido.
V. Do que ressalta uma patente contradição: por um lado o tribunal a quo refere-se ao requerimento apresentado pela Recorrente como aquilo que é, para depois negar a sua existência previamente por si reconhecida.
W. Sendo prova suficiente do alegado o estado de insolvência, do conhecimento da Administração Tributária, pese embora esta se permita a simular um desconhecimento, que não lhe aproveita, nos termos e para os efeitos do artigo 74º nº 2 da Lei Geral Tributária. ~
X. Até porque se a Administração Tributária tinha algum tipo de dúvida quanto ao alcance do requerimento e aos elementos probatórios que, em seu entendimento deveriam ter sido juntos, poderia, em sede de audição prévia, requerer esclarecimentos e a produção adicional de prova, o que não sucedeu
Y. Salvo o devido respeito, que é naturalmente muito, mostra-se incompreensível a
posição adoptada pela Autoridade Tributária ao não aceitar o pedido de pagamento prestacional e a dispensa da prestação de garantia, o que veio a ser acolhido pelo tribunal a quo, o que a Recorrente não compreende, em função da clareza da questão sub judice, isto porque, o pagamento em prestações consagrado no plano de insolvência está conforme ao disposto no artº 196.º do CPPT, pois que é admissível o pagamento de prestações em número superior às 120 contempladas no plano, admitindo-se que atinjam 150 em determinados casos, como o da Recorrente.

Z. Sendo certo que o plano de insolvência que veio a ser homologado por sentença, tendo esta sentença transitado em julgado, vinculando a Administração Tributária, que não pode recusar o plano de pagamento em prestações previsto, particularmente quando inexiste qualquer motivo válido para o indeferimento.
AA. De resto, não se conforma a Recorrente também com o vertido na página 23 da douta sentença recorrida, na parte em que o facto de a Fazenda Pública, num contexto totalmente diferente (processo de insolvência), não ter votado favoravelmente à aprovação do plano de insolvência, no implica que o órgão de execução fiscal não o fizesse em sede de pedido de pagamento em prestações, sendo inócua a conclusão a que a sentença recorrida chega de que o facto de a Administração Tributária ter votado desfavoravelmente à aprovação do plano de insolvência determinaria, de per si um indeferimento do pedido de pagamento em prestações.
BB. Sendo, por isso, ilegal a aplicação do artigo 30º da Lei Geral Tributária ao processo de insolvência, prevalecendo sobre as previsões específicas deste processo, encontrando-se a mesma ferida de inconstitucionalidade, até por violar a unidade do sistema jurídico.
CC. No sentido do exposto, e a título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Maio de 2013 (processo n° 17210/12.0T2SNT-A.L1- 8), segundo o qual: “I - O CIRE em vigor não dispõe de qualquer norma que determine a aplicação aos créditos da Fazenda Nacional de regime diverso daquele que se aplica, nas insolvências, aos restantes créditos; II - O legislador não isentou os créditos do Estado e (ou) de outros entes públicos, da submissão ao plano de insolvência, prevalecendo o CIRE, enquanto lei especial, sobre a lei geral (LGT e CPPT); III - O desacordo do Estado relativamente ao plano de insolvência não impede a sua aprovação, desde que verificado o respetivo quórum por parte dos demais credores, já que, os créditos da Fazenda Pública foram tratados naquela lei especial, do mesmo modo que os outros, em respeito pelo princípio da igualdade imposto pelo respetivo art 194º”
DD. De acordo com o número 6 do artigo 196º do CPPT, estando a Recorrente no âmbito de um plano de recuperação económica legalmente previsto, como o é o plano de insolvência, e estando demonstrada a indispensabilidade da medida de pagamento prestacional, sendo o risco manifesto, pois que, se a execução não for suspensa e permanecer o crédito da Fazenda Nacional em dívida, a sociedade acabará, inevitavelmente, por ser conduzida a uma insolvência, enfraquecendo o já abatido tecido produtivo português, pelo que estão dados por verificados os pressupostos para ser deferido o pagamento prestacional em 150 prestações mensais e sucessivas, excedendo a dívida exequenda 500 unidades de conta.
EE. É falso que o requerimento apresentado em 13-11-2015 não seja, em si mesmo, um pedido de pagamento em prestações, já que no artigo 16 do requerimento que originou o despacho reclamando, vem o pedido de pagamento prestacional claramente requerido: “assim, requer que com o pagamento em 150 prestações da dívida exequenda lhe seja concedido com dispensa de prestação de garantia, na medida em que a sua prestação lhe causará prejuízo irreparável, assim como, por existir uma manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, sendo que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não é da sua responsabilidade”; prosseguindo no artigo 17,° da seguinte forma: “Pelo que pretende a Executada que à luz de todos os fundamentos acima explanados seja concedida a possibilidade de pagamento em prestações do presente processo de execução fiscal com a dispensa de prestação de garantia” e contendo o ponto A) do pedido a “emissão das guias de pagamento decorrente da aprovação do plano de pagamento em 150 prestações”… não podendo ser aquele requerimento outra coisa que não um pedido de pagamento em prestações.
FF. De todo o modo, em sede de reclamação dos actos do órgão da execução fiscal, a Recorrente requereu, renovando o seu pedido, o pagamento em prestações da dívida em 150 prestações mensais e sucessivas, com a consequente dispensa da prestação de garantia, o que podia e devia ter sido apreciado pelo órgão da execução fiscal, uma vez que este tem a prerrogativa de reapreciar o acto e, sendo caso disso, revogá-lo, obviando à remessa ao tribunal competente, nos termos e para os efeitos do artigo 277º, n.° 2 do CPPT.
GG. Pelo que poderia e deveria o Tribunal a quo ter-se debruçado sobre o pedido que a Administração Tributário nunca chegou a conhecer, na medida em que deveria ter conhecido, reparando a omissão da Administração Tributário, ao obrigo do princípio do contencioso de plena jurisdição.
HH. Sem prescindir, desde já se requer seja a douta sentença recorrida revogada, com a consequente remessa ao Serviço de Finanças do Porto - 5, para decisão do pedido de pagamento em prestações formulado, pois que a Administração Tributária deveria dele ter conhecido.
II. Sem prescindir, a Fazenda Pública, não conseguindo certamente demover quem de Direito para alterar o CIRE e os seus fundamentos, de forma até a que os intervenientes processuais ficassem a conhecer, de uma vez por todas, quais as “regras do jogo”, resolveu, com uma manobra, sem dúvida habilidosa, mas manifestamente ilícita, alterar o artigo 30º da Lei Geral Tributária, adicionando um número 3 que refere que a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação e que põe não só em causa os fundamentos e o próprio normativo do CIRE como põe em causa todos os processos de recuperação de empresas e assim, a própria sobrevivência da depauperada economia nacional, pelo que entende a Recorrente que estamos perante uma manifesta inconstitucionalidade por violação do artigo 112º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, a qual expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
JJ. A alteração do nº 3 do artigo 30º da Lei Geral Tributária não era a vontade inequívoca do legislador, pois que, se o fosse, o CIRE também teria sido alterado, mormente e de forma mais evidente, os seus artigos 97º e 196º, que extinguem os privilégios creditórios do Estado e da Segurança Social e permitem a redução e modificação de créditos.
KK. Por outro lado, pode colocar-se muito legitimamente em dúvida que a Lei Geral Tributária seja, no Ordenamento jurídico Português, uma Lei Geral, pois que, pelo contrário, tem de ser entendida como uma Lei Especial, dado ser específica quanto ao ordenamento das leis tributárias e da Segurança Social e, geral, dentro do seu próprio campo de aplicação, como é óbvio, pelo que se entende que, tanto a Lei Geral Tributária, como o CPPT nunca poderão ter aplicação num processo de insolvência, ou seja, o processo de insolvência está “imune” a qualquer alteração que seja efectuada no âmbito daqueles diplomas, cabendo à Administração Tributária respeitar aquilo que veio a ser fixado em sede de processo de insolvência.
LL. Entende a Recorrente que a Administração Tributária, ainda que em omissão das suas obrigações de fundamentação e do princípio da colaboração entre a Administração e o particular, deveria ter conhecido do requerimento de pagamento em prestações apresentado e, bem assim, do pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que se discorda da sentença recorrida, que entende que o pedido de dispensa da prestação de garantia não podia ser conhecido pelo facto de não ter sido apresentado pedido de pagamento prestacional.
MM. No entanto, demonstrou a Recorrente de forma cabal que o pedido de prestações foi formulado e sobre ele não recaiu decisão, pelo que deveria ter sido conhecido o requerimento com vista à concessão da possibilidade de efectuar o pagamento da dívida exequenda em prestações e, por via disso, deveria ter sido apreciado pela Administração Tributária o pedido de dispensa da prestação de garantia, até por se ter demonstrado cabalmente a falta de meios económicos para prestar garantia idónea, sendo claro o prejuízo irreparável da não suspensão dos presentes autos e, bem assim, a falta de culpa pela insuficiência de bens da sociedade.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.ªs Exªs MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:
Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando-se a mui douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que julgue procedente a reclamação dos actos do órgão da execução fiscal, com todas as consequências legais.
Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA..”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Após a subida dos autos ao TCAN, foi emitido parecer pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público, de folhas 578 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 657º, nº 4 do CPC e artigo 278º, nº 5 do CPPT), vindo os autos à Secção do Contencioso Tributário deste TCAN para julgamento do recurso.



I.I Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as seguintes: (i) saber se existiu nulidade processual, por desrespeito ao artigo 40º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dado não ter existido notificação do despacho recorrido a mandatário constituído; (ii) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar a) que o plano de insolvência homologado não era oponível à Fazenda Pública, b) que a agora recorrente se cingiu ao plano de insolvência, não tendo requerido o pagamento prestacional da dívida c) que o tribunal não tinha de apreciar o pedido, substituindo-se à Fazenda Pública; d) da inconstitucionalidade do artigo 30ª da LGT por violação do artigo 112º da CRP.


II. Fundamentação

II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

“Com relevância para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos:

A) Em 06.04.2010, no Serviço de Finanças Porto – 5, foi instaurado contra a sociedade R..., ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 3190201001018671, por dívidas de IVA relativas a Janeiro de 2010, no montante de € 50.224,04 – cfr. fls. 209 e 210 do processo físico.
B) No ano de 2010, foram ainda instaurados os seguintes processos de execução contra a Reclamante, os quais foram apensados ao processo de execução fiscal identificado na alínea A):
N.º do processo Data da instauração Tributo Quantia Exequenda
3190201001038290 2010-06-02 IVA 53.280,96
3190201001049224 2010-07-06 IVA 39.910,48
3190201001057146 2010-08-03 IVA 35.312,75
3190201001067680 2010-08-31 IVA 18.779,40
3190201001068628 2010-09-02 IRS e IS 11.537,82
3190201001084011 2010-10-06 IVA 25.025,30
3190201001087410 2010-10-13 IRS e IS 3.734,09
3190201001089870 2010-10-19 IRS e IS 6.254,44
3190201001095722 2010-10-24 IMI 750,75
3190201001099663 2010-11-03 IVA 33.599,04
3190201001101811 2010-11-11 IRS e IS 2.794,45
- cfr. fls. 258, 369, 376 e 389 do processo físico.
C) Em 15.10.2010, por decisão proferida pelo Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 3.º Juízo, no âmbito do processo n.º 664/10.7TYVNG, foi declarada a insolvência da Reclamante – cfr. fls. 33 e seguintes e 219 do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
D) Na assembleia de credores, em data concretamente não apurada mas anterior a 09.02.2012, foi votado o plano de insolvência, tendo este sido aprovado – cfr. Acórdão do STJ de 24.03.2015, no âmbito do Processo n.º 664/10.7TYVNG.P1.S1, a fls. 287 e seguintes do processo físico, sobretudo fls. 290, bem como fls. 220.
E) A Fazenda Pública votou contra a aprovação do plano, tendo requerido a não homologação do plano de insolvência – cfr. Acórdão do STJ de 24.03.2015, no âmbito do Processo n.º 664/10.7TYVNG.P1.S1, a fls. 287 e seguintes do processo físico, sobretudo fls. 290.
F) Em 26.10.2012, por decisão proferida pelo Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 3.º Juízo, no âmbito do processo n.º 664/10.7TYVNG, foi homologado o plano de insolvência da Reclamante nos seguintes termos:
“(…) nos termos dos arts. 214º e ss. do ClRE, homologo "ex vi" da presente sentença o sufragado plano de insolvência reportado à sociedade R..., Lda.; contudo, com exceção no que em tal peça se reporta aos créditos reclamados pela Fazenda Publica (ineficaz quanto aos mesmos) exigíveis no imediato sem qualquer moratória.
(…)
Relativamente à posição atrás manifestada pelo Exmo. Senhor Procurador da República (vd. fls. 656 e ss) entendo que a mesma não merece acolhimento.
A este propósito, não deteto sem mais que a supra constante sentença homologatória viole as regras aludidas no art. 215º do CIRE, na medida que de forma alguma e, por via de tal ato decisório, coloca em causa a possibilidade do Estado cobrar o seu crédito autonomamente relativamente ao contratado no plano de insolvência em crise.
(…)” - cfr. fls. 39 (verso) e 40 do processo físico.
G) A sentença referida na alínea antecedente foi objeto de recurso, tendo sido repristinada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2015 – cfr. fls. 287 e seguintes do processo físico, sobretudo fls. 304.
H) O plano de insolvência mencionado na alínea D) previa o pagamento das dívidas à Fazenda Pública no montante reconhecido de € 326.437,98, abrangendo créditos privilegiados e créditos comuns, “em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito da sentença de homologação do plano de insolvência, com perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos” – cfr. fls. 43 e seguintes do processo físico, sobretudo fls. 50, 79 e 80, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
I) No mapa de créditos sobre a insolvência, constante do plano de insolvência mencionado em D), foram reconhecidos créditos privilegiados da Fazenda Pública no montante total de € 256.165,32, relativos a dívidas de IVA, IRS, IS e IMI de 2010, respetivos juros e custas – cfr. fls. 56 (verso) e 57 do processo físico.
J) Foi proferido despacho de reversão da execução fiscal n.º 3190201001018671 e apensos contra H… e contra M…, pela dívida exequenda de € 277.018,18, com fundamento em, além do mais, “[I]nsuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal” – cfr. fls. 257 e 266 do processo físico.
K) Em 13.11.2015, a Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças Porto – 5, um requerimento, subscrito pelo respetivo mandatário, com o seguinte conteúdo:
“(…)
REQUERIMENTO PARA PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES COM DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
R..., LDA. – sociedade em liquidação –, … vem, nos termos conjugados dos artigos 196.º e 199.º do C.P.P.T., requerer a V. Exa. o pagamento em prestações da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, nos seguintes termos e fundamentos:
- DO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
1. No dia 15 de Outubro de 2010 a Executada foi declarada insolvente …
2. No âmbito do processo de insolvência foi reconhecido um crédito privilegiado à Fazenda Nacional no valor global de €256.165,32, relativos a dívidas de IVA, IRS e IMI do ano de 2010.
3. Após foi aprovado um Plano de Insolvência em que foi determinado pagamento da dívida em 150 prestações, vencendo-se a primeira prestação 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que só viria a ocorrer após ter sido proferido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que apreciou a questão da recusa da aprovação do plano por parte da Segurança Social e da Administração Tributária - Doc. 2
4. Certo é que o Plano de Insolvência foi aprovado e ficou determinado o pagamento em 150 prestações da dívida à Segurança Social, com perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos. - Proposta de Plano que se junta e que foi aprovado nos mesmos termos apresentados a Doc. 3.
5. Assim, pretende a Executada de modo a que seja cumprido o plano prestacional da dívida em 150 prestações que sejam emitidas as respetivas guias em conformidade, o mais brevemente possível.
- DA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
6. Acontece que a Executada não tem capacidade económica para providenciar pela prestação de uma garantia.

Termos em que se requer a V. Exa:
A) A emissão das guias de pagamento decorrente da aprovação do plano de pagamento em 150 prestações,
B) A dispensa da prestação de garantia e
C) Consequente suspensão dos processos de execução fiscal de forma a obstar a quaisquer constrangimentos à prossecução normal da atividade da empresa essencial para a sua recuperação e que possam decorrer de inconvenientes penhoras. (…)”
- cfr. fls. 41 e 42 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

L) Em 11.07.2016, por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto (ato reclamado), foi indeferido o pedido de pagamento em prestações e de dispensa de prestação de garantia referido na alínea anterior, com os fundamentos constantes da informação nº 354/GADE/2016 da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, da qual consta designadamente o seguinte:
“(…)
PEDIDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES E APRESENTAÇÃO/DISPENSA DE GARANTIA:
1. N.º PRESTAÇÕES SOLICITADO: Não é solicitado qualquer pedido de pagamento em prestações. No requerimento é mencionado, no ponto 4, que “…ficou determinado o pagamento em 150 prestações da divida à Segurança Social (…); e no ponto 5 que “…pretende a Executada de modo a que seja cumprido o plano prestacional da dívida em 150 prestações que sejam emitidas as respetivas guias…”.
2. GARANTIA: Dispensa de garantia.
3. FUNDAMENTOS DO PEDIDO: manifesta falta de meios económicos.
6. MEIOS DE PROVA JUNTOS OU REQUERIDOS: cópia da certidão permanente da CRComercial; Proposta do Plano de Insolvência; Acórdão do processo 664/10.7TYVNG.P1.S1 - 6.ª Secção; Procuração Forense.

verifica-se que o Acórdão proferido, pelo STJ, no Processo n.º 664/10.7TYVNG.PLS1-6.ª Secção, repristinou a sentença da primeira instância, considerando o seguinte: “…foi proferida sentença, com data de 26 de outubro de 2012, na qual procedeu à homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores com exceção no que em tal peça reporta aos créditos reclamados pela Fazenda Pública (ineficaz quanto aos mesmos) exigíveis no imediato sem qualquer moratória…”.
O executado não juntou qualquer elemento de prova para o alegado. Mencionando apenas que:
• Em 2010/10/15, foi declarada insolvente por sentença do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia (Processo n.º 664/10.7TYVNG);
• Não tem capacidade económica para prestação de uma garantia;
• Atravessa, atualmente, as dificuldades económicas inerentes à crise financeira;

CONCLUSÃO
Não existe, nesta data, em nome da executada, qualquer plano de pagamento em prestações em curso, contrariamente ao que a mesma afirma.
Afigura-se, assim, não estarem reunidas as condições necessárias ao deferimento do pedido de dispensa da prestação, pois não existe qualquer plano de pagamento em prestações em curso, não havendo, portanto, qualquer causa suspensiva de acordo com o preceituado nos artigos 169.º CPPT e 52.º n.º 1 da LGT.
Aliás, verifica-se que o executado já anteriormente beneficiou dos Planos de Pagamento em Prestações n.ºs 2010.336, 2010.256 e 2010.214, nos PEF's n.º 3190201001018671, 3190201001049224 e 3190201001038290, que incumpriu, sendo que, de harmonia com o disposto nos artigos 200º, nº 1 e 189º, nº 6 do CPPT, a exclusão dos planos de pagamento por incumprimento implica a perda do direito a novo plano de pagamento em prestações.
O executado poderá, caso pretenda e nos termos do preceituado no artigo 196º do CPPT, e nos processos em que tal seja admissível, solicitar o pagamento em prestações” – cfr. fls. 26 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
M) Através do ofício n.º 107440 de 14.07.2016, remetido por via postal registada com aviso de receção, assinado em 20.07.2016, foi a Reclamante notificada do despacho mencionado na alínea anterior – cfr. fls. 25, 383 e 384 do processo físico, bem como por acordo das partes.
N) O mandatário da Reclamante não foi notificado do despacho de indeferimento aludido em L) – por acordo das partes.
O) A Reclamante tem registado em seu nome um prédio, sito na União de freguesias de Santo Tirso, Couto (Santa Cristina e São Miguel) e Burgães, com um valor patrimonial de € 389.454,55, determinado em 2015, encontrando-se averbados os seguintes encargos:
Hipoteca voluntária Capital: € 1.750.000,00
Hipoteca voluntária Montante máximo: € 2.331.875,00
Hipoteca voluntária Montante máximo assegurado: € 279.790,00
Hipoteca voluntária Crédito: € 200.000,00
Montante máximo assegurado: € 258.532,00
Hipoteca voluntária Capital: € 361.000,00
Montante máximo assegurado: € 476.916,56
Penhora Quantia exequenda: € 55.247,43
Penhora Quantia exequenda: € 41.730,20
– cfr. caderneta predial urbana, a fls. 90 e 91 do processo físico, bem como certidão do registo predial, a fls. 92 e seguintes do processo físico.
P) O setor da iluminação é um dos setores mais abalados pela crise económica e também pelo desenvolvimento da tecnologia LED.
Q) A Reclamante continua a laborar, apesar da situação debilitada em que se encontra, estando a fazer um esforço para ser rentável.
R) O nome da sociedade Reclamante é conhecido no setor da iluminação.
S) Em 29.07.2016, a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças Porto – 5 – cfr. fls. 3 e 4 do processo físico.
*
Factos Não Provados:
Não se deu por provado que:
A Reclamante requereu a emissão de garantias bancárias junto das entidades bancárias com as quais costuma trabalhar (artigo 61.º da reclamação).
*

Motivação:
Não se deram como provados outros factos, em virtude da restante matéria alegada integrar juízos conclusivos e/ou de direito, ou irrelevar para a decisão.
O Tribunal considerou o acervo documental junto aos presentes autos, o qual não foi objeto de impugnação por qualquer das partes, tendo sido expressamente indicado, a propósito de cada facto, o documento ou documentos que, em concreto, serviu de base à sua prova.
De notar que se considerou provada a falta de notificação do mandatário da Reclamante (cfr. alínea N) do probatório) com base no por si alegado nos artigos 1.º e 2.º da presente reclamação e no alegado pela Representante da Fazenda Pública nos artigos 4.º e 5.º da resposta, bem como atendendo ao teor das informações juntas pelo Serviço de Finanças Porto – 5, de onde consta, tão-somente, a notificação do despacho reclamado efetuada à Reclamante, não constando qualquer documento que comprove o envio do aludido despacho ao mandatário da mesma.
No que respeita à prova testemunhal, a convicção do Tribunal baseou-se numa apreciação livre (artigos 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT), e à luz das regras da experiência comum, do depoimento prestado pela testemunha ouvida.
Concretizando, foi inquirida uma testemunha, P…a, arrolada pela Reclamante e cujo depoimento incidiu sobre os artigos 27.º a 29.º, 52.º, 59.º e 72.º da reclamação.
É empresária na área do material elétrico e decoração, na empresa “A…, Unipessoal”, e é companheira do sócio maioritário da Reclamante, J…, tendo conhecimento dos factos por intermédio do que lhe conta o companheiro.
Apesar de se ter expressado de forma clara, sem hesitações e de ter sido credível, demonstrando conhecimento do setor da iluminação, o seu depoimento centrou-se mais nas dificuldades que enfrentam, em geral, as empresas do setor da iluminação, derivadas da evolução constante que se tem verificado na tecnologia LED e da competição de outras empresas, nomeadamente por força da internacionalização, e não tanto sobre as circunstâncias concretas da Reclamante.
Apesar da crise económica que assolou o setor da iluminação, referiu que, se não fosse pelo desfalque feito pelo sobrinho do companheiro, a sociedade Reclamante provavelmente não teria sido declarada insolvente. Deram-se por provados os factos P), Q) e R) do probatório com base no seu depoimento.
Quanto ao facto não provado, não se deu por provado por não ter sido junta prova documental que comprovasse o alegado, nem outra prova convincente, não se mostrando suficiente o referido pela testemunha quanto a tal matéria, desacompanhado de outras provas. “


II.2. De Direito

Faça-se um pequeno intróito para melhor compreensão da matéria a apreciar nos presentes autos.
Para o que aqui nos interessa, e como resulta da matéria de facto dada como provada, no processo onde foi declarada a insolvência da agora Recorrente foi, por sentença, aprovado, também, o respectivo plano de insolvência, tendo a Fazenda Pública votado contra. O Plano de insolvência da agora Recorrente foi homologado por decisão judicial, que excepcionou os créditos reclamados da Fazenda Pública (sendo o plano de insolvência ineficaz quanto aos mesmos), tornando-se tais créditos exigíveis no imediato sem qualquer moratória.
Sublinhe-se que aquele plano de insolvência previa que o pagamento das dívidas à Fazenda Pública em 150 prestações mensais e sucessivas, com perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos.
A aqui Recorrente apresentou junto do órgão de execução fiscal um requerimento intitulado “ requerimento para pagamento em prestações com dispensa de prestação de garantia”, cujo teor consta da alínea k) do probatório. O órgão de execução fiscal indeferiu tal requerimento, cujo teor consta da alínea L) do probatório.
A executada reclamou desta decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal competente, tendo a sentença, agora em recurso, julgado a reclamação improcedente.

II.2.1 A agora Recorrente insurge-se contra a sentença, alegando entre outros fundamentos que, ao contrário do entendido quer na sentença e no despacho reclamado, requereu efectivamente um pedido de pagamento em prestações, independentemente do plano de insolvência aprovado. E demonstrou que não se encontra em condições de prestar garantia tendo requerido a sua isenção, dando por verificados todos os requisitos legais. E que não se cingiu ao plano de insolvência, pois independentemente da forma, a agora recorrente apresentou um pedido prestacional em respeito pelos ditames do artigo 196º do CPPT. Que se encontram verificados os pressupostos contidos no artigo 196º do CPPT, e que não tinha de alegar que preenchia os pressupostos do artigo 196º do CPPT, mas ao invés, preenche-los, como o fez. E que tal pedido foi requerido “ nos termos do artigo 196º e 199º do CPPT” e não apenas a mera emissão de guias de pagamento. (Conclusões N a Q, S, T, U, EE, ).

O discurso fundamentador levado à sentença foi, como agora se transcreve:
”Do teor do requerimento apresentado pela Reclamante é, no tocante ao pagamento da dívida em prestações, resulta que a reclamante se escuda em que existe plano aprovado, remetendo para o processo de insolvência. A Reclamante não chegou, sequer, a formular qualquer pedido de pagamento em prestações: pediu apenas a emissão de guias de pagamento em conformidade com o plano de pagamento previsto no plano de insolvência, que foi objeto de indeferimento com base na inexistência de um plano de pagamento em prestações.
Com efeito, o pedido formulado foi o da emissão de guias de pagamento, tendo a Reclamante alegado, para o efeito, a existência de um plano de pagamento em 150 prestações inserido no plano de insolvência homologado por sentença, que começou a produzir efeitos com o trânsito em julgado da mesma.
No entanto, e tal como mencionámos supra, não existia qualquer plano de pagamento em prestações da dívida exequenda em vigor, porque a força vinculativa do plano de insolvência não se estendeu aos créditos da Fazenda Pública, conforme flui da sentença de homologação, quando se menciona expressamente a ineficácia do plano de insolvência relativamente aos referidos créditos (cfr. alínea F) do probatório).
Ora, a Reclamante não pediu ao Serviço de Finanças Porto – 5 o pagamento da dívida em 150 prestações, nem alegou que preenchia os pressupostos consagrados no artigo 196.º do CPPT.
(…)”
Apreciemos.
O artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe “Pagamento em prestações e outras medidas” dispunha, ao tempo, que:
“1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas de recursos próprios comunitários e às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respectivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado
3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) Esteja em aplicação plano de recuperação económica legalmente previsto de que decorra a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano, haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.

6 - Quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.
7 - A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação.
8 - Podem beneficiar do regime previsto neste artigo os terceiros que assumam a dívida, ainda que o seu pagamento em prestações se encontre autorizado, desde que obtenham autorização do devedor ou provem interesse legítimo e prestem, em qualquer circunstância, garantias através dos meios previstos no n.º 1 do artigo 199.º

9 - A assunção da dívida nos termos do número anterior não exonera o antigo devedor, respondendo este solidariamente com o novo devedor, e, em caso de incumprimento, o processo de execução fiscal prosseguirá os seus termos contra o novo devedor.
10 - O despacho de aceitação de assunção de dívida e das garantias apresentadas pelo novo devedor para suspensão da execução fiscal pode determinar a extinção das garantias constituídas e ou apresentadas pelo antigo devedor.
11 - O novo devedor ficará sub-rogado nos direitos referidos no n.º 1 do artigo 92.º após a regularização da dívida, nos termos e condições previstos no presente artigo.

12 - O disposto neste artigo não poderá aplicar-se a nenhum caso de pagamento por sub-rogação.”

Por sua vez, o artigo 198º do CPPT sob a epígrafe “Requisitos do pedido” estipula que: 1 - No requerimento para pagamento em prestações o executado indicará a forma como se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta.(…)”.

Em anotação (6) ao artigo 196º, atrás citado, o Cons. Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição. 2011, pag. 401, debruçando-se sobre o requerimento de pagamento em prestações mostra que: “No requerimento para pagamento em prestações, o executado indicará a forma como se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta, instruindo-o com todas as informações de que disponha (art. 198.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT).
O interessado deve demonstrar a existência de uma situação económica que não lhe permite solver a dívida de uma só vez, o que é condição da concessão da autorização do pagamento em prestações.
Deverá ainda indicar o número de prestações, mensais e iguais, em que pretende para efectuar o pagamento (n.º 1 deste artigo e n.º 1 do art. 198.º), (…)”

Importará, assim averiguar se o requerimento interposto pela agora Recorrente respeitou ou não o ínsito no artigo 196º e 198º do CPPT, ou se pelo contrário não pediu ao Serviço de Finanças Porto – 5 o pagamento da dívida em 150 prestações, nem alegou que preenchia os pressupostos consagrados no artigo 196.º do CPPT, como entendido quer pelo despacho reclamado, quer pela sentença em recurso.

Da leitura do requerimento, levado à alínea K) do probatório, resulta que a executada iniciou o seu requerimento referindo que “vem, nos termos conjugados dos artigos 196.º e 199.º do C.P.P.T., requerer a V. Exa. o pagamento em prestações da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, nos seguintes termos e fundamentos (…).”
Expôs, de seguida que havia sido declarada insolvente. Que, no âmbito do processo de insolvência havia sido reconhecido um crédito privilegiado à Fazenda Nacional no valor global de €256.165,32, relativos a dívidas de IVA, IRS e IMI do ano de 2010. Que foi aprovado um Plano de Insolvência em que foi determinado pagamento da dívida em 150 prestações, com isenção de juros e custas. Que de modo a cumprir o plano prestacional da dívida em 150 prestações que fossem emitidas as respectivas guias em conformidade. Alegou que não tinha capacidade económica para providenciar pela prestação de uma garantia.
Terminou pedindo a emissão das guias de pagamento decorrente da aprovação do plano de pagamento em 150 prestações, a dispensa da prestação de garantia e a consequente suspensão dos processos de execução fiscal.

A AT, indeferiu o requerido pelo despacho constante da alínea L) da matéria de facto dada como provada, referindo-se que não foi solicitado qualquer pedido de pagamento em prestações. Que foi solicitada a dispensa de garantia. Que o fundamento do pedido foi a manifesta falta de meios económicos. E que os meios de prova juntos foram a cópia da certidão permanente da CRComercial; a proposta do plano de insolvência; o acórdão do processo 664/10.7TYVNG.P1S1-6ªsecção e a procuração forense.
Referiu-se ainda naquele despacho que o acórdão acima identificado repristinou a sentença de homologação do plano de insolvência com excepção dos créditos reclamados pela Fazenda Pública, exigíveis de imediato sem qualquer moratória.
Que o executado não juntou qualquer elemento de prova para o alegado, tendo apenas mencionado que havia sido declarada insolvente, que não tem capacidade económica para a prestação de garantia e que atravessa actualmente dificuldades económicas.
Concluiu, em seguida, o despacho reclamado que não existia em nome da executada qualquer plano de pagamento em prestações em curso. Que não estavam reunidas as condições necessárias ao deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, pois não existia qualquer plano em curso, não havendo causa suspensiva de acordo com os artigos 169º do CPPT e 52º, nº 1 da LGT.
A sentença recorrida sustenta o decidido pela AT.
Que dizer?
Considerando o ínsito no artigo 196º, nº 1 do CPPT, não pode ser ignorado que a agora Recorrente iniciou o seu requerimento como acima se transcreveu “vem, nos termos conjugados dos artigos 196.º e 199.º do C.P.P.T., requerer a V. Exa. o pagamento em prestações da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, nos seguintes termos e fundamentos (…).”
A ser assim, e independentemente do pedido se encontrar no início do requerimento, será de entender que foi formulado um pedido de pagamento em prestações, ao contrário do decidido pela sentença recorrida.
O pedido de passagem de guias, referido a final, entendido quer pelo despacho reclamado, como pela sentença recorrida, como o verdadeiro pedido, não pode deixar de ser entendido como uma consequência do pedido formulado no início do requerimento.
Por outro lado, considerando, de acordo com o artigo 198º do CPPT, que no requerimento de pedido de pagamento em prestações terá de ser sempre indicada forma como o/a executado/a se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta, não deixa de constar do requerimento formulado, que a executada pretendia efectuar o pagamento em 150 prestações, alegando como fundamento a existência do plano de insolvência.
Do exposto, se retira que foi formulado um pedido de pagamento em prestações, todavia a fundamentação do requerido é de considerar deficiente, dado a requerente não explicar, (apesar de ter junto a sentença de homologação do plano de insolvência onde se excepcionam os créditos da Fazenda Pública e o acórdão que a repristinou) o porquê de pretender o pagamento em prestações, fundamentado num plano de insolvência que não foi aprovado relativamente a tais dívidas.
Todavia, não se pode concluir como fez a sentença, tal como o despacho reclamado, que não foi formulado um pedido de pagamento em prestações e que apenas se pretendia cumprir o plano de insolvência dos créditos reclamados na falência.
Acresce referir que a deficiência do requerimento, não levava de imediato ao seu indeferimento, como aconteceu no caso sub judice, mas sim ao convite do interessado para suprir tais deficiências, nos termos do artigo 108º. n.º1 do NCPA, aplicável ao caso que nos diz ”1 - Se o requerimento inicial não satisfizer o disposto no artigo 102.º, o requerente é convidado a suprir as deficiências existentes.”
A tal obriga o princípio do inquisitório, que encontra a sua justificação na prossecução do interesse público imposto à AT e no dever de imparcialidade que norteia toda a actividade administrativa (artigos 266.º, nº 1, da CRP e 55.º da LGT).
Sendo certo que o princípio do inquisitório é transversalmente aplicável a todo e qualquer procedimento tributário, como se infere do artigo 58.º da LGT, mesmo que seja de entender que, por estarmos no âmbito de um processo judicial tributário, porque perante um processo de execução fiscal com tal natureza (como dispõe o artigo 103.º, n.º 1 da LGT), em que sejam aplicáveis as regras de processo (e não as de procedimento), os artigos 13.º, n.º 1 do CPPT e 99.º da LGT também consagram os deveres de inquisitório e de cooperação, sendo que tal princípio é sempre de aplicar no domínio do processo de execução fiscal pelo órgão de execução fiscal, mormente no que respeita quer ao pedido de pagamento em prestações como também à dispensa de prestação de garantia.
No entanto, tal não significa, e atento o artigo 48.º, n.º 1 do CPPT, que dispõe que “[a] administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem”, que a AT não deva, à luz do princípio do inquisitório e do princípio da colaboração, empenhar-se em criar condições para poder vir a proferir uma decisão de mérito, convidando o Requerente a aperfeiçoar as deficiências formais do requerimento apresentado, solicitando esclarecimento de dúvidas, pedir meios de prova complementares caso considere que o requerimento se encontra deficientemente instruído e que necessita de prova adicional para a comprovação de factos essenciais que alega, bem como de colher oficiosamente dados e informações susceptíveis de confirmar ou não os factos alegados e os elementos de prova apresentados no requerimento inicial.
Ou seja, o exercício destes poderes de investigação por parte da AT pressupõe que o Requerente cumpriu minimamente o ónus que sobre ele recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se (conforme determina o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), sob pena de se tornar tal princípio uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes dos contribuintes e de inversão total do ónus que lhe compete.
Isto porque, não se pode afastar não só o que o legislador determina quanto ao ónus da prova que impende sobre quem invoca um direito que pretende assegurar, como também a reciprocidade do dever de colaboração que o n.º 1 do artigo 59.º da LGT estabelece e que exige a cooperação dos contribuintes com a AT no sentido da descoberta da verdade material.
Mas, tendo sido formulado um pedido de pagamento em prestações, e com ele juntos elementos probatórios pela agora Recorrente, é de concluir que as deficiências existentes podiam e deviam ter sido ultrapassadas através do convite formulado à executada para as suprir.
Também o Cons. Jorge Lopes de Sousa, em anotação (3) ao artigo 198º, do CCPT (1), pag 408, assim o entende: ”Se o requerimento contiver deficiências, o serviço da administração tributária que o receber deverá convidar o requerente a supri-las ou a providenciar para a suprir oficiosamente (arts.76.º, n.sº 1 e 2 do CPA), o mesmo devendo fazer a entidade a quem subir o processo para decisão (art.19.º do CPPT).”
Destarte, em face do exposto, procedem as conclusões de recurso, merecendo o recurso provimento. Em consequência, encontram-se prejudicadas a apreciação das restantes questões suscitadas.

III. DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário, deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, com a consequente anulação do despacho reclamado.
Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida a taxa de justiça, por não ter contra-alegado.
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves

(1) Ob cit