Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02390/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
ENCARGOS “NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS”.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, desde que estejam em causa factos com interesse para a decisão de causa que não tenham sido contemplados na decisão posto em crise.
II) Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.
III) As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.
IV) Embora se entenda que, na ausência de documento externo, que comprove o custo em causa, tem de ser admitida a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, o que implica a clara definição das operações em causa e a produção da necessária prova no sentido de ultrapassar a dificuldade apontada relacionada com a falta de documento externo, comprovando o respectivo custo, ou seja, em função da posição assumida pela AT, foram desconsideradas um conjunto de operações que a ora Recorrida necessariamente teria de demonstrar, uma a uma, por forma a habilitar a proferir a afirmação vertida na decisão recorrida, a qual, nas condições actuais, não tem suporte no respectivo probatório.
V) Neste ponto, a sentença extrapolou de factos genéricos (procedimentos tidos pela impugnante neste tipo de aquisições) factos concretos (as operações concretamente em causa e relativamente às quais não se encontram identificados os respectivos fornecedores), sendo que, na própria petição inicial, nota-se que a alegação produzida parte da afirmação da actuação da Impugnante para tentar abranger toda a sua actuação, situação que porventura terá contaminado a posição do Tribunal recorrido no momento do apuramento da factualidade em apreço; porém, como se disse, mais do que isso, o que está em causa é a comprovação das operações que a AT renegou por estarem em causa encargos não devidamente documentados.
VI) Nesta medida, resulta elementar que, ao proceder ao enquadramento da situação em apreço, cabia à ora Recorrida desenhar todo o processo em apreço, especificando as principais características de cada uma das transacções em causa, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência às compras em análise e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura do conjunto de situações discutidas nos autos, sendo que não se vislumbra nos elementos alinhados a virtualidade de permitirem outro tipo de leitura da realidade em apreço, dado que, falta a necessária consistência ao exposto, que tinha ser enquadrado através da prova dos custos apontados relacionados com as compras contratadas e das condições acordadas, situação depois evidenciada através da prova produzida nos autos.
VII) Deste modo, ainda que, como se disse, se admita a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, e na medida em que a ora Recorrida não fez prova de tais elementos, só podemos apontar e aceitar o procedimento da AT de considerar que não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, “os encargos não devidamente documentados”, pois que só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente (com documentos emitidos nos termos legais) forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 29-12-2009, que julgou procedente a pretensão deduzida pela sociedade “A…, Lda.”, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002 no montante global de 433.189,93 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 137-148), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A. Vem o presente recurso interposta da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2001 e 2002, no que se refere às correcções efectuadas pela AT, relativas aos encargos relevados na contabilidade como custo do exercício, mas que consubstanciam despesas não documentadas.
B. A douta decisão recorrida incorreu em erro de valoração da matéria de facto, já que errou no juízo sobre quais os factos que se devem considerar provados com base nos documentos existentes no processo e na prova testemunhal produzida, valorando erradamente tal prova e infringindo assim o estabelecido nos artºs 508°-A, nº 1, alínea e), 511º e 659º do Código de Processo Civil (CPC),
C. Porquanto concluiu que “Feita a prova de que efectivamente as vendas foram realizadas e, como tal, efectivamente ocorreram aqueles custos os mesmos têm de ser considerados” e que, desta forma, “assiste razão à impugnante quando pugna pela ilegalidade da liquidação por não se considerar os custos que comprovadamente realizou para o exercício da sua actividade”.
D. A douta sentença sob recurso padece ainda de erro na aplicação do direito, porque não procedeu ao enquadramento da matéria de facto provada nos autos no disposto na alínea g) do nº 1 do artº 42º do CIRC, na medida em que considera ter sido feita “prova de que efectivamente as vendas foram realizadas”.
E. Resulta do conspecto dos elementos juntos aos autos que efectivamente não foi feita prova pela impetrante de quem foram os fornecedores das operações em crise, tituladas por documento interno.
F. Ora, para que as despesas suportadas pelos sujeitos passivos relevem como custos fiscais, devem estar devidamente documentadas, como resulta do artº 41º, nº 1, alínea h), do CIRC, ou seja, devem estar comprovadas por documento externo que respeite as formalidades impostas pelo artº 35º nº 5, do Código do IVA (CIVA), disposição legal que deve considerar-se aplicável a todo o ordenamento jurídico-tributário.
G. Não obstante, caso as despesas estejam insuficientemente documentadas, admite-se ainda que o contribuinte comprove o respectivo custo, como lho impõe o artº 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente e do montante do gasto, para o que será necessário identificar devidamente os fornecedores, sem o que persiste a dúvida sobre a efectividade das operações.
H. Compete então ao contribuinte demonstrar inequivocamente, a realidade da operação - aquela operação e aquele fornecedor.
I. Ora, in casu, tal não se verificou pois, não obstante não estar em causa a materialidade das operações, o certo é que a impetrante não logrou identificar os respectivos fornecedores.
J. Não o entendeu assim o Tribunal a quo.
K. A convicção do Tribunal baseou-se na prova apresentada pela impugnante, nomeadamente no depoimento das testemunhas por si arroladas, desvalorizando a prova documental constituída pelo Relatório da Inspecção e documentos que o sustentam em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída e interpretando erradamente o que resultou desses mesmos depoimentos.
L. Ora, tendo em conta os limites materiais impostos à prova testemunhal, esta não é meio idóneo para contrariar a eficácia da prova assente em suportes documentais e lançamentos que não tenha sido descredibilizada e, por isso, se mostre revestida de eficácia probatória plena - cfr. artºs 392º e 393º, nº 2 do CC.
M. Nesta matéria a actuação da AT bastou-se com a prova legal, prova esta fundada na documentação constante da contabilidade da impetrante, ora recorrida e dos elementos e esclarecimentos que por esta foram disponibilizados no decurso da acção inspectiva, quando instada para tal.
N. Destarte, procedeu correctamente às correcções que deram origem às liquidações controvertidas, as quais não enfermam de qualquer ilegalidade.
O. Pelo que, deve a mesma manter-se na ordem jurídica, porquanto não enferma do vício que lhe assacou a douta sentença recorrida.
P. Em conclusão, não se verificando o vício sentenciado, a douta sentença padece de erro de valoração da matéria de facto e de erro de aplicação do direito, devendo considerar-se válidos os actos tributários de liquidação controvertidos e, como tal, manter-se na ordem jurídica.
Q. Pois, decidindo como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, violando por isso as disposições legais enumeradas, designadamente, as constantes do CC e do CPC, aplicáveis supletivamente por força do art. 2º do CPPT, bem como da alínea g) do nº 1 do artº 42º do CIRC.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

A recorrida “A…, Lda.” apresentou contra-alegações (cfr. fls. 151-158), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
a) Em primeiro lugar cabe dizer que sobre a questão levantada (erro de julgamento em matéria de facto), a recorrente não deu satisfação à exigência constante deste normativo, art.º 685-B do CPC
b) pois se limitou a fazer uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas e a documentos constantes dos autos, sem especificar e concretizar o que quer que seja, pelo que a impugnação suscitada deverá ser rejeitada.
c) Acresce que não tendo sido a prova testemunhal objecto de registo áudio, impossibilita a sindicância da mesma pelo tribunal de recurso, atento o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 712 do CPC.
d) Sendo que não se mostra evidente nenhum erro, obscuridade, deficiência ou contradição na apreciação da prova em que o tribunal se consubstanciou, que permita proceder a qualquer alteração da matéria de facto.
e) Assim, face à ausência de registo áudio e à não constatação de nenhum erro manifesto, vigora o princípio da livre apreciação da prova.
SEM CEDER
f) Sendo que nenhuma censura nos merece a sentença colocada em crise pela recorrente.
g) A doutrina maioritária e a jurisprudência que os custos podem ser comprovados por qualquer documento, mesmo interno e por qualquer outro meio de prova, nomeadamente a testemunhal.
h) Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado.
i) Ao lado do documento interno, a impugnante/recorrida demonstrou a existência e principais características da transacção.
j) Tendo carreado outros meios de prova, a saber: testemunhas, documentos auxiliares (como os mapas de aquisição que comunicava à PSP local) e fez clara e demonstrativa explanação da sua contabilidade e materialidade das compras.
k) Também a própria AT veio confirmar a materialidade das operações através do depoimento da testemunha M….
l) Portanto a AT confirma que a impugnante adquiriu aqueles materiais, vulgo sucata, e que os incorporou na sua actividade (fundição).
m) Logo a AT comprovou e atesta a indispensabilidade daqueles custos para a realização dos proveitos.
n) Perante esta factualidade, compete ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova.
o) No caso dos presentes autos, a Ex.ma Juíza, considerou estar feita a prova de que as vendas à impugnante foram realizadas, e como tal efectivamente ocorreram aqueles custos e que os mesmos se revelaram indispensáveis à realização de proveitos.
p) Certo é que um custo não documentado (ou incompleto/indevidamente documentado) assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto.
q) Não houve pois qualquer erro de valoração da matéria de facto, porquanto os factos provados resultam dos documentos e prova testemunhal arrolada.
r) Tão pouco existiu erro na aplicação do direito, pois esteve bem o tribunal “a quo” quando considera ter sido feita “prova de que efectivamente as vendas foram realizadas”
s) A prova testemunhal não contraria a prova documental, ela vem complementar e sustentar de forma inequívoca (no nosso caso) a veracidade das operações subjacentes aos documentos internos.
t) Sendo que a recorrente ao invocar a prova documental constituída pelo “relatório da inspecção” esquece que a Lei Geral Tributária não atribui força plena às informações prestadas pela inspecção tributária, mostrando-se suficiente para as abalar que o contribuinte gere dúvidas fundadas sobre os factos nas mesmas consignados (art.º 346º do CC).
u) Perante os factos provados, apenas se poderia esperar a anulação das liquidações impugnadas, conto ocorreu.
Termos em que pela procedência das considerações invocadas deve indeferir-se o recurso interposto pela Fazenda Publica e em consequência manter-se a sentença recorrida.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 178 dos autos, no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento em matéria de facto e ainda analisar a bondade das às correcções efectuadas pela AT, relativas aos encargos relevados na contabilidade como custo do exercício, mas que consubstanciam despesas não documentadas.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
a) A impugnante dedica-se à fundição de metais não ferrosos e produção de perfis, tendo como matéria prima a sucata e desperdícios, cuja transformação assegura a liga metálica de que são constituídos aqueles produtos e foi alvo de uma acção inspectiva que incidiu sobre os exercícios dos anos de 2001 e 2002 (cf. o relatório de fls. 55 a 63 do processo administrativo, doravante apenas PA).
b) No âmbito da inspecção “procedeu-se à análise dos registos de compras e respectivos documentos de suporte, tendo-se detectado um número elevado de aquisições cuja contabilização se encontrava apoiada em mero documento interno” (cf. relatório).
c) Os documentos encontrados em sede inspectiva “não contêm todos os elementos que são exigidos pelo art. 35º do CIVA, com especial relevo para a designação completa dos fornecedores, respectivo domicílio e nº de identificação fiscal, contendo apenas: designação abreviada do fornecedor; morada imprecisa, nalguns casos o nº BI do fornecedor; quantidades e natureza dos bens e preço” (cf. relatório).
d) Acresce que “também não existia qualquer elemento extra-contabilístico que acessoriamente pudesse conduzir à identificação do fornecedor, verificando-se, ainda, que o pagamento destas aquisições era, por regra, a dinheiro, conduzindo, também por estes factos, à impossibilidade de conhecimento do beneficiário dos pagamentos” (cf. relatório).
e) Após notificação da impugnante para proceder à identificação dos fornecedores/vendedores e análise dos elementos por si apresentados concluindo-se que “mantendo-se imprecisões quanto aos respectivos nomes e moradas, já que estes elementos não se apresentavam completos, surgindo mesmo, para o mesmo NIF, indicações diferentes. Relativamente aos restantes fornecedores incluídos na base de dados, verifica-se que, na sua quase totalidade, para além de permanecerem as insuficiências assinaladas para nomes e moradas, só é mencionado o nº do BI. Verificando-se que alguns NIF indicados se apresentavam errados e, portanto, inválidos, foram efectuadas as diligências possíveis para detectar o NIF correcto, o mesmo tendo sido realizado quanto aos fornecedores de que não havia sido indicado qualquer NIF” (cf. relatório).
f) Assim, em sede inspectiva, considerou-se como custos indevidamente documentados todas as situações em que o SP não forneceu, após o decurso do prazo concedido para o efeito, o NIF dos fornecedores que figuram no documento interno (cf. relatório).
g) Foram efectuadas correcções ao lucro tributável que originaram as liquidações adicionais de IRC nº 8310117773 e nº 8310117826 para os anos de 2001 e 2002, nos montantes de 272.195,83 euros e 160.994,10 euros, respectivamente (cf. doc. de fls. 27 a 30 dos autos).
h) A sucata era adquirida por particulares que apareciam no armazém da impugnante, na Rua do Bonfim, com pequenas quantidades de cobre, latão etc., que recolhiam nas lixeiras (cf. depoimento da testemunha J, A… e M…).
i) Para as compras referidas em h) era emitido um talão com duplicado onde era escrito o nome do vendedor, morada, nº cartão de identidade, morada, peso, tipo de material e valor (cf. depoimento de J…, A…).
j) As aquisições referidas em h) eram comunicadas à Polícia Judiciária através de mapas elaborados semanalmente (cf. depoimento de A… e M…).
k) Os talões emitidos eram pagos em dinheiro (cf. depoimento da testemunha A...).
l) A AT, aquando da inspecção, assistiu às aquisições nas instalações da impugnante e aos procedimentos tidos pela impugnante neste tipo de aquisições (cf. depoimento da testemunha E… e M…).
m) Os mapas de fls. 41 a 47 foram elaborados pela testemunha M....
n) Os talões de compra de fls. 31 a 40 dos autos que as testemunhas da impugnante reconheceram mediante o confronto com os mesmos.
Factos não provados.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
3.2 DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões de recurso, a recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Para a Recorrente, a douta decisão recorrida incorreu em erro de valoração da matéria de facto, já que errou no juízo sobre quais os factos que se devem considerar provados com base nos documentos existentes no processo e na prova testemunhal produzida, valorando erradamente tal prova e infringindo assim o estabelecido nos artºs 508°-A, nº 1, alínea e), 511º e 659º do Código de Processo Civil (CPC), porquanto concluiu que “Feita a prova de que efectivamente as vendas foram realizadas e, como tal, efectivamente ocorreram aqueles custos os mesmos têm de ser considerados” e que, desta forma, “assiste razão à impugnante quando pugna pela ilegalidade da liquidação por não se considerar os custos que comprovadamente realizou para o exercício da sua actividade”.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690º-A do CPC, que regulava esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, entende-se que a Recorrente nada aponta no sentido de sustentar o invocado erro de julgamento de facto, pois que não dá o mínimo acatamento ao que ficou exposto no sentido de apontar especificamente não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, o que implica a rejeição do recurso nesta sede.
A Recorrente refere depois que a douta sentença sob recurso padece ainda de erro na aplicação do direito, porque não procedeu ao enquadramento da matéria de facto provada nos autos no disposto na alínea g) do nº 1 do artº 42º do CIRC, na medida em que considera ter sido feita “prova de que efectivamente as vendas foram realizadas”, pois que, resulta do conspecto dos elementos juntos aos autos que efectivamente não foi feita prova pela impetrante de quem foram os fornecedores das operações em crise, tituladas por documento interno e para que as despesas suportadas pelos sujeitos passivos relevem como custos fiscais, devem estar devidamente documentadas, como resulta do artº 41º, nº 1, alínea h), do CIRC, ou seja, devem estar comprovadas por documento externo que respeite as formalidades impostas pelo artº 35º nº 5, do Código do IVA (CIVA), disposição legal que deve considerar-se aplicável a todo o ordenamento jurídico-tributário.
Não obstante, caso as despesas estejam insuficientemente documentadas, admite-se ainda que o contribuinte comprove o respectivo custo, como lho impõe o artº 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente e do montante do gasto, para o que será necessário identificar devidamente os fornecedores, sem o que persiste a dúvida sobre a efectividade das operações, competindo então ao contribuinte demonstrar inequivocamente, a realidade da operação - aquela operação e aquele fornecedor, o que não se verificou, dado que, não obstante não estar em causa a materialidade das operações, o certo é que a impetrante não logrou identificar os respectivos fornecedores.
A convicção do Tribunal baseou-se na prova apresentada pela impugnante, nomeadamente no depoimento das testemunhas por si arroladas, desvalorizando a prova documental constituída pelo Relatório da Inspecção e documentos que o sustentam em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída e interpretando erradamente o que resultou desses mesmos depoimentos.
Ora, tendo em conta os limites materiais impostos à prova testemunhal, esta não é meio idóneo para contrariar a eficácia da prova assente em suportes documentais e lançamentos que não tenha sido descredibilizada e, por isso, se mostre revestida de eficácia probatória plena - cfr. artºs 392º e 393º, nº 2 do CC, sendo que nesta matéria a actuação da AT bastou-se com a prova legal, prova esta fundada na documentação constante da contabilidade da impetrante, ora recorrida e dos elementos e esclarecimentos que por esta foram disponibilizados no decurso da acção inspectiva, quando instada para tal.
Em conclusão, não se verificando o vício sentenciado, a douta sentença padece de erro de valoração da matéria de facto e de erro de aplicação do direito, devendo considerar-se válidos os actos tributários de liquidação controvertidos e, como tal, manter-se na ordem jurídica, pois, decidindo como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, violando por isso as disposições legais enumeradas, designadamente, as constantes do CC e do CPC, aplicáveis supletivamente por força do art. 2º do CPPT, bem como da alínea g) do nº 1 do artº 42º do CIRC.
Que dizer?
Neste domínio, e para cabal enquadramento da realidade em apreço, importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. de 05-07-2012, Proc. nº 0658/11, www.dgsi.pt, “… O art. 23º do CIRC (Segundo a redacção vigente à data dos factos tributários.) estabelece, no seu nº 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente…”
Por sua vez, segundo o art. 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, “os encargos não devidamente documentados”.
São assim dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
No caso em apreço, está apenas em causa a verificação dos requisitos formais exigidos para a comprovação dos custos e cuja violação implica a sanção da indedutibilidade sobre o rendimento.
As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito) e são estes que normalmente cabem no conceito de “documentos justificativos”, que acompanham todo e qualquer gasto.
Segundo ANTÓNIO MOURA PORTUGAL (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 189.), “Na perspectiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: por um lado, na necessidade de comprovar a efectivação do custo, a sua existência (…); por outro lado, para se aferir a natureza de despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à actividade do sujeito passivo …”
É possível recortar dois tipos essenciais de falhas formais. As primeiras resultam da ocorrência de erro ou vício no lançamento das operações na contabilidade, traduzidas na falta ou vício no registo ou na sua subsunção numa errada rubrica. Neste caso, o documento externo existe e é idóneo, mas verifica-se a incorrecção do respectivo suporte interno. Em relação às segundas, mais complexas, e mais correntes, o problema situa-se ao nível do documento externo que acompanha as transacções e que inexiste ou é insuficiente.
Nesta última situação, a resolução do problema pressupõe, desde logo, que se determine o que deva entender-se por «documento justificativo», uma vez que o CIRC não oferece qualquer noção operativa. Resulta linearmente da lei e do princípio da praticabilidade que informa o direito fiscal que os custos têm de estar devidamente documentados. O problema que a lei não resolve expressamente no âmbito do IRC é o de saber quais as exigências concretas que o conteúdo desse documento deve observar: bastará um simples documento interno ou será preciso uma factura completa?
Em relação ao IVA, a lei impõe a estrita obrigação de emissão de um documento que acompanhe a transacção – a factura - alínea b) do nº 1 do art. 29º do CIVA), incluindo com a concreta previsão dos seus requisitos e elementos integrativos (nº 5 do art. 36º do CIVA).
Assim as facturas são documentos que, nos termos do referido preceito “devem ser datados, numerados sequencialmente” e conter “os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ao prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto” e outros elementos sobre o objecto da transacção, além da taxa aplicável e dos motivos da isenção se for o caso.
Para alguns autores (Cfr. SALDANHA SANCHES, “Custos mal documentados e custos não-documentados: o seu regime de dedutibilidade”, Anotação ao Acórdão do STA de 16 de Fevereiro de 2000, recurso nº 24.133, Fiscalidade, nº 3, Julho de 2000, p. 86.) estas exigências formais embora criadas para o IVA devem aplicar-se «ao conjunto das relações tributárias por corresponderem às boas práticas contabilísticas» e, além do mais, tais «requisitos das facturas são os que permitem à escrita da empresa desempenhar todas as funções como instrumento de registo e de informação verificável que é chamada a desempenhar».
No entanto, segundo outros autores, a noção de «documento justificativo» é mais ampla do que a noção de factura, podendo abranger uma qualquer forma externa de representação da operação, sem as específicas solenidades da factura, “desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)“ (Cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 123 ss.).
TOMÁS CASTRO TAVARES aponta três argumentos que militam a favor desta tese: um literal, outro lógico-sistemático e um teleológico.
Em relação ao elemento literal, “o termo «documento justificativo» (nº 3 do art. 98º do CIRC) é conceitualmente mais lato do que a noção de «factura», cujo regime legal se encontra minuciosamente explicitado (al.b) do nº 1 do art. 28º e nº 5 do art. 35º, ambos do CIVA)”.
Quanto ao elemento sistemático, sendo o CIVA temporalmente anterior ao CIRC, afigura-se óbvio que o legislador do CIRC pretendeu instituir um diferente regime densidade das exigências formais, não tendo enveredado pela equiparação às exigências do CIVA. Por fim, no que respeita ao argumento teleológico, importa salientar que “as exigências formais em sede de IVA resultam das características e dos fins acautelados por esse imposto, quais sejam de uma intervenção poligonal, por incidência financeira do imposto sobre as diversas fases da transacção do bem, conferindo-se aos contribuintes o dever de arrecadação do tributo, por forma a facilitar o respectivo trabalho da Administração Fiscal.” (Ob. cit., p. 124.)
Segundo o mesmo Autor, já no que respeita ao imposto sobre o rendimento não se justificam exigências formais tão severas, pressupondo-se, em regra, para efeitos de dedutibilidade dos custos fiscais em IRC, “a feitura de um documento justificativo (suposto externo, com a menção das características fundamentais da operação), competindo à Administração Fiscal a prova da sua inexactidão ou da inexistência (total ou parcial) da relação subjacente.
Em suma, apesar de menos exigente, o Autor conclui que a dedutibilidade fiscal dos custos pressupõe, por regra, um suporte formal com uma certa densidade.
Outra questão é a de saber se quando uma dada transacção não se suporta num documento externo, ou o mesmo for incompleto, se se deve concluir liminarmente pela preclusão da dedutibilidade do custo ou, pelo contrário, se deve ainda assim admitir prova da operação mercantil.
E aqui o mencionado Autor acaba por admitir que se por exigência do princípio da capacidade contributiva os custos ainda que não documentados contribuem para o apuramento do rendimento, desde que o contribuinte alegue e demonstre a existência e montante do gasto, “(…). Consequentemente, não se pode recusar a dedutibilidade de um gasto, quando o mesmo se encontre suficientemente demonstrado por outros oportunos meios de prova devidamente aduzidos pelo contribuinte (a quem passa a caber o respectivo ónus)”.
Assim, refere o Autor que estamos a seguir, que ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção.
Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto”.
Também RUI DUARTE MORAIS (Cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp.70-80.), sem deixar de afirmar que tem de existir sempre um documento, “ainda que “imperfeito” ou “outro” que não aquele que normalmente deveria existir (p. ex., uma “nota” de lançamento elaborada pelo próprio sujeito passivo)”, admite “que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”.
Por sua vez, FREITAS PEREIRA (Cfr. “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.) considera que a inexistência de documento externo exigido para determinada operação afecta o valor probatório da contabilidade e que tal falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. Justificando esta ilação pondera o referido Autor que “o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir-se um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos. (…) Dito de outro modo: a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.”
Em suma, resulta do exposto que, em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação.
Em relação à jurisprudência deste Supremo Tribunal, ficou consignado no Acórdão de 8/7/1999, proc nº 23535, que “Os requisitos das facturas, constantes do artigo 35º, nº 5, do CIVA, não são exigências de validade formal das facturas para efeitos de IRC, mas apenas para efeitos de dedução do IVA, nos termos do artigo 19º, nº 2, do CIVA”.
Por outro lado, como vimos, na ausência de documento externo, que comprove o custo em causa, alguma doutrina vai no sentido de admitir a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção. A este propósito constitui também jurisprudência do STA (Cfr. o Acórdão de 27/9/2000, recurso nº 25033.) de que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. …”.
De acordo com o probatório, no âmbito da inspecção “procedeu-se à análise dos registos de compras e respectivos documentos de suporte, tendo-se detectado um número elevado de aquisições cuja contabilização se encontrava apoiada em mero documento interno” (cf. relatório), tendo depois a AT valorizado que os documentos encontrados em sede inspectiva “não contêm todos os elementos que são exigidos pelo art. 35º do CIVA, com especial relevo para a designação completa dos fornecedores, respectivo domicílio e nº de identificação fiscal, contendo apenas: designação abreviada do fornecedor; morada imprecisa, nalguns casos o nº BI do fornecedor; quantidades e natureza dos bens e preço” (cf. relatório) e “também não existia qualquer elemento extra-contabilístico que acessoriamente pudesse conduzir à identificação do fornecedor, verificando-se, ainda, que o pagamento destas aquisições era, por regra, a dinheiro, conduzindo, também por estes factos, à impossibilidade de conhecimento do beneficiário dos pagamentos” (cf. relatório), de modo que, após notificação da impugnante para proceder à identificação dos fornecedores/vendedores e análise dos elementos por si apresentados concluindo-se que “mantendo-se imprecisões quanto aos respectivos nomes e moradas, já que estes elementos não se apresentavam completos, surgindo mesmo, para o mesmo NIF, indicações diferentes. Relativamente aos restantes fornecedores incluídos na base de dados, verifica-se que, na sua quase totalidade, para além de permanecerem as insuficiências assinaladas para nomes e moradas, só é mencionado o nº do BI. Verificando-se que alguns NIF indicados se apresentavam errados e, portanto, inválidos, foram efectuadas as diligências possíveis para detectar o NIF correcto, o mesmo tendo sido realizado quanto aos fornecedores de que não havia sido indicado qualquer NIF” (cf. relatório), pelo que, em sede inspectiva, considerou-se como custos indevidamente documentados todas as situações em que o SP não forneceu, após o decurso do prazo concedido para o efeito, o NIF dos fornecedores que figuram no documento interno (cf. relatório).
Com este pano de fundo, a sentença recorrida ponderou que:
“…
In casu, temos a prova - talões internos - devidamente escorada pelo depoimento das testemunhas que declararam que efectivamente as compras eram feitas aos pequenos vendedores que se identificavam com os elementos que constam do ditos talões reconhecendo os talões que se mostram juntos aos autos, como aqueles que emitiam a cada um dos vendedores ali identificados.
A própria AT não pôs em crise a materialidade das operações, apenas criticou o formalismo dos documentos apresentados.
À Administração cumpria apenas, tendo em conta o princípio da legalidade
Administrativa e em termos correspondentes ao disposto no art. 342° do Cód. Civil, o
ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação,
seja, dos pressupostos legais da sua actuação. E, ao invés, ao contribuinte cabia provar a
existência dos factos tributários que alegou como fundamento de seu direito, seja, a
efectiva existência das alegadas transacções.

Feita a prova de que efectivamente as vendas foram realizadas e, como tal, efectivamente ocorreram aqueles custos os mesmos têm de ser considerados, neste sentido cf. Ao do TCA-Norte, Processo n°00129/01 de 21-09-2006 que refere: “Para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC admite-se que a prova das despesas contabilizadas como custos seja feita por qualquer prova documental, designadamente por documentos internos, desde que a veracidade da operação subjacente seja assegurada por outros meios de prova, pois o que releva para efeitos da comprovação e relevação fiscal de determinada despesa e essencialmente, a comprovação da sua efectiva realização por parte do sujeito passivo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, tal como resulta do preceituado no art. 23º do CIRC”. …”
Pois bem, neste domínio, o probatório informa que:
“h) A sucata era adquirida por particulares que apareciam no armazém da impugnante, na Rua do Bonfim, com pequenas quantidades de cobre, latão etc., que recolhiam nas lixeiras (cf. depoimento da testemunha José Augusto Pinto Vinagre, A... e M...).
i) Para as compras referidas em h) era emitido um talão com duplicado onde era escrito o nome do vendedor, morada, nº cartão de identidade, morada, peso, tipo de material e valor (cf. depoimento de José Augusto Pinto Vinagre, A...).
j) As aquisições referidas em h) eram comunicadas à Polícia Judiciária através de mapas elaborados semanalmente (cf. depoimento de A... e M...).
k) Os talões emitidos eram pagos em dinheiro (cf. depoimento da testemunha A...).
l) A AT, aquando da inspecção, assistiu às aquisições nas instalações da impugnante e aos procedimentos tidos pela impugnante neste tipo de aquisições (cf. depoimento da testemunha E… e M…).
m) Os mapas de fls. 41 a 47 foram elaborados pela testemunha M....
n) Os talões de compra de fls. 31 a 40 dos autos que as testemunhas da impugnante reconheceram mediante o confronto com os mesmos.”
Neste domínio, e antes de mais, quanto ao valor probatório do RIT, cabe notar que o art. 76º nº 1 da LGT aponta que “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”, sendo que o art. 115º nº 2 do CPPT dispõe que “as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos”, respeitando a aludida fundamentação a elementos objectivos e exteriores que comprovam as asserções produzidas pela inspecção tributária.
Por outro lado, o valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de directa violação do art. 20º nº 4 da CRP, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade (due process of law), o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo art.º 98.º da LGT, de modo que, com este enquadramento, não sendo o relatório impugnado, este passa a ter força probatória plena, sendo que em caso de impugnação, importa analisar as provas oferecidas pelo Impugnante no sentido de colocar em crise a informação vertida no RIT.
Com este ponto de partida, e tendo presente o aresto acima apontado, embora não se acompanhe a leitura da Recorrente no que concerne à virtualidade do exposto no RIT e à forma como se pode discutir a matéria em apreço, crê-se que a matéria vertida no probatório é insusceptível de suportar a solução assumida pelo Tribunal recorrido.
Efectivamente, aquilo que se mostra apurado é o procedimento adoptado pela ora Recorrida no que concerne às compras descritas, sendo que a matéria apurada respeita a quaisquer operações nesse âmbito, sendo que, no caso em análise, aquilo que está em causa é o conjunto de operações correspondentes aos custos indevidamente documentados.
Tal significa que, embora se entenda que, na ausência de documento externo, que comprove o custo em causa, tem de ser admitida a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, o que implica a clara definição das operações em causa e a produção da necessária prova no sentido de ultrapassar a dificuldade apontada relacionada com a falta de documento externo, comprovando o respectivo custo.
Isto para dizer que, em função da posição assumida pela AT, foram desconsideradas um conjunto de operações que a ora Recorrida necessariamente teria de demonstrar, uma a uma, por forma a habilitar a proferir a afirmação vertida na decisão recorrida, a qual, nas condições actuais, não tem suporte no respectivo probatório.
Neste ponto, não podemos deixar de reconhecer o exposto pela Recorrente quando defende que a douta sentença extrapolou de factos genéricos (procedimentos tidos pela impugnante neste tipo de aquisições) factos concretos (as operações concretamente em causa e relativamente às quais não se encontram identificados os respectivos fornecedores).
Aliás, na própria petição inicial, nota-se que a alegação produzida parte da afirmação da actuação da Impugnante para tentar abranger toda a sua actuação, situação que porventura terá contaminado a posição do Tribunal recorrido no momento do apuramento da factualidade em apreço; porém, como se disse, mais do que isso, o que está em causa é a comprovação das operações que a AT renegou por estarem em causa encargos não devidamente documentados.
Para evidenciar o exposto, basta atentar que o probatório tem por assente os talões de compra de fls. 31 a 40 dos autos que as testemunhas da impugnante reconheceram mediante o confronto com os mesmos, mas não se sabe se esses talões respeitam às tais operações desconsideradas ou são meros exemplos do procedimento em geral da ora Recorrida.
Nesta medida, resulta elementar que, ao proceder ao enquadramento da situação em apreço, cabia à ora Recorrida desenhar todo o processo em apreço, especificando as principais características de cada uma das transacções em causa.
Nesta sequência, a realidade vertida no probatório não consegue, só por si, comprovar a realidade que se pretendia demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência às compras em análise e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura do conjunto de situações discutidas nos autos.
Assim, não se vislumbra nos elementos alinhados a virtualidade de permitirem outro tipo de leitura da realidade em apreço, dado que, falta a necessária consistência ao exposto, que tinha ser enquadrado através da prova dos custos apontados relacionados com as compras contratadas e das condições acordadas, situação depois evidenciada através da prova produzida nos autos.
Deste modo, ainda que, como se disse, se admita a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, e na medida em que a ora Recorrida não fez prova de tais elementos, só podemos apontar e aceitar o procedimento da AT de considerar que não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, “os encargos não devidamente documentados”, pois que só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente (com documentos emitidos nos termos legais) forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …” - cfr. art. 23º nº 1 do CIRC.
Nesta medida, tem de entender-se que a sentença recorrida procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, pelo que incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar improcedente a presente impugnação judicial.
Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias.
Notifique-se. D.N..
Porto, 14 de Julho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves