Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00099/09.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2011
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
PARÂMETROS DE AVALIAÇÃO
ASSIDUIDADE E EMPENHO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
SEPARAÇÃO DE PODERES
Sumário:I. Não poderá manter-se a interpretação de parâmetro de avaliação de desempenho que conduza a uma aplicação injusta e desproporcional do mesmo;
II. Quando a classificação do avaliado, nesse parâmetro de avaliação impugnado, se traduzir em mera operação aritmética decorrente da correcta interpretação do mesmo, a sua fixação pelo tribunal nada contende com o princípio da separação de poderes.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:11/04/2010
Recorrente:Ministério da Educação
Recorrido 1:A...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Ministério da Educação [ME] interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – em 29.07.2010 – que decidiu anular o acto de avaliação de desempenho da docente A…, relativo ao período de 29.01 a 27.07.2008, e condenar o réu a notá-la com a classificação de «Excelente» relativamente ao parâmetro A.2 da ficha de avaliação, com todas as consequências legais – a sentença recorrida culmina acção especial em que o Sindicato… [S…], em representação da associada A…, demanda o ME formulando ao TAF de Coimbra o pedido que acabou sendo deferido.
Conclui assim as suas alegações:
1- O tribunal a quo não apreciou questões prévias que, por serem de conhecimento oficioso, deveriam ter sido consideradas mesmo sem terem sido invocadas pelas partes - no caso, a ilegitimidade do demandante - sendo nula a sentença;
2- Do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas [aprovado pela Lei nº59/2008 de 11.01] no nº2 do artigo 310º dimana que a defesa colectiva de interesses individuais traduz-se na defesa em conjunto, simultânea, de interesses ou direitos correspondentes a uma pluralidade de trabalhadores, não se prevendo que aos sindicatos assista legitimidade para a defesa em tribunal de um interesse individual de um único trabalhador;
3- Esta posição foi sufragada pela jurisprudência, designadamente do AC STA de 04.03.2004, Rº01945/03, e AC STA de 03.11.2004, Rº02018/03;
4- Nos autos há 2 realidades distintas a saber: por um lado, o factor assiduidade por parte da docente, por outro, o empenho para a realização de todas as aulas previstas, com o sentido e alcance constantes de folhas 7 do PA;
5- Sub judice, está exclusivamente em causa o empenho para a realização de todas as aulas previstas e nada mais, ou seja o parâmetro A.2, com o sentido e alcance previsto no item A.2.1. a saber:
A.2 – Empenho para a realização da totalidade das aulas previstas
A.2.1 Compensações, permutas, preparação das substituições [compensou a aula, promoveu a permuta, entregou o plano de aula];
6- Do texto do A.2 resulta que o empenho para a realização da totalidade das aulas previstas, com o recurso a compensações, permutas, preparação das substituições [compensou a aula, promoveu a permuta, entregou o plano de aula] se reporta, exclusivamente, ao empenho da docente tendente à realização da totalidade das aulas previstas no que concerne às aulas/tempos em que o docente faltou e só a estes;
7- Ou seja, o empenho a que se refere o parâmetro A.2 reporta-se, exclusivamente, ao interesse demonstrado pelo docente em minimizar os prejuízos dos alunos, relativamente aos tempos em que faltou, e não, também, aos tempos em que ministrou aulas, pois, relativamente a estas últimas não há nada para compensar, para permutar e/ou para preparar substituições;
8- Se no parâmetro A.2 se incluíssem também as aulas dadas pelos docentes uma vez que o mesmo se reporta exclusivamente a compensações, permutas, preparação das substituições, os docentes relativamente às aulas que efectivamente ministrassem, incongruentemente, seriam avaliados pelo empenho em efectuar compensações, permutas e/ou substituições!
9- Se um docente faltou a 15 tempos por razões sindicais e apresentou relativamente a 13 o plano de aula e/ou procedeu a compensações, resulta que se empenhou para que, pelo menos em 13 tempos, os alunos não fossem prejudicados, não obstante, em termos de assiduidade [A.1] tais faltas consubstanciarem serviço efectivo;
10- Se um docente faltou a 2 tempos e nada faz para minimizar os prejuízos que daí possam advir para os alunos, no parâmetro A.2 - Empenho para a realização da totalidade das aulas previstas A.2.1 Compensações, permutas, preparação das substituições [compensou a aula, promoveu a permuta, entregou o plano de aula], terá de ser avaliado com 1 na escala de 1 a 5, pois nada fez;
11- O acto impugnado não enferma de qualquer vício, nem por violação da lei, nem por erro na interpretação do despacho nº16872/08 de 23.06;
12- No entanto, caso a posição da Administração fosse susceptível de sindicância judicial, o tribunal teria obrigação de proferir um decisão que não colidisse com o princípio da separação de poderes, deixando à Administração o poder/dever de executar a decisão - no caso, avaliar a docente, no parâmetro impugnado de acordo com as directrizes jurisdicionais - nunca condenar a entidade demandada « a notar a associada do autor com a classificação de Excelente» no parâmetro sub judice;
Normas jurídicas violadas: conforme se disse supra, com o devido respeito, a decisão recorrida infringiu o disposto nos preceitos legais a saber: artigos 89º nº1 alínea d), 87º nº1 alínea a), 95º nº1, do CPTA, 660º nº2, e 668º nº1 alínea d), do CPC, 310º nº2 do RCTFP, e Despacho nº16872/08 de 23.06.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.
O S… não apresentou quaisquer contra-alegações.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].
De Facto
São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:
1- No ano lectivo 2007/2008 a associada do autor exerceu funções nos sobreditos escola e agrupamento como professora contratada do 3º ciclo do ensino básico, grupo de docência 330, desde Janeiro de 2008 até 31 de Agosto do mesmo ano;
2- Foi submetida a uma avaliação de desempenho relativamente ao período de 29.01.2008 a 27.07.2008 pelo PCE do agrupamento, ao abrigo do DR nº2/2008 de 10.01, mediante o preenchimento, pela avaliadora, da ficha de avaliação [cuja cópia constitui folhas 50 e seguintes dos autos, dada por reproduzida], quanto aos parâmetros e sob o ponto de vista dos parâmetros constantes da mesma ficha, elaborada, a ficha, e estabelecidos, os parâmetros, de acordo com os anexos ao Despacho nº16872/2008, de 23.06;
3- Eram os seguintes, os sobreditos parâmetros:
A.1 – Grau de Cumprimento do Serviço lectivo; A.2 – Empenho para a realização da totalidade das aulas previstas; A.3 – Apoio às aprendizagens dos alunos – grau de cumprimento do serviço; A.4 – Serviço não lectivo – Grau de Cumprimento do Serviço na componente não lectiva;
4- Nos termos expressos da ficha de avaliação, a classificação quantitativa dos parâmetros ia de 1 a 5 e a qualitativa de Insuficiente a Excelente, correspondendo a nota qualitativa de Insuficiente à quantitativa de 1 ponto, a de Regular à de 2, a de Bom à de 3, a de Muito Bom à de 4 e a de Excelente à de 5;
5- A docente foi avaliada do seguinte modo, quanto aos sobreditos parâmetros: A.1 – Muito Bom; A.2 – Insuficiente; A.3 – Excelente e Muito Bom, A.4 – Excelente;
6- A fundamentação de tais notações encontra-se na respectiva ficha de avaliação [folha 50 dos autos], sendo que quanto ao parâmetro A.1 considerou a avaliadora que fora cumprido 99,6% do serviço lectivo, o que, segundo os referidos anexos, equivalia a Muito Bom;
7- A fundamentação da notação de insuficiente quanto ao parâmetro A.2 era a seguinte: “No seguimento da ausência a três tempos lectivos deviam ter sido entregues os respectivos planos de aula, o que não ocorreu, não tendo, assim, sido cumpridas as directrizes em vigor”;
8- Em consequência desta classificação a associada da autora não foi além da classificação global de Bom [ver nº11 do anexo XVI ao despacho nº1687/08 de 23.06];
9- A docente reclamou da avaliação efectuada pelo avaliador, na parte vinda a referir, para a Comissão de Avaliação do Pessoal Docente do Agrupamento de Escolas [conforme requerimento datado de 08.08.2008 cuja cópia constitui o documento 2 da petição inicial e aqui se dá como reproduzido];
10- Por deliberação de 25.08.2008 foi indeferida a reclamação e mantida a nota de insuficiente no parâmetro A.2, desta feita com a seguinte fundamentação:
“A docente não é obrigada de facto a entregar planos de Aula, fazer permutas ou compensações, nos casos que refere. No entanto, o que está em avaliação é o empenho para a realização da totalidade das aulas previstas, o que não se verificou”;
11- Desta decisão interpôs a avaliada recurso hierárquico para o Director Regional de Educação do Centro, invocando o artigo 26º do DL nº2/2008 de 10.01 [conforme cópia do respectivo requerimento a folhas 60 a 63 dos autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido] terminando por pedir que se alterasse a valoração atribuída ao parâmetro A.2 para excelente, com a consequente alteração da nota final;
12- Tal recurso foi indeferido pelo despacho impugnado, emitido em 27.10.2008 mediante homologação do parecer [cuja cópia é folhas 36 a 43 do PA e aqui se dá como reproduzido], o qual concluía do seguinte modo:
III. CONCLUSÃO:
11. Tendo em conta que são consideradas ausências equiparadas a prestação efectiva de serviço as faltas dadas por conta das férias, ao abrigo do artigo 102° do ECD, e as faltas dadas para o exercício de actividade sindical, nos termos do DL n°84/99, de 19.03, é nosso entendimento que o grau de cumprimento do serviço lectivo prestado pela ora recorrente foi de 100%, pelo que o parâmetro relativo à assiduidade [parâmetro A1], será de Excelente.
12. Relativamente ao parâmetro A.2 – EMPENHO PARA A REALIZAÇÃO DA TOTALIDADE DAS AULAS PREVISTAS:
12.1. A ora recorrente, no que concerne a este parâmetro, não distingue a não obrigatoriedade de entrega de plano de aula, do empenho que deveria ter demonstrado na realização da totalidade das aulas previstas.
12.2. Note-se que o que está em avaliação é o empenho na realização de todas as aulas previstas e não outros parâmetros, nomeadamente a assiduidade e/ou a obrigatoriedade de apresentação de um plano de aula.
12.3. Ainda que a ausência de qualquer mecanismo de compensação da falta dada ao abrigo do artigo 102° do ECD, não relevasse para este parâmetro, a não compensação dos restantes 2 tempos lectivos, resultantes das faltas dadas para o exercício de actividade sindical, devem relevar, pelo que sempre seria de manter a menção de Insuficiente.
12.4. Assim, é de manter a menção de Insuficiente.
13. Face ao acima exposto e traduzindo a alteração efectuada ao parâmetro A.1, o resultado final é de 7,33, sendo que, a correspondente avaliação final é a menção qualitativa de Bom.
14. Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, sem prejuízo da alteração efectuada ao parâmetro A.1 - de Muito Bom para Excelente.
13- No período sob avaliação a associada do autor apenas esteve ausente a 3 períodos lectivos de 45 minutos, 2 deles devido ao exercício de actividade sindical e 1, no último dia de aulas do ano, por ter sofrido indisposição súbita, falta que a docente justificou recorrendo ao artigo 102º do ECD [falta por conta do período de férias].
Nada mais foi dado como provado.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. O sindicato autor da acção administrativa especial pediu ao TAF, em representação da docente, sua associada, A, que anulasse o acto de avaliação do desempenho desta, relativo ao período de 29.01.2008 a 27.07.2008 [ano lectivo 2007/2008], e realizado nos termos do Decreto Regulamentar nº2/2008 de 10.01, na parte respeitante ao ponto A.2 dos respectivos parâmetros de avaliação, que tem por objecto o «empenho para a realização da totalidade das aulas previstas», e no qual lhe foi atribuída a classificação de «Insuficiente» que determinou a notação global de «Bom», e que condenasse o réu ME à prática do acto devido, ou seja, a classificá-la no referido ponto dos parâmetros de avaliação com a qualificação de «Excelente» ou pelo menos de «Muito Bom».
O objecto imediato da impugnação é o despacho de 27.10.2008 da Directora Regional Adjunta de Educação, que, nessa parte, indeferiu o recurso hierárquico em que a docente A pôs em causa a deliberação de 25.08.2008 da Comissão de Coordenação de Avaliação do Pessoal Docente do Agrupamento de Escolas, que lhe tinha indeferido a reclamação apresentada da avaliação de 24.07.2008 efectuada pelo Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento.
Para o efeito, o autor alegou que a classificação de «insuficiente» atribuída naquele ponto A.2 dos parâmetros de avaliação desrespeita os artigos 55º nº1 da Constituição da República Portuguesa [CRP], 5º nº1 do DL nº84/99 de 19.03 [assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício. Foi revogado, a partir de 01.01.2009, pela Lei 59/2008, de 11.09], e 103º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário [na versão dada pelo DL nº15/2007 de 19.01].
O TAF de Coimbra julgou improcedentes as invocadas violações de lei, mas acabou por anular o acto de avaliação da professora A, por entender que a classificação de «insuficiente» que lhe foi atribuída no ponto A.2 dos parâmetros de avaliação viola os princípios da justiça e da proporcionalidade [artigos 6º e 5º nº2 do CPA], e condenou o réu ME a classificá-la, quanto a esse ponto, de «excelente».
Desta sentença discorda o réu ME que, enquanto recorrente, lhe imputa uma nulidade e erro de julgamento de direito.
Ao conhecimento dessa nulidade e desse erro se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional.

III. O recorrente começa por apontar uma nulidade à sentença recorrida: omissão de pronúncia sobre a questão da legitimidade, ou não, do sindicato autor, para intentar a acção administrativa especial em representação da sua associada A [artigo 668º nº1 alínea d) do CPC supletivamente aplicável ex vi 1º do CPTA].
É que, apesar de não ter sido suscitada nos autos esta questão da legitimidade do sindicato para vir representar a sua associada na defesa de um seu interesse individual, o réu ME entende que, face a alguma jurisprudência que invoca [AC STA de 04.03.2004, Rº01945/03, e AC STA de 03.11.2004, Rº02018/03], o tribunal a quo devê-lo-ia ter feito oficiosamente.
Mas carece totalmente de razão.
Em primeiro lugar, porque não é verdade que o tribunal a quo tenha omitido a questão da legitimidade do autor. Verificamos que a decidiu no despacho saneador [folha 96 dos autos], muito embora de forma tabelar: as partes são legítimas. Apesar desta forma lacónica, se o TAF não viu razões para problematizar a legitimidade do sindicato autor, o certo é que não tinha de o fazer só para sossegar o eventual silêncio apreensivo do réu.
Em segundo lugar, e arremetendo no próprio sumo da alegação do réu, porque aquela decisão do TAF, embora tabelar, corresponde ao entendimento que vem sendo ultimamente sufragado pela nossa jurisprudência [ver, quanto a este tribunal, AC TCAN de 13.07.2006, Rº00324/05; AC TCAN de 11.01.07, Rº1128/06; AC TCAN de 01.03.2007, Rº1927/04; AC TCAN 17.05.07, Rº172/06; AC TCAN de 13.09.07, Rº1127/06; AC TCAN de 11.10.2007, Rº720/05; AC TCAN de 18.10.2007, Rº01239/06; AC TCAN de 27.05.2010, Rº02517/08; AC TCAN de 08.09.2010, Rº344/10; AC TCAN de 23.09.2010, 73/04; e AC TCAN de 15.10.2010, Rº49/10. Relativamente ao TCAS, ver AC TCAS de 25.05.06, Rº01502/06; AC TCAS de 28.09.06, Rº01684/06; AC TCAS de 25.01.07, Rº02057/06; e AC TCAS de 30.01.07, Rº02095/06. E, relativamente ao STA, ver AC STA de 06.02.2003, Rº1785/02; AC STA de 22.10.2003, Rº655/03; AC STA/Pleno de 06.05.2004, Rº1888/03; AC STA de 25.05.2004, Rº61/04; AC STA de 21.09.2004, Rº1970/03; AC STA de 07.10.2004, Rº47/04; AC STA de 28.04.2005, Rº0271/05; AC STA/Pleno de 05.07.2005, Rº0190/04; AC STA/Pleno de 06.10.2005, Rº01887/03; AC STA/Pleno de 25.10.2005, Rº01945/03; AC STA/Pleno de 06.12.2005, Rº02018/03; AC STA/Pleno de 02.03.2006, Rº0461/05; e AC STA/Pleno de 29.03.2007, Rº89/07-20].
Daí, portanto, que o TAF não tenha problematizado, ex officio, a questão da legitimidade do sindicato autor para defender o interesse individual da sua representada.
Ao não o fazer, não incorreu em omissão, e muito menos numa omissão relevante para efeitos de nulidade. Apenas seguiu a linha de jurisprudência dominante sobre o assunto. E fez bem.
Passemos ao erro de julgamento de direito.
Note-se, a este propósito, que as duas teses que alimentaram o litígio estão, neste momento, perfeitamente ultrapassadas.
Efectivamente, decidiu-se na sentença recorrida que o facto de ter sido relevado para efeitos do ponto A.2 dos parâmetros de avaliação que a docente A não compensou, permutou, ou entregou plano de aula, visando uma efectiva substituição, aquando das duas faltas dadas para exercício de actividade sindical, não contende nem com o princípio da liberdade sindical [55º nº1 da CRP] nem com a tutela que do mesmo é feita nos artigos 5º nº1 do DL 84/99, de 19.03, e 103º do respectivo ECD. Isto porque, no caso do ponto A.2, ao contrário do que acontece no ponto A.1 dos parâmetros da avaliação, não está em causa a assiduidade da docente, que a ela respeita, mas antes o seu efectivo empenho em que todas as aulas previstas sejam leccionadas, o que já respeita, sobretudo, ao interesse dos alunos.
A esta decisão judicial as partes não reagiram.
Porém, o TAF, alargando o objecto do seu conhecimento, à luz do artigo 95º nº2 do CPTA, e mesmo sem o invocar, passou a aferir da legalidade da classificação atribuída à professora A no dito ponto A.2, mas agora na perspectiva dos princípios da justiça e da proporcionalidade [artigos 6º e 5º nº2 do CPA].
E fê-lo assim:
[…] Já, porém, a aplicação da nota de insuficiente por via de tal relevância se afigura eivada de violação de lei, pois que releva de uma interpretação da descrição do parâmetro em causa que o tribunal não secunda, pois resulta numa violação de princípios que regem toda a actividade da administração, designadamente os da justiça e da proporcionalidade, plasmados nos artigos 6º e 5º nº2 do CPA. Vejamos:
Como se pode ver na ficha de avaliação, a nota de insuficiente corresponde à nota 1 numa escala de 1 a 5. E a nota de insuficiente foi atribuída por se entender que a avaliada não lograra a realização alternativa de qualquer dos dois tempos lectivos a que faltou, ou seja não logrou a realização de ao menos 70% dos tempos lectivos a que faltou.
Na verdade é este o raciocínio valorativo que a ficha de avaliação, nesta parte assumida pela decisão impugnada, revela ter sido o do autor do acto impugnado: - A autora deu duas faltas a períodos de 45 minutos, susceptíveis de serem compensados ou supridos com recurso a permuta de horários ou à entrega prévia de plano de aula. Não o fez quanto aos dois períodos, ou seja, recuperou 0% das aulas, pelo que a sua notação num parâmetro cujo objecto é o empenho na realização de todas as aulas previstas tem de corresponder a uma recuperação de menos de 70%, ou seja, 1 valor, a que corresponde a nota qualitativa de insuficiente.
Se dermos de barato que este raciocínio interpreta correctamente a definição do parâmetro A2 de avaliação, não haverá dúvida de que a decisão impugnada é inatacável.
Logo numa hábil abordagem, sem se sindicar o acerto do raciocínio do avaliador, não se consegue evitar certa perplexidade perante o facto de ser classificado como insuficiente o empenho da docente em realizar todas as aulas previstas, quando de 259 aulas previstas apenas não se realizaram três, ou seja, realizaram-se 98,84% das aulas previstas. Não se pode ignorar, com efeito, na avaliação da docente quanto a este parâmetro, que ela teve uma assiduidade de facto - não apenas de direito, pois esta foi de 100% - de 98,84%. Neste sentido, ela empenhou-se em que as aulas previstas fossem efectivamente dadas. Por isso, é redutor e injusto considerar que a avaliada teve uma falta de empenho de 100%, como pressupõe o autor do acto impugnado.
Note-se o absurdo onde nos pode levar o raciocínio em crise: se tivesse faltado, para exercer actividade sindical, a 15 horas, correspondentes a bem mais do que 15 tempos lectivos, e compensado ou apresentado o plano de aula quanto a 13 deles, a docente, apesar de ter deixado por compensar os mesmos tempos lectivos que no nosso caso deixou, teria a notação correspondente a 87% no parâmetro A2, correspondente a Bom, sem que a pontuação da assiduidade, note-se, sofresse alteração…
Não se diga que uma relevância da percentagem de aulas dadas para efeito da avaliação deste parâmetro conduz a uma identidade entre assiduidade e empenho, A1 e A2. Não é assim, pois uma coisa é a assiduidade de jure, para a qual entram as faltas em causa, bem como outras, e que releva para o parâmetro A1; outra coisa é a quantidade de aulas efectivamente realizadas, seja por não se ter faltado, seja por se ter activado os meios legais disponíveis para evitar que essas aulas ficassem por realizar.
Assim, e em conclusão, entendo que a percentagem de aulas efectivamente dadas, haverá de relevar na interpretação do parâmetro A2, pelo que, ao ignorar que a docente leccionara 256 das 259 tempos lectivos previstos, o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por erro de interpretação do sobredito despacho nº16872/08 de 23.06, designadamente do nº15 do anexo XVI, na interpretação que desta norma regulamentar haverá de ser feita em respeito dos princípios da justiça e da proporcionalidade, pelo que, pelo menos nesta parte, haverá de ser anulado. […]
O recorrente ME defende ser errado este julgamento, pois que no ponto A.2 dos parâmetros de avaliação está exclusivamente em causa o empenho para a realização de todas as aulas previstas, e nada mais, sendo que esse empenho se reporta apenas às diligências realizadas pela docente visando compensações, permutas, e planos de aula, de modo a permitir que a sua ausência não se reflicta numa falta de lição efectiva aos alunos. Ou seja, no ponto A.2 afere-se só esse interesse da docente em minimizar o prejuízo dos alunos, motivo pelo qual não fará sentido levar em conta, também, as aulas efectivamente dadas.
Mas, cremos que não lhe assiste razão.
Na verdade, muito embora entendamos a perspectiva defendida pelo recorrente, temos por certo, na linha da sentença recorrida, que a consideração da totalidade das aulas previstas se patenteia como indispensável para que o parâmetro de avaliação A.2 possa conduzir a uma avaliação justa, imparcial, e proporcional.
É o seguinte, esse parâmetro de avaliação:
A.2 – Empenho para a realização da totalidade das aulas previstas
A.2.1 – Compensações, permutas, preparação das substituições [compensou a aula, promoveu a permuta, entregou plano de aula]
Indicadores de Medida:
- Cumpriu as directrizes em menos de 70% - 1
- Cumpriu de 71% a 80% - 2
- Cumpriu entre 81% e 90% - 3
- Cumpriu entre 91% e 95% - 4
- Cumpriu entre 96% e 100% - 5
Notas: 1- Insuficiente; 2- Regular; 3- Bom; 4- Muito Bom; 5- Excelente.
No âmbito de aplicação do mesmo, foi atribuída à docente A a classificação de «insuficiente» por ausência a dois períodos lectivos, de 45 minutos, devido a exercício de actividade sindical, sem que tivesse diligenciado pela compensação ou permuta dos mesmos, ou apresentado plano de aula para efectiva substituição.
Na perspectiva do recorrente, dado que a docente não mostrou empenho nos dois casos, só poderia ter um indicador de medida de mais de 70% [pois perfazia 100%], e portanto, notação de 1, que equivale a «insuficiente».
Só que esta interpretação e aplicação do parâmetro de avaliação surge como perversa, pois conduz, claramente, a injustiças relativas, motivadas por classificações desproporcionadas. Basta pensar que no caso da ausência a uma única aula, sem ter havido manifestação de empenho na sua respectiva realização, estamos perante a notação de 1, e a classificação de «insuficiente», e no caso de 100 ausências a aulas, mas tendo havido manifestação de empenho na realização de 81 delas, estamos perante a notação de 3, e a classificação de «Bom». Isto, apesar de no primeiro caso ter havido um único incumprimento de empenho, e no segundo ter havido 19 [!].
A interpretação do parâmetro de avaliação A.2 que foi realizada pelos serviços do réu não poderá, portanto, manter-se, por conduzir a uma aplicação injusta e desproporcional do mesmo, devendo, antes, ser tomada em consideração a totalidade das aulas previstas que, no caso, era de 259.
Assim sendo, se o empenho na realização efectiva de todas as 259 aulas se cumpriu em 257 casos, de aulas efectivamente leccionadas pela docente, temos que houve uma percentagem de empenho de 99,22% contra uma falta de empenho de 0,77%. Resultado que, face aos indicadores de medida a considerar, apenas poderá corresponder à notação 5, e classificação de «excelente».
Tratar-se-á, pois, de mera operação aritmética, cuja realização pelo tribunal nada contende com o princípio da separação de poderes, na medida em que, brotando da interpretação considerada correcta do parâmetro de avaliação A.2, que é um assunto jurídico, se impõe no plano do caso concreto de uma forma vinculada.
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, por não padecer de nulidade nem de erro de julgamento.
DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com redução a metade da taxa de justiça artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ.
D.N.
Porto, 27.05.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho