Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00880/17.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; DL 59/2015, DE 21 DE ABRIL - ARTIGO 2º/8
Sumário:
I-É incontornável que era intenção do legislador, no artigo 2º/8 do DL 59/2015, limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho;
I.1-no caso concreto os créditos foram reclamados fora do âmbito temporal estabelecido no nº 8 do artº 2º do citado DL 59/2015. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FJMR
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
FJMR, residente na Rua E…, Senhora da Hora, Matosinhos, instaurou acção administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial, I.P., com sede na Avenida Manuel da Maia, nº 58, Lisboa, peticionando a condenação deste a proferir decisão que defira o pedido de pagamento dos créditos por si reclamados, conforme emerge da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
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Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.ª Em 04/09/2015, o contrato de trabalho celebrado entre o ora recorrente e a sua ex-entidade empregadora insolvente cessou; em 27/11//2015, foi requerida a insolvência da ex-entidade empregadora do recorrente; em 13/01/2016, foi proferida sentença que declarou a insolvência; em 01/02/2016, o ora recorrente reclamou o seu crédito junto do AI e enviou-lhe o Mod.º GS 1/2015 – DGSS para certificação; em 30/05/2016, o recorrente foi notificado, pelo AI de que o seu crédito não havia sido reconhecido na totalidade, não lhe tendo sido enviado o dito Mod.º GS 1/2015 – DGSS retificado pelo AI; 02/06/2016, ora recorrente apresentou uma impugnação da lista de credores reconhecidos, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 130.º do CIRE; em 20/07/2016, o AI respondeu à referida impugnação; e em 21/05/2018 foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação do ora recorrente.
2.ª Durante mais de 3 anos que a atividade processual do ora recorrente foi intensa, não lhe podendo ser imputada qualquer inércia.
3.ª É, por demais, evidente que nada garante ao trabalhador que, cessando o seu contrato de trabalho em determinada data, e pedindo a declaração de insolvência da sua entidade empregadora, esta venha a ser decretada até um depois da data em que o contrato terminou. Como aponta, e bem, o Tribunal Constitucional, “… o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência.”
4.ª Ou seja, um dos requisitos para que o Fundo de Garantia Salarial cumpra o seu propósito pode – em completo contrassenso com a génese deste instituto – ser um dos motivos para o seu indeferimento, não restando ao trabalhador outra hipótese que não seja esperar que o princípio da celeridade processual cumpra o seu propósito.
5.ª Assim, afirmar que o prazo de um ano contido no preceito do n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei 59/2015 é um prazo de caducidade, insuscetível de interrupção ou prescrição, e que não tenha em conta o andamento do processo de insolvência do empregador, e os atos praticados pelo trabalhador-credor nesse processo, é ao mesmo tempo uma forma de retirar ao trabalhador a possibilidade de ver o seu direito devidamente tutelado.
6.ª Por isso, em 27 de Junho de 2018, através do Acórdão 328/2018, o Tribunal Constitucional, declarou inconstitucional a norma contida no n.º 8 do art.º 2.º Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
7.ª Assim, e sem mais, e ao contrário do vertido na decisão do Tribunal a quo, a decisão do ora recorrido é inconstitucional.
8.ª Ao decidir da forma que decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei 59/2015, de 21 de Abril e no n.º 3 do artigo 59.º da Constituição.
Termos em que deverão revogar a sentença proferida nos autos, e, substitui-la por acórdão que julgue totalmente procedente o pedido contra o ora recorrido formulado; e declare inconstitucional a norma contida no n.º 8 do art.º 2.º Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, fazendo assim inteira JUSTIÇA!
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O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
A. O requerimento do A foi apresentado ao FGS em 16.12.2016, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento do A foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art.º 319.º 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o actual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.
F. Não tendo aqui aplicação o art.º 297.º do CC, uma vez que à luz dos dois diplomas já se encontra terminado o prazo para apresentação do requerimento ao FGS.
G. Sendo aplicável o novo regime, temos de considerar como estando ultrapassado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,
Termos em que, e com o suprimento, deve ser feita justiça, mantendo-se a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
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O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) O A. foi admitido, ao serviço da Sociedade Comercial TCSJ, Lda., em 02 de maio de 2008, tendo resolvido o seu contrato, após um período de suspensão, em 04 de setembro de 2015, por falta de pagamento de salários;
B) Em 27 de novembro de 2015, foi proposta contra a sociedade referida em A) ação tendente à sua declaração de insolvência, no Tribunal da Comarca do Porto, Instância Central, 1ª Secção de Comércio, sob o nº. 3908/15.5T8STS, e na qual foi proferida sentença de insolvência em 08 de janeiro de 2016;
C) O A. reclamou créditos laborais no montante de € 10,909,30 no processo descrito na alínea B) deste probatório, tendo os apenas sido reconhecido como sendo devidos no montante global de capital de € 5,171,10;
D) Na sequência de tal, em 02 de junho de 2016, o Autor deduziu impugnação da lista dos credores reconhecidos;
E) Em 16 de dezembro de 2016, o A. apresentou nos serviços do R. requerimento no qual peticiona o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho no valor global de € 10,909,20;
F) Em 13 e 17 de janeiro de 2017, os serviços do R. elaboraram as informações cujo teor consta de fls. 13 a 15 do PA apenso, e que aqui se entende como inteiramente reproduzido, e nas quais se propõe o indeferimento do requerido pelo A.;
G) Em 17 de janeiro de 2017, o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial lavrou despacho concordante;
H) Em cumprimento do despacho descrito no ponto anterior, foi o A. notificado, por ofício datado de 17 de janeiro de 2017, de que o requerido seria indeferido com o fundamento de que o requerimento apresentado não foi apresentado no prazo previsto no artigo 2, nº. 8 do Decreto-Lei nº. 52/2015, de 21 de abril, e que o requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no nº 2- do artigo 5º do Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21 de abril.
I) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].
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Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou: Inexistem outros factos com relevância para a decisão a proferir.
E no que à motivação da factualidade tida por assente respeita consignou que a sua convicção se baseou na prova documental oferecida pelas partes e no PA instrutor devidamente junto aos autos, atendendo ainda a que nenhum documento foi alvo de impugnação.
Acrescentou ainda a circunstância de, no essencial, não se registar divergência quanto à matéria de facto coligida no probatório.
X
DE DIREITO
Está posta em crise a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Atendendo ao objeto da lide, definido pela causa de pedir e pelos pedidos formulados, estamos em presença de uma ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido.
Na ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido, o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material formulada pelo Autor, rejeitando-se, neste tipo de ações, a prolação de sentenças de anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos.
No caso concreto, como vimos já, a questão decidenda eleita consubstancia-se em saber se assiste o direito ao Autor a ver o Réu condenado a pagar os créditos laborais reclamados nos autos, no montante global de € 10,026,00.
Ora, examinada a argumentação exposta pelo A. nos presentes autos, é pacífico que o mesmo vem afrontar o fundamento invocado pelo R. para indeferir a sua pretensão – o decurso do prazo de 1 ano previsto no n.º 8 do art.º 2.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, ou seja, a apresentação do requerimento para pagamento dos créditos mais de um ano após a data da cessação do contrato de trabalho -, porque entende que o mesmo é inválido.
Efetivamente, sustenta este que não podia o R. negar o pagamento dos ditos créditos laborais, pelo facto de tal se lhe apresentar formalmente impossível à data, pois o Administrador de Insolvência não colocou à sua disposição oportunamente a documentação que lhe incumbia entregar, sendo certo, até à data de interposição em juízo da presente ação, não existia qualquer decisão do Tribunal sobre a impugnação da lista de credores reconhecidos por si deduzida.
Pese embora o Autor não densifique adequadamente a causa de pedir inserta na alegação em apreço, podemos circunscrever a mesma em termos meramente abstratos no domínio da invocação de uma situação de justo impedimento ou de causas interruptivas da prescrição do prazo para apresentar o requerimento ao R. e, que, por isso, não ocorreu a prescrição um ano após o dia seguinte ao da cessação do contrato.
Em termos concretos, todavia, fica logo arredada a eventual integração de uma situação de justo impedimento no âmbito da causa de pedir, pois nada foi deduzido, alegado ou demonstrado nesse sentido em sede de procedimento administrativo.
Efetivamente, não obstante a invocação do justo impedimento seja perfeitamente admissível em procedimento administrativo, atenta a sua natureza de princípio de direito com plena aplicação e valia naquela sede, a sua admissibilidade pressupõe a observância de todas as regras previstas no artigo 140º do CPC.
Ou seja, o interessado tem de deduzir o incidente de justo impedimento, alegando logo o facto integrador do conceito de justo impedimento, oferecendo prova da situação de justo impedimento.
Nada disso, porém, sucedeu em sede procedimental, o que nos leva a desconsiderar em toda a linha a sua eventual integração enquanto causa de pedir no domínio do argumentário deduzido pelo Autor.
Resta-nos, pois, a questão em torno da eventual interrupção da prescrição do prazo de 1 ano previsto no n.º 8 do art.º 2.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04.
Neste particular, importa que se comece por sublinhar que, atendendo à data do requerimento apresentado pelo Autor [16.12.2016], a matéria visada nos autos é predominantemente regulada pelo Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21 de abril, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial.
Com efeito, nos termos do prescrito no art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Por conseguinte, tendo o mencionado regime entrado em vigor em 04.05.2015, consonantemente com o estipulado no art.º 5 do mesmo diploma, resulta inequívoco que a pretensão do A. deve ser apreciada à luz do regime estabelecido pelo NRFGS.
Sendo assim, assoma como óbvio que o acolhimento da pretensão do A. não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
O aludido art.º 2.º dispõe, no seu n.º 8, que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
A questão crucial que se encontra posta nos autos é a de saber qual a natureza do prazo de um ano estipulado no normativo transcrito.
Ou seja, se o prazo de um ano constitui um prazo de prescrição do direito, ou antes um prazo de caducidade do exercício do direito.
A dissolução da problemática elencada deve ser buscada na diferenciação plasmada nos n.ºs 1 e 2 do art.º 298.º do Código Civil.
Realmente, estipula o n.º 1 do citado preceito que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Por seu turno, o n.º 2 consagra que, quando, por força da lei ou da vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
Revertendo ao caso concreto, emerge com clareza que o prazo estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS pretende impor o exercício de um direito até um certo momento temporal, motivado por razões de segurança e certeza jurídica.
Anote-se, que não está em causa um prazo do qual dependa a subsistência de um direito substantivo, uma vez que a existência do crédito salarial não se extingue pelo facto do seu pagamento não ser requerido ao R..
O que está em causa é, meramente, um prazo impositivo e certo para o exercício do direito de requerer o pagamento do crédito ao R..
O que quer dizer, portanto, que devendo tal direito ser exercido naquele prazo de um ano, este prazo assume, cristalinamente, a natureza de prazo de caducidade.
Os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem, a não ser que a lei assim o determine, prevendo, nomeadamente, causas de interrupção ou suspensão, conformemente ao estipulado no art.º 328.º do Código Civil.
O que quer significar que, toda a factualidade invocada pelo A. como constituindo causa de interrupção do referido prazo de um ano revela-se despiciente para este efeito, podendo, quando muito, fundamentar eventual ação ressarcitória contra quem de direito pelos prejuízos causados, e que se traduzem na falta do pagamentos dos créditos laborais reclamados nos autos, por falta de tempestividade do requerimento apresentado.
O requerimento do Autor, como se viu supra, foi apresentado depois de 04 de maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo diploma, é-lhes aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.
No entanto, percorrido o regime anteriormente vigente, estabelecido nos artºs 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, verifica-se que inexiste qualquer prazo estipulado para apresentação ao R., por banda do trabalhador requerente, do requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho.
O que quer dizer, portanto, que o prazo de um ano prescrito no citado n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS, para além de configurar uma novidade em face do regime anteriormente vigente, configura igualmente na medida em que introduz um prazo, anteriormente inexistente, para o exercício de um direito, e em bom rigor, uma alteração de prazo.
Assim sendo, interessa convocar o preceituado no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que prescreve que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Sendo assim, impera salientar que o prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n. 8 do NRFGS, aplica-se à totalidade do universo dos trabalhadores requerentes do pagamento dos seus créditos salariais ao R., desde que o respetivo requerimento seja apresentado após a data de 04.05.2015 e independentemente da data da cessação do contrato de trabalho.
Todavia, a contagem do citado prazo, na medida em que “encurta” o prazo anteriormente vigente para apresentação do mencionado requerimento ao R., “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei”.
Quer isto significar, no que releva para o caso posto e atento o disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que, independentemente da data em que tenha cessado o contrato de trabalho do A., o prazo de um ano estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS apenas inicia a sua contagem no dia 04.05.2015, findando tal prazo um ano depois, ou seja, em 04.05.2016 [em consonância com o estipulado nos art.ºs 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil].
Destarte, em face das regras de contagem de prazos prescritas nos artºs 297.º, 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil, e aplicáveis ao prazo introduzido pelo art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, sempre deve entender-se que, tendo o Autor apresentado o requerimento ao R. em 19.12.2016, que a apresentação de tal requerimento é claramente intempestiva.
Efetivamente, tendo o contrato de trabalho do A. cessado em 04.09.2015, grassa à evidência que na data em que o A. requereu ao R. o pagamento dos seus créditos salariais - 19.12.2016 -, há muito que o sobredito prazo de um ano se encontrava decorrido.
Deste modo, assomando como manifesto que o prazo estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS constitui um prazo de caducidade, e que, por essa razão, não comporta causas de interrupção ou suspensão, impera concluir que, no momento em que o A. apresentou o seu requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, há muito se encontrava decorrido e esgotado o prazo de um ano contado desde a data da cessação do contrato de trabalho em causa.
Por conseguinte, a decisão do R. não merece qualquer censura no que concerne ao fundamento que escora o indeferimento, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão do A. no âmbito da presente ação.
E não se argumente que a fixação de um prazo de caducidade como o previsto no normativo legal em análise afronta os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
É que estes princípios não se traduzem numa abertura da via judicial a todo o custo.
Tais princípios, com assento constitucional [artigos 20º e 268º nºs 3, 4 e 5, CRP] exigem que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos, e que o Estado, que tem o monopólio da administração da Justiça, forneça aos cidadãos, dela carentes, todos os meios necessários para a poderem efetivar, ou seja, para poderem obter a tutela pretendida.
O que não impõe, nem o legislador ordinário nem o constitucional, é que a tutela jurisdicional efetiva tenha de ser feita a todo o custo, passando por cima das normas processuais, nomeadamente das normas sobre a caducidade do exercício do direito de pagamento de créditos laborais.
Aliás, se as criou, se existem, é para serem respeitadas, sem que isso signifique coartar aqueles princípios, uma vez que o acesso ao direito e a tutela efetiva está assegurada dentro dos limites da legalidade, e não apesar deles.
Verificando-se que a contagem do prazo de caducidade de 1 ano se encontra bem realizada na decisão administrativa impugnada, e tendo em conta quanto acaba de ser dito, há que considerar que o ali decidido em nada contende com o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 2.º do CPTA e na Constituição da República Portuguesa.
Sendo assim, por tudo o quanto ficou exposto, nenhuma inconstitucionalidade se divisa por violação do artigo 20º da CRP.
Mercê do exposto, impõe-se absolver o Réu do pedido.
Assim se decidirá.
X
Insurge-se o Recorrente contra esta decisão que, julgando a acção improcedente, absolveu o Réu do pedido.
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado quer pela lei processual quer pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim sendo, analisadas as conclusões, resulta que na óptica do Recorrente
a decisão violou o disposto no nº 8 do artigo 2º do DL 59/2015, de 21 de abril e no nº 3 do artigo 59º da Constituição.
Cremos que carece de razão.
Na verdade, o Tribunal a quo considerou, e bem, que o Autor requereu o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho em 16/12/2016, quando já havia decorrido o prazo de um ano contido no artº 2°/8 do DL 59/2015, de 21/04, dado que o respectivo contrato de trabalho cessou em 04/09/2015.
Nos termos do disposto no art° 2º/8 do DL 59/2015 (que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no artigo 336º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, transpondo a Directiva n° 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador), aplicável ao caso dos autos, o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia, no seu artº 319º/3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja, 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho. Deste modo temos que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o actual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das empresas insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.
Ora, resulta da factualidade tida por assente (e não questionada) que o contrato de trabalho do Autor/Recorrente cessou em 04/09/2015 e que o pedido de pagamento ao FGS ocorreu em 16/12/2016.
Sendo aplicável o novo regime, temos de considerar como estando ultrapassado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21/04, que entrou em vigor no dia 04/05/2015.
De referir ainda que não tem aqui aplicação o artº 297º do CC, uma vez que à luz dos dois diplomas já se encontrava terminado o prazo para apresentação do requerimento ao FGS.
Estando aqui em causa um prazo de caducidade, é manifesto que ocorreu a caducidade do direito que o Recorrente pretendia exercer.
É certo que este alega que, por vicissitudes do processo de insolvência, os seus créditos só foram reconhecidos em 2018, pelo que, no seu entender, não ocorreu a referida caducidade.
Não secundamos esta leitura.
O que aqui está em causa não é o vencimento dos créditos nos seis meses anteriores à data da propositura da acção, mas sim o vertido no nº 8 do artº 2º do DL 59/2015, de 21/4, que estabelece o prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, para requerer ao Fundo o pagamento dos créditos. E este prazo não foi efectivamente observado.
Por outro lado também não perfilhamos o entendimento do Recorrente de que só com o reconhecimento dos créditos é que o trabalhador os pode reclamar ao FGS.
É que o vencimento ocorreu na data de cessação do contrato e a reclamação ao FGS é independente do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência, bastando a declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório (cfr. o artº 5º/2/a) do DL 59/2015). Por isso, o reconhecimento dos créditos não é necessário e imprescindível, para se efectuar a reclamação ao Fundo, pelo que o trabalhador poderia e deveria ter feito o pedido ao Fundo de Garantia Salarial logo após a reclamação dos créditos na insolvência.
Sobre esta temática entendeu este TCAN em 14/02/2014, proc. 00756/07.0BEPRT e 25/09/2014, proc. 177/11.0BEBRG: A expressão utilizada no nº 1 do artº 319º “seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou do requerimento referido no artigo anterior”, reporta-se, obviamente, à acção para declaração judicial de insolvência do empregador referida no nº 1 do artigo anterior e não à eventual acção judicial a intentar pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais. Deste modo, e também por este motivo, o legislador ao mencionar a propositura da acção no nº 1 do artº 319º, não pode estar a referir-se à acção a intentar no Tribunal de Trabalho, pois esta pode nem ter sido proposta e apesar disso o crédito ter sido reclamado na insolvência.
Na verdade, a jurisprudência tem-se orientado no sentido de que o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial - vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 17/12/2008, 07/01/2009, 04/02/2009, 10/02/2009, 11/02/2009, 25/02/2009, 12/03/2009, 25/03/2009, 02/04/2009 e 10/09/2009, proferidos, respectivamente, nos procs. 0705/08, 0780/08, 0704/08, 0920/08, 0703/08, 0728/08, 0712/08, 01110/08, 0858/08 e 01111/08.
Mais recentemente reafirmou esta posição no Acórdão de 10/09/2015, proferido no âmbito do proc. 0147/15, onde se sumariou:
I-O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior - artº 319º/1 da Lei 35/2004.
II-Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento.
É que uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação, e outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha. A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida, Galvão Teles, em Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 217.
Ao prever que o FGS possa pagar os créditos laborais, o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido. Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo.
E bem se compreende que assim seja. Com efeito a criação deste Fundo teve como objectivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objectivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que por vezes, demora anos.
Assim, os créditos foram indubitavelmente reclamados fora do âmbito temporal estabelecido no falado nº 8 do artº 2º do DL 59/2015.
Da inconstitucionalidade -
Argumenta o Recorrente que a norma - artigo 2º/8 do DL 59/2015, de 21 de abril - é inconstitucional, alicerçando tal conclusão na declaração de inconstitucionalidade decretada pelo Acórdão nº 328/2018, de 27 de junho, publicada no DR 2ª Serie de 13 de novembro de 2018.
Vejamos:
O citado Aresto Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2º, nº 8, do DL 59/2015, de 21 abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão.
No entanto, independentemente da doutrina exarada no Acórdão, que não firmada com força obrigatória geral, certo é que o mesmo não tem aplicação ao caso concreto.
Lê-se no Acórdão:
“O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível - rectius, possa por ele ser adotado - no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de Novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição - questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional -, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal - rectius, potenciando um efeito - de valor contrário ao próprio direito”.
Ora, é incontornável que era intenção do legislador, no artigo 2º/8 do DL 59/2015, limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional não questiona aquele prazo, apenas se “opondo”, por via de declaração concreta de inconstitucionalidade, a que esse prazo não seja susceptível de suspensão ou interrupção.
Da leitura do Acórdão extrai-se, assim, o entendimento de que a existência de um eventual facto suspensivo ou interruptivo poderia decorrer do período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efectiva declaração pelo tribunal competente, período durante o qual ocorreu a caducidade do direito.
Ora, este aresto, repete-se, não é aplicável ao caso em análise.
Primeiro, porque do probatório não consta qualquer facto interruptivo ou suspensivo (nem mesmo a alegada recusa do Administrador da insolvência em fazer a entrega do certificado) e, como também já se sublinhou, não foi impugnada a matéria de facto.
Segundo, porque a declaração de insolvência ocorreu quando faltavam mais de sete meses para o fim do prazo de caducidade.
Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que ocorreu a caducidade do direito, por extemporaneidade do requerimento apresentado ao Fundo de Garantia Salarial.
Sucumbem, pois, as conclusões da alegação.
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DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 29/03/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho