Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00671/11.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:NEGLIGÊNCIA MÉDICA, ESTABELECIMENTO PRISIONAL, RECURSO PRINCIPAL/RECURSO SUBORDINADO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
AA... propôs ação administrativa comum contra o Estabelecimento Prisional do Porto e a Unidade Local de Saúde de (...), todos melhor identificados nos autos, pedindo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o Réu a pagar ao Autor a quantia global de 50.000€, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento e absolvido o Réu do pedido de pagamento de quantias a liquidar em execução de sentença.

Desta vem interposto recurso pelo Autor.

Alegando, formulou as seguintes conclusões:
A) O Réu no tratamento prestado ao A. teve atuação negligente, violadora das leges artis, que teve como resultado os danos correspondentes (amputação e suas consequências) que se encontravam provados nos autos (nexo de causalidade).
B) O Tribunal a quo condenou o Réu a título de danos não patrimoniais, mas já não nos danos não patrimoniais peticionados decorrentes da incapacidade parcial permanente de que o A. ficou a padecer.
C) O valor atribuído a título de danos não patrimoniais é exíguo face aos danos causados e existe obrigação de indemnizar os danos patrimoniais decorrentes da incapacidade de que ficou a padecer o A./Recorrente.
D) o A. sofreu a amputação da perna direita e para além das fortes dores, resultantes dos tratamentos e cirurgias, tal circunstância causa uma mágoa e tristeza imensa para o resto da vida. As limitações são também inúmeras. O dano estético é imenso e gerador de grande sofrimento.
E) O montante de € 50.000,00 atribuído pela douta sentença a título de danos não patrimoniais fica muito aquém do que é exigível e adequado, pelo que só com a atribuição do montante peticionado (de € 150.000,00) será de alguma forma reposta a situação e será dada a dignidade ao Recorrente que, tão jovem, ficou, de forma tão intensa limitado, física e psiquicamente, para o resto da sua vida.
F) Por virtude da negligência do Réu, o A. padece de uma incapacidade permanente absoluta para o desempenho de uma atividade profissional, fixável em 30 pontos (em 100).
G) O tribunal decidiu pela não atribuição de qualquer indemnização a este título pelo facto de o Recorrente não desempenhar qualquer atividade remunerada, estando à data dos factos em cumprimento de pena no EPP, bem como pelo facto de não padecer de incapacidade permanente para o trabalho, não estando impedido de desempenhar qualquer atividade e ainda pelo facto de não se haver provado o rendimento que auferia na anterior atividade.
H) Se é certo que o Recorrente não desempenhava qualquer atividade remunerada, tal não era
impeditivo de vir a desempenhá-la, como de resto acontecia antes de se encontrar a cumprir pena.
I) Tal faculdade, é aliás um direito que lhe assiste, como a qualquer outra pessoa.
J) O Recorrente padece de incapacidade permanente para o trabalho que limita fortemente a sua capacidade de trabalho.
K) Tal incapacidade nunca poderia deixar de ser considerada, porquanto a mesma se reflete num défice de capacidade de ganho e como tal suscetível de gerar uma indemnização, de forma a colmatar esse défice.
L) Pelo que deveria o Tribunal a quo, tal como peticionado condenar o Recorrido em quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença, atenta tal incapacidade e a possibilidade do Recorrente vir a desempenhar uma profissão, auferindo, pelo menos o salário médio.
M) O não reconhecimento ao Recorrente de uma justa indemnização decorrente da incapacidade, por não vislumbrar a possibilidade de no futuro vir o Recorrente a desempenhar uma atividade remunerada (pelo menos com o SMN), afronta diretamente o direito ao trabalho constitucionalmente estabelecido no seu art.º 58.º da CRP e o princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP).
N) Pelo que ao se decidir como se decidiu, encontra-se violado o disposto no art. 3.º do Anexo à Lei n.º 67/2007, artigos 494.º, 496.º e 562.º a 566.º todos do Código Civil e artigos 13.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO E SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE CONDENE O RECORRIDO NO PAGAMENTO AO RECORRENTE DO MONTANTE DE € 150.000,00 A
TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONAIS, BEM COMO EM QUANTIA QUE VIER A SER LIQUIDADA EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA PELOS DANOS PATRIMONIAIS SOFRIDOS DECORRENTES DO DÉFICE FUNCIONAL PERMANENTE DE INTEGRIDADE FÍSICO-PSÍQUICA.
ASSIM FAZENDO
JUSTIÇA !!

A Unidade Local de Saúde de (...) juntou contra-alegações e concluiu:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls… dos autos, através da qual a presente acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré foi condenada no pagamento ao A., AA..., da quantia de 50.000 €, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se a Ré dos demais pedidos formulados pelo A.
B) Salvo melhor opinião, e no que respeita à condenação da R. no pagamento da indemnização referida por danos não patrimoniais discorda-se do montante arbitrado.
C) Já quanto à absolvição da Ré, relativamente aos danos patrimoniais, entende-se que decidiu bem o Tribunal Recorrido.
D) Entende o Recorrente A. que o montante de 50.000,00€ que foi atribuído pela sentença, ora posta em crise, a título de indemnização por danos não patrimoniais, é insuficiente, devendo ser fixada uma indemnização a este titulo, de montante superior. Ora.
E) Tal posição encontra-se em manifesta oposição com os factos e a jurisprudência. Na verdade,
F) Não pode a Ré concordar com tal posição assumida pelo Recorrente no Recurso ora em resposta, tão pouco com a decisão do Tribunal recorrido, manifestamente injusta, como veremos adiante no âmbito do Recurso Subordinado. É que,
G) Nos termos legais, merecem ser indemnizados os danos não patrimoniais graves e a
indemnização deve ser fixada equitativamente.
H) No caso dos autos, os danos não patrimoniais do Autor merecem a tutela do direito – não são muito graves, (atendendo ao laudo pericial que fixou a IPP em 30 pontos e que não se encontra questionado), mas têm alguma gravidade.
I) Por isso é que referiu o Prof. Varelaque deverão apenas ser compensados os danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, defende – e, em nosso modesto entendimento, bem – que “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”.
J) A objectividade de que fala o Prof. Antunes Varela, acabada de citar, tem, assim, de ser analisada e se estribar nos casos concretos já decididos pelos Tribunais superiores, atendendo a situações de facto análogas ou semelhantes ou até mais graves do que aquela que está em apreciação nos presentes autos.
K) Assim, face ao constante da Jurisprudência fixada:
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 30/05/2019, in Proc. 1638181/15.6YIPRT, publicado na Internet, entendeu que era justo o valor de 25.000,00 €;
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 29/10/2019, in Proc. nº 7614/15.2T8GMR, in Internet, atribuiu uma indemnização por danos não patrimoniais np montante de 30.000,00 €
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 14/03/2019, in Proc. 9913/15.4T8LSB, in Internet, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em 25.000,00 €;
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 30/05/2019, in Proc. 576/14.5TBBGC in Internet, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em 15.000,00 €;
- Tribunal da Relação do Porto, por douto acórdão de 07/12/2018, in Proc. nº 2738/16.1T8PNF, in Internet, atribuiu uma indemnização de 15.000,00 €;
- Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 24/10/2019, in Proc. nº 3570/17.0T8LSB, in Internet, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em 20.000,00 €;
- Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 11-07’-2019, in Proc, nº 7757/128.0T8LSB, in Internet, atribuiu uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 12.000,00 €.
L) É por demais manifesto que a indemnização atribuída pelo Tribunal recorrido ao Autor é exagerada e, portanto, injusta.
M) Tudo ponderado, entende a Ré que a indemnização de 50.000,00€ atribuída a titulo de danos não patrimoniais não é justa, equitativa e actual, por exagerada, devendo, por isso, nesta parte naufragar o recurso interposto pelo A., sem o que, estaria a violar-se o disposto nos arts. 496º e 494º do Cod. Civil, pelo que, salvo melhor entendimento, deverá, como alegaremos em sede Recurso Subordinado, deve ser revogada a douta sentença recorrida em conformidade com o aí exposto.
N) A Ré ULSM concorda com o que foi decidido pelo Tribunal – absolvição da ULSM - recorrido no que concerne à indemnização pelo dano futuro, ou seja, pelo dano decorrente da incapacidade permanente (défice funcional permanente) de que o Autor ficou afectado.
O) É que, a este título – indemnização pelo dano futuro - não se trata da atribuição de uma indemnização, mas da fixação de uma indemnização, e a diferenciação entre o elemento teleológico de atribuição e fixação faz toda a diferença.
P) Importa ter presente o que dispõe o art. 564º do CCV, no que concerne aos danos futuros – “… na fixação da indemnização, o Tribunal deve atender aos danos futuros que sejam previsíveis”.
Q) É que, como decorre do disposto no art. 566º nº 2 do CCV, a indemnização em dinheiro – e é o caso – “tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse o dano”.
R) E, parafraseando a sentença ora em apreciação: “Deste modo, a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (situação real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, reportadas, quer uma quer outra, à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (normalmente, o momento do encerramento da discussão, na primeira instância – artº 611 nº 1 do Código de Processo Civil). É neste sentido que tem de se entender a chamada teoria da diferenção (cf. VARELA, Op. Cit., Vol. I, pp. 887 e ss.)”.
S) Acontece que na situação sub judice resulta claro que o Recorrente, quer antes dos factos em discussão nos autos terem ocorrido, quer no momento do encerramento da discussão em primeira instância, o Recorrente não trabalhava….
T) … porque se encontrava em cumprimento de pena no EPP.
U) Mas também não logrou provar que antes da sua detenção auferia qualquer rendimento proveniente do trabalho.
V) Acresce a tudo isto que, conforme resulta claro da matéria dada como provada no nº 22, constante da situação ora em recurso a fls. 9, o Recorrente apresenta “Força muscular mantida (5/5) e simétrica relativa ao membro contralateral” …
W) … e, mais importante, quando resulta do laudo pericial, dado como provado a fls. 9 da sentença que, relativamente ao Recorrente, “… o seu atual perfil funcional será compatível com a ocupação de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional envolva a utilização dos membros superiores, mas sem grande exigência física dos membros inferiores, como seja, vigilante, porteiro, empregado de receção, bilheteiro…”, sem qualquer desvalorização profissional, como decorre do documento referido.
X) Assim, a indemnização a título de dano futuro peticionada pelo Recorrente face ao défice permanente de que ficou afectado (a incapacidade permanente) não é devida nos termos legais.
Y) Impõe-se, assim, a manutenção, nesta parte, da douta sentença recorrida nos termos expostos.

A Unidade Local de Saúde de (...) interpôs recurso subordinado e concluiu:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls… dos autos, através da qual a presente acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré foi condenada no pagamento ao A., AA..., da quantia de 50.000 €, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se a Ré dos demais pedidos formulados pelo A.
B) Salvo melhor opinião, e no que respeita à condenação da R. no pagamento da indemnização referida por danos não patrimoniais discorda-se do montante arbitrado.
C) Já quanto à absolvição da Ré, relativamente aos danos patrimoniais, entende-se que decidiu bem o Tribunal Recorrido.
D) Entende o Recorrente A. que o montante de 50.000,00€ que foi atribuído pela sentença, ora posta em crise, a título de indemnização por danos não patrimoniais, é insuficiente, devendo ser fixada uma indemnização a este titulo, de montante superior. Ora.
E) Tal posição encontra-se em manifesta oposição com os factos e a jurisprudência. Na verdade,
F) Não pode a Ré concordar com tal posição assumida pelo Recorrente no Recurso ora em resposta, tão pouco com a decisão do Tribunal recorrido, manifestamente injusta, como veremos adiante no âmbito do Recurso Subordinado. É que,
G) Nos termos legais, merecem ser indemnizados os danos não patrimoniais graves e a
indemnização deve ser fixada equitativamente.
H) No caso dos autos, os danos não patrimoniais do Autor merecem a tutela do direito – não são muito graves, (atendendo ao laudo pericial que fixou a IPP em 30 pontos e que não se encontra questionado), mas têm alguma gravidade.
I) Por isso é que referiu o Prof. Varela que deverão apenas ser compensados os danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, defende – e, em nosso modesto entendimento, bem – que “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”.
J) A objectividade de que fala o Prof. Antunes Varela, acabada de citar, tem, assim, de ser analisada e se estribar nos casos concretos já decididos pelos Tribunais superiores, atendendo a situações de facto análogas ou semelhantes ou até mais graves do que aquela que está em apreciação nos presentes autos.
K) Assim, face ao constante da Jurisprudência fixada:
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 30/05/2019, in Proc. 1638181/15.6YIPRT, publicado na Internet, entendeu que era justo o valor de 25.000,00 €;
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 29/10/2019, in Proc. nº 7614/15.2T8GMR, in Internet, atribuiu uma indemnização por danos não patrimoniais np montante de 30.000,00 €
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 14/03/2019, in Proc. 9913/15.4T8LSB, in Internet, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em 25.000,00 €;
- Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 30/05/2019, in Proc. 576/14.5TBBGC in Internet, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em 15.000,00 €;
- Tribunal da Relação do Porto, por douto acórdão de 07/12/2018, in Proc. nº 2738/16.1T8PNF, in Internet, atribuiu uma indemnização de 15.000,00 €;
- Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 24/10/2019, in Proc. nº 3570/17.0T8LSB, in Internet, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em 20.000,00 €;
- Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 11-07’-2019, in Proc, nº 7757/128.0T8LSB, in Internet, atribuiu uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 12.000,00 €.
L) É por demais manifesto que a indemnização atribuída pelo Tribunal recorrido ao Autor é exagerada e, portanto, injusta.
M) Tudo ponderado, entende a Ré que a indemnização de 50.000,00€ atribuída a titulo de danos não patrimoniais não é justa, equitativa e actual, por exagerada, devendo, por isso, nesta parte naufragar o recurso interposto pelo A., sem o que, estaria a violar-se o disposto nos arts. 496º e 494º do Cod. Civil, pelo que, salvo melhor entendimento, deverá, como alegaremos em sede Recurso Subordinado, deve ser revogada a douta sentença recorrida em conformidade com o aí exposto.
N) A Ré ULSM concorda com o que foi decidido pelo Tribunal - absolvição da ULSM - recorrido no que concerne à indemnização pelo dano futuro, ou seja, pelo dano decorrente da incapacidade permanente (défice funcional permanente) de que o Autor ficou afectado.
O) É que, a este título - indemnização pelo dano futuro - não se trata da atribuição de uma indemnização, mas da fixação de uma indemnização, e a diferenciação entre o elemento teleológico de atribuição e fixação faz toda a diferença.
P) Importa ter presente o que dispõe o art. 564º do CCV, no que concerne aos danos futuros - “… na fixação da indemnização, o Tribunal deve atender aos danos futuros que sejam previsíveis”.
Q) É que, como decorre do disposto no art. 566º nº 2 do CCV, a indemnização em dinheiro – e é o caso – “tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse o dano”.
R) E, parafraseando a sentença ora em apreciação: “Deste modo, a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (situação real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, reportadas, quer uma quer outra, à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (normalmente, o momento do encerramento da discussão, na primeira instância – artº 611 nº 1 do Código de Processo Civil). É neste sentido que tem de se entender a chamada teoria da diferenção (cf. VARELA, Op. Cit., Vol. I, pp. 887 e ss.)”.
S) Acontece que na situação sub judice resulta claro que o Recorrente, quer antes dos factos em discussão nos autos terem ocorrido, quer no momento do encerramento da discussão em primeira instância, o Recorrente não trabalhava….
T) … porque se encontrava em cumprimento de pena no EPP.
U) Mas também não logrou provar que antes da sua detenção auferia qualquer rendimento
proveniente do trabalho.
V) Acresce a tudo isto que, conforme resulta claro da matéria dada como provada no nº 22, constante da situação ora em recurso a fls. 9, o Recorrente apresenta “Força muscular mantida (5/5) e simétrica relativa ao membro contralateral” …
W) … e, mais importante, quando resulta do laudo pericial, dado como provado a fls. 9 da sentença que, relativamente ao Recorrente, “… o seu atual perfil funcional será compatível com a ocupação de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional envolva a utilização dos membros superiores, mas sem grande exigência física dos membros inferiores, como seja, vigilante, porteiro, empregado de receção, bilheteiro…”, sem qualquer desvalorização profissional, como decorre do documento referido.
X) Assim, a indemnização a título de dano futuro peticionada pelo Recorrente face ao défice permanente de que ficou afectado (a incapacidade permanente) não é devida nos termos legais.
Y) Impõe-se, assim, a manutenção, nesta parte, da douta sentença recorrida nos termos expostos.

O Autor contra-alegou, concluindo:

A)
Discorda a Recorrente ULS (...) EPE da indemnização arbitrada ao A. de € 50.000,00, a qual considera injusta e exagerada, socorrendo-se de jurisprudência emanada pelos Tribunais superiores.
B)
Tal jurisprudência não versa sobre danos como os que sofreu o A. (amputação).
C)
Só a atribuição de um montante próximo do peticionado será justa e adequada e de alguma forma reposta a situação e será dada a dignidade ao Recorrido que ficou de forma intensa limitado, física e psiquicamente, para o resto da sua vida.
D)
O tribunal a quo que ao atribuir juros desde a data da citação, limitou-se a aplicar os normativos legais atinentes, designadamente o atento no disposto no n.º 3 última parte, do artigo 805.º do Código Civil, o que não poderia deixar de ser.

NESTES TERMOS DEVE O RECURSO SUBORDINADO INTERPOSTO PELA RECORRENTE SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
ASSIM FAZENDO
JUSTIÇA !!

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1) Em 25/11/2009, encontrando-se o A. a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional do Porto (EPP), durante um jogo de basquetebol sofreu uma lesão ao nível do tornozelo direito, em virtude de queda, tendo sido assistido nos serviços clínicos do EPP por entorse com gelo e spray.
2) O A. efetuou o tratamento referido no n.º anterior por vários dias, durante os quais sempre sofreu fortes dores e apresentando permanentemente inchada a zona afetada.
3) Como os sintomas não regrediam, especialmente a forte dor, os serviços clínicos do EPP encaminharam-no para o serviço de urgência da Unidade Local de Saúde de (...), localizado no Hospital (...).
4) O A. foi observado no serviço de urgência da Unidade Local de Saúde de (...) pela 1.ª vez em 9/12/2009, sendo que, após descrever o historial da

lesão de que padecia (entorse do pé e tornozelo direito há 2 semanas em virtude de acidente desportivo) e lhe ser efetuado RX com resultado “sem fractura aparente” lhe foi diagnosticada uma entorse do pé e tornozelo direito e prescrito, pelo médico que o assistiu, o Dr. BB..., o tratamento de AINE (anti-inflamatório não esteroide), gelo e descarga, tratamento que já recebia até então – cf. acordo e documento n.º 1 junto com a petição inicial.
5) Em virtude da manutenção da situação, no dia 15/12/2009 o A. foi de novo encaminhado pelos serviços clínicos do EPP para o serviço de urgência da Unidade Local de Saúde de (...), onde lhe foi efetuada radiografia (cujo resultado não está descrito nos documentos clínicos), diagnosticado “dor articular” e mantido o mesmo tratamento, tendo o A. referido entorse no pé direito há 3 semanas e ainda com queixas álgicas – cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial e relatório pericial.
6) Em virtude da manutenção da situação, e por se recusar a ser atendido pelo serviço de urgência da Unidade Local de Saúde de (...), foi encaminhado pelos serviços clínicos do EPP para o Serviço de Urgência do Hospital de S. João no Porto.
7) Em 19/12/2009, no Serviço de Urgência do Hospital de S. João no Porto, com uma queixa inicial de “dor + rubor ao nível de pé direito; sem trauma recente”, é diagnosticado com “arterosclerose de artérias nativas das extremidades, não especificada” e encaminhado para o serviço de internamento de cirurgia vascular, onde, no mesmo dia, foi submetido a tromboembolectomia poplíteo proximal e distal direita, no dia 20/12/2009 submetido a revisão de cirurgia vascular e no dia 23/12/2009 a amputação do membro inferior direito abaixo do joelho, tendo alta em 26/12/2009 – cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial e relatório pericial.
8) Um dos múltiplos sintomas de isquemia dos membros inferiores poderá ser a dor, nem sempre presente – cf. relatório pericial.
9) Nos registos clínicos do episódio de urgência de 19/12/2009 do Hospital de S. João há registos de alterações da sensibilidade e cianose do pé direito, embora esteja registado, neste mesmo episódio de urgência, que o Examinado “Refere que desde então [Traumatismo do pé no dia 9.12.2009] a perna ficou edemaciada, desde há cerca de 1 semana, com queixas álgicas, pé frio e perda de mobilidade dos dedos do pé direito” – cf. relatório pericial.
10) Nos registos clínicos dos recursos do Hospital (...) datados de 9/12/2009 e 15/12/2009 não há menção às queixas referidas e alterações verificadas no dia 19/12/2009 no Hospital de S. João– cf. relatório pericial.
11) As queixas referidas pelo A., tal como anotadas nos registos de urgência, nos dias 9 e 15 de dezembro de 2009 são compatíveis com clínica de entorse, decorrida há já cerca de 15 dias – cf. consulta técnico-científica.
12) A manutenção e/ou agravamento da sintomatologia, não obstante as indicações terapêuticas instituídas, deveria levar a pesquisar objetivamente sinais de alteração da vascularização arterial, com a palpação dos pulsos do pé e/ou döppler – cf. consulta técnico-científica.
13) Na segunda observação em contexto de urgência, seis dias após a primeira observação, a manutenção da sintomatologia ou o seu eventual agravamento exigiriam a consideração objetiva de outra etiologia – secundária ao acidente desportivo ou associada posteriormente a ele (desde a sua ocorrência ou superveniente posteriormente); neste contexto a exclusão de um quadro isquémico do pé era mandatória, bastando a pesquisa dos pulsos do pé e/ou o exame döppler – cf. consulta técnico-científica.
14) Os profissionais do Réu podiam e deviam cuidar de excluir objetivamente a presença de sinais de uma alteração isquémica na base de sintomas álgicos, não obstante a clínica subjetiva apontar para alteração osteo-articular – cf. consulta técnico-científica.
15) Não estão registadas observações objetivas que permitissem claramente excluir alterações vasculares, sendo a exclusão desta possibilidade possível objetivamente pela palpação dos pulsos do pé ou eventualmente com döppler. – cf. consulta técnico-científica.
16) Se na data da observação do A. pelo Hospital (...) existisse já alteração circulatório arterial e ela fosse diagnosticada, instituídas medidas de revascularização e ação medicamentosa sobre a coagulação, a amputação teria melhores perspectivas de poder ser evitada – cf. consulta técnico-científica.
17) A isquemia aguda pós trauma pode ser compatível com uma evolução de 24 dias (trombose parcial/disseção arterial poplítea pós trauma com isquemia aguda secundária progressiva por progressão proximal ou distal) – cf. relatório pericial de cirurgia vascular.
18) Existe nexo de causalidade entre o acidente (durante atividade desportiva em estabelecimento prisional ocorrido cerca de duas semanas antes da primeira observação datada de 9 de dezembro de 2009) e a amputação major abaixo do joelho do membro inferior direito (dano físico permanente apurado) – cf. relatório pericial de cirurgia vascular.
19) À data dos factos, o A. tinha 28 anos, encontrava-se a cumprir pena de prisão no EPP, pelo que não auferia qualquer vencimento, e era toxicodependente, referindo consumo de heroína e cocaína fumada desde os 10 anos de idade e estando em programa de substituição com metadona desde setembro de 2009, bem como tinha hepatite C e hábitos de tabagismo pesado – cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial e relatório pericial.
20) Anteriormente ao cumprimento de pena o A. havia trabalhado como trolha, atividade que pretendia retomar após o cumprimento de pena.
21) De acordo com os registos do Hospital de São João (relatório Anatomopatológico datado de 23/12/2019), o membro inferior direito apresentava lesões de isquemia e trombose na artéria tibial posterior – cf. relatório pericial.

22) O A. apresenta as seguintes sequelas relacionáveis com o evento:

- “Membro inferior direito: amputação pelo terço superior da perna cerca de 8 cm abaixo do joelho portador de prótese
- Na face medial do joelho observa-se uma cicatriz cirúrgica com vestígios de pontos com 8 cm por 0,4 cm de maiores dimensões, vertical, nacarada
- Na face antero-inferior do coto tem cicatriz cirúrgica horizontal linear com 11 cm de comprimento
- Coto bem almofadado e indolor à palpação.
Perímetro da coxa – 47 cm (membro contralateral 53 cm), medidos 15 cm acima do pólo superior da rótula
Força muscular mantida (5/5) e simétrica relativamente ao membro contralateral Zona hiperpigmentada com 3 cm por 2 cm na região posterior do joelho, coberta por penso, que o Examinado refere estar em relação com sequelas de lesão supurativa”
- adicionalmente,


[imagem que aqui se dá por reproduzida]


– cf. relatório pericial.

23) As sequelas referidas no n.º anterior consubstanciam um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 30 pontos [dano avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos)] – cf. relatório pericial.
24) O A. sofreu fortes dores antes da operação (amputação) e após a mesma, resultantes das lesões e tratamentos a que se sujeitou.
25) Tendo sido submetido a vários tratamentos e cirurgias, durante o período de internamento e após o mesmo, resultantes das lesões e tratamentos a que se sujeitou, que lhe causaram fortes dores físicas e psíquicas.
26) O A. efetuou tratamentos e fisioterapia, com vista à reabilitação possível.

27) O A., tinha um grande gosto pela vida e era uma pessoa enérgica, com grande apetência para a prática de desportos, principalmente basquetebol e futebol.
28) O A. gostava da vida ao ar livre, de fazer caminhadas e de conviver com familiares e amigos.
29) A amputação causa ao A. um profundo dano estético, profunda mágoa e grande tristeza, mais causando situações de profunda depressão, ansiedade e angústia.
30) A amputação limita o A. profundamente na sua vida quotidiana – no entanto, o mesmo não necessita de ajuda de terceira pessoa nos atos da vida diária - e nos seus desejos e anseios, nomeadamente constituir família.
31) A citação da Unidade Local de Saúde de (...) na presente ação ocorreu em 24/01/2012 (cf. fls. 73 do suporte físico do processo).

DE DIREITO

Atente-se no discurso fundamentador da sentença, na parte que ora

releva:

(…)
Como já adiantamos, a questão que importa solucionar nos presentes autos é o eventual direito indemnizatório (acrescido de juros) que assistirá ao A., segundo o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, resultante do atendimento e prestação de cuidados de saúde ao A., por eventual negligência médica, ou por responsabilidade objetiva, ou por ato lícito, ou atuação ilícita ou lícita, ou por “falta do serviço”.

(…)

No que toca ao dano, ele traduz-se na lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Será patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não suscetível de avaliação pecuniária.
O dano patrimonial abarca o dano emergente e o lucro cessante, sendo que o dano emergente compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão e o lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. O dano patrimonial mede-se, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a lesão, no mesmo momento (LIMA, Pires de e VARELA, Antunes, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, 1987, Coimbra Editora, p. 475) – cf. artigo 566.º, n.º 2 do CC.
Os danos não patrimoniais (exemplos: sentimentos de desconforto e tristeza) devem preencher o critério de gravidade, avaliada segundo padrões objetivos, que o artigo 496.º n.º 1 do CC exige para que mereçam a tutela do direito.

O problema do nexo de causalidade entre o facto e o dano traduz-se na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um dado facto.

(….)

Precisada a obrigação de indemnizar, importa agora determinar o quantum desta obrigação de indemnizar.

O artigo 3.º, do anexo à Lei n.º 67/2007, com a epígrafe: “Obrigação de indemnizar”, dispõe:

“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.

3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”.

Nesta sede, o princípio geral regulador da obrigação de indemnizar é o da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso, consagrado no artigo 562.º do Código Civil.

Simplesmente, nem sempre a reconstituição in natura permite reparar adequadamente o dano, restando o recurso à indemnização em dinheiro.
O cálculo desta indemnização obedece ao disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, segundo o qual “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos”.

Deste modo, a indemnização pecuniária deve medir-se por mera diferença - pela diferença entre a situação (situação real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, reportadas, quer uma quer outra, à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (normalmente, o momento do encerramento da discussão, na primeira instância – artigo 611.º n.º 1 do Código de Processo Civil). É neste sentido que tem de se entender a chamada teoria da diferença (cf. VARELA, Op. Cit., vol. I, pp. 877 e ss.).

Quanto aos danos não patrimoniais, de harmonia com o preceituado no art. 496.º do Código Civil, deverá atender-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (nº 1). “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária” (cf. (VARELA, Op. Cit.. p. 600). Neste sentido, ver também o acórdão do STA de 25/05/2005, proferido no processo n.º 0855/04 e publicado em www.dgsi.pt.

O seu montante será fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e demais circunstâncias do caso (art. 496.º, n.º 4 e 494.º do CC).

Munidos deste enquadramento e dos critérios supra elencados, impõe-se, agora, aferir se, em concreto, o Réu incorreu em responsabilidade civil extracontratual com os seus atos.
Da factualidade dada como provada resulta que, face à manutenção do quadro doloroso do A. no segundo episódio de urgência junto do Réu, apesar do tratamento prescrito em 9/12/2009, o atendimento prestado pelos profissionais do Réu neste segundo episódio de urgência violou as leges artis, porquanto era exigível aos profissionais do Réu que considerassem objetivamente outra etiologia – secundária ao acidente desportivo ou associada posteriormente a ele (desde a sua ocorrência ou superveniente posteriormente), devendo neste contexto excluir um quadro isquémico do pé, o que era facilmente verificável por pesquisa dos pulsos do pé e/ou o exame döppler (cf. factos provados n.ºs 12 a 14). Com efeito, não havendo melhorias na situação do A. (cf. facto provado n.º 5), e sendo um dos múltiplos sintomas de isquemia dos membros inferiores a dor (cf. facto provado n.º 8), os profissionais do Réu podiam e deviam cuidar de excluir objetivamente a presença de sinais de uma alteração isquémica na base de sintomas álgicos, não obstante a clínica subjetiva apontar para alteração osteo-articular (cf. facto provado n.º 14). Pelo que, em virtude do dever existente atendendo às leges artis, os profissionais do Réu violaram as mesmas, por omissão relativamente às diligências exigíveis in casu [procurar outra etiologia/confirmação da existência (ou não) de alterações vasculares no caso concreto, nomeadamente através de pesquisa dos pulsos do pé e/ou o exame döppler], não se evidenciando qualquer registo de uma análise semelhante ter sido efetuada pelos profissionais do Réu (cf. factos provados n.ºs 10 e 15).

Esta falta dos profissionais do Réu (facto ilícito por omissão) é também culposa porquanto o “médico normalmente prudente, diligente, sagaz e cuidadoso, com conhecimentos, capacidade física, intelectual e emocional para desempenhar as funções a que se propõe”, aquando do segundo recurso ao serviço de urgência com manutenção da situação, atuaria de outro modo, procurando outra etiologia/confirmando a existência (ou não) de alterações vasculares no caso concreto, nomeadamente através de pesquisa dos pulsos do pé e/ou o exame döppler.

Quanto aos danos, os mesmos traduziram-se na amputação sofrida pelo A. (que poderia ter sido evitada com um diferente atendimento de saúde por parte dos profissionais do Réu) e nas dores, angústias, tristezas e limitações pelo mesmo descritas e vivenciadas (conforme nomeadamente factos provados n.ºs 22 a 30).

O nexo de causalidade entre o facto e o dano existe e está patente nos factos provados n.ºs 16 a 18, dos quais resulta que:

- existe nexo de causalidade entre o acidente (durante atividade desportiva em estabelecimento prisional ocorrido cerca de duas semanas antes da primeira observação datada de 9 de dezembro de 2009) e a amputação major abaixo do joelho do membro inferior direito (dano físico permanente apurado);

- a isquemia aguda pós trauma pode ser compatível com uma evolução de 24 dias (trombose parcial/disseção arterial poplítea pós trauma com isquemia aguda secundária progressiva por progressão proximal ou distal) e

- se na data da observação do A. pelo Hospital (...) existisse já alteração circulatório arterial e ela fosse diagnosticada, instituídas medidas de revascularização e ação medicamentosa sobre a coagulação, a amputação teria melhores perspectivas de poder ser evitada.

Assim, os danos causados (amputação e suas consequências) resultam da conduta ilícita e culposa dos profissionais do Réu aquando do segundo atendimento em sede de urgência, momento em que deveriam ter atuado de outro modo face às leges artis, desenvolvendo as diligências necessárias ao correto diagnóstico do A., recorrendo a meios complementares suficientes para apurar cabalmente a patologia de que padecia o A., de modo a amputação poder ser evitada.

Temos assim de concluir que houve atuação negligente do Réu Hospital, violadora das leges artis, nos termos dos artigos 7.º, 9.º e 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e que teve como resultado os danos correspondentes (amputação e suas consequências) que se encontram provados nos autos (nexo de causalidade).
Existindo facto ilícito culposo, danos e nexo de causalidade, existe obrigação de indemnizar, pois os pressupostos da responsabilidade civil são de verificação cumulativa, cabendo agora quantificar a obrigação de indemnização.
O A. solicita que o Réu seja condenado a título de danos não patrimoniais na quantia de 150.000€ e a título de danos patrimoniais no pagamento da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, ainda a apurar, em virtude da IPP de que padece o A., valores acrescidos de juros legais até efetivo e integral pagamento.
Quanto à existência de danos patrimoniais, a mesma não se verifica nos presentes autos, porquanto à data dos factos o A. encontrava-se em cumprimento de pena no EPP, não exercendo qualquer atividade remunerada. Adicionalmente, o mesmo não padece de incapacidade permanente para o trabalho, não estando impedido de desempenhar qualquer atividade (cf. facto provado n.º 22), nem se provou nos presentes autos qual o rendimento que auferia na anterior atividade (cf. facto não provado). Face ao exposto, inexistem danos patrimoniais a ter em consideração na presente situação, pelo que se absolve o Réu de tal pedido.
Quanto aos danos não patrimoniais, tendo em conta os danos sofridos pelo A.

resultantes da factualidade provada (cf. nomeadamente factos n.ºs 23 a 30), considera o Tribunal adequado atribuir uma indemnização (compensação) a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção os critérios legalmente definidos nos artigos 494.º e 496.º, número 4 do Código Civil, no montante de 50.000€.
Pelo que o Réu terá de indemnizar o A. no montante global de 50.000€, a título de danos não patrimoniais.


Do pedido de juros

Os juros moratórios são devidos desde o dia da constituição em mora (cf. artigo 806.º, n.º 1 do CC). Relativamente ao momento da constituição em mora rege o disposto no artigo 805.º do Código Civil, sendo os juros neste caso devidos desde a data da citação por força do artigo 805.º, n.º 3 última parte do CC.

In casu, de acordo com a fonte da obrigação de juros, está-se perante um tipo específico de juros: os juros legais – aqueles cuja obrigação de pagamento emerge diretamente da lei e que se vencem independentemente da existência de qualquer acordo de vontades, sendo aplicável o regime decorrente do artigo 806.º, n.º 2 do CC.
Estes juros de mora serão contados à taxa anual de 4% desde a data da citação (in casu 24/1/2012 – cf. facto provado n.º 31) até efetivo e integral pagamento – cf. artigos 559.º e 806.º, n.º 2, ambos do CC e Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril.


Pelo que estão verificados todos os pressupostos que determinam a condenação do Réu, no pedido de indemnização por danos não patrimoniais no valor global de
50.000€, acrescidos de juros legais de mora, desde a citação, até efetivo e integral pagamento – cf. 805.º, n.º 3 do Código Civil.
X
Do recurso principal -
Vem o presente recurso interposto desta sentença através da qual a presente acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré foi condenada no pagamento ao Autor da soma de 50.000 €, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se a Ré dos demais pedidos formulados.
Está em causa o quantum fixado.
As partes discordam, um apelidando-o de escasso e o outro de excessivo.
Cremos que sem razão.
Vejamos,
Dos danos não patrimoniais -
Entende o Recorrente que o montante de 50.000,00€ que foi atribuído pela sentença, ora posta em crise, a título de indemnização por danos não patrimoniais, é insuficiente, devendo ser fixada uma indemnização a este título, de montante superior.
Ora, tal posição encontra-se em manifesta oposição com os factos.
É que o artigo 496º do C.Civil estabelece o seguinte:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. … .
3. O montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º;
E no artº 494º do mesmo diploma legal estabelece-se a regra de que - em caso de mera culpa (como é o caso dos autos) - a indemnização pode ser inferior àquele que corresponderia ao dano efectivo.
Assim e fixando-nos na regra do artº 496º do Cod. Civil, resulta que:
Merecem ser indemnizados os danos não patrimoniais graves e a indemnização deve ser fixada equitativamente.
Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, gravidade esta avaliada por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.
No caso dos autos, os danos não patrimoniais do Autor merecem a tutela do direito - são graves, (atendendo ao laudo pericial que fixou a IPP em 30 pontos e que não se encontra questionado).
Na ponderação do que - em termos de danos não patrimoniais - merece a tutela do direito, os danos não patrimoniais do Autor merecem tal tutela.
Portanto, até a Ré aceita que os danos não patrimoniais do Autor devem ser indemnizados.
Resulta, pois, da conjugação dos artigos 496º/3 e 494º, ambos do C. Civil, que, entre os parâmetros que presidem à fixação da reparação equitativa dos danos não patrimoniais, assumem especial proeminência a culpa do lesante e os padecimentos sofridos pelo lesado em consequência do facto ilícito.
No caso em apreço, resulta do probatório, quanto aos danos, que os mesmos se traduziram na amputação sofrida pelo A. (que poderia ter sido evitada com um diferente atendimento de saúde por parte dos profissionais do Réu) e nas dores, angústias, tristezas e limitações pelo mesmo descritas e vivenciadas (conforme, nomeadamente factos provados n.ºs 22 a 30).
Na equidade o julgador deve ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático e da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, pelo que entendemos ser ajustado o valor fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais - o montante de € 50.000,00.

Atente-se na factualidade levada ao probatório sob os nºs 23) a 30):

23) As sequelas referidas no n.º anterior consubstanciam um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 30 pontos [dano avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos)] – cf. relatório pericial.
24) O A. sofreu fortes dores antes da operação (amputação) e após a mesma, resultantes das lesões e tratamentos a que se sujeitou.
25) Tendo sido submetido a vários tratamentos e cirurgias, durante o período de internamento e após o mesmo, resultantes das lesões e tratamentos a que se sujeitou, que lhe causaram fortes dores físicas e psíquicas.
26) O A. efetuou tratamentos e fisioterapia, com vista à reabilitação possível.
27) O A., tinha um grande gosto pela vida e era uma pessoa enérgica, com grande apetência para a prática de desportos, principalmente basquetebol e futebol.
28) O A. gostava da vida ao ar livre, de fazer caminhadas e de conviver com familiares e amigos.
29) A amputação causa ao A. um profundo dano estético, profunda mágoa e grande tristeza, mais causando situações de profunda depressão, ansiedade e angústia.
30) A amputação limita o A. profundamente na sua vida quotidiana – no entanto, o mesmo não necessita de ajuda de terceira pessoa nos atos da vida diária - e nos seus desejos e anseios, nomeadamente constituir família.
Com efeito, repete-se, fruto da negligente atuação da Ré, o Autor sofreu a amputação da perna direita.

É fácil de cogitar os danos que tal amputação aportou para o A.. Para além das fortes dores, resultantes dos tratamentos e cirurgias, uma tal circunstância causa certamente uma mágoa e tristeza imensa para o resto da vida. As limitações são também inúmeras. O dano estético é imenso e gerador de grande sofrimento.
Embora a atribuição de um montante pecuniário nunca seja suficiente para ressarcir o A. de todo o sofrimento que sentiu e sentirá, ela deve permitir pelo menos atenuá-lo.
Ora, é, para nós, claro que a indemnização atribuída pelo Tribunal recorrido ao Autor é adequada e, portanto, justa - nem de menos, nem de mais -.
Tudo ponderado não se bulirá na indemnização de 50.000,00€ atribuída a título de danos não patrimoniais.
Aliás, segundo a jurisprudência dos tribunais superiores, sendo feito julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida - cfr. o Acórdão do STJ de 17/09/2014 no proc. nº 158/05.2PTFUN.L2.S2, acolhido por este TCAN em 13/01/2017 no âmbito do proc. nº 417-A/2002 (TAF Coimbra).
A esta luz e com os fundamentos supra expendidos, considerando o que foi a ponderação do Tribunal a quo e bem assim os limites que considerou, naufraga o recurso interposto pelo Autor, neste domínio.
E o mesmo se diga quanto aos danos patrimoniais - no que concerne à indemnização pelo dano futuro, ou seja, pelo dano decorrente da incapacidade permanente défice funcional permanente - de que o Autor ficou afectado -.
É que, a este nível - indemnização pelo dano futuro - não se trata da atribuição de uma indemnização, mas da fixação de uma indemnização, e a diferenciação entre o elemento teleológico de atribuição e fixação faz toda a diferença.
A este respeito, importa ter presente o que dispõe o artº 564º do CC, no que concerne aos danos futuros - “… na fixação da indemnização, o Tribunal deve atender aos danos futuros que sejam previsíveis”.
In casu, obviamente esse dano futuro não é previsível.
É que, como decorre do disposto no artº 566º nº 2 do CC, a indemnização em dinheiro - e é o caso - “tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse o dano”.
Parafraseando a sentença recorrida: “Deste modo, a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (situação real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, reportadas, quer uma quer outra, à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (normalmente, o momento do encerramento da discussão, na primeira instância - (…)”.
Acontece que na situação sub judice resulta claro que o Autor, quer antes dos factos em discussão nos autos terem ocorrido, quer no momento do encerramento da discussão em primeira instância, não trabalhava …. porque se encontrava em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional.
E também não logrou provar que antes da sua detenção auferisse qualquer rendimento proveniente do trabalho.
Acresce que, conforme resulta da matéria dada como provada no nº 22, o Recorrente apresenta “Força muscular mantida (5/5) e simétrica relativa ao membro contralateral” … e, mais importante, quando resulta do laudo pericial, dado como provado que, relativamente ao Autor, “… o seu atual perfil funcional será compatível com a ocupação de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional envolva a utilização dos membros superiores, mas sem grande exigência física dos membros inferiores, como seja, vigilante, porteiro, empregado de receção, bilheteiro…”, sem qualquer desvalorização profissional, como decorre do documento referido.
Assim, a indemnização a título de dano futuro peticionada pelo Recorrente face ao défice permanente de que ficou afectado (a incapacidade permanente) não é devida nos termos legais.
Impõe-se, assim, a manutenção, também, nesta parte, da sentença sob apreciação.
A condenação da Recorrida ULSM a título de danos patrimoniais constituiria violação do disposto nos artigos 562º a 566º e 473º do CC.
De resto, o apelo à Constituição é de todo insuficiente.

Com efeito, considera-se que é manifestamente insuficiente a alegação genérica de que a conduta da Ré, no dizer do Autor, viola os mais elementares princípios com consagração constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade e o direito ao trabalho constitucionalmente estabelecidos nos seus artºs 13º e 58º, dada a omissão de substanciação fáctico-jurídica subjacente a esses putativos vícios. Com efeito, o Autor não aduz quaisquer razões de facto e de direito em que se concretizam as referidas causas de invalidade. Nessa parte, por isso, a pretensão do Autor afigura-se votada ao insucesso, por falta da exigível substanciação essencial da causa de pedir (cf., a propósito, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-04-2003, proc. nº 00211/03, e o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 01-03-2019, no proc. nº 02570/14.7BEBRG).
É que, relativamente à inconstitucionalidade, conclusivamente invocada, sempre a mesma teria de estar acrescidamente justificada, pois que não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação de princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado. Ou seja, por falta de densificação tal matéria sempre sucumbiria.
Do recurso subordinado -
Pese embora a vasta jurisprudência trazida pela Recorrente, certo é que a decisão ora recorrida versa sobre um caso de negligência médica e não de um acidente de viação, pelo que é evidente a diferença entre o valor nesse caso atribuído e o insignificante valor proposto pela Recorrente de apenas 19.000,00.
In casu, como já se disse, o montante arbitrado afigura-se justo e adequado, de forma a dar reposta à situação e dignidade ao Autor/Recorrido que, tão jovem, ficou de forma tão intensa limitado, física e psiquicamente, para o resto da sua vida.
E o que dizer dos Juros?
Discorda ainda a Recorrente da atribuição dos juros fixados pelo Tribunal a quo desde a data da citação, sem explicar concretamente porquê.
Porém, bem andou o Tribunal ao atribuir juros desde a data da citação, limitando-se a aplicar os normativos legais atinentes, designadamente o disposto no n.º 3 última parte, do artigo 805.º do Código Civil.
Em suma:
-Discorda a Recorrente ULS (...) EPE da indemnização arbitrada ao A. de € 50.000,00, a qual considera injusta e exagerada, socorrendo-se de jurisprudência emanada pelos Tribunais superiores.
-Tal jurisprudência não versa sobre danos como os que sofreu o A. (amputação).
-Só a atribuição do montante fixado dá, de alguma forma, reposta à situação, atendendo a que o Recorrido ficou, de forma intensa, limitado, física e psiquicamente, para o resto da sua vida;
-O Tribunal a quo, ao atribuir juros desde a data da citação, limitou-se a aplicar os normativos legais atinentes, designadamente o disposto no n.º 3 última parte, do artigo 805.º do Código Civil, o que não poderia deixar de ser.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO

Termos em que:
a) se nega provimento ao recurso do Autor;
b) se nega provimento ao recurso subordinado.

Custas pelos Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Autor.

Notifique e DN.

Porto, 09/6/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro