Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00106/14.9BEVIS-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/25/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:TAXA DE JUSTIÇA;
ADMISSIBILIDADE RECURSO;
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
Sumário:1_ O artigo 147.º do CPTA não afasta a aplicação do artigo 142.º, n.º 5, do mesmo Código aos processos urgentes.
2_ O retenção do recurso de um despacho de notificação para pagamento de uma taxa de justiça superior à já paga não implica uma situação de absoluta inutilidade do mesmo se apenas subir aquando do recurso da decisão final já que quem tiver que pagar uma taxa de justiça superior à devida será posteriormente reembolsado.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto da Segurança Social, IP
Recorrido 1:MMSM...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento cautelar não especificado - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Instituto da Segurança social, ip, com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Mmo Juiz do TAF dE Viseu, em 22.05.2014, que ordenou, o pagamento prévio da taxa de justiça, estipulando “o prazo de 10 dias para a entidade requerida autoliquidar a importância em causa e juntar aos autos a comprovativo do pagamento efectuado.”.
Para tanto alega em conclusão:
I- O litígio em causa nos autos cautelares respeita ao contencioso das instituições de segurança social, por envolver uma dessas instituições (o ISS,IP, ora recorrente) e exigir a aplicação de legislação sobre segurança social (cfr. art. 3º nº 1 e 2 al. a) da Lei Orgânica, aprovada pelo DL nº 83/2012, de 30 de Março, e art. 4º, nº 1, al. b), art. 8º, art. 30º, al. b), e art. 46º e arts. 66º a 70º do DL nº 133-B/97, de 30 de Maio), pelo que se subsume à previsão da norma legal da al. c) do nº 1 do artº 12º do Regulamento das Custas Processuais.
II - Enquanto instituto público com a missão de gerir as prestações de segurança social, o requerido nos autos cautelares, ora recorrente, procedeu à liquidação da taxa de justiça no montante de 51,00€, conforme previsto na referida alínea c), do nº 1, do art. 12º do RCP, com a redacção introduzida pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, atendendo ao valor constante do ponto 1.1 da Tabela I-B, a ela anexa e que fixa a base tributável em meia unidade de conta (51,00€) para os “(…) processos de contencioso das instituições de segurança social (…)”, tendo procedido à junção aos autos, do respectivo comprovativo de liquidação, em 21/04/2014 (realce nosso).
III - A referida disposição legal aplica-se a qualquer forma processual, incluindo as providências cautelares, uma vez que o legislador nela não fez qualquer distinção quanto aos tipos de processo a que se aplica e, nos termos da regra geral do RCP, definida no nº 1 do art. 6º do mesmo Regulamento, “(…) a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado (…)” (realce nosso).
IV – Ao determinar a aplicação do art. 7º do RCP, sem aquilatar da finalidade que se pretendia atingir no processo cautelar, limitando-se a exigir o pagamento de valor suplementar da taxa de justiça, por aplicação da Tabela II do RCP, a decisão do Tribunal a quo padece do vício de violação de lei, por não respeitar o disposto na al. c) do nº 1 do art. 12º do RCP.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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FACTOS A FIXAR (e com relevância para os autos):

_ O R., na sequência de notificação da sentença proferida e da concessão de prazo para autoliquidação da taxa de justiça, de 9/04/2014, requereu em 21/04/2014 a junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no valor de 51,00 €, efectuada ao abrigo do disposto no art. 12º, nº 1, al. c) do RCP e em conformidade com o valor constante do ponto 1.1 da Tabela I-B anexa ao RCP.

_ Na sequência de nova notificação do Tribunal, de 14/05/2014, para autoliquidação e junção aos autos de comprovativo do pagamento da taxa de justiça “Em falta” no valor de € 224,40, relativamente à “Taxa devida … € 275,40”, o R, ora recorrente, apresentou reclamação em 19/05/2014.

_ Na sequência desse requerimento foi proferido o despacho aqui recorrido com o seguinte conteúdo:
“O artigo 12.º do RCP que estabelece expressamente que nos casos ali previstos, se atende sempre ao valor indicado na Linha I da Tabela I-B.
Todavia, nos termos do art. 7.º do RCP, é disposto que a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares é determinada de acordo com a Tabela II.
Pelo que, a taxa de vida nos presentes autos cautelares deve de acordo com a Tabela II Anexa ao Regulamento.
Assim, concede-se o prazo de 10 dias para a entidade requerida autoliquidar a importância em causa e juntar aos autos a comprovativo do pagamento efectuado.
Notifique.”

_ Em 24/7/014 foi proferido o seguinte despacho de sustentação:
“Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores por considerar que a decisão recorrida se encontra de acordo com o disposto no Regulamento das Custas Processuais, mantenho-a nos seus precisos termos.
A taxa devida nos processos cautelares, ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 4 do RCP, é de acordo com a Tabela II Anexa, sem qualquer excepção, porque se fosse intenção do legislador abrir excepções para os processos cautelares, tê-lo-ia deixado consignado. Não poderemos aplicar o valor constante na Linha 1 da Tabela I-B Anexa ao RCP, ao caso vertente, por se tratar de processo cautelar, tendo norma própria.
Porém, V.ªs Ex.ªs, melhor apreciarão e como for de justiça.”
_ O processo cautelar aqui em causa respeita a litígio relativo à eficácia do Protocolo de Colaboração celebrado entre a Presidente deste Instituto Público e o Diretor-Geral da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), em 22 de Outubro de 2013, cujo objecto abrange os circuitos e procedimentos de situações de colaboração no âmbito da atribuição do Subsídio Por Frequência de Estabelecimento de Educação Especial, que se encontra previsto no Decreto-Lei nº 133-B/97, de 30 de Maio (Regime Jurídico das Prestações Familiares), e no Decreto Regulamentar nº 14/81, de 7 de Abril (regulamentação da atribuição do SEE), entre outros, e que se enquadra no regime de proteção nos encargos familiares do beneficiários do regime geral de segurança social (cfr. arts. 4º nº 1 al. b) e 8º do referido Decreto-Lei nº 133-B/97, de 30 de Maio).
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 5, 608.º, 635.º, n.ºs 3 e 4 e 638º, n.º 3 todos do Novo Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
A questão que aqui importa conhecer é se foi ou não violado pela decisão recorrida o art. 12º nº1 al. c) da Tabela I-B anexa ao RCP.

O DIREITO
Antes de se entrar no objeto do recurso é necessário aferir da bondade do despacho que admitiu o recurso.
O despacho que procedeu à admissão no tribunal “a quo” do recurso jurisdicional tem caráter provisório, e apesar de obrigar o juiz que o proferiu, não constitui caso julgado formal, não vinculando o tribunal de recurso sendo o juiz relator, a quem cumpre aferir da verificação, em cada caso, dos pressupostos ou requisitos legais da regularidade e legalidade da instância de recurso jurisdicional.
Essa aferição é oficiosa e pode implicar o não conhecimento do objeto do recurso ou conhecendo-o, a correção da qualificação que lhe foi dada, o momento de subida e o efeito atribuído [cfr. arts. 685.º-C, n.ºs 1 e 5, 700.º, n.º 1, al. b), 702.º a 704.º todos do CPC e nºs 641 nºs 1 e 5, 652 nº1 al. b), 653º e 655º do Novo CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º].
Ora, coloca-se a questão da admissibilidade de recurso autónomo de um despacho interlocutório em processo cautelar.

Começa por se questionar a aplicação do regime do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA no âmbito de providências cautelares.

Esta questão tem merecido discussão a nível da doutrina, como o referem, Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, anotação do art. 147.º; Paulo Pereira Gouveia, “As realidades da nova tutela cautelar administrativa”, em CJA, 55, ponto 8.3; Elizabeth Fernandez, «Urgência e recursos – A apelação autónoma das decisões interlocutórias”, CJA, 83, ponto 3; Esperança Mealha, “O tempo e o modo dos recursos jurisdicionais nos processos cautelares”, em Revista do CEJ, n.º 13, págs. 237-259.

O artigo 142.º, n.º 5, do CPTA dispõe que: «As decisões proferidas em despacho interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil».

Por sua vez o artigo 147.º, n.º 1, dispõe que: “Nos processos urgentes, os recursos são interpostos no prazo de 15 dias e sobem imediatamente, no processo principal ou no apenso em que a decisão tenha sido proferida, quando o processo esteja findo no Tribunal recorrido, ou sobem em separado, no caso contrário”.

O que se coloca é precisamente a de saber se este preceito afasta aquele do artigo 142.º, n.º 5.

Como se decidiu no Ac. do STA 0225/11 de 06/16/2011do Pleno da Seção o artigo 147.º do CPTA não afasta a aplicação do artigo 142.º, n.º 5, do mesmo Código aos processos urgentes.

Extrai-se do mesmo que: “ 2.2.4. De qualquer modo, também já dissemos que a querer o artigo 147.º desfazer a distinção do artigo 142.º, n.º 5, que se apresentava inovadora, seria de esperar que tivesse utilizado um mínimo de expressão literal mais esclarecedora.

Afigura-se, assim, que a melhor compreensão do artigo 147.º, n.º 1, é a de que ele não contém qualquer disciplina que afaste o regime do artigo 142.º, n.º 5.

Ou seja, como também defende a recorrida, no artigo 142.º, n.º 5, do CPTA dispõe-se sobre a recorribilidade e impugnabilidade dos despachos interlocutórios proferidos em todos os processos, já no artigo 147.º, n.º 1, nada se prevê sobre essa matéria, antes, apenas, sobre o momento de subida e o modo de subida dos recursos.

É o que corresponde completamente ao sentido literal mais directo de ambos os preceitos (interpretação declarativa) e tem plena justificação de substância, não havendo qualquer razão para pensar que a letra do artigo 147.º, n.º 1, fica aquém do seu espírito.

E na verdade,

2.2.4.1. A interpretação que se acaba de realizar não se traduz em nenhuma postergação do direito de tutela jurisdicional efectiva.

Essa postergação tem sido apontada como consequência da aplicação do artigo 142.º, n.º 5, aos processos urgentes (os autores acima indicados, com excepção de Esperança Mealha).

Mas não se vê que uma regra como a do artigo 142.º, n.º 5, agora também inscrita no CPC, possa ser violadora do direito a efectiva tutela jurisdicional, apenas por também aplicável em processos urgentes.

O direito a efectiva tutela jurisdicional, constitucionalmente inscrito – artigo 20.º – e também inscrito, por exemplo, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não releva apenas de processos urgentes.

O processo pode é ter que ser urgente para que a tutela jurisdicional seja efectiva; a urgência de certa tramitação pode exigir-se por sem ela se violar a tutela a que se tem direito; fora isso, aquela imposição constitucional, convencional e comunitária não determina a tramitação a seguir.

Em rigor, a tramitação e prazos processuais estabelecidos para os processos não urgentes devem corresponder, igualmente, à exigência de real tutela jurisdicional. Não se compreenderia que fosse a lei a estabelecer tramitação e prazos contrários à imposição constitucional.

E se eles, aqui ou ali, não correspondem ao que é devido, haverá que os modificar. Não se pode é pensar o processo urgente como aquele que, sim, garante a tutela, e os outros não.

Ora, se bem se julga, os dois casos que são apontados pelos autores para uma alegada violação da tutela jurisdicional ocorreriam pela impossibilidade de imediato recurso das decisões relativas ao incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, a que se refere o artigo 128.º, n.º 5, e ao decretamento provisório, a que se refere o artigo 131.º, n.º 6.

Fora desses dois casos, mesmo Autora defensora da tese da derrogação do do artigo 142.º, n.º 5, pelo artigo 147.º, n.º 1, considera, «poder ser criticável que toda e qualquer decisão intercalar – independentemente do seu impacto no processo – possa ser objecto de recurso autónomo»” (Elizabeth Fernandez, idem).

São, portanto, aqueles dois casos que parecem fazer inclinar os autores para a interpretação da derrogação do artigo 142.º, n.º 5, pelo artigo 147.º, n.º 1.

Só que, o artigo 142.º, n.º 5, não impede esse recurso.

É que, exactamente o CPC contemplava no art. 734.º, n.º 2, e contempla agora no art. 691.º, n.º 6, uma cláusula geral de imediata recorribilidade de decisões cuja impugnação posterior se revele inútil. Ora, nessa cláusula inserir-se-ão decisões sobre aquelas duas matérias (neste sentido, Esperança Mealha, idem), e é isso mesmo que tem vindo a ocorrer na prática judiciária.

No mais, com certeza que no juízo de utilidade haverá que estar presente o princípio de efectiva tutela jurisdicional.

2.2.4.2. O acabado de indicar serve, ainda, para sublinhar que despropositada seria a recorribilidade imediata de toda e qualquer decisão intercalar, como afinal é reconhecido. Ao contrário de cumprir uma exigência de urgência, faria pulular pelos tribunais recursos e mais recursos desprovidos de interesse na sua imediata resolução, sem qualquer exigência intrínseca de urgência, muitos deles destinados a perder utilidade em função do resultado final do processo, apenas congestionando, ainda mais, o funcionamento da justiça.

2.2.4.3. Finalmente, a interpretação que se acolhe está perfeitamente em linha com o que veio a ser o regime processual civil de recursos aprovado pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.”

Ao determinar-se neste art. 142.º, n.º 5 que «as decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil» está a determinar-se a remeter-se os casos de subida imediata para as situações previstas no n.º 2 do art. 734.º do CPC, revogado pelo novo CPC, que dependem de uma apreciação jurídica sobre a absoluta inutilidade que acarretaria a retenção.

De qualquer forma e como resulta do art. 691º nº2 al. m) do anterior CPC cabe ainda recurso das “ DecisoÞes cuja impugnaçaÞo com o recurso da decisaÞo final seria absolutamente inuìtil;

e do 644º nº2 al h) do atual CPC : Das decisoÞes cuja impugnaçaÞo com o recurso da decisaÞo final seria absolutamente inuìtil;

Ora, não está aqui em causa nenhuma situação de absoluta inutilidade da retenção do recurso já que quem tiver que pagar uma taxa de justiça superior à devida será posteriormente reembolsado.

Está aqui o objectivo subjacente de um regime restritivo do recurso dos despachos interlocutórios com vista a, manifestamente, evitar a perturbação que a admissibilidade generalizada desses recursos acarreta para a celeridade processual e a não intervenção do juiz no tribunal recorrido, selecionando os recursos que devem ser admitidos (com subida imediata e efeito suspensivo, pois é esse o efeito regra previsto no art. 143.º, n.º 1).
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em não admitir o recurso interposto.

Custas pelo recorrente.

R. e N.

Porto, 25/09/014

Ass.: Ana Paula Portela

Ass.: Luís Migueis Garcia

Ass.: Frederico Macedo Branco