Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01049/03.7BTVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:PRESCRIÇÃO; INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO; SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL; DÍVIDA GARANTIDA POR PENHORA;
REPORTE DE IVA
Sumário:I – A prescrição suspende-se quando a dívida tributária esteja garantida por penhora realizada no processo de execução fiscal e este processo fique suspenso a aguardar a decisão a proferir na impugnação judicial.

II - A referida suspensão, faz com que o prazo de prescrição não se continue a contar e apenas volta a correr após o trânsito em julgado da decisão que for proferida na impugnação judicial.
III – A dedução de IVA pode ser efetuada através do método de reporte, mas carece de autorização do SIVA, não podendo o sujeito passivo, efetuar por sua iniciativa, a compensação entre o IVA dedutível e o IVA a pagar.
Recorrente:M.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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M., habilitada nos autos à margem referenciados, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa por óbito de A., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação de IVA de 1993 e as liquidações de Juros Compensatórios referentes ao mesmo ano, por entender ser detentor de crédito de imposto.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida que julgou inteiramente improcedente a impugnação apresentada por A., absolvendo-se a Fazenda Pública do pedido anulatório formulado, estando em causa a liquidação adicional de IVA do ano de 1993 e de liquidação de juros compensatórios, nos termos da impugnação que aqui se dá por reproduzida por uma questão de economia processual.
2. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não decidiu devidamente a exceção de prescrição e não apreciou devidamente todas as questões colocadas na impugnação, existindo erro de julgamento quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, sendo materialmente injusta, não existindo conformidade com o direito aplicável.
3. O impugnante, para além da impugnação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios, nos seus art.º 9º, 21º, 28º a 30º da sua petição, que aqui se dão por reproduzidos, questiona a legalidade da decisão do indeferimento da reclamação graciosa, apontando-lhe os vícios aí anunciados, peticionando “anulação dos atos tributários notificados e aqui impugnados, acertando-se consequentemente os valores declarados...”
4. Pelo que o Tribunal ao não se pronunciar sobre todos os factos e fundamentos da impugnação, há omissão de pronúncia nos termos dos art.ºs 124º e 125º do CPPT, art.º 615º nº 1, alínea d), do Código Processo Civil, aplicável ex vi art.º 2, alínea e) e art.º 281º do C.P.P.T, e que conduz à nulidade de sentença, que se invoca.
5. O saneamento das questões invocadas pelo impugnante, efetuadas pelo Tribunal a quo é, pois, insuficiente e ilegal, tendo o mesmo dado como provados apenas os pontos constantes da douta sentença, de A. a Y, não tendo sido dados como provados outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
6. Ora, com todo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz deveria também ter dado como provado por ter interesse para a boa decisão da causa, nos termos do art.º 640º nº 1, alínea a) e b) do C. Processo Civil, resultando expressamente do despacho fls. 15 da cópia da processo de execução fiscal apenso a estes autos, e do despacho de fls. 28 e da contestação da Fazenda Nacional , o seguinte facto: “Entre a data da apresentação da impugnação pelo impugnante a 14 de novembro de 2003 e 3 de novembro de 2006, data em que foi proferida despacho ordenando a notificação da Fazenda Nacional para contestar, não foi praticado qualquer ato processual, estando o processo parado por razões estranhas ao impugnante”.
7. Tal factualidade é importante para a apreciação da prescrição da dívida tributária do impugnante, podendo este Venerando Tribunal alterar a decisão da matéria de facto neste sentido nos termos do art.º 662º do C. P. Civil.
8. A Recorrente discorda também da motivação da matéria de facto, porque da análise critica do conjunto da prova documental constante destes autos, do processo administrativo apenso e do processo de execução fiscal, teria que necessariamente de se concluir pela formulação do facto supra indicado, como provado.
9. E, da análise critica das peças da reclamação graciosa integrada no procedimento administrativo, resulta que não se encontram nos autos documentos essenciais para a decisão da impugnação apresentada, nomeadamente sobre a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação, como seja o relatório inspetivo de fls. 165 a 179, como o Tribunal reconhece e que a Recorrente acha ser essencial para tal apreciação, nomeadamente sobre as ilegalidades apontadas na impugnação, existindo assim a preterição de um meio de prova, essencial à boa decisão da causa.
10. Pelo que não constando dos autos, sempre terá a presente decisão recorrida de ser anulada e revogada, por violação do disposto no art.º 607º nº 4 do C. P. Civil aplicável ex vi art.º 2º, alínea e) do CPPT, ordenando-se a descida dos autos à 1ª instância, para que coligindo todos os elementos documentais em falta, se profira nova decisão, apreciando todas as questões suscitadas na impugnação, incluindo a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante.
11. Também discorda a recorrente da apreciação / fundamentação do Tribunal a quo, relativamente ao facto “G”, uma vez que o sujeito passivo tem efetivamente direito à utilização daqueles valores relativamente ao período em causa, tratando-se de valores como “regularização a crédito”, que a própria Fazenda nacional não contestou serem devidos, bem pelo contrário, conforme se constata do documento nº 4, fls. 13 junto com a impugnação e a fls. 19 dos autos, emitido pela Direção Geral de Contribuições e Impostos em 02/10/1997, documento esse não impugnado, e não o valorando, existe erro de julgamento, violando-se o disposto no art.º 607º nº 4 e 5 do C. P. Civil, aplicável ex vi art.º 2º alínea e) do CPPT.
12. Razão pela qual se entende que a liquidação adicional de IVA constante dos factos ínsitos nas alíneas I) e L) é ilegal, constituindo um verdadeiro abuso de direito e violação dos Princípios da Justiça Tributária, que se invoca expressamente.
13. Estando em causa nestes autos uma dívida de IVA do ano de 1993, o Tribunal deve apreciar, oficiosamente, a ocorrência da prescrição, tendo em conta os regimes fixados sucessivamente, no art.º 34º do Código do Processo Tributário e no art.º 49º da Lei Geral Tributária, importando considerar todas as causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional, o que, salvo melhor opinião não foi feito, violando-se tais normativos.
14. Da conjugação de tais normas verifica-se que o prazo de prescrição das obrigações tributárias constantes dos autos é de 10 anos, contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, sendo que segundo o nº 3 do art.º 34º do CPT interrompem a prescrição a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução.
15. Porém, o efeito interruptivo cessa se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte, durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período com o que tiver decorrido até à data da autuação, transformando-se a interrupção em suspensão, uma vez que não se inutilizando o prazo prescricional até ao facto interruptivo, se adiciona ao que ocorre posteriormente ao mencionado ano em que o processo esteve parado.
16. Começando o prazo de prescrição a correr em 1 de janeiro de 1994 (ver art. 34º do CPT), o prazo de prescrição a aplicar é o de 10 anos, uma vez que em 01/01/1999, aquando da entrada em vigor da LGT, faltava mais tempo para ocorrer a prescrição (art.º 48º nº 1 da LGT e 297º do C. Civil).
17. Nos termos do art.º 34º nº 3 do CPT, a instauração de processo executivo constituía causa de interrupção da prescrição, e tendo o mesmo sido instaurado em 22/09/1998, dado que esteve parado por período superior a um ano por causa estranha ao impugnante, tal interrupção converteu-se em suspensão.
18. Quando foi apresentada a impugnação, em 14/11/2003 a qual, também parou por período superior a um ano por causas alheias ao impugnante, já estava em vigor a LGT, desde 1 de janeiro de 1999, aprovada pelo Decreto Lei nº 398/98, de 17 de dezembro, nomeadamente o seu artigo 49º nºs 1, 2 e 3.
19. A penhora que foi efetuada nos autos de execução fiscal foi realizada antes da Impugnação, não suspendendo a execução, ou seja, o prazo de prescrição contado até à verificação do facto interruptivo soma-se ao que decorrer após esse ano de suspensão, prosseguindo o seu curso até que outra causa interruptiva ou suspensiva ocorra ou termine o prazo de prescrição (art.º 49º nº 2 da LGT na redação anterior à data da entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006) – veja-se neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, in www.dgsi.pt.
20. O legislador não distingue no nº 2 do art.º 49º da LGT, que tipo de processo, pelo que não pode ter-se uma visão redutora em relação ao processo de execução fiscal (como resulta da decisão recorrida, com o devido respeito por quem a proferiu), mas sim o todo e qualquer processo onde se discuta a legalidade do ato tributário (reclamação, impugnação, recurso, etc.).
21. Por outro lado, a suspensão do prazo prescricional em virtude da paragem do processo de execução fiscal está igualmente sujeito à regra do nº 2 do art.º 49º da LGT (aplicável ao caso dos autos) – cessação do efeito interruptivo quando o processo de impugnação judicial estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, o que é o caso dos autos.
22. E, tendo esta paragem se verificado e consumado até 31 de Dezembro de 2006 (art.º 91º da Lei nº 53-A/2006), feitas as contas significa que a 3 de Novembro de 2006, data em que foi proferido despacho determinando a notificação da Fazenda Nacional de fls. 28 destes autos (alínea y) dos factos provados), há muito que as obrigações tributárias aqui em causa se encontravam prescritas, por ter decorrido o prazo de 10 anos.
23. O prazo prescricional iniciou-se em 01/01/1994, seguiu o seu curso normal até à apresentação da reclamação graciosa em 22/12/1997, primeiro facto interruptivo, decorrendo 3 anos, 11 meses e 20 dias.
24. A reclamação esteve parada por um período superior a um ano, por facto não imputável ao impugnante, pelo que nos termos do nº 3 do art.º 34º do CPT, o prazo prescricional reiniciou-se a 23/12/1998, somando-se o período anterior decorrido até à autuação daquele.
25. Já na vigência do art.º 49º da LGT, com a apresentação da impugnação que deu origem a estes autos a 14/11/2003, temos o segundo facto interruptivo da prescrição, tendo decorrido entre 23/12/1998 e 14/11/2003, 4 anos, 10 meses e 22 dias, contabilizando-se até essa data, 14/11/2003, o decurso de 8 anos, 10 meses e 12 dias, faltando 1 ano, um mês e 18 dias para se completar o prazo de 10 anos.
26. Como este processo de impugnação esteve parado mais de um ano por facto não imputável ao impugnante, significa nos termos do nº 2 do art.º 49º da LGT, que a 15/11/2004, o prazo prescricional reiniciou-se, cessando o facto interruptivo, repristinando-se os períodos anteriores, tendo decorrido entre o dia 15/11/2004 e o dia 03/11/2006, um ano, 11 meses e 23 dias.
27. Encontrando-se, por isso, o prazo de prescrição de 10 anos completado em 3 de fevereiro de 2006, pelo que se encontra provada a exceção da prescrição das obrigações tributárias destes autos, prescrição que expressamente se invoca.
28. Havendo contradição na fundamentação da decisão de facto e de direito que se invoca, violando-se o art.º 607º nº 3 a 5 do C.P. Civil, aplicável ex vi art.º 2º, alínea e) do CPPT, incorrendo o Tribunal a quo em manifesto erro de julgamento, havendo que conjugar todos os normativos do art.º 49º da LGT na redação anterior à Lei nº 53-A/2006, tendo que se admitir não um efeito duradouro da prescrição, mas o efeito instantâneo da mesma, em obediência ao cumprimento do princípio da legalidade tributária, o qual não é consentâneo com interpretações sem o apoio na letra da norma.
29. A interrupção do processo de prescrição é um facto instantâneo e não duradouro, não tendo cabimento que ao mesmo se associe uma suspensão, já que não tem qualquer respaldo na Lei Geral Tributária, pois que ao contrário do que sucede no regime previsto no Código Civil, aquele diploma não faz qualquer referência ao facto de o prazo apenas se reiniciar com o termo do processo que despoletou a interrupção.
30. O regime de prescrição e as suas causas suspensivas do prazo constituem uma garantia aos contribuintes, estando estritamente subordinados a tal princípio da legalidade tributária, sendo que a suspensão do processo de execução fiscal não releva, assim, para a contagem /interrupção do prazo de prescrição fiscal das obrigações tributárias destes autos.
31. Ao não declarar prescritas as obrigações tributárias em causa nestes autos, o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento, violando as disposições do art.º 34º nº 3 do CPT e art.º 49º da LGT na redação anterior à Lei nº 53-A/2006 devendo este Venerando Tribunal julgar procedente a exceção da prescrição, considerando as obrigações tributárias em causa nestes autos, prescritas e consequentemente julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287º, alínea e) do CPC., ex vi alínea e) do art.º 2º do CPPT.
Sem prescindir, e se assim se não entender,
32. A impugnação apresentada pelo impugnante deve ser julgada procedente, entendendo a recorrente que o mesmo que não incorreu em nenhuma ilegalidade ao incluir nas declarações periódicas de IVA, no campo 40, as regularizações de IVA a seu favor, uma vez que previamente apresentou declarações de IVA Modelo C (apenas uma fora de prazo), com crédito de imposto e que deveriam ter dado lugar à emissão por parte do SIVA de um crédito que permitisse declará-los a seu favor no campo 81 da declaração periódica.
33. E, por o SIVA as não comunicar atempadamente, por razões totalmente estranhas ao impugnante, declarou tais montantes que entendia ter direito e que resultam dos factos provados nas alíneas F) e G) e do extrato de conta corrente da DGCI de fls. 19 dos autos, nunca tendo a Administração Fiscal referido expressamente que o impugnante não tinha direito a tais créditos, mas apenas efetuou a liquidação adicional porque o impugnante utilizou tais créditos sem a autorização do SIVA.
34. A Recorrente, entende, pois, que, atento o extrato de conta corrente emitido pela DGCI – Direção de Finanças de Viseu, que a liquidação adicional de IVA em causa é manifestamente ilegal, constituindo um manifesto abuso de direito, que se invoca nos termos dos art.º 334º e ss do Código Civil, expressamente invocado em sede de impugnação e que Meritíssimo Juiz a quo também não se pronunciou, sendo a sentença nula também nessa parte e nos termos supra invocados, ao abrigo do disposto no art.º 124º e 125º º 1 do CPPT e 615º, alínea d) do C. P. Civil, violando-se tais normas do C. Civil.
35. A Administração Fiscal apesar de reconhecer serem devidos tais créditos, entende que o procedimento do impugnante de recuperação de crédito não foi o correto, mas tal deveu-se a erro do SIVA na não comunicação dos créditos e não ao impugnante, sendo a indicação de tais créditos no campo 40 e a única forma de o impugnante recuperar aquilo a que por direito lhe pertencia.
36. O fundamento do indeferimento da reclamação é manifestamente ilegal socorrendo-se da prática de um erro e de um sistema que apenas é imputável à Administração Fiscal, para impedir o impugnante de reaver os seus créditos, sendo a fundamentação desse indeferimento insuficiente, incongruente, ilógica, havendo vício de violação da Lei por erro quanto aos pressupostos de facto (o impugnante mantém o direito ao crédito de IVA), desrespeito pelos princípios da legalidade, justiça, da imparcialidade, da igualdade e economia de meios que regem a atividade administrativa.
37. Entende por isso a recorrente que o impugnante, com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, não tinha o dever de instar a Administração Fiscal a praticar o comportamento tido por legalmente devido (quer administrativa, quer judicialmente), já que esta deveria ter acesso no “sistema” quer à comunicação do SIVA (ou não), quer aos montantes dos créditos devidos, sendo tal “lapso” ou erro apenas imputável à Administração Fiscal e não ao contribuinte.
38. Pelo que existe erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto à subsunção do direito aos mesmos, violando-se as normas invocadas na douta sentença, e, enfermando as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios em causa nestes autos, dos vícios apontados, deverá a impugnação ser julgada totalmente procedente, anulando-se as mesmas com todas as consequências legais, se, entretanto, não proceder a exceção da prescrição das dívidas tributárias.
39. Em face de tudo o exposto deverá este Venerando Tribunal julgar procedente este recurso e revogar a douta sentença recorrida nos termos sobreditos, proferindo acórdão declarando prescritas as dívidas tributárias inerentes às liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios constantes nas alíneas I) a N) dos factos provados, com consequente inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277, alínea e) do C. P. Civil, aplicável ex vi art.º 2º do CPPT.
40. Se assim se não entender, deverá julgar-se inteiramente procedente a impugnação deduzida e em consequência serem anuladas as liquidações mencionadas nas alíneas I) a N) dos factos provados, absolvendo-se a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A., do pagamento à Autoridade Tributária de tais montantes.
41. Ou se for o entendimento deste Tribunal, que as mesmas não podem ser anuladas, sempre deverá ser declarado precedente a exceção de abuso de direito invocado e nos termos sobreditos, com todas as consequências legais.
Assim farão Vossa Excelências a acostumada,
JUSTIÇA

Não foram apresentadas para contra-alegações.

O Ministério Público apôs o seu visto nos autos.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre nulidade de sentença por omissão de pronúncia, por não apreciação do alegado sobre a decisão da reclamação graciosa; se se verifica a prescrição do imposto em causa e para tal seja necessário aditar matéria de facto; e se o contribuinte era detentor de crédito de imposto ou se podia fazer reportes de períodos anteriores sem autorização/comunicação da Administração Tributária (DSIVA).
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

DOS FACTOS:

Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração referida será efetuada por apelo à paginação física dos autos salvo menção expressa em sentido diverso]:
A. O Impugnante apresentou declaração periódica de substituição, Modelo C (art.º 7.º-A do DL n.º 504-M/85, de 30/12) referente a abril de 1993 onde declarou no seu campo 40 o valor de 325.783$00 (EUR 1.625,00) e apurou crédito de imposto no valor de 298.426$00 (EUR 1.488,54)
[cfr. fls. 15 dos autos]
B. O Impugnante apresentou declaração periódica Modelo A referente a maio de 1993 onde declarou no seu campo 40 o valor de 871.378$00 (EUR 4.346,42) e crédito de IVA a reportar de 282.963$00 (EUR 1.411,41)
[cfr. fls. 16 dos autos]
C. O Impugnante apresentou declaração periódica Modelo B referente a junho de 1993 onde declarou no seu campo 40 o valor de 372.344$00 (EUR 1.857,24) e crédito de IVA a reportar de 206.796$00 (EUR 1.031,49)
[cfr. fls. 17 dos autos]
D. O Impugnante apresentou declaração periódica Modelo A referente a julho de 1993 onde declarou no seu campo 40 o valor de 5.198$00 (EUR 25,93), declarando excesso a reportar de 296.860$00 (EUR 1.480,73)
[cfr. fls. 17 dos autos]
E. Em 18 de setembro de 1997 foi elaborado o ofício 18291, dirigido ao Impugnante, visando a sua notificação para esclarecer o preenchimento das declarações periódicas de IVA, nomeadamente no que tange ao campo 40 do quadro 06 (regularizações a favor do sujeito passivo), e nos termos previstos no art.º 77.º do CIVA
[cfr. fls. 9 do procedimento administrativo apenso aos autos]
F. A DF de Viseu comunicou aos serviços do IVA que o contabilista do Impugnante referiu que os valores ali declarados correspondiam aos constantes de declarações Mod. C onde tinha sido apurado crédito de imposto e que à míngua de recebimento de comunicação da DSIVA os tinha ali declarado
[cfr. fls. 10 do procedimento administrativo apenso aos autos]
G. Em 2 de outubro de 1997 a conta corrente de IVA, no que tange a movimentos de regularizações a crédito apresentava os seguintes movimentos (parcial):
Data lançamentoPeríodoMovimentoData
Movimento
Ref.Montante
01/09/19939301656710 RC01/09/1993602003458.478
18/09/19939302748482 RC18/09/1993744699325.783
26/09/1993930365782 RC26/09/1993882901412.870
01/10/19939304316638 RC01/10/1993216364298.426

[cfr. extrato de c/c por natureza constante de fls. 19 dos autos]
H. Em 7 de novembro de 1997 foi preenchida a nota de apuramento Mod. 382, onde é referido que “o sujeito passivo em causa, indicou indevidamente no campo 40 da declaração periódica de abril, maio, junho e julho de 1993 as importâncias referidas nesta nota sem que fizesse qualquer regularização”
Período9304930593069307
Valor (Escudos)325.783$00871.378$00372.344$005.198$00

[cfr. fls. 13 e verso do procedimento administrativo apenso aos autos]
I. Em 11 de novembro de 1997 foi emitida a liquidação adicional de IVA referente a 1993, com o n.º 97412745, no valor de 1.574.703$00 (EUR 7.854,59), com fundamento em “erros de contabilização”.
[cfr. fls. 11 dos autos]
J. Em 11 de novembro de 1997 foi emitida a liquidação juros compensatórios, referente a abril de 1993, com o n.º 97412742, no valor de 263.041$00 (EUR 1.312,04).
[cfr. fls. 12 dos autos]
K. Em 11 de novembro de 1997 foi emitida a liquidação juros compensatórios, referente a maio de 1993, com o n.º 97412743, no valor de 690.310$00 (EUR 3.443,25).
[cfr. fls. 13 dos autos]
L. Em 11 de novembro de 1997 foi emitida a liquidação juros compensatórios, referente a junho de 1993, com o n.º 97412744, no valor de 288.934$00 (EUR 1.441,20).
[cfr. fls. 14 dos autos]
M. Em 22 de dezembro de 1997 contra A. apresentou reclamação contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, do ano de 1993 e no valor de EUR 14.051,08.
[cfr. fls. 22 do processo administrativo apenso aos presentes autos e carimbo aposto na PI de fls. 9 dos autos]
N. Em 22 de setembro de 1998 foi instaurado no Serviço de Finanças de Castro Daire o processo de execução fiscal n.º 2526-98/100264.3 (2526199801002643) contra A., por dívida de IVA e juros compensatórios, do ano de 1993 e no valor de EUR 14.051,08.
[cfr. capa da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
O. Em 26 de setembro de 1998 foi assinado o aviso de receção referente à citação do processo referido no facto precedente.
[cfr. cota de fls. 5 verso, registo de fls. 6 e aviso de receção de fls. 7 da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
P. Entre 26 de setembro de 1998 e 26 de novembro de 2002 não foi praticado qualquer ato no processo de execução fiscal
[cfr. emerge do cotejo da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
Q. Em 18 de setembro de 2003 foi elaborada informação no procedimento de reclamação graciosa no sentido do indeferimento.
[cfr. fls. 23 a 25 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
R. Em 21 de outubro de 2003 foi proferida decisão de indeferimento.
[cfr. fls. 26 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
S. Em 7 de novembro de 2003 foi penhorado o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Castro Daire, sob o art.º urbano U-4478 e com o valor patrimonial de EUR 5.746,15
[cfr. auto de penhora constante de fls. 11 da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
T. Em 12 de novembro de 2003 foi proferida decisão determinando que o registo da penhora fosse efetuado provisoriamente por natureza e em razão do prédio se encontrar registado a favor de pessoa diversa do executado.
[cfr. despacho de fls. 15 da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
U. Em 14 de novembro de 2003 foi apresentada impugnação judicial
[cfr. despacho de fls. 15 da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
V. Em 2 de fevereiro de 2004 foi proferido despacho determinando a suspensão do processo de execução fiscal, nos termos do art.º 169.º do CPPT, e em razão da existência de reclamação da liquidação e a penhora garantir a dívida exequenda e acrescido.
[cfr. informação do escrivão e despacho do chefe do serviço de finanças constantes de fls. 43 da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
W. Em 9 de fevereiro de 2004 foi convertido o registo em definitivo. [cfr. registo predial de fls. 39 da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
X. O órgão de execução fiscal não praticou quaisquer atos de apreensão no referido PEF após a decisão de sustação
[cfr. emerge do cotejo da cópia do PEF apensa aos presentes autos]
Y. Em 3 de novembro de 2006 foi proferido despacho determinando a notificação da Fazenda Pública para contestar a Impugnação
[cfr. fls. 28 dos presentes autos]
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão dos presentes autos.

Motivação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos (não impugnada), do processo administrativo apenso onde se integra o procedimento de reclamação graciosa, bem como da cópia integral do processo de execução fiscal que foi solicitada ao Serviço de Finanças e de harmonia com as menções constantes no rodapé de cada um dos factos assentes.
Numa análise crítica das peças da reclamação graciosa integradas no procedimento administrativo conclui-se que se encontram documentos em falta, na medida em que após a petição da reclamação vem a proposta de decisão que se encontra numerada com o n.º de página original de “205” e a proposta de decisão faz referência a relatório inspetivo de fls. 165 a 179.
Não obstante, atendendo à vetustez do processo (ano de 2003) e à irrelevância para a decisão final considerou-se poder ser dispensada tal averiguação.
Efetivamente, se se efetuar a contagem da prescrição considerando-se o processo parado logo após a instauração desta e, mesmo assim, a dívida não se encontrar prescrita, por maioria de razão também não estaria prescrita com uma paragem ulterior (na medida em que esse período corresponde a uma “suspensão” entre a instauração e a paragem).
Acresce que, atendendo ao último facto interruptivo, como adiante se verá, tal circunstancialismo é de todo inócuo para a contagem da prescrição, que em nada se altera a final.
No que tange ao facto «G» importa salientar que a circunstância da conta corrente de IVA mencionar aqueles valores como “regularizações a crédito” não significa que o sujeito passivo tenha direito à utilização daqueles valores relativamente ao período em causa mas, tão-somente, que este apresentou declaração onde apurou aqueles valores.
Aliás, tal é perfeitamente compatível com as alegações do Impugnante porquanto este refere que apresentou relativamente a períodos anteriores declarações em que apurou aqueles créditos de imposto e que, à míngua de comunicação, os declarou nas declarações daqueles períodos.
Caso tal extrato correspondesse a efetivos créditos de IVA a utilizar estes estariam reportados aos concretos períodos onde foram gerados tais créditos (como “excessos a reportar”) e não às declarações aqui em crise.
Consequentemente,
Tal extrato nada demonstra quanto ao reconhecimento da titularidade de qualquer direito de reporte de crédito de IVA por parte da Administração Fiscal.
**

Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar vamos analisar a eventualidade da prescrição, pois caso a mesma ocorra, prejudica o conhecimento de todas as outras questões, como a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Entende o Recorrente que se devia ter declarado a dívida prescrita, por o processo de impugnação ter estado parado por mais de um ano, por facto que não lhe é imputável.
Pretende, ainda, que seja aditado o facto de a impugnação ter estado parada por mais de um ano.
Apreciando.
A Sentença deu por assente na alínea U) da matéria de facto que a Impugnação foi apresentada em 14/11/2003.
Por sua vez, a alínea Y) da matéria de facto refere que em 03/11/2006, foi proferido despacho a determinar a notificação da Fazenda Pública para Contestar.
Em função da descrição objetiva destes dois factos, não é necessário aditar qualquer matéria de facto, pois percebe-se que entre a data em que a Impugnação foi intentada e a data em que foi proferido despacho a determinar a citação da Fazenda Pública, a Impugnação não esteve parada por causa imputável ao Impugnante.
Face ao exposto, mostra-se desnecessário aditar apreendida matéria de facto.

Analisamos agora se ocorre a prescrição da divida tributária.
A Sentença recorrida entendeu que não se verificava a prescrição, conforme fundamentos nela constantes, que são integralmente os seguintes:
«A dívida impugnada respeita a imposto relativo ao ano de 1993 (bem como os respetivos juros compensatórios que se integram na dívida deste) que está a ser exigida no âmbito de processo de execução fiscal instaurado em 1998.
O ato tributário na génese de dívida foi reclamado em 1997 e, ulteriormente, impugnado em 2003.
Assim, pode afirmar-se que ab initio, era aplicável àquela dívida o prazo prescricional de 10 anos previsto no art.º 34.º do Código de Processo Tributário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril [que entrou em vigor a 1 de Julho do mesmo ano].
Dispunha aquele normativo o seguinte – redação vigente à data dos factos tributários:
“1 — A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2 — O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3 — A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
Resultava, assim, daquele normativo e independentemente da tipologia do imposto em causa, que o prazo de prescrição se iniciava no ano civil subsequente ao da verificação do facto tributário sendo interrompido (entre outros motivos) pela instauração da execução fiscal e pela reclamação, interrupção essa que tinha um efeito instantâneo de desconsiderar o período de tempo anteriormente decorrido [de harmonia com o art.º 326.º n.º 1 do CC] e um efeito duradouro de obstar que tal prazo se reiniciasse [cfr. n.º 3 do art.º 34.º do CPT] até que o processo que deu lugar à interrupção se encontrasse parado por mais de um ano.
Nesse caso, o efeito interruptivo “degenerava” em efeito suspensivo na medida em que o n.º 3 do art.º 34.º do CPT impunha que se adicionasse ao tempo que decorreu até à instauração [e que anteriormente tinha sido desconsiderado] o tempo que ocorresse após a verificação do facto degenerativo [o momento em que o processo se encontra parado por mais de um ano – um ano e um dia].
O que, na prática, corresponde a contar o prazo desde o seu início ressalvada uma “suspensão” entre a instauração do processo que deu lugar à interrupção do prazo prescricional e aquele facto degenerativo.
Para efetuar a contagem do prazo de prescrição torna-se necessário ter presente a raiz desta solução legal e, consequentemente, definir o que é a paragem dos autos por período superior a um ano.
Estes efeitos atribuídos à paragem do processo têm a sua origem [remota] no regime que então estava instituído no Código de Processo Civil, de Alberto dos Reis, cujo art.º 290.º previa:
“A instância interrompe-se quando o processo estiver parado por mais de um ano em consequência da inércia das partes.
Interrompida a instância, cessa o efeito que o n.º 2 do art.º 552.º do Código Civil atribui à citação judicial, somando-se o tempo que decorrera até à citação com o que decorrer a partir do momento da interrupção da instância. Volta a correr, nos mesmos termos, o prazo fixado para a proposição da ação”.
Isto porque, então, a renovação da instância implicava a renovação da citação do réu.
Daí que, para se determinar o conceito de paragem do processo, se deva fazer apelo a essa conceção, tal como estava, então, consagrado.
A esse respeito o Prof. Alberto dos Reis defendia que não deve deixar de se considerar parada a instância pelo facto do processo ser remetido à conta ou serem pagas as custas devidas, fundamentando tal entendimento no seguinte raciocínio: “As partes só cumprem com o seu ónus de promoção, promovendo [em itálico no original] realmente o andamento do processo, não basta que pratiquem qualquer ato processual mas que pratiquem atos com a clara significação e alcance de atos conducentes ao movimento e prosseguimento do processo” [“Código de Processo Civil Explicado”, Coimbra Editora, 1939].
Transpondo aquele entendimento para o caso em apreço emerge dever-se, assim, considerar que um processo se encontra parado sempre que não forem desenvolvidas diligências cujo fim último seja a conclusão do objeto do processo.
Por exemplo, no caso da instância executiva, o processo deverá considerar-se parado sempre que não for praticada qualquer diligência, mesmo que meramente instrumental, conducente à extinção da dívida exequenda.
Relevarão, assim, quer as diligências coercivas propriamente ditas como pagamentos, a penhora ou a venda, mas também as diligências preparatórias ou instrumentais necessárias para a satisfação do credor [como a citação do devedor, a busca nas bases de dados de bens penhoráveis, as deslocações do funcionário ou agente de execução com vista à concretização da penhora, etc.] mesmo que estas se venham a revelar infrutíferas.
Por outra banda, no que respeita a outros atos processuais [tais como conclusões, apensações, transferências entre serviços ou atribuições dos autos a outros funcionários, por exemplo], não relevarão para efeitos de se considerar o processo “não parado” porque em nada aproximam o processo de atingir o seu objeto.
Do mesmo modo, e no que concerne aos processos de contencioso, seja ele administrativo ou judicial, deverão considerar-se tais autos como «parados» sempre que estejam pendentes da prática de qualquer ato e essa pendência não possa ser imputada à violação de qualquer ónus de promoção por parte do autor.
Foi esse o entendimento subjacente à seleção dos factos para fixação da matéria de facto assente.
Efetuado este enquadramento legal da prescrição das dívidas de impostos, e em face dos períodos de tempo aqui em causa, impõe-se uma referência à alteração dos prazos prescricionais.
Com efeito, é necessário ter presente que embora o prazo prescricional de 10 anos estivesse inicialmente estabelecido, ele foi reduzido para 8 anos com a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 1999, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, [cfr. art.º 48.º LGT].
Importa, por isso, quanto à sucessão de prazos de prescrição, fazer referência à aplicabilidade do art.º 297.º do Código Civil que dispõe que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar” [cfr. n.º 1 do art.º 5.º do DL 398/98 que aprovou a LGT].
Resulta, assim, que para a contagem do prazo prescricional é necessário que seja contado o prazo, normalmente, até ao dia em que o prazo mais curto entra em vigor, se sobejar um período superior ao novo prazo é contado o novo prazo de harmonia com as novas regras, se o prazo sobrante for mais curto esse prazo será contado de harmonia com as novas regras em vigor.
No sentido propendido e com referência à redução dos prazos prescricionais relativos aos impostos podem ser consultados os acórdãos do colendo Supremo Tribunal Administrativo no processo 0433/07, de 27/06, e no processo 0483/07, de 23/01/2008, disponíveis em www.dgsi.pt.
Contudo, quer seja contado o prazo remanescente resultante da aplicação do Código de Processo Tributário, quer seja contado o prazo de 8 anos previsto na LGT, tratando-se de normas substantivas, serão sempre considerados como factos interruptivos e suspensivos do prazo, os que como tal estiverem previstos nas normas vigentes à data da sua verificação.
Resultando, assim, que, à míngua de factos suspensivos ou interruptivos do prazo prescricional ocorridos na vigência da Lei Geral Tributária, as dívidas por factos tributários anteriores à sua entrada em vigor, se não prescreverem antes, considerar-se-ão prescritas, em 1/01/2007, data em que se completam 8 anos da sua entrada em vigor.
Contudo, tal não é o caso em apreço, pelo que importa expor o regime da prescrição das obrigações tributárias constante da LGT.
Não estando aqui em causa o momento de início do prazo prescricional porquanto este ocorre com a entrada em vigor da LGT, importa referir o regime da contagem do prazo prescricional previsto na LGT. Na redação conferida pela Lei n.º 100/99, de 26/07 que, no que ao aqui importa, aditou à redação originária a citação como facto interruptivo, o art.º 49.º da LGT dispunha o seguinte:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.
Posteriormente, com a Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2007), aquele normativo foi objeto de alteração, revogando-se o n.º 2 do mesmo, alterando-se a redação do n.º 3 e aditou-se um n.º 4.
“1. A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2. «Revogado»
3. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4. O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”
Nos termos do art.º 91.º daquela Lei, «a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo».
Resulta, assim, da nova redação dada ao preceito, e no que ao aqui importa, que:
(i) Nos casos em que à data de 01/01/2007 (data de entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2007) o prazo prescricional já estivesse em curso em resultado da prévia paragem do processo por mais de um ano, o respetivo prazo manteria o seu curso normal;
(ii) Nos casos em que à data de 01/01/2007 o prazo persistisse interrompido por não ter o respetivo processo que deu origem à interrupção parado por mais de um ano, a eventual paragem subsequente desse não teria qualquer efeito mercê da revogação daquele n.º 2;
(iii) Apenas pode haver uma interrupção do prazo prescricional após 31/12/2006 (caso não tenha ocorrido alguma até então), em resultado do disposto no n.º 3.
Salienta-se, ainda, que a nova redação conferida ao n.º 3 (atual n.º 4) não tem qualquer caráter inovatório apenas pretendendo exprimir que a suspensão da prescrição era consequência da suspensão da execução atinente à cobrança da obrigação em causa.
Uma última nota para referir que um prazo apenas é suscetível de ser interrompido se estiver em curso.
Tal significa que, como é lógico, caso o prazo se mostre já interrompido não é suscetível de ser novamente interrompido sem que previamente este se tenha reiniciado (enquanto é admissível nova interrupção).
*

Explanado o enquadramento legal importa fazer-lhe a submissão dos factos assentes:
O prazo prescricional de 10 anos iniciou-se em 01/01/1994, data correspondente ao início do ano civil seguinte ao do facto tributário, visto tratar-se de imposto respeitante a 1993.
O prazo seguiu o seu curso normal até ocorrer o primeiro facto interruptivo, a apresentação da reclamação graciosa em 22/12/1997.
A interrupção tem por efeito a desconsideração do prazo anteriormente decorrido e obstar a que se reinicie a contagem até que ocorre facto determinante do seu reinício.
Como se referiu aquando da factualidade assente, considerar-se-á que o procedimento de reclamação graciosa esteve parado logo após a apresentação desta.
Consequentemente, em 23/12/1998 o procedimento esteve parado por mais de um ano (um ano e um dia) o que, nos termos do n.º 3 do art.º 34.º do CPT, determina o seu reinício, repristinando-se o período decorrido até à autuação da reclamação.
Como à data da instauração (22/09/1998) inexistia qualquer prazo em curso, à míngua de alvo de interrupção, esta é inócua para efeitos de prescrição.
Relevará, assim e para efeitos de prescrição, o período entre 1/1/1994 e 22/12/1997 e de 23/12/1998 em diante.
Consequentemente, em 1/01/1999, data de entrada em vigor da LGT e do encurtamento do prazo prescricional de 10 para 8 anos, tinham decorrido 1460 dias (entre 1/1/1994 e 22/12/1997 + entre 23/12/1998 e 01/01/1999) pelo que sobejavam para a prescrição apenas 2.190 dias (aproximadamente 6 anos).
Sendo o período sobrante pela lei antiga menor que o novo prazo, é de continuar a contar o prazo em curso e não o inovatoriamente previsto pela LGT.
Assim, e caso não ocorresse qualquer outro facto interruptivo ou suspensivo, o prazo prescricional de 10 anos completar-se-ia em 30/12/2004.
Daqui se conclui que, na melhor das hipóteses para o Impugnante, o prazo prescricional terminaria em 30/12/2004, ocorrendo ulteriormente em função de uma paragem do procedimento de reclamação graciosa em momento ulterior.
Assim e por maioria de razão a dívida nunca estaria prescrita em 14/11/2003.
Nessa data, 14 de novembro de 2003, o Impugnante apresentou a presente impugnação que, de harmonia com o disposto no artigo 49.º da LGT, tem o efeito de desconsiderar o período anteriormente decorrido e obstar ao reinício do prazo (efeito duradouro da interrupção).
Ocorrendo tal facto antes de 1/1/2007, é admissível nova interrupção porquanto o prazo está em curso (mesmo que o processo nunca estivesse parado o prazo retomar-se-ia com a decisão da reclamação graciosa).
Como decorre da matéria de facto assente, o processo de impugnação esteve também parado.
Contudo, tal circunstância é irrelevante para o cômputo da prescrição porquanto ainda antes de este ter estado parado por mais de um ano (15/11/2004), foi proferido despacho determinando a suspensão da execução fiscal.
A suspensão desta por contencioso, nos termos do art.º 169.º do CPPT, tem por efeito a correspetiva suspensão do prazo prescricional de harmonia com o n.º 3 (n.º 4 a partir de 2007) do art.º 49.º da LGT, pelo que a paragem do processo que deu origem à interrupção, para o que aqui importa, é inócua para o cômputo do prazo prescricional visto que este prazo se manterá suspenso até ao trânsito em julgado da decisão dos presentes autos.
À guisa de conclusão,
Em face do exposto, não só se conclui que nesta data remanesce o prazo prescricional inicial de 8 anos como é irrelevante para o efeito do cômputo da prescrição o momento exato em que o procedimento de reclamação graciosa esteve parado.
Acresce que, mesmo que esta nunca tivesse estado parada por mais de um ano, tal circunstância sempre redundaria na aplicação do novo prazo prescricional da LGT de 8 anos, como anteriormente se referiu.
Assim,
Com os fundamentos de facto e de direito anteriormente referidos, declara-se a dívida não prescrita.

Apreciando.
Conforme referido na Sentença, o prazo de prescrição aplicável é de 10 anos e iniciou-se em 01/01/1994, sendo aplicável o regime do Código de Processo Tributário, pelo que, caso não existisse Reclamação Graciosa, instauração da Execução Fiscal ou Impugnação Judicial, a prescrição ocorreria no dia 01/01/2004.

No que concerne à Reclamação Graciosa, verifica-se que foi apresentada em 22/12/1997 e em 21/10/2003, foi a mesma decidida – vide alíneas M) e R) da matéria de facto. Aliás, é esta decisão que permite que o Impugnante lhe faça referência na Petição Inicial desta Impugnação, intentada em 14/11/2003.
Tendo em conta que o prazo de prescrição de 10 anos se iniciou em 01/1/1994, o mesmo terminaria em 31/12/2003.
Considerando que a Reclamação Graciosa foi decidida antes de perfeitos 10 anos (ou seja, em 21/10/2003), significa que no decurso da mesma, não ocorreu a prescrição do tributo em apreço.
Daqui resulta, que o prazo de prescrição esteve interrompido desde a apresentação da Reclamação Graciosa em 22/12/1997 até 21/10/2003, podendo reiniciar-se após esta última data.
Desta forma, no âmbito da Reclamação Graciosa, o tributo não prescreveu.

Finda a Reclamação Graciosa, reinicia-se o prazo de prescrição de 10 anos, uma vez que com a instauração da Execução Fiscal em 22/09/1998 não se podia interromper algo que já estava interrompido por força da apresentação da Reclamação Graciosa em 22/12/1997.
Assim, quando o processo executivo foi iniciado o prazo de prescrição encontrava-se interrompido, não podendo interromper-se segunda vez. Vide sobre o Assunto o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0244/07, em 24/10/2007 (em www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte:
I - Sucedendo-se no tempo vários dos factos elencados no artigo 34º nº 3 do Código de Processo Tributário como interruptivos da prescrição, não pode atender-se apenas ao segundo, ignorando o primeiro, como seria o caso de, deduzida reclamação graciosa após a instauração de execução fiscal, se considerar interrompido o prazo só a partir da dedução daquela.
II - Achando-se interrompido o prazo prescricional, pela ocorrência de algum daqueles factos, a posterior eclosão de outro, embora em abstracto capaz de interromper o prazo, é inócua, pela impossibilidade de interromper o que já está interrompido.
III - Porém, se, após a cessação do efeito interruptivo, ocorrer nova causa de interrupção da prescrição, não pode deixar de se lhe atribuir esse efeito.

Com a instauração da presente Impugnação Judicial em 14/11/2003, o prazo de prescrição volta a ser interrompido. Assim, reinicia-se a contagem do prazo prescricional em 14/11/2003. E reiniciando-se o prazo, é necessário que se perfaçam 10 anos completos após o reinício, ou 11, caso o processo esteja parado por mais de um ano, para que a prescrição ocorra, salvo se entretanto se puder considerar suspenso o prazo de prescrição.
Ora, estabelecia o n.º 3 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, o seguinte:
«3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.».
Desta forma, temos que analisar a Execução Fiscal, para saber se a mesma está parada a aguardar a decisão desta Impugnação Judicial
A Execução Fiscal foi instaurada em 22/09/1998 – vide alínea N) da matéria de facto; em 26/09/1998, o executado foi citado – vide alínea O); depois a execução esteve parada por mais de um ano – vide alínea P); em 07/11/2003, foi penhorado um prédio urbano – vide alínea S), registado provisoriamente em 12/11/2003 e definitivamente em 09/02/2004 – vide alíneas T) e W). Por sua vez, em 02/02/2004, foi proferido despacho a determinar a suspensão do processo de execução fiscal, em função da dedução de reclamação à liquidação – vide alínea V) da matéria de facto.
Posteriormente, e por ofício datado de 15/04/2019, o Serviço de Finanças, vem informar o TCA Norte, (a pedido deste, aquando do primeiro recurso) que a Execução Fiscal se encontra suspensa, com a pendência da Ação Judicial, devido a constituição de garantia (em 07/11/2003) – fls. 128 do processo físico, idem a págs. 79 do SITAF, fls. 11 do respetivo pdf. e fls. 54 do PEF apenso (sendo que, aquando da notificação para as partes apresentarem alegações ao abrigo do artigo 120.º do CPPT, foi data nota da junção aos autos de cópia do processo de execução fiscal).

A informação referida em V) do probatório parece um pouco confusa, na medida em que, estando a Reclamação Graciosa finda em 21/10/2003, não fazia sentido suspender a Execução Fiscal em 02/02/2004, pois que a Reclamação já estava decidida. Faz antes sentido que a Execução Fiscal estivesse suspensa devido a esta Impugnação Judicial, pois que a mesma foi intentada em 14/03/2003. Daí a referência à Ação Judicial no ofício acima referido de fls. 128 do proc. físico
Desta forma, ficou a Execução Fiscal suspensa ao abrigo do disposto no art.º 169.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, preceito que estabelecia:
Artigo 169.º (Suspensão da execução. Garantias)
1 – A execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
Ora, a suspensão da Execução Fiscal ocorre em 02/02/2004, pelo facto de o contribuinte ter apresentado a presente Impugnação Judicial e a dívida se encontrar garantida por penhora.
Daqui resulta que, a partir de 02/02/2004, a Execução Fiscal esteve parada por facto imputável ao Executado, pelo que a partir desta data não se procede a qualquer contagem de tempo para efeitos de prescrição.
Atendendo a que o n.º 3 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária determinava que o prazo de prescrição ficava suspenso, caso a Execução Fiscal também tivesse de ficar suspensa, por força de instauração de Impugnação judicial, conclui-se que tal prazo ainda se encontra suspenso.
Isto, não obstante a paragem desta Impugnação judicial por prazo superior a um ano, pois que esse regime apenas vigorava para a interrupção (n.º 3 do artigo 49.º da LGT) e já não para a suspensão (n.º 3 do mesmo preceito).
Considerando, ainda, que tendo ficado a Execução Fiscal suspensa, por força desta Impugnação Judicial, e que até à data da suspensão não se mostravam decorridos 11 anos, desde o início da contagem do prazo de prescrição, a mesma também não ocorre devido ao processo de execução fiscal.
Significa isto, que tendo o processo de Execução Fiscal sido suspenso, nos termos do artigo 169.º, n.º 1 do CPPT, ou seja, por motivo legal e devido ao Executado ter deduzido Impugnação Judicial, verifica-se que a partir de 02/02/2004, a Execução Fiscal esteve parada por responsabilidade do contribuinte, pois a mesma aguarda a decisão da Impugnação Judicial.
Assim, não obstante a paragem da Impugnação Judicial por período superior a um ano, o regime da suspensão do n.º 3 do artigo 49.º da LGT aplica-se em detrimento do então regime do n.º 2 do mesmo preceito.
Sobre a suspensão do prazo de prescrição, veja-se o que escreve o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no livro «Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária», Áreas Editora, 2008, págs. 49/51: «(…) Aparagem do processo do processo de execução fiscal por motivo de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial ocorre nos casos em que o uso desses meios impugnatórios é acompanhado de prestação de garantia ou penhora de bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (art. 169.º, n.º 1 do CPPT). (…)
No entanto, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário: enquanto durar o facto, a prescrição não começa nem corre.».
O mesmo autor exemplifica a págs. 99 a 101, que se uma execução fiscal instaurada na vigência do CPT, com paragem por mais de um ano, pode não ocorrer a prescrição, se a mesma execução fiscal estiver suspensa, por força de facto previsto na LGT, por ser esta a Lei aplicável à data do facto suspensivo. Esclarece a págs. 82: «Perante uma sucessão de leis reguladoras de uma situação jurídica em curso de extinção, se essa situação não se extinguiu durante a vigência da lei antiga, a lei competente para determinar o regime da sua extinção (inclusivamente a sua não extinção) é a lei nova).».
Desta forma, a partir de 02/02/2004, não é possível contar qualquer período temporal posterior para efeitos de apreciação da prescrição da dívida tributária em apreço, por o seu prazo se encontrar suspenso.
Aliás, continua a ser este o regime, agora previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, especificando a suspensão ocorre até à data do trânsito em julgado da decisão que seja proferida.
Em função da dedução de Reclamação Graciosa, instauração de Execução Fiscal e apresentação de Impugnação judicial, na melhor das hipóteses o contribuinte poderia ver a dívida tributária prescrita em 01/01/2005, em função da pagarem destes processos por períodos superiores a um ano, mas como antes de 01/01/2005, o processo de execução fiscal ficou suspenso (em 02/02/2004) a aguardar a decisão desta impugnação, também o prazo de prescrição ficou suspenso até trânsito em julgado da decisão final deste ação judicial de impugnação.
Daqui resulta, que a dívida tributária em apreço não se encontra prescrita, pelo que compete conhecer o mérito da causa.
*
Conheçamos agora a invocada nulidade de Sentença por omissão de pronúncia, por não apreciação do alegado sobre a decisão da reclamação graciosa
Ao contrário do ora alegado pelo Recorrente, a Sentença pronunciou-se sobre a situação da reclamação graciosa nas páginas 3, 4 e 5, referindo o seguinte:
No que tange ao meio processual e objeto dos presentes autos:
É consabido que sempre que as impugnações judiciais são apresentadas na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, constitui o objeto imediato destas a decisão de indeferimento e o objeto mediato a liquidação de imposto subjacente.
Motivo pelo qual é admitida a apreciação de vícios que sejam imputados à liquidação contestada e que não tenham sido alegados em sede do contencioso administrativo.
Do mesmo modo, é pacífico que eventuais ilegalidades da decisão proferida no contencioso administrativo não tem a virtualidade de inquinar o ato tributário ali contestado porquanto aqueles atos são ulteriores ao ato tributário que impôs e delimitou a obrigação do contribuinte, do mesmo modo que não o pode sanar.
O colendo Supremo Tribunal Administrativo afirmou no processo 01508/14, de 16/12/2015, que “na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”.
Entende, assim, aquele colendo Supremo Tribunal Administrativo de ser de “adotar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica” [cfr. aresto de 01153/11 de 23/02/2012].
Do petitório formulado a final, o Impugnante apenas exterioriza a pretensão de que “devem ser anulados os atos tributários notificados e aqui impugnados, aceitando-se consequentemente os valores declarados”. No caso em apreço foram praticados por parte da Administração Fiscal, vários atos, nomeadamente (i) os atos de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios; e, (ii) os atos administrativos em matéria fiscal que consistem nos atos praticados em sede inspetiva e aqueles em sede de reclamação graciosa.
Todavia, os segundos não constituem verdadeiros atos tributários.
De harmonia com Alberto Xavier “ato tributário” é o título jurídico da obrigação de imposto [Conceito e natureza do ato tributário, p. 535] e que corresponde ao ato mediante o qual é delimitada objetiva e subjetivamente a obrigação tributária do seu destinatário ou, tratando-se de atos de conteúdo tributário negativo, aquele em que se reconhece a inexistência de obrigação de imposto (por exemplo o ato que reconhece a aplicabilidade de isenção de imposto).
Teremos assim que os atos tributários, in casu, serão as liquidações de imposto (e juros compensatórios) contestadas porquanto estas conformam os termos da obrigação tributária a que o sujeito passivo fica adstrito.
Em face do exposto,
E se bem compreendemos a pretensão do Impugnante, este pretende ver anuladas as liquidações de IVA e juros compensatórios e com fundamento em erro quanto aos seus pressupostos de facto, porquanto considera ter direito a deduzir aquelas importâncias ao IVA devido.
Para tal desiderato é irrelevante a circunstância da decisão da reclamação graciosa estar melhor ou pior fundamentada ou deste considerar que aquela é injusta e viola diversos princípios basilares da atuação administrativa (que apesar de serem elencados por este não concretiza por que motivos se devem ter por verificados).
Porquanto, embora fosse tal admissível, não formula qualquer pedido de anulação daquela decisão administrativa.
À míngua de pedido anulatório da decisão da reclamação graciosa, constituiu ato inútil a apreciação de vícios que a tal conduzissem porquanto nunca poderia ser anulada aquela decisão sob pena de pronúncia extra petitum.
Assim,
Considerar-se-á como objeto dos presentes, para além da aferição da eventual prescrição, da bondade das liquidações de IVA e respetivos juros, desconsiderando-se as decisões administrativas e os vícios a elas imputados porquanto em nada aportam à real pretensão do impugnante que é de eximir-se do pagamento que lhe é exigido.
Feitas estas considerações,
O meio processual é o próprio [art.º 99.º do CPPT].»

Conforme se pode ver pelo que fica transcrito, a Sentença aprecia a situação referente à reclamação graciosa, referindo que o objeto dos autos corresponde à pretensão de anulação dos atos tributários, sendo que eventual apreciação (e até anulação, diremos nós) da decisão da reclamação graciosa, não interfere com os atos de liquidação.
Mais esclarece a Sentença, citando um insigne autor, que o ato tributário é que suporta o título jurídico da obrigação de imposto, correspondendo às liquidações que o Impugnante pretende ver anuladas, sendo irrelevante a circunstância da reclamação graciosa estar melhor ou pior fundamentada, sendo que não é formulado qualquer pedido de anulação desta decisão administrativa, sendo ato inútil a sua apreciação.

Conforme se pode ver, a Sentença entendeu que não podia apreciar a decisão proferida na reclamação graciosa, por isso pronunciou-se sobre aquela pretensão formulada na Petição Inicial, para dizer que a sua apreciação nunca levaria à anulação das liquidações impugnadas, pois que o objeto processual era a anulação das liquidações e não a anulação da decisão da reclamação graciosa. Esclarece que a decisão da reclamação graciosa nada tem a ver com o ato tributário, plasmado nas liquidações, nem pode interferir com este, por lhe ser posterior.
Assim, a Sentença pronunciou-se no sentido que que era inútil a sua análise. Por outras palavras, considerou prejudicada a análise da decisão da reclamação graciosa, em função do seu efeito útil, uma vez que tal nunca levaria à anulação das liquidações, bem assim como também não existia pedido para anular a decisão da reclamação graciosa.

O Recorrente pode não concordar com esta argumentação, mas isso não implica que tenha ocorrido omissão de pronúncia.
Face ao exposto, a Sentença recorrida não enferma da alegada nulidade.
*
Apreciando agora o fundo da causa, faça-se um resumo sobre o alegado pelo Recorrente.
Assim, o Recorrente entende que tem direito aos montantes que mencionou na declaração periódica de IVA, no campo 40, possuindo um crédito de imposto que deve ser regularizado a seu favor.
Para o efeito diz que, previamente àquela declaração, apresentou a declaração de IVA modelo C (apenas uma fora de prazo), com crédito de imposto, que deveria ter dado lugar à emissão pelo SIVA de um crédito que permitisse declará-lo a seu favor no campo 81 da declaração periódica.
Mais refere que o SIVA não comunicou atempadamente tais créditos, mas sabendo a AT que eram devidos efetuou indevidamente as liquidações adicionais, pelo que as correções às declarações periódicas de IVA nos períodos de abril a julho de 1993, tiveram como suporte o facto dos reportes de IVA de períodos anteriores podem ser utilizados mediante autorização comunicada pelo SIVA, comunicação que nunca chegou ao seu conhecimento, não obstante ter direito ao crédito que a AT reconhece, mas por o impugnante ter utilizado tais créditos sem autorização do SIVA, foi efetuada a liquidação adicional.
Diz, ainda, que atento o extrato de conta corrente emitido pela DGCI a liquidação adicional de IVA é ilegal, constituindo um abuso de direito, que invoca nos termos dos art.º 334.º e ss do Código Civil, expressamente invocado em sede de impugnação e que Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou, sendo a sentença nula também nessa parte e nos termos supra invocados, ao abrigo do disposto no art.º 124.º e 125.º 1 do CPPT e 615.º, alínea d) do C. P. Civil, violando-se tais normas do C. Civil.

Diremos que o ponto de partida para a análise da questão, salvo melhor vislumbre, tem a ver com o direito à dedução de IVA, no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, nos termos do disposto no artigo 22.º do Código do IVA.

O Impugnante nunca refere a norma legal em que sustenta o seu invocado direito, mas afigura-se que pretende invocar o disposto no então n.º 4 do artigo 22.º do Código do IVA. Este preceito, estabelecia (e estabelece) da seguinte forma:
«4 – Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes.»

Conforme escreve a Ilustre Desembargadora Margarida Reis, na Revista Julgar, n.º 15, ano 2011:
4. O EXERCÍCIO DO DIREITO À DEDUÇÃO
4.1. Regras gerais
A dedução pode operar através dos métodos subtractivo indirecto, do reporte ou do reembolso.
A dedução opera através do método subtractivo indirecto quando ao imposto liquidado durante determinado período se deduz o valor suportado no mesmo período (cf. art. 22.º, n.º 1), através de reporte, quando o imposto em excesso é reportado para o período de tributação seguinte (cf. art. 22.º, n.º 4) e através do reembolso (cf. art. 22.º, n.os 5 e 6), quando passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a EUR 250,00 ou quando se verifique a cessação de actividade ou passagem para uma situação de prática exclusiva de operações isentas sem direito à dedução, ou para o regime especial de isenção ou regime especial de pequenos retalhistas desde que o valor do reembolso seja igual ou superior a EUR 25,00 ou quando o crédito a seu favor exceder EUR 3000,00.

Assim, o reporte de IVA é uma das formas em que o contribuinte pode concretizar a dedução de imposto, no caso em que o imposto a deduzir supere o imposto a entregar, o excesso é compensado nos períodos de imposto seguintes.

Assim, o sujeito passivo deverá incluir o montante do seu crédito (a dedução) na declaração periódica do período ou períodos seguintes, deste modo efetivando ou aplicando o método do reporte. Ou seja, funciona como uma compensação, entre o que o contribuinte tinha de entregar pelas faturas que emitiu e o que tinha direito a deduzir pelas faturas que e recebeu.

Ora, o momento e o formalismo da dedução do imposto, no caso o reporte, estão delimitados pelas regras legais, isto é, o sujeito passivo não pode exercer o direito à dedução quando pretender e da forma que entender.
Na situação do reporte de IVA para períodos seguintes, é necessário verificar se estão preenchidos todos os condicionalismos ao caso aplicáveis, tal como se faria na circunstância de poder ser pedido o reembolso. Por isso, a Administração Tributária tem o direito de confirmar os pressupostos inerentes ao reporte de IVA.
Daí que tivesse sido criada legislação especial sobre o assunto. Com essa legislação, todos ficam a saber quais os mecanismos e formalidades necessárias para o exercício dos respetivos direitos.
A Sentença menciona os diplomas relativos ao cumprimento dessas formalidades, sendo que, com certeza por lapso, indica o Decreto-Lei n.º 288/88, de 20 de abril, quando pretenderia referir o Decreto-Lei n.º 122/88, de 20 de abril, uma vez que aquele primeiro diploma nada tem a ver com fiscalidade, mas antes com educação. Em todo o caso, a transcrição efetuada na sentença do artigo 7.º-A, encontra-se correta.
Atendendo ao momento em que as declarações foram apresentadas, ou seja, ano de 1993, deve ser este o diploma aplicável e não o que lhe sucedeu em 1995, ou seja, Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de setembro. Em todo o caso, o regime não se altera substancialmente.

Assim, ao caso era aplicável o artigo 7.º-A do Decreto-Lei n.º 504-M/85, de 30 de dezembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 122/88, de 20 de abril, que era a seguinte: «Artigo 7.º-A
1 - Os excessos a reportar, bem como as regularizações a crédito, transportados de períodos anteriores, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do Código do IVA e do artigo 6.º do presente diploma, só serão tomados em conta quando incluídos em declarações periódicas apresentadas dentro do prazo legal.
2 - As declarações periódicas apresentadas depois de terminado o prazo legal, em substituição de uma liquidação oficiosa prevista no artigo 83.º do Código do IVA ou de uma declaração periódica anteriormente apresentada, relativamente ao mesmo período do imposto, deverão ser feitas em declaração modelo C, anexa ao presente diploma, devendo ser remetidas ao Serviço de Administração do IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do referido Código.»

Por sua vez, conforme remissão deste artigo 7.º-A, era ainda aplicável o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 504-M/85, de 30 de dezembro que estipulava: «Artigo 6.º
1 – Quando a importância constante do meio de pagamento for superior à do imposto apurado pelo SIVA em face da declaração periódica correspondente, será a diferença daí resultante comunicada ao respectivo sujeito passivo a fim de por ele ser considerada para efeitos da sua compensação nos períodos de impostos seguintes, com a limitação temporal estabelecida na parte final do n.º 6 do artigo 71.º do Código do Imposto do Valor Acrescentado.
2 – A comunicação referida no número anterior só terá lugar quando a diferença apurada seja igual ou superior ao quantitativo indicado no n.º 3 do artigo 91.º do Código do Imposto do Valor Acrescentado.».

Ora, conforme enunciado neste último preceito, a possibilidade de reportar o IVA para períodos seguintes estava dependente ou condicionada à comunicação a efetuar pelos Serviços Administrativos do IVA (SIVA), de que o sujeito passivo dispunha de um crédito passível de ser compensado, que é como quem diz, de ser reportado para os períodos de imposto seguintes.
O contribuinte não aguardou aquela comunicação (aliás, confessa que não a recebeu) e impulsionou de moto próprio a compensação (daí que a Sentença refira “ação direta”), quando não o podia fazer. Desta forma, o Impugnante tinha de aguardar a referida comunicação, caso a mesma retardasse, deveria contactar o SIVA para que agilizasse esse procedimento, ou então pagar o imposto devido e posteriormente solicitar o reembolso. O contribuinte não pagou o imposto devido pelas faturas que emitiu, por entender que podia fazer imediatamente a compensação.
A referida comunicação do SIVA não pode ser desconsiderada, uma vez que, tal como nos reembolsos, quando haja reporte para períodos posteriores, o credor tributário também tem o direito a confirmar os valores a compensar.
Acerca da necessidade de a Administração Tributária ter o direito a confirmar os valores a reembolsar existe diversa jurisprudência, como por exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/07/2007, proferido no processo n.º 0303/07 (em www.dgsi.pt), cujo sumário segue:
I - Como decorre do preceituado no n.º 8 do art. 22.º do CIVA, os reembolsos de IVA são efectuados «quando devidos», isto é, após a confirmação, no momento em que se vai apreciar um pedido de reembolso, de que no período a que ele se refere a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis.
II - Para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade.

Veja-se, ainda, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 1081/09.7BELRS, em 30/11/2017 (em www.dgsi.pt), respeitante à dedução de IVA, formalidades, condicionalismos e mecanismos de verificação, estando em apreço uma situação de método subtrativo indireto e cuja parte do sumário com interesse para o assunto aqui em apreço, se transcreve:

1. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº. 28, nº.1, al. g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
2. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº. 17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs. 19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. Concretizando, o sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os "outputs") e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os "inputs"), no mesmo período de tempo.

6. Contabilisticamente, o I.V.A. suportado nas aquisições de bens e serviços e o I.V.A. liquidado nas transmissões de bens e nos serviços prestados é levado a uma conta de terceiros, a subconta 243, no âmbito do P.O.C. aprovado pelo dec. lei 410/89, de 21/11. O montante periodicamente "apurado" na citada subconta terá a natureza de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para o período fiscal seguinte, como imposto a recuperar, igualmente podendo ser objecto de um pedido de reembolso neste segundo caso (cfr. dec.lei 229/95, de 11/9, diploma que regulamenta a cobrança e reembolso do I.V.A.).
7. Nos termos do artº. 20, nº. 1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito. Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante.
8. Especificamente a al. a), do nº.1, do artº. 20, dá direito à dedução do I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante. Tal direito à dedução igualmente subsiste, desde que se verifique uma ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, na medida em que esta o confira.
9. Se face à aquisição dos serviços objecto do pedido de reembolso a sociedade impugnante/recorrida se comportou como um consumidor final, não pode, à face do examinado artº. 20, nº.1, al. a), beneficiar da dedução do imposto que, alegadamente, suportou a montante (e, por consequência, pedir o reembolso do mesmo).

Conforme referido nos citados Acórdãos, é necessário verificar os pressupostos da dedução, muito embora naqueles casos estivessem em causa o reembolso e o método subtrativo indireto, vale o mesmo princípio para o reporte de IVA para os períodos seguintes. Isto porque, está em causa na mesma uma dedução, ou melhor, um alegado direito à dedução de um crédito do contribuinte, por ter mais IVA a receber do que a pagar, podendo ficar dispensado de pagar o IVA, por compensação com o IVA que poderá deduzir.
Dizemos poderá ficar dispensado de entregar o IVA, uma vez que a Administração Tributária, tem o direito a verificar os pressupostos em que a dedução ocorre. E a verificação do direito à dedução, também vale para o reporte.
No caso em apreço, o contribuinte não deu oportunidade a que a Administração Tributária pudesse analisar os pressupostos da dedução, no caso, que lhe autorizasse a efetuar o reporte para os períodos seguintes.
Desta forma, não podia o contribuinte realizar o reporte, sob pena de se assim ser admitido, impedir a verificação prévia que a Lei permite à Administração Tributária.
Daí que, não tendo o contribuinte entregue o imposto (por ter efetuado indevidamente uma “compensação direta”) tenham sido emitidas liquidações adicionais, com os respetivos juros, que agora aqui estão impugnadas.
Em face do exposto, conclui-se que não assiste razão ao Impugnante, devendo manter-se as liquidações impugnadas.

O Impugnante alega, por fim, que ocorre nulidade de Sentença, por a mesma não se ter pronunciado sobre o invocado abuso de direito por parte da Administração Tributária, por esta não admitir o reporte e ao emitir as liquidações impugnadas.
Considerando a fundamentação da Sentença, verifica-se que efetivamente a mesma não se pronunciou sobre o alegado abuso de direito.
No entanto, verifica-se pelo seu discurso que apenas considerou questão essencial a decidir os vícios que o ato tributário possa enfermar. Assim, na página 17 da Sentença refere-se o seguinte:
«O processo de impugnação visa, tão-somente, apurar se o ato tributário enferma de vício suscetível de conduzir à sua anulação.
O ato tributário praticado pela AT foi de correção aos campos 40 das declarações periódicas e com fundamento na inexistência de registo de operações subsumíveis a regularizações a favor do sujeito passivo (efetuadas ao abrigo dos preceitos anteriormente referidos).
É a legalidade dessa correção que está aqui em causa, nada mais.».
Desta forma, o Tribunal recorrido parece ter entendido que o alegado abuso de direito não poderia contender com a legalidade do ato tributário, na medida em que a atuação da Administração Tributária estava delimitada pelo regime legal aplicável à situação, cuja análise jurídica efetuou.
Assim, deve-se entender que a Sentença considerou aquela questão do abuso de direito como que prejudicada em face da verificação da legalidade da atuação da Administração Tributária.
Daí que não se pode considerar que tenha havido uma omissão de pronúncia.

Em todo o caso, sempre se dirá, que conforme acima ficou referido, a Administração Tributária não atuou com abuso de direito, uma vez que se limitou a cumprir a legislação ao caso aplicável. Como o contribuinte teria sempre a possibilidade de poder efetuar o reporte de IVA, cumprindo as regras e formalismos legais, não há abuso de direito.
Aliás, se alguém atuou em abuso de direito terá sito o contribuinte, com a sua “ação direta”, ou seja, com a pretensão de realizar uma “compensação direta”, sem estarem verificados os pressupostos legais para o efeito.

Em face do exposto, improcede, igualmente, a alegação em apreço.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I – A prescrição suspende-se quando a dívida tributária esteja garantia por penhora realizada no processo de execução fiscal e este processo fique suspenso a aguardar a decisão a proferir na impugnação judicial.

II - A referida suspensão, faz com que o prazo de prescrição não se continue a contar e apenas volta a correr após o trânsito em julgado da decisão que for proferida na impugnação judicial.

III – A dedução de IVA pode ser efetuada através do método de reporte, mas carece de autorização do SIVA, não podendo o sujeito passivo, efetuar por sua iniciativa, a compensação entre o IVA dedutível e o IVA a pagar.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 8 de julho de 2021.

Paulo Moura

O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que o Acórdão tem voto de conformidade das Ex.mas Senhoras Desembargadora Adjuntas: Cristina Santos da Nova e Ana Paula Santos.