Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01490/05.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:IVA. ARRENDAMENTO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
Sumário:A cedência de espaços físicos numa clínica a médicos, com a disponibilidade da utilização de rececionista, serviços de enfermagem e equipamentos, não configura um arrendamento de imóvel, mas antes uma prestação de serviços sujeita a IVA.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Clinica (...)
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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Clínica (...), Lda. interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a Impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e de Juros Compensatórios referentes ao exercício de 2004, no montante global de € 12.580,58 (doze mil e quinhentos e oitenta euros e cinquenta e oito cêntimos), por entender que existe nulidade de sentença e que ocorreu erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1) A Douta Sentença recorrida fez um incorrecto entendimento da matéria de facto e do direito fiscal.
2) A Douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à valoração da matéria fáctica concretamente julgada provada.
3) A Meritíssima Juíza “a quo”, não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma errada e nada fundamentada, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.
4) Para o efeito, o Tribunal “a quo” atendeu somente aos factos alegados pela Administração Tributária, designadamente aos constantes do Relatório elaborado pela Inspecção Tributária que promoveu a acção inspectiva.
5) Como resulta do Relatório Final, a Administração Tributária retirou a conclusão de que a impugnante, agora recorrente, não procedeu á liquidação do IVA nos alugueres de consultórios médicos, pelo que, assim sendo, estaria em falta o imposto de IVA objecto da presente impugnação.
6) Contudo, não tem razão, uma vez que a lei estipula expressamente no nº 30 do artigo 9º do Código do IVA que estão isentas de imposto a locação de bens imóveis.
7) Com efeito, os Serviços de Inspecção Tributária e o Tribunal “a quo” não fizeram o enquadramento legal devido à realidade do caso sub judice, ou seja, ao tipo de arrendamento que estava e está em causa.
8) Pois, o “aluguer” dos consultórios constitui um arrendamento e não um contrato de prestação de serviços, pelo que o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, aplicou mal o direito ao caso sub judice.
9) Ao contrário do referido na Douta Sentença recorrida, a impugnante, ora recorrente, invocou e provou que partes do prédio onde está instalada a Clínica (...) é ocupada pelo aluguer de consultórios – cedência de salas – destinados ao funcionamento de consultórios onde os médicos exercem a sua actividade por conta própria.
10) De facto, o aluguer (arrendamento) para o exercício de profissão liberal, como é o caso dos médicos, não é feito para o comércio ou industria, mas para o médico exercer na parte do prédio profissão liberal, ou seja, actividade lucrativa por conta própria que não revista natureza comercial ou industrial, o que se identifica com o aluguer de consultórios.
11) Assim, o nº 30 do artigo 9º do Código do IVA isenta fundamentalmente o arrendamento de prédios ou parte de prédios para habitação, sem prejuízo de se aplicar tal isenção ao arrendamento para outros fins, desde que estes não consubstanciem as excepções à isenção.
12) Repare-se que o que fica de fora do Campo da Isenção são precisamente os arrendamentos de outros tipos que se inserem numa actividade empresarial: o alojamento turístico, o parqueamento automóvel, a cessão de exploração de estabelecimento comercial, a locação de cofres-fortes e a locação para exposições ou publicidade.
13) A Juíza “a quo” ao proceder à fundamentação das liquidações adicionais de IVA com base em elementos que não haviam sido questionados e relevados no Relatório da Inspecção, como é o caso dos contratos de arrendamento (cuja validade não está dependente da sua redução a escrito), fica demonstrada a falta e insuficiência da fundamentação.
14) E, incorre o Tribunal recorrido, na medida em que se substitui à própria Administração Tributária, em manifesta fundamentação a posteriori dos actos tributários, ou seja, das liquidações adicionais de IVA impugnadas.
15) Por outro lado, nos termos do nº 2 do artigo 9º do Código do IVA estão isentas de imposto “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas, efectuadas por estabelecimentos hospitalares, “clinicas”, dispensários e similares”.
16) O que significa que as entidades que desenvolvam a sua actividade no “âmbito da saúde”, como é o caso da impugnante, aqui recorrente, têm enquadramento na isenção prevista no nº 2 do artigo 9º do Código do IVA, não devendo também, por esse motivo, ser liquidado imposto de IVA quando da sua facturação.
17) A Decisão recorrida viola o disposto no nº 1 do artigo 100º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque compete à Administração Tributária, e não ao contribuinte, tal como entendeu o Tribunal a quo, demonstrar a existência dos factos tributários, bem como a sua quantificação.
18) Verifica-se que no caso sub judice, a situação do arrendamento dos consultórios médicos não se identifica com a figura jurídica da cessação de exploração de estabelecimento comercial ou industrial, referida na alínea c) do nº 30 do artigo 9º do Código do IVA.
19) Como resultou provado dos depoimentos das testemunhas arroladas, nos consultórios médicos não há qualquer cedência de pessoal, pois em cada consultório médico existe um médico de especialidade (cardiologista, Ginecologista, etc.) que exerce sozinho a sua actividade, ou é acompanhado pela sua própria assistente pessoal.
20) O acto médico é exercido autonomamente pelo médico, não tendo a aqui impugnante, ora recorrente, qualquer intervenção na prestação dos serviços médicos aos utentes.
21) O sujeito passivo de imposto é o médico que passa o recibo “verde” directamente ao utente.
22) Nesta conformidade, resulta que as liquidações adicionais de IVA, bem como das liquidações de juros compensatórios, com referência ao ano de 2004, terão de ser anuladas, em virtude dos arrendamentos de consultórios médicos estarem isentos de imposto de IVA, nos termos do nº 30 do artigo 9º do Código do IVA.
23) Foram violados os artigos 8º, nº2, 11º, 38º da L.G.T., artigo 100º, 1 do C.P.P.T., artigo 9º, verbas nºs 2 e 30º do Código do IVA e artigo 103º, nº 3 da C.R.P.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, seja proferida DECISÃO que revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais as liquidações de IVA e juros compensatórios, objecto dos autos, a bem da JUSTIÇA.
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A Fazenda Pública não contra-alegou.
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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
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Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre a alegada nulidade de sentença e se existe erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

Factos provados:
1. A Impugnante, “Clínica (...), Lda.”, é uma sociedade por quotas, constituída a 21 de Março de 1997, com capital social de € 86.292,01 (oitenta e seis mil e duzentos e noventa e dois euros e um cêntimos);
2. A impugnante estava colectada em IRC, pelo exercício de “Actividades de prática clínica em ambulatório”, CAE 085120;
3. A Impugnante presta serviços de consulta de diversas especialidades médicas, fisioterapia, enfermagem e análises clínicas;
4. No exercício da sua actividade a clínica cede serviços de recepcionista, de enfermagem e de equipamento necessário ao serviço de consultas;
5. As recepcionistas prestam trabalho para a Impugnante;
6. A Clínica (...), Lda emite recibos que entrega aos utentes e o médico entrega posteriormente recibo à Clínica no valor recebido;
7. O médico deixa uma percentagem à Clínica em função das consultas e exames realizados.
8. Consta do Relatório de Inspecção Tributário a fls. 10 verso que “as facturas /recibo emitidas em nome do sujeito passivo Laboratório (...) – Análises Clinicas, Lda. (....) referem-se à utilização de instalações da clínica para efectuar colheitas de sangue. Esta utilização engloba além do espaço físico, o mobiliário necessário”;
9. Consta do Relatório de Inspecção Tributária a fls. 10 verso que “(...) o médico passa recibo ao utente e periodicamente a clínica emite factura, como prestação de serviços ao médico, relativos ao apoio logístico e de enfermagem, em função das consultas ou exames realizados (...)”;
10. A Impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição por ofício datado de 10 de Maio de 2005;
11. A impugnante exerceu o deu direito de audição.

Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto baseou-se nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas apresentadas pela Impugnante e pela Fazenda Pública.
Assim, no que se refere ao depoimento das testemunhas indicadas pela Impugnante:
No que se refere ao Dr. J. depôs de forma escorreita e espontânea, tendo convencido o Tribunal da veracidade dos factos que relatou em audiência de inquirição de testemunhas. Logo no inicio do seu depoimento refere que em casos pontuais utiliza uma assistente da própria clínica e que não é normal terem assistentes próprias e caso tal fosse necessário tal assistência seria fornecida por um funcionário da Clínica
Referiu também que a consulta é marcada pela recepcionista da Clínica.
Todo o equipamento para a consulta é fornecido pela Clínica.
O recibo para pagamento da consulta é da própria Clínica, posteriormente deixava uma percentagem de cada consulta à Clínica e passava o respectivo recibo.
Por sua vez, no que se refere à testemunha J., testemunha da Impugnante e Inspector Tributária (realizou a inspecção e respectivo Relatório) depôs de forma clara convencendo o Tribunal da veracidade dos factos por si descritos, quer em termos de conteúdo do Relatório quer na própria inquirição.
Reafirmou que as consultas eram marcadas pela recepcionista (funcionária da própria Clínica).
Sempre que eram necessários enfermeiros ou fisioterapeutas era a Clínica que os fornecia.
No que se refere à testemunha C., considerou o Tribunal que depôs de forma escorreita, espontânea e dessa forma convenceu o Tribunal da veracidade dos factos que relatou em audiência de inquirição de testemunhas. No entanto, o seu depoimento de nada serviu para abalar a versão dos factos constante do Relatório de testemunhas, entrando em algumas contradições com o depoimento da testemunha J..
Quanto ao valor pago pelo médico á Clínica não soube responder.
Referiu que não existia funcionários da Clínica que servissem de apoio aos médicos contrariando inclusive o referido pela testemunha anterior.
Referiu que passa o recibo da Clínica ao utente mas nem sempre o recibo é da Clínica, casos há em que é o próprio médico que passa o recibo directamente.
Quanto ao valor estipulado entre o médico e a clínica desconhece. Sabe que poderá existir “um acerto de contas” o que levou o tribunal a questionar qual a razão de acerto de contas no final de cada mês se em causa estava um arrendamento, em que necessariamente o valor de renda está pré-estabelecido?
Parece que a resposta só pode ser alcançada, com a conclusão de que estamos perante outro contrato que não o de puro arrendamento.
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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar alega a Recorrente que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, indicando que o Juiz do Tribunal a quo não conheceu de todas as questões postas em crise e aquelas que apreciou fê-lo de forma errada e nada fundamentada, o que no seu entender é fundamento de nulidade – conclusão 3). Mais refere que para o efeito a Sentença apenas atendeu aos factos alegados pela Administração Tributária, designadamente aos constantes do relatório de inspeção Tributária – conclusão 4).
A invocada nulidade de omissão de pronúncia para que possa ser percetível carecia de ser concretizada nas alegações e recurso. Ou seja, se a Sentença incorre na omissão da apreciação de uma questão colocada na Petição Inicial, então em sede de recurso, deve estar referida a passagem do articulado inicial que menciona essa questão, alegadamente com falta de apreciação na Sentença.

Ora, a Recorrente limita-se a referir genericamente que a Sentença padece de omissão de pronúncia, sem que se saiba ao certo qual era afinal a pronúncia que deveria ter sido apreciada. A referência genérica à alegada apreciação apenas dos factos alegados pela Administração Tributária, não é suficiente para que o tribunal de recurso possa sequer apreciar a alegada nulidade, pois competia à Recorrente indicar quais eram os factos por si alegados que afinal não tinham sido apreciados. Em sede de nulidade de sentença não estão descritos os factos que teriam sido omitidos pela Sentença, pelo que quanto a este invocado vício, verifica-se que não satisfaz os pressupostos processuais para que possa ser apreciado em sede de recurso; como tal, conclui-se que o mesmo não ocorre.
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No que concerne ao demais alegado, compete referir que se trata de matéria que foi objeto de recente apreciação por este Tribunal no processo n.º 1492/05.7BEVIS, com cujo teor concordamos e por isso, com as devidas adaptações aqui damos por reproduzido o Acórdão que foi proferido naquele processo. Isto, não obstante, ali estar em causa o IVA do ano de 2002 e aqui o do ano de 2004, pois que a factualidade é exatamente a mesma, ou seja, trata-se de saber qual o tipo de relação jurídica que a Clínica tinha com os médicos que na mesma exerciam a sua atividade profissional. Para além disso, está em causa o mesmo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que abrangeu os anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, conforme se pode ver pelo teor de pág. 2 do referido Relatório (vide fls. 2 do processo administrativo apenso).
Verifica-se, ainda, que as questões levantadas no recurso também são as mesmas, pelo que passamos a transcrever o Acórdão proferido no processo n.º 1492/05.7BEVIS, por, igualmente, responder ao demais o alegado neste recurso, que aqui ainda não foi objeto de apreciação.
«Prosseguindo.

A Recorrente alega que a correcta análise e valoração da prova constante dos autos não permitia concluir de forma inequívoca que não tenha existido simples contratos de arrendamento abrangidos pelo artigo 9°, n° 30 do Código do IVA, devendo, neste caso, atender-se à substância económica, nos termos do n° 3 do artigo 11° da L.G.T. (conclusão 2 do recurso). Por tal motivo, defende que a sentença recorrida fez um incorrecto entendimento da matéria de facto e do direito aplicável.

Vejamos.
Estão em causa as liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao exercício de 2002, liquidadas pela ATA no entendimento de que a Recorrente cedia temporariamente espaços físicos de consultórios a médicos e a um laboratório de análises clínicas, incluindo pessoal de enfermagem e apoio (recepcionistas), mediante contrapartidas pecuniárias a prestar em função das consultas e exames efectuados. Entendeu a ATA que tal situação não se encontrava isenta de IVA e que o imposto estaria em falta.

Contrariamente, a Recorrente defende que a lei estipula expressamente, no nº 30 do artigo 9º do CIVA, que está isenta de imposto a locação de imóveis, e que os serviços de inspecção tributária e o Tribunal a quo não efectuaram o enquadramento legal devido à realidade do caso sub judice, ou seja, ao tipo de arrendamento em causa (conclusão 5 e 6 do recurso).

Pois, segundo refere, o “aluguer” dos consultórios constitui um arrendamento e não um contrato de prestação de serviços, pelo que o Tribunal a quo aplicou mal o direito ao caso, considera, ainda, que invocou e provou que partes do prédio onde está instalada a Clínica é ocupada pelo aluguer de consultórios – cedência de salas – destinados ao funcionamento de consultórios onde os médicos exercem a sua actividade por conta própria (conclusões 7 e 8 do recurso).
Diz que, o Juiz a quo ao proceder à fundamentação das liquidações adicionais de IVA com base em elementos que não haviam sido questionados e relevados no Relatório Inspectivo, como seja o caso do formalismo jurídico dos contratos de arrendamento, fica demonstrada a falta e insuficiência da fundamentação, substituindo-se o Tribunal à própria AT, em manifesta fundamentação a posteriori dos actos tributários (conclusão 12 e 13 do recurso).
Por outra banda, a Recorrente aduz que se encontra isenta de IVA ao abrigo do disposto no art. 9º, nº 2 do CIVA, dado ser uma entidade que desenvolve a sua actividade no “âmbito da saúde”, logo, todas as prestações de serviços conexas efectuadas pela Clinica estão também isentas de IVA (conclusões 14 e 15 do recurso).
Atentemos ao quadro legal aplicável.
Estabelece o artº 9º - Isenções – Estão isentas do imposto:
1 – (….)
2- As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
30. A locação de bens imóveis.

O artigo 1022º do Código Civil define que - “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”. E do artigo 1023º do Código Civil consta a distinção nos termos da qual “a locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel” (negrito nosso). Estabeleceu-se, pois, uma distinção terminológica básica entre dois tipos de locação, o arrendamento e o aluguer, consoante o objecto locado seja imóvel ou móvel.

Por outra banda, a lei regula três tipos de arrendamento:
a) O arrendamento urbano;
b) O arrendamento rural:
c) O arrendamento florestal.

Por sua vez, o arrendamento urbano distingue-se em três tipos:
- O arrendamento para a habitação;
- O arrendamento para comércio ou indústria e
- O arrendamento para o exercício de profissões liberais.

Para além destas três situações, faz-se ainda alusão aos arrendamentos para «outras aplicações lícitas do prédio» - artigo 3º, nº 1 e 123º do R.A.U. .

Por sua vez, a noção do artigo 1º do R.A.U. que é decalcada da noção geral de locação constante do artigo 1022º do Código Civil, estipula – “arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição”. Da sua articulação com o já referido artigo 1023º resulta serem elementos caracterizadores, essenciais do arrendamento:
i) A obrigação de uma das partes proporcionar ou conceder à outra o gozo de uma coisa imóvel.
ii) Que esse gozo seja temporário.
iii) Que o proporcionamento do gozo tenha como contrapartida uma retribuição que não pode ser indeterminada. Se o for, não pode qualificar-se o contrato como de arrendamento.

Destarte, podemos concluir que o locador, de entre outras obrigações, tem a obrigação de entregar a coisa e assegurar o seu gozo, sendo que o locatário tem como uma das principais obrigações pagar uma renda que é certa e previamente estipulada.

Decorre, pois, do que foi referido, que o senhorio tem direito à renda e o arrendatário tem obrigação de a pagar.

Por seu turno, no que se refere ao contrato de prestação de serviço, dispõe o artigo 1154º do Código Civil que “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”

Vejamos, antes do mais, o que diz a sentença sob recurso.
A sentença recorrida considerou que no caso em apreço não se estava perante um mero contrato de arrendamento e, como tal, a situação retratada não beneficiava da isenção prevista no artigo 9º, nº 30 do CIVA, devendo ser tributada no âmbito da incidência objectiva consagrada no artigo 1º, al. a) do mesmo Código.

Para sustentar tal conclusão apresentou o seguinte discurso fundamentador: “Ora, dos factos considerados provados, não se pode concluir ao contrário do que alegou a impugnante que se está perante um contrato de arrendamento. Na verdade, é forçoso concluir que a relação existente entre os médicos e a Impugnante não assume as características de uma relação entre inquilino e senhorio. Senão vejamos: Se o contrato de arrendamento se traduz na mera cedência de um espaço físico, qual a razão para as recepcionistas serem funcionárias da Clínica? Além disso, qual a razão do montante pago mensalmente ser sempre de quantias diferentes (pois têm correspondência directa com as consultas e respectivos serviços solicitados) e de existir necessidade de se proceder a acertos de contas?
Ora, face a tal descrição dos factos considera o Tribunal que não se está perante um mero contrato de arrendamento. Como tal, a situação retratada no caso sub judice não beneficia da isenção prevista no artigo 9º, nº 30 do CIVA, devendo ser tributada no âmbito da incidência objectiva consagrada no artigo 1º, al. a) do mesmo Código.
Aliás, a impugnante não demonstrou de forma alguma a existência do tipificado contrato de arrendamento (juntando os referidos contratos) ou sequer do contrato de locação do estabelecimento (ou até do equipamento), enquanto universalidade jurídica, constituída por um complexo de bens e serviços reunidos e organizados com o fito da sua exploração comercial. Ainda que este também não goze de isenção de IVA, como se infere do artigo 9 do CIVA.
Conclusivamente resulta, como se afirma no relatório de Inspecção Tributária, que a Impugnante, além da actividade clínica isenta, cedia temporariamente espaços físicos de consultórios a médicos e a um laboratório de análises clínicas, incluindo pessoal de enfermagem e apoio (recepcionistas), mediante contrapartidas pecuniárias a prestar em função das consultas e exames realizados.
O que vale por dizer que tal actividade configura um contrato de prestação de serviços e não de locação de imóveis na modalidade, alegada, de arrendamento urbano para exercício de profissão liberal.
Por isso, não beneficia da isenção de IVA prevista no artº9 nº30 do CIVA, devendo ser tributada no âmbito da incidência objectiva consagrada no artº1 al. a) do mesmo código.
Aliás, a impugnante não demonstra, credivelmente, a existência do tipificado contrato de arrendamento ou sequer do contrato de locação do estabelecimento (ou até do equipamento), enquanto universalidade jurídica, constituída por um complexo de bens e serviços reunidos e organizados com o fito da sua exploração comercial. Ainda que este também não goze de isenção do IVA, como se infere do artº 9 nº 30 al. c) do CIVA.
Mas, mesmo que tivesse junto atinentes documentos autênticos, tal não vincularia a AT para efeitos da qualificação do negócio jurídico subjacente ao facto tributário, como decorre do artº 36 nº4 da LGT, tendo as correcções técnicas em sede de IVA suporte legal.”

Volvendo in casu, podemos desde já adiantar que no presente recurso falece a razão à Recorrente.
Concretizemos.

Comecemos, desde logo, por esclarecer que a lei distingue o “aluguer” do “arrendamento”, sendo certo que, a Recorrente usa o termo “aluguer” e “arrendamento” de forma indistinta e até algo confusa, o que a Lei não lho concede e aqui não é aceitável.

Pugna a Recorrente pela existência de arrendamentos os quais, no seu entender, estão isentos de IVA, nos termos do art. 9º, nº 2 ou do nº 30 do CIVA.

Todavia, atenta a factualidade dada como assente, não lhe assiste razão.

Efectivamente, resulta do RIT apenso aos autos que a Recorrente, além da actividade clínica isenta, cedia temporariamente espaços físicos de consultórios a médicos e a um laboratório de análises clínicas, incluindo pessoal de enfermagem e apoio (recepcionistas), mediante contrapartidas pecuniárias a prestar em função das consultas e exames realizados.

Alias, é deveras esclarecedor que na própria relação de médicos fornecida em sede inspectiva pelo gerente da Recorrente - “J.” (cfr. doc. 4 apenso ao RIT – fls. 193 do PA), ali se tenha dito que “O médico passa recibo ao utente e periodicamente a Clínica emite factura, como prestação de serviços ao médico, relativos ao apoio logístico e de enfermagem, em função das consultas ou exames realizados” (negrito nosso).

O que vale por dizer que tal actividade configura um contrato de prestação de serviços e não de locação de imóveis na modalidade, alegada, de arrendamento urbano para exercício de profissão liberal.

Pese embora a Recorrente alegue que o Tribunal a quo apenas atendeu aos factos alegados pela AT, designadamente os constantes do RIT, e que menosprezou o princípio do inquisitório, sem que concretize de que forma aquele princípio foi menosprezado, o certo é que os factos que a Recorrente alegou não lograram a competente prova que se impunha nestes autos.

A Recorrente faz apelo ao depoimento das testemunhas, no entanto, sem cumprir o disposto no art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, alíneas a) e b) do CPC, pois não indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão em consonância com o que pretende. Ora, não cumprindo minimamente os requisitos a que se alude naquele preceito legal o recurso vai rejeitado neste segmento.

Ora, a Recorrente limita-se a alegar, sem contudo aportar aos autos a devida prova, que o “aluguer” dos consultórios constitui um arrendamento e não um contrato de prestação de serviços, pois, nenhuma prova carreou ao processo que permitisse ao Tribunal a quo e a este Tribunal assentir com a posição por si pugnada.

Contrariamente, do probatório, mormente das alíneas D) a I), resulta de forma muito clara que não estamos na presença de contratos de arrendamento, mas sim de contratos de prestação de serviços, os quais, como vimos, estão sujeitos a IVA.

Senão, vejamos.
Atento o conceito legal de arrendamento e de prestação de serviços supra mencionados, assim como o facto de no RIT se ter apurado que a Recorrente cedia temporariamente espaços físicos de consultórios a médicos e a um laboratório de análises clínicas, incluindo pessoal de enfermagem e apoio (recepcionistas), mediante contrapartidas pecuniárias a prestar em função das consultas e exames realizados, ou seja, características que nos afastam do típico contrato de arrendamento, cujos direitos e obrigações são previamente estipulados, como, por exemplo, o pagamento de uma renda certa e definida no inicio do contrato, mas nos aproximam da prestação de serviços, apenas podemos concluir que a Recorrente não beneficia da isenção de IVA prevista no artº 9 nº 30 do CIVA, porquanto não se está perante um simples contrato de arrendamento, já que a utilização dos consultórios tem por base uma taxa de utilização, os espaços encontram-se apetrechados (com todo o equipamento necessário ao seu funcionamento como consultório), e existe, ainda, cedência de pessoal como sejam enfermeiros e recepcionistas, devendo, assim, ser tributada no âmbito da incidência objectiva consagrada no artº1 al. a) do CIVA.
Também não tem aqui aplicação o disposto no art. 9º, nº 2 do CIVA, tal como pretende a Recorrente, uma vez que, segundo aquele preceito legal, apenas as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, estão isentos de IVA.

Ora, a cedência temporariamente de espaços físicos de consultórios a médicos e a um laboratório de análises clínicas, incluindo pessoal de enfermagem e apoio (recepcionistas), mediante contrapartidas pecuniárias a prestar em função das consultas e exames realizados, não é uma actividade conexa com a prestação de serviços médicos e sanitários nos moldes previstos no art. 9º, nº 2 do CIVA, uma vez que, esta disposição apenas se aplica aos serviços directamente relacionados com a saúde, sendo claro que a Recorrente, neste caso concreto, não está a prestar qualquer serviço de saúde.

Por fim, a Recorrente alude à falta e insuficiência de fundamentação das liquidações, assim como, invoca que o Tribunal recorrido procede à fundamentação a posteriori dos actos tributários.

Todavia, não podia a Recorrente estar mais enganada.
Se bem entendemos estas conclusões, a Recorrente considera que, pelo facto de o Juiz do Tribunal a quo, na fundamentação da sentença aludir a uma ausência de formalismo escrito dos alegados contratos de arrendamento, dizendo quea impugnante não demonstra, credivelmente, a existência do tipificado contrato de arrendamento ou sequer do contrato de locação do estabelecimento (ou até do equipamento), enquanto universalidade jurídica, constituída por um complexo de bens e serviços reunidos e organizados com o fito da sua exploração comercial. Ainda que este também não goze de isenção do IVA, como se infere do artº 9 nº 30 al. c) do CIVA. Mas, mesmo que tivesse junto atinentes documentos autênticos, tal não vincularia a AT para efeitos da qualificação do negócio jurídico subjacente ao facto tributário, como decorre do artº 36 nº4 da LGT, tendo as correcções técnicas em sede de IVA suporte legal” está a posteriori a fundamentar as liquidações que não resultariam fundamentadas através das conclusões do relatório inspectivo.

Labora a Recorrente em manifesto erro, uma vez que, resulta claramente do RIT a fundamentação que deu origem às liquidações impugnadas, tanto assim é que a Recorrente não teve qualquer pejo em questioná-las, daí que não ocorra a alegada falta ou insuficiência de fundamentação ou sequer a fundamentação a posteriori por parte do Tribunal recorrido, pois, o que sucede é que o Tribunal a quo apela àquele fundamento apenas para concluir que a sua existência não vincularia a AT na decisão que tomou quanto à tributação em sede de IVA.

Resta, assim, concluir que as correcções efectuadas pela AT estão correctas e que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, soçobrando a pretensão da Recorrente em todas as conclusões.».

Apenas temos a esclarecer (para o caso de não ter ficado explícito – que cremos ficou) que a isenção de IVA na prestação de cuidados de saúde reporta-se sempre à prestação de serviços efetuada diretamente ao próprio doente ou utente, não ao médico, pois esse não é o beneficiário do serviço de saúde, mas o prestador do serviço. Assim, a cedência de espaços aqui em causa não configura uma prestação direta de cuidados de saúde aos doentes ou utentes, mas antes a disponibilização de um local de atendimento aos médicos, pelo que nunca poderia a Recorrente pretender uma isenção de IVA ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA.
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Face ao exposto, conclui-se o recurso não merece provimento.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

A cedência de espaços físicos numa clínica a médicos, com a disponibilidade da utilização de rececionista, serviços de enfermagem e equipamentos, não configura um arrendamento de imóvel, mas antes uma prestação de serviços sujeita a IVA.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 25 de março de 2021.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles