Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00001/09.3BCPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:DAÇÃO EM CUMPRIMENTO A BANCO; ISENÇÃO DE IMT
Sumário:I - A norma do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, isenta de IMT, entre outras, as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado e que derivem de atos de dação em cumprimento, desde que se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

II - São pressupostos desta isenção por um lado, o facto de os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado, e por outro, a circunstância das aquisições ou, ainda, da dação se destinarem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

III - Atenta a referida redação do preceito e a ratio legis que lhe subjaz (satisfação de créditos bancários) não se justifica, em caso de aquisição de imóvel por instituição de crédito que derive de ato de dação em cumprimento, a exigência, como pressuposto do reconhecimento da isenção, de que o crédito esteja em mora há mais de um ano.

IV - Pago o IMT relativo à aquisição de imóvel, por dação em cumprimento, que gozava daquele benefício, tem o contribuinte direito a ser restituído do imposto indevidamente pago, bem como a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 100.º e 43.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Banco (...), S.A.
Recorrido 1:Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

1.1. O Banco (...), SA, devidamente identificado nos autos, não se conformando com o Despacho do Exmo. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 1107/2008-XVII, proferido no processo IMT/IS -0608/2006, pelo qual foi indeferido o seu pedido de isenção de IMT relativamente à dação em cumprimento do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de (...), concelho de (...), sob o artigo 85, interpôs a presente ação administrativa especial.

Alega, em síntese, ser este o meio processual adequado para efeito de impugnação do aludido Despacho, o qual reputa ilegal porquanto estavam reunidos todos os pressupostos de que dependia o deferimento do seu pedido, não tendo a AT questionado a verificação dos requisitos formais do seu requerimento. Refere que, encontrando-se preenchidos todos os requisitos previstos no n.º 1, do artigo 8.º, e no n.º 1, do artigo 10.º, ambos do Código do IMT, o Réu estava vinculado a produzir o ato administrativo de deferimento, reconhecendo a isenção requerida. Sustenta que prestou os esclarecimentos que entendeu suficientes, pois os que lhe foram solicitados excediam o âmbito das obrigações a que se encontra adstrito, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, da LGT, e que a falta de resposta à notificação para audiência prévia não pode ser interpretada como uma recusa ou desinteresse do A. em participar da tomada de uma boa decisão.
Entende que, nada tendo a Administração dito quanto à convergência dos requisitos de que dependia o deferimento do seu pedido (a saber: a competência do serviço da AT onde foi requerido o reconhecimento da isenção; a entidade a quem o mesmo foi requerido; a tempestividade do requerimento; a natureza jurídica da entidade requerente; a existência de um crédito da entidade requerente sobre o proprietário do imóvel – o qual resulta claro da escritura de dação em cumprimento - e a celebração de um contrato de dação em cumprimento do referido crédito em que o imóvel seja transmitido em quitação do mesmo), é lícito concluir que admitiu a respetiva verificação, à data em que foi requerida a isenção, impondo-se-lhe o deferimento do pedido, por inexistir aqui qualquer espaço de discricionariedade administrativa que autorize qualquer ponderação de interesses públicos. Ademais e porque estamos perante um benefício fiscal, o n.º 2, do artigo 5.º, do EBF faz do Ministro das Finanças um mero agente de declaração da aplicabilidade da isenção.
Por outro lado e quanto aos elementos adicionais solicitados pela AT (justificativo/prova (extractos bancários) do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano, justificativo/prova de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora”, bem como “justificativo/prova de que se verificaram tentativas de cobrança das dívidas em mora” a fim de evidenciar “se foram desenvolvidos os procedimentos tendentes ao ressarcimento da dívida, e se o referido contrato de dação em cumprimento foi o meio último (antes da acção de execução) para recuperação dos valores em dívida”), refere que, de boa fé, informou terem sido esgotados todos os meios de cobrança da dívida, restando a dação em cumprimento, o que já é mais do que estava obrigado porquanto o dever de colaboração com a AT não é ilimitado, nem independente da relevância da informação para o procedimento, como decorre dos artigos 59.º, n.º 3, alínea h), e n.º 4, da LGT.
Finalmente, sustenta que o indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção de IMT com base na falta de entrega dos elementos solicitados pela AT, só se pode justificar por o requerimento, entrado em 8.03.2006, ter sido apreciado com base na versão do artigo 8.º do CIMT resultante da Lei do Orçamento do Estado para 2007 – Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 -, aplicando uma redação da norma que não estava em vigor à data dos factos e com a qual o A. não poderia contar, concluindo que o ato é ilegal por aplicação retroativa de lei fiscal.
Entende, ainda, que ocorreu erro imputável aos serviços de que resultou o pagamento de dívida tributária superior ao devido, pelo que lhe são devidos juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, calculados ao dia, nos termos do artigo 43.º da LGT, sobre a quantia de €127.500, e contados, no mínimo, desde a data do indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção.
A final, formulou os seguintes pedidos:
«Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser anulado o Despacho n.º 1107/2008-XVII de sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que indeferiu o requerimento de reconhecimento da isenção prevista no número 1 do artigo 8.º do Código do IMT, com fundamento em vício de violação de lei.
Requer-se ainda a V. Exas. se dignem determinar a prática por aquela entidade de acto de deferimento do referido requerimento de reconhecimento de isenção previsto no número 1 do artigo 8.º do Código do IMT, com as legais consequências.
Mais se requer o reembolso do IMT entregue ao Estado em consequência da aquisição da propriedade do imóvel no montante de € 127 500, acrescido juros indemnizatórios, calculados ao dia, sobre aquela quantia, juros estes que à presente data ascendem a € 1341,37.».

Juntou 7 documentos.

1.2. Regulamente citado, o Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou contestação, dizendo, em resumida síntese, que o benefício fiscal em questão não se basta com a existência de um crédito da requerente sobre o proprietário do imóvel, sendo necessário que o crédito esteja em situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora o que, no seu entender, se afere na duração, pelo menos há mais de um ano, da situação de incumprimento. Defende que à AT compete interpretar a norma do artigo 8.º do CIMT na sua globalidade, não descurando o elementos literal, tendo também em conta o elemento lógico, designadamente teleológico, descobrindo o fim em vista pela norma, sendo o risco de incobrabilidade, enquanto elementos pernicioso do sistema financeiro, que constitui o interesse público extrafiscal relevante que se pretende beneficiar com o artigo 8.º, n.º 1, do CIMT.

Esclarece que, em última instância, este artigo serve para beneficiar as aquisições de prédios que são objeto de pagamento de uma dívida, que se considerou incobrável, já que o meio normal de cobrança é o pagamento pontual das prestações acordadas por via contratual. É, portanto, a situação de impossibilidade de solver as responsabilidades do devedor que tem de se verificar e provar, pois nem todas as dações em pagamento podem ser isentas de IMT.

Conclui que a interpretação que sufraga da norma em questão encontra-se no espírito da lei e, não tendo o A. demonstrado a incobrabilidade do seu crédito, deve a ação improceder, absolvendo-se o Réu dos pedidos e mantendo-se na ordem jurídica o ato em crise.
Junto o PA.

1.3. Foi elaborado despacho saneador.

1.4. Cumprido o disposto no artigo 91.º do CPTA, as partes apresentaram alegações escritas reiterando, em suma, o que antes haviam alegado na p.i. e na contestação.

2. Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir se o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção de IMT formulado pelo A. enferma de vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, e se, consequentemente, deve aquele pedido ser deferido, reconhecendo-se, ainda ao A. os peticionados juros indemnizatórios, vencidos desde a data daquele indeferimento e vincendos.


Em conformidade com o disposto no artigo 92.º, n.º 1, do CPTA, são dispensados os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

Com interesse para a presente decisão, julgamos provados os seguintes factos:

1) Em 08.03.2006 deu entrada na Direcção-Geral dos Impostos - Área dos Impostos sobre o Património o requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Ministro das Finanças pelo qual o A. peticionou que lhe fosse concedida a isenção do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis (IMT), pelo ato de dação em cumprimento do prédio rústico designado por Quinta (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00330/910724, freguesia de (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo 85 – cfr. fls. 2/77 a 3-A/77 do PA;
2) Como anexos do requerimento referido no ponto antecedente foram apresentados, para além de outros, cópia da carta subscrita pela sociedade devedora propondo a dação em cumprimento para pagamento das dívidas, cópias dos contratos que titulam os financiamentos e posição da conta n.º 09528830 – cfr. fls. 36/77 na 69/77 do PA.
3) Por escritura pública outorgada em 16.03.2006 a sociedade comercial “M., Limitada” reconheceu-se devedora ao A. da quantia global de €2.550.000,00, respeitante a capital, despesas e demais encargos convencionados no Contrato de Abertura de Crédito sob a forma de Conta Corrente Caucionada n.º 41520094, no Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca n.º 72695 e na facilidade sob a forma de descoberto na conta de depósitos à ordem n.º 9528830, para cujo pagamento total deram ao A. o prédio rústico composto de cultura com ramada, oliveiras, fruteiras, pinhal e mato, designado Quinta (…), freguesia de (...), concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 330, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 85 – cfr. escritura pública junta como doc. 1 da p.i.
4) Pela aquisição do direito de propriedade plena do identificado prédio rústico, o A. pagou IMT, em 16.03.2006, no valor de €127.000,00 – cfr. documento de cobrança junto com doc. 3 da p.i.
5) Em 24.03.2006, deu entrada na Direção de Serviços de Impostos sobre o Selo e das Transmissões de Património o requerimento da A. informando a realização da escritura de dação em cumprimento, reiterando o pedido de reconhecimento da isenção requerida e pedindo o reembolso do IMT entretanto pago, tendo anexado cópia da escritura e do documento de cobrança daquele imposto – fls. 17/77 a 29/77 do PA.
6) A coberto do ofício 1874, datado de 23.05.2007, a ATA notificou a A. para apresentar “justificativos/prova (extractos bancário) do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano”, “justificativos/prova de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora ”e “justificativo/prova de que se verificaram tentativas de cobrança das dívidas em mora”- cfr. ofício junto como doc. 4 da p.i.
7) A A. respondeu, conforme carta datada de 13.06.2007, manifestando desacordo quanto à solicitada prova da existência do crédito em mora há mais de um ano e informou terem sido esgotadas todas as diligências efetuadas com vista ao pagamento das responsabilidades, tendo a dação em cumprimento sido a única solução extrajudicial que restou para a regularização da dívida – cfr. carta junta como doc. 5 da p.i.
8) Em 20.09.2007, foi prestada informação pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais, propondo o indeferimento do pedido por a requerente não ter junto os documentos solicitados pela AT, incumprindo o n.º 4, do artigo 14.º, da LGT - cfr. mesmo processo Instrutor;
9) Notificada para o exercício do direito de audição prévia, a A. nada disse – cfr. ofício junto como doc. 6 da p.i. e admissão das partes constante do artigo 12.º da p.i. e 11.º da contestação.
10) Por Despacho de 01.10.2008, da autoria do Réu, foi indeferido o pedido aludido no ponto 1) supra – cfr. notificação junta como doc. 7 da p.i.

Motivação
A nossa convicção formou-se com base na prova documental junta aos autos e identificada em cada uma das alíneas antecedentes, cujo teor não se mostra impugnado.

Factos não provados:
Com interesse para esta decisão, inexistem factos que importe relevar como não provados.

3.2. De Direito

Como bem se refere no acórdão do STA de 21.03.2012, rec. 0599/10, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fa175c22e579065e802579dd004ebe30?OpenDocument&ExpandSection=1, a cuja fundamentação integralmente aderimos e, por isso, aqui seguiremos de perto, o IMT tributa a transmissão, a titulo oneroso, dos bens imóveis, sendo o seu sujeito passivo o comprador ou adquirente desses bens.

Porque incide sobre aquisições onerosas, o imposto não tem por finalidade a sujeição do aumento líquido da riqueza, porque ele não se pode verificar.

Na verdade, sendo a aquisição onerosa, dela não resulta qualquer aumento líquido do património do adquirente, mas antes uma mera substituição do suporte em que se materializa esse património ou riqueza, dinheiro por imóveis na maioria dos casos (Ver neste sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pag. 151).

Por essa razão, como sublinha o mesmo autor, «o IMT não sujeita a imposto um aumento líquido da riqueza de um sujeito passivo, nem a entrada de imóveis no seu património, mas antes uma manifestação de uma riqueza já existente no património do adquirente, que se revela no momento da aquisição de imóveis e que se consubstancia nos meios que vão ser mobilizados para financiar essa aquisição.» - ob. cit., pag. 151.

Não é esse o caso das aquisições de imóveis por parte das instituições de crédito em processo de execução movido por essas instituições, bem como as efetuadas em processo de insolvência ou que derivem de dação em cumprimento. Como resulta do preceito trata-se de aquisições de imóveis (em processo de execução de insolvência ou que derivem de dação em cumprimento) que têm como fim a satisfação dos créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas. Trata-se, afinal, de situação que tem algum paralelismo com os regimes de não sujeição e isenção de prédios adquiridos para revenda e para construção quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem atividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua atividade comercial. Com efeito as instituições de crédito exercem uma atividade de intermediação financeira e a especificidade do seu negócio não é a propriamente gestão de imóveis que lhes serviram de garantia.

A aquisição de imóveis, nestes casos previstos pelo artigo 8.º, n.º 1, do CIMT não é objetivo da atividade da instituição financeira, mas sim uma forma de obter a satisfação de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas (De referir, ainda, que, nos termos do artigo 11º, n.º 6, do Código do IMT, as aquisições referidas deixarão de beneficiar de isenção se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos.).
Não há, portanto, aqui um enriquecimento do adquirente ou sequer o financiamento da aquisição com a sua riqueza acumulada, mas sim a realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas, sendo a aquisição do imóvel uma forma de liquidar a dívida existente. Daí a razão de ser da isenção, pois que o IMT é um imposto sobre o património que tem por finalidade tributar a riqueza manifestada com a aquisição onerosa, situação que não ocorre em qualquer uma daquelas situações – aquisição em processo de execução, insolvência ou dação em cumprimento – em que a instituição de crédito adquire o imóvel como contrapartida e pagamento de empréstimos concedidos.

A ratio da isenção, quer nas situações de dação em cumprimento, quer nas aquisições em processo de execução ou insolvência, é a mesma, sendo que nada justifica a exigência, como pressuposto do reconhecimento da isenção, de que nas situações de dação em cumprimento o crédito esteja em mora há mais de um ano.

É certo também que a redação do artigo 8.º do CIMT foi alterada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), restringindo-se a isenção aos casos de aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de atos de dação em cumprimento (n.º 1) e de aquisições de prédios ou de frações autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de atos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento, exigindo-se também que não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC.

No entanto, esta nova redação da norma não tem aplicação ao caso em análise já que a incidência do IMT se regula pela legislação em vigor ao tempo em que correr a transmissão, como cristalinamente resulta dos nºs. 1 e 2, do artigo 5.º, do CIMT.

Dir-se-á, porém, que esta alteração veio até reforçar o entendimento de que a isenção em causa se funda na especificidade do negócio das instituições financeiras, tendo a nova redação em vista restringir o campo de utilizações abusivas por partes dos agentes económicos.

Pois bem, à data do pedido de reconhecimento da isenção de IMT e da escritura de dação em cumprimento que o justificou, dispunha o artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (portanto, na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12) que são «isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efetuadas em processo de falência ou de insolvência e, ainda, as que derivem de atos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas» - o sublinhado é da nossa autoria.

E, quanto ao reconhecimento das isenções, preceituava o artigo 10.º do CIMT (na redação da Declaração de Retificação nº 4/2004 de 9 de Janeiro) que as isenções previstas na alínea b), do artigo 6.º e na parte final do artigo 8.º, são reconhecidas por despacho do Ministro das Finanças sobre informação e parecer da Direcção-Geral dos Impostos e que o pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção (cfr. n.º 2, do artigo 10.º).

Está em causa nesta ação, sobretudo, uma questão de interpretação da lei fiscal e, concretamente, de norma sobre benefícios fiscais, cuja resposta implica a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). Assim, para a análise do preceito, é forçoso recorrer ao subsídio interpretativo do elemento gramatical e também à ratio legis, tendo sempre presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de forma isolada.

Do ponto de vista da estrutura gramatical do período e, particularmente, da pontuação utilizada, não parece ter cabimento na letra da lei o entendimento acolhido na decisão administrativa aqui sindicada.

A norma prevê a isenção de imposto nas aquisições de imóveis por parte das instituições de crédito em processo de execução movido por essas instituições, bem como as efetuadas em processo de insolvência ou que derivem de dação em cumprimento, quando, em qualquer um dos casos, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestada.

O denominador comum em todas aquelas situações e que constitui pressuposto da isenção é o facto de, por um lado, os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado, e, por outro, as aquisições, ou a dação, se destinarem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

Não há nada na redação do preceito que aponte para a conclusão de que a isenção de imposto nas aquisições de imóveis que derivem de dação em cumprimento tenha como pressuposto a existência de uma situação de mora superior a um ano.

Acresce que a interpretação sufragada na decisão administrativa aqui em crise não é apenas incompatível com a letra da lei, ela também não dispõe de suporte no plano teleológico. Com efeito, não merece acolhimento a tese suportada pelo Réu, no sentido de que é o risco de cobrança, enquanto elemento perturbador do sistema financeiro, que constitui o interesse público extrafiscal relevante que se pretende preservar e a ratio da norma, e que pelo legislador foi eleito como a razão para a existência dos benefícios fiscais.

As razões da isenção são outras, como já vimos, e prendem-se com a satisfação dos créditos das instituições financeiras, já que estas não se dedicam à atividade de aquisição de imóveis.

Assentes estes pressupostos, podemos afirmar que constituem requisitos do reconhecimento da isenção em causa, para além da (1) competência da autoridade administrativa, que (2) os adquirentes sejam instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado e que (3) a dação em cumprimento se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

Acresce reiterar que, face à redação do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, não se justificava a exigência, como pressuposto do reconhecimento da isenção, de que o crédito estivesse em mora há mais de um ano ou da inexistência relações especiais, no sentido previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, entre o credor e o devedor, as quais só passaram a constituir pressupostos do reconhecimento da isenção após a Lei do Orçamento de 2007.

Assim, nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do CIMT, o pedido a que se refere o n.º 1 devia, quando fosse caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção.

Sendo que, de acordo com o artigo 65.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, cabia aos interessados a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei.

No caso mostra o probatório que a A. juntou os elementos exigíveis, à exceção do justificativo (extrato bancário) do atraso do cumprimento da dívida, não inferior a um ano, o justificativo de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão, e ainda o justificativo de que se verificaram tentativas de cobrança em mora.

Ora, a ausência desses elementos solicitados pela Administração Fiscal não pode, só por si, servir de suporte à recusa da isenção, face aos pressupostos exigidos pela redação anterior, aplicável à situação em apreço.
Com efeito o dever de colaboração ínsito no artigo 65.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (redação da Lei nº 55-B/2004 de 30 de dezembro) refere-se apenas à obrigação de facultar à Administração Tributária os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos e não outros que exorbitem aquele âmbito.
E esses pressupostos, eram, por um lado, o facto de os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital fosse direta ou indiretamente por aquelas dominado, e por outro, a circunstância de as aquisições ou ainda a dação se destinarem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

No caso, não vêm suscitadas dúvidas quanto à verificação de qualquer daqueles pressupostos, mostrando-se documentalmente evidenciado que o A. e requerente da isenção é um Banco e a dação em pagamento visou a satisfação de créditos seus, emergentes de responsabilidade assumidas no Contrato de Abertura de Crédito sob a forma de Conta Corrente Caucionada n.º 41520094, no Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca n.º 72695 e na facilidade sob a forma de descoberto na conta de depósitos à ordem n.º 9528830, todos eles com a natureza de “empréstimos”, tendo tais dívidas sido reconhecidas pela sociedade devedora, tanto em carta dirigida ao Banco e anexada ao requerimento, como na própria escritura de dação em cumprimento, junta ao PA em 24.03.2006, sendo certo que tais documentos foram apresentados à ATA, constam do PA e não foram alvo de impugnação.

Tanto basta para concluir que se mostram comprovados os pressupostos da isenção, nomeadamente que a adquirente era uma instituição de crédito, que a dação se destinava à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas, e que se verificava uma situação de incumprimento dos devedores relativamente aos identificados empréstimos.

Nesta medida, deve o ato de indeferimento em crise nestes autos ser removido do ordenamento jurídico, procedendo o pedido de condenação do Réu ao reconhecimento da isenção requerida.

Resta, agora, apreciar pedido de reembolso do imposto indevidamente pago e de condenação do Réu ao pagamento de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos.

Decorre do artigo 100.º da Lei Geral Tributária que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Acresce, no que respeita às ações administrativas especiais, que a obrigação de obrigação da plena reconstituição da legalidade, consagrada no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, decorre também, como corolário do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do disposto nos artigos 2.º, al. f), 4. ° e 95° do CPTA.

Assim, a primeira consequência a extrair da presente decisão é a de que o A. deve ser restituído do imposto por si indevidamente pago.

Seguidamente, é de referir que a fonte da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios é a responsabilidade civil extracontratual, pretendendo-se compensar o contribuinte por um desapossamento ilegal (artigo 43.º da Lei Geral Tributária), por uma errada liquidação do tributo imputável aos serviços.

Estabelece o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que são requisitos dos juros indemnizatórios: (1) a existência de erro num ato de liquidação de um tributo, (2) que esse erro seja imputável aos serviços; (3) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e (4)que desse erro tenha resultado o pagamento de um dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Em sintonia com o que vem afirmando Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de, vol. I, pag. 543, entendemos que referências a reclamação graciosa e a impugnação judicial ínsitas no preceito não deverão ser interpretadas como reportando-se apenas aos processos tributários que têm essa designação, mas também como referências aos meios administrativos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação dos atos de liquidação. Daí que por interpretação extensiva, se deverá entender a referência a reclamação graciosa como englobando o recurso hierárquico que venha a ser interposto da decisão de indeferimento daquela (este recurso hierárquico está mesmo previsto no artigo 76.º do CPPT, inserido no capítulo referente ao «procedimento de reclamação graciosa») e a referência a impugnação judicial como abrangendo todos os processos judiciais que têm por objeto a apreciação da legalidade de atos de liquidação, incluindo as ações para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo quando incluam uma apreciação desse tipo, e os processos de oposição à execução fiscal que tenham por objeto a apreciação da legalidade da dívida ou da sua exigência a responsáveis subsidiários ou solidários.

Ora, no caso em apreço, como consequência da procedência da ação e da anulação do Despacho do Réu que indeferiu a concessão da isenção, resulta inquestionável ter ocorrido pagamento indevido do IMT liquidado, determinado por erro de direito imputável aos serviços. Na verdade, o indeferimento da isenção implica, no caso em apreço, a lesão, por parte da Administração Tributária, de uma situação jurídica subjetiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efetivação de uma prestação patrimonial superior à devida e, por isso, contrária ao direito.

Haverá, portanto, lugar à restituição do imposto indevidamente pago, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante daquele imposto, calculados desde a data em que a A. efetuou o pagamento do imposto até à data em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito, em conformidade com o disposto no artigo 61.º, n.º 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário (Cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.01.2010, recurso 973/09, de 10.02.2010, recurso 797/09, e de 14.04.2010, recurso 120/10, todos in www.dgsi.pt.)

4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar esta ação procedente e, consequentemente, em anular o Despacho aqui impugnado, condenando o Réu nos pedidos de prática do ato de reconhecimento da isenção de IMT requerido, de restituição do imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios, conforme supra exposto.
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Custas a cargo do Réu.
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Porto, 29 de abril de 2021


Maria do Rosário Pais – Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda – 1.º Adjunto
Cristina da Nova – 2.ª Adjunta