Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03258/11.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
NATUREZA DA DÍVIDA
ILEGITIMIDADE
FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
Sumário:I) A Recorrente não coloca em crise o título executivo, nem questiona os seus requisitos, defendendo apenas que não estando identificada no título, é parte ilegítima na execução, sendo que o art. 204º nº 1 al. b) do CPPT dispõe que a oposição poderá ter como fundamento “a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.
II) A dívida exequenda emerge do contrato de concessão e incentivos financeiros descrito nos autos, pelo que não tem natureza fiscal mas sim contratual, o que quer dizer que não estamos na presença de dívidas tributárias, mas sim de dívidas emergentes de incumprimento de um contrato de concessão de incentivos, que não que não seguem o regime das liquidações sujeitas às regras do CPPT e da LGT, pois que o facto de tais dívidas serem cobradas coercivamente não lhes muda a natureza transformando-as em dívidas tributárias.
III) A partir daqui, não figurando a ora Recorrente no título executivo e uma vez que interveio no contrato de incentivos apenas como sócia gerente e em representação da sociedade (com poderes para o efeito), não pode ser responsabilizada pelo pagamento da dívida exequenda, ao abrigo do art. 204º nº 1 alínea b), do CPPT, além de que não estando identificada na certidão de dívida como devedora em relação à quantia exequenda, tem de entender-se que o despacho do OEF que determinou o chamamento à execução da oponente foi proferido sem que existisse título adequado para o efeito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:IEFP, I.P.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A..., devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27-06-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no âmbito da presente instância de OPOSIÇÃO com referência ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1805200701001248, respeitante à cobrança do montante de €76.620,03, decorrente da conversão do subsídio não reembolsável em reembolsável relativo à criação de postos de trabalho por concessão de incentivos promovido pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. e atribuído a M…, Lda.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 283-294), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1- O Tribunal a quo proferiu douta sentença que considerou que a ilegitimidade invocada pela Oponente não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i), do n.º 1 do artigo 204º, do CPPT, bem como considerou improcedente a invocada falta de notificação da Oponente para pagamento voluntário, e consequentemente, julgou improcedentes os presentes autos de Oposição.
2- Não se conformando com a douta sentença vem a Apelante interpor recurso da mesma para o Tribunal Central Administrativo do Norte, por considerar padecer a mesma de erro de julgamento quanto à matéria de facto e uma incorrecta aplicação do direito ao caso sub judice.
3- Antes de se passar ao objecto do recurso, propriamente dito, cumpre-se carrear ao recurso uma questão prévia relacionada com a falta de pronúncia do despacho emitido pela Chefe de Finanças da Maia 1 que promoveu a instauração da execução fiscal contra a Apelante, junto a fls. 83 dos autos.
4- Resulta da douta sentença que: “ Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
4) “Em 17.08.2011 foi proferido pela Chefe de Finanças da Maia 1 despacho com o seguinte teor: “Em face da informação supra, verificando-se a existência de responsáveis solidários pela dívida do processo executivo n.º 1805200701001248, cuja execução foi instaurada contra a devedora originária a sociedade “M…, Lda”, (…) determino que seja promovida a cobrança coerciva da dívida contra Ad… (…) e A… (…)” – cfr. fls. 83 dos autos.” - ponto 4 dos factos provados.
5- O que significa que os factos supra citados foram preponderantes para o Tribunal a quo formar a sua convicção e proferir a douta decisão.
6- Sucede que, destes factos só teve conhecimento a Apelante com a notificação da douta sentença, até então a Apelante desconhecia a existência do documento de fls…83 e respectivo teor.
7- Não tendo sido notificada do despacho emitido pela Chefe de Finanças da Maia 1, junto a fls. 83 dos autos não teve a Apelante possibilidade de se pronunciar e defender do mesmo.
8- Sendo certo que, o teor do referido despacho era de extrema importância para a Apelante porquanto foi através do mesmo que a Chefe de Finanças da Maia promoveu o seu chamamento aos presentes autos como executada.
9- Caso tivesse sido dada oportunidade à Apelante de se pronunciar acerca do referido despacho poderia a mesma defender-se invocando a invalidade do mesmo, em virtude do órgão de execução fiscal de título não dispor de titulo (certidão de divida) que permitisse chamar à execução a Oponente, e assim ter evitado a instauração dos presentes autos.
10- Ao não ter notificada a Apelante do despacho que promoveu a instauração da execução contra a Apelante, verifica-se a violação do princípio do contraditório, a qual consequência uma nulidade nos termos do disposto no artigo 201. °, nº 1, do CPC, dado que tal violação tem influência directa na decisão da causa, ao impedir que a Apelante se pronunciasse sobre esse documento.
11- Pelo que, não restam dúvidas que esta omissão de pronúncia causou prejuízos irreparáveis à Apelante, que assim se viu no lugar de executada num processo executivo, sem figurar como devedora na certidão de divida subjacente ao mesmo, apenas porque a Chefe de Finanças da Maia 1 determinou que a execução fosse instaurada contra a Apelante.
12- Nos termos do disposto no artigo 115°, n.º 3, do CPPT, e, bem assim, como exigência dos artigos 3º, n.º 3, e 415 °, n.º 1, do CPC, a Apelante tinha o direito de ser notificada do teor de tal documento, tanto mais que o mesmo foi tido em conta para a decisão final.
13- A omissão de pronúncia coartou à Apelante o direito ao exercício do contraditório e audiência, constitucionalmente consagrados no artigo 32º, nºs 5 e 1O da lei Fundamental e, bem assim, na cláusula geral do artigo 3º, nº 3 do CPC, plenamente aplicável no Contencioso Tributário por via do artigo 4º do CPP.
14- Pelo que, a falta de observância do princípio do contraditório implicou a prática de uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º, nº 1 do CPC, porquanto essa omissão influiu definitivamente na decisão da causa.
15- Nestes termos e pelo exposto, requer-se que seja anulado todo o processado posterior emissão do citado documento, e ordenar-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para a prática dos actos processuais necessários.
Sem prescindir,
16- Posto isto, passemos à apreciação da invocada ilegitimidade da Apelante para a execução por não figurar no título executivo e, mais importante ainda, se a ilegitimidade invocada constitui fundamento de oposição, enquadrável no disposto no artigo 204º do CPPT?
17- É defendido pela sentença recorrida que: “A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo (falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º deste mesmo Código, como uma invocada nulidade do acto de citação também não constitui, no regime do CPPT”.
18- Salvo o devido respeito, entende a Apelante que não assiste razão ao Tribunal a quo, verificando-se uma incorreta aplicação do direito.
19- Defende a Apelante que a certidão de dívida que constitui o título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 162º, alínea c), do CPPT, consta apenas como devedora a M…, Lda. (negrito nosso)- que aliás é sustentado na própria sentença no ponto 3) dos factos provados, pelo que, a Oponente é parte ilegítima na execução.
20- E sustenta que a ilegitimidade invocada constitui fundamento de oposição nos termos do disposto no art. 204º, nº1, alínea b), do CPPT.
21- Nesse sentido vai o entendimento do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no proc. 09916/16, de 15/12/2016.
“ Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 437/78, citado,
«1. Para cobrança coerciva dos créditos resultantes do apoio financeiro concedido nos termos do artigo 1.º constitui título executivo a certidão de dívida passada pelo serviço processador, acompanhada do despacho de concessão e do impresso referido no artigo 3.º. // 2. No caso de vencimento antecipado da dívida previsto no artigo 6.º, devem os documentos exigidos no número anterior ser ainda acompanhados do despacho que tenha determinado o vencimento imediato, nos termos do mesmo artigo»(1).
Sobre a matéria em exame, constitui jurisprudência assente a de que «[a] responsabilidade dos gestores por dívidas das respectivas sociedades que não constituam contribuições ou impostos, cobráveis através da execução fiscal, não está estabelecida no Código de Processo Tributário, mas no Código das Sociedades Comerciais, não permitindo este diploma legal ao credor exigir o pagamento do seu crédito, em execução fiscal instaurada só contra a sociedade, com base num título em que ele não figura como devedor» [Acórdão do STA, Pleno da Secção de contencioso tributário, 25.06.2003, P. 025037(2).
O título executivo corresponde ao «documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo»(4) ou «como o acto de verificação (acertamento) contido num documento que, no seu complexo, constitui a condição necessária e suficiente para proceder à execução forçada». «[O]s títulos executivos têm duas funções no processo de execução fiscal, que são, por um lado, assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo e por outro, informar o executado sobre a dívida que se executa, por forma poder a organizar a sua defesa»(5). Os requisitos do título executivo são os indicados no artigo 163.º do CPPT.
Motivo porque se impõe julgar, o mesmo, parte ilegítima na execução – (artigo 204.º/1/b), do CPPT).”
22- Assim sendo, no caso sub judice, não constando a Oponente da certidão de dívida, conforme o exigido no art. 88º, nº 2, alínea j), do CPPT, não pode deixar de proceder a alegada ilegitimidade com base no disposto no art. 204º, nº 1, alínea b), do CPPT.
23- Face a todo o exposto, impõem-se a revogação da sentença por outra que julgue procedente a excepção de ilegitimidade da Apelante para ser demandada nos presentes autos (artigo 204.º. n.º 1, alínea b), do CPPT).
Caso assim se não entenda, sempre se dirá que:
24- Da sentença recorrida resulta que, “sendo requisito dos títulos executivos a identificação dos devedores, o fundamento alegado, a verificar-se, consubstanciaria nulidade da execução”.
25- Mais diz que, na senda do decidido pelo Pleno da Secção do CT em Aresto de 23.02.2005, rec. 0574/04, em Acórdão de 15.06.2016, rec. 0256/16, veio a ser considerado que “A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo (falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º deste mesmo Código, como uma invocada nulidade do acto de citação também não constitui, no regime do CPPT”
26- Concluindo que, “na oposição à execução fiscal não podem ser apreciadas as irregularidades dos títulos executivos”.
27- O tribunal a quo limitou-se, sem mais, a decidir pela não apreciação do que foi invocado pela recorrente, e,
28- Julgou a pretensão da recorrente improcedente e determinou o prosseguimento da execução.
29- O tribunal recorrido ignorou portanto a causa de pedir da recorrente, o que é manifestamente contrário à lei.
30- Conforme resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no proc. 01271/13, de 04/03/2015:
“Na verdade, nossa lei processual procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão na lei adjectiva, que procura afastar o rigor formalista na interpretação das peças processuais (Cfr. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».)”. (negrito nosso).
31- Ora, resulta implícito da sentença recorrida que a recorrente lançou mão do meio processual desadequado à invocação da nulidade do título executivo.
32- O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art. 193 nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).
33- Tendo ocorrido erro na forma do processo, como aconteceu in casu, impunha o art. 97 nº 3 da Lei Geral Tributária (LGT), que o tribunal a quo ordenasse a correção do processo, isto é, 34- Impunha-se a convolação na forma processual adequada – o requerimento de arguição de nulidade.
35- No mesmo sentido dispõe o art. 98 nº 3 in fine do CPPT, quando diz expressamente que perante nulidades, devem sempre aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
36- E ainda o art. 165 nºs 2 e 4 do CPPT porquanto estabelecem que:
- as nulidades têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos, e;
- as nulidades são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão final.
37- Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no proc. 01373/12, de 26/06/2013.
“4.2. Mas, assim sendo, também é de concluir que ocorre erro na forma de processo, nos termos do disposto no nº 1 do art. 199º do CPC (uma vez que o oponente lançou mão de uma forma de processo distinta da legalmente prevista para fazer valer a sua pretensão).
E porque os efeitos jurídicos pretendidos - nulidade do processo de execução fiscal por falta de requisitos do título executivo - e os fundamentos de facto e de direito de que o recorrente os faz derivar se mostram adequados, não à forma processual eleita, mas a outra prevista na lei adjectiva, é de convolar a petição para este último meio processual (arts. 97º,nº 3 da LGT e 98º, nº 4 do CPPT) utilizando-a como requerimento a juntar ao processo de execução fiscal, para aquele efeito (sendo que tal nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final – nº 4 do art. 165º do CPPT)” (negrito nosso).
38- E ainda o já citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no proc. 01271/13, de 04/03/2015:
Concluímos, pois, que o recurso merece provimento, que a sentença deverá ser revogada e que, na ausência de outros impedimentos, é de ordenar, em substituição, que se convole a petição de oposição em requerimento de arguição de nulidade, com a consequente incorporação do mesmo no processo de execução fiscal, nos termos dos arts. 97.º, n.º 3, da LGT, e 98.º, n.º 4, do CPPT.” (negrito nosso).
39- A ausência de convolação por parte do tribunal a quo resulta na violação dos normativos supra citados, designadamente, na violação do art. 7 do CPTA, art. 193 nº 1 do CPC, art. 97 nº 3 da LGT, art. 98 nº 3 do CPPT e art. 165 nºs 2 e 4 do CPPT.
Sem prescindir,
40- Discorda também a Apelante da douta sentença recorrida na parte em que menciona que: “é manifesta a improcedência do que vem alegado, medida em que a oponente foi notificada para proceder ao pagamento voluntário da quantia em questão nos presentes autos, não lhe tendo sido sonegada a possibilidade de discutir a ilegalidade da divida.”
41- O Tribunal sustenta a sua tese com base na matéria dada como provada no ponto 2) dos factos provados.
42- Não concorda a Apelante com a matéria dada como provada, no ponto 2) dos factos provados e nesse sentido pretende a sua alteração para factos não provados.
43- Porquanto, foi a Apelante notificada do incumprimento do contrato de incentivo, não na qualidade de devedora, mas na qualidade de representante legal da devedora originária, M…, Lda..
44- A devedora originaria é a sociedade M…, Lda., foi a esta sociedade que o Instituto do Emprego e da Formação Profisisional I.P. atribuiu o incentivo para a criação de postos de trabalho, foi a esta sociedade que o IEFP notificou do incumprimento do contrato e é esta sociedade que figura como devedora na certidão de divida que serve de base aos autos.
45- Conforme consta do ponto 1) dos factos provados da douta sentença, o Centro de Emprego da Maia da Delegação Regional do Norte do Instituto de Emprego e Formação Profissional notificou a Oponente, A…, de um ofício de incumprimento, na qualidade de representante da M…, Lda..
46- Foi também a M…, Lda. notificada dos meios de defesa disponíveis para reagir ao despacho que determinou a resolução do contrato de concessão de incentivos e a conversão do subsídio atribuído não reembolsável em reembolsável.
47- Em momento algum foi a Apelante notificada, na qualidade de devedora, do incumprimento do contrato de concessão de incentivos.
48- Assim, resulta implícito no citado ponto 1) dos factos provados constantes da sentença:
“…foi atribuído à V/ entidade (…) um apoio financeiro no montante de 87.403,73 euros. (negrito nosso)
“ Fica a V/ entidade notificada para proceder à devolução voluntária dos montantes em dívida acima mencionados, no prazo de 60 dias úteis…”
49- A douta sentença atua em grande confusão entre aquela que é a devedora originária M…, Lda. e a Oponente A....
50- O que não se concebe, pois são pessoas jurídicas diferentes e autónomas.
51- Assim, impõem-se a alteração ao ponto 2) dos factos provados para NÃO PROVADOS.
52- E, consequentemente, deve ser procedente a invocada falta de notificação para pagamento voluntário da divida.
53- Conclui-se, pelas razões que expusemos, que a sentença recorrida não poderá manter-se e, ao invés, o recurso merecerá proceder.
Nestes e nos melhores termos que direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença Recorrida.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

O Recorrido IEFP, I.P. apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 299-304):
“(…)
I - A Douta Sentença não merece qualquer reparo.
II – O despacho proferido em 17.08.2011 pela Chefe de Finanças da Maia 1 não tinha que ser notificado à Recorrente porque esta conhecia bem o teor do Contrato de Concessão e Incentivos Financeiros que assinou com o Requerido bem como os fundamentos que levaram ao despacho que revogou a concessão dos apoios financeiros.
III – Além do mais a Recorrente foi notificada de todos os elementos referentes ao procedimento, pelo que a falta da notificação do Despacho da Chefe de Finanças da Maia 1 não ofendeu o exercício do contraditório e audiência assegurado pelo artigo 32.º da CRP.
IV - A Ilegitimidade invocada pela Requerente não constitui fundamento de oposição, porque não é enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
V- Pois, para prossecução do projeto, a Autora comprometeu-se a criar uma sociedade denominada M…, Lda.”.
VI - Foi celebrado o contrato de concessão e incentivos financeiros em 21 de maio de 2004, outorgado pelo IEFP, I.P. e pela Recorrente A....
VII - A Ora Recorrente assinou o Contrato de Concessão e Incentivos Financeiros como 2.ª outorgante.
VIII - Contudo nos termos do nº 2 da Cláusula 10ª do Contrato de Concessão e Incentivos Financeiros (CCIF) celebrado entre os promotores e o Requerido, a ora Recorrente é solidariamente responsável, com a empresa e entre si, o que os torna devedores no momento em que a entidade se torna devedora.
IX- Igual sentido teve o despacho da Sra. Chefe de Finanças do Serviço de Finanças da maia, de 1708/2011: “Verificando-se a existência de responsáveis solidários pela divida de processo executivo, cuja execução foi instaurada contra a devedora originaria, a sociedade “M…, Lda”., determino que seja promovida a cobrança coerciva da divida contra Ad… e A...”.
X- Sem margem para duvida que os devedores são a ora Recorrente, Ad… e a Sociedade.
XI - De relembrar que a obrigação diz-se solidária, pelo seu lado passivo, quando o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores e a prestação efectuada por um destes os libera a todos perante o credor comum (vd. artigo 512.º, n.º 1 do CC).
XII - São duas, por conseguinte, as notas típicas da solidariedade passiva destacadas na lei: (i) O dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores e (ii) o efeito extintivo reciproco da satisfação dada por qualquer deles ao direito do credor.
XIII - Refere, porém, Antunes Varela (cfr. Antunes varela, Das obrigações em Geral, Volume I, 10ª edição, Pagina 755) que não basta, segundo a definição do artigo 512º, o dever de prestação integral ou o direito a prestação integral para garantir a existência da solidariedade.
XIV - Os pressupostos da solidariedade são (i) o direito a prestação integral; (ii) efeito extintivo recíproco comum; (iii) identidade da prestação; (iv) identidade da causa; e (v) comunhão de fim (Vd. Acórdão n.º 246/10.3YRLSB.S1 do Supremo Tribunal de Justiça).
XV - Atendendo ao exposto, e havendo prova documental que comprova que a Requerente foi notificada do despacho do despacho de resolução do contrato de concessão de incentivos e a conversão do subsídio atribuído não reembolsável em reembolsável no montante de 74.936,52€ referente ao apoio pago pelo IEFP e vencimento mediato da dívida, e dos seus fundamentos, não podia o Tribunal decidir diferente do que decidiu, ao considerar que na oposição à execução fiscal não podiam ser apreciadas as irregularidades dos títulos executivos.
XV– Em suma, a Recorrente é parte legítima na presente execução porque assinou o CCIF como segunda outorgante e consta do mesmo como sendo responsável solidariamente com a entidade que constituiu.
XVI – A matéria dada como provada no ponto 2 da matéria de facto deve manter-se porque a Requerente foi notificada do despacho que revogou o apoio concedido, nada havendo a alterar.
XVII – A Requerente foi notificada para pagamento voluntário da divida, e não ficou impossibilitada de discutir a legalidade da divida.
XVIII – Com efeito, à Requerente foi remetido em 16.03.2005 um oficio para proceder ao pagamento voluntário da divida, sob pena de não o fazer, o processo ser remetido para cobrança coerciva.
XIX - O referido ofício foi recepcionado pela Requerente, mas esta não apresentou reclamação para o autor do ato, nem apresentou recurso hierárquico, mas antes manifestou a pretensão de pagar a divida a prestações, em reunião realizada com o Requerido, no dia 8 de julho de 2005.
XX - Atendendo ao exposto, a Douta Sentença não padece do vício de erro de julgamento ou de qualquer dos outros vícios que lhe são apontados.
XXI- Pelo que andou bem a sentença recorrida ao julgar improcedente a oposição fiscal, mantendo a execução.
Nestes termos, e pelo muito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá a Douta Sentença recorrida ser mantida na íntegra, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!”


O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o despacho do OEF em termos de procedimento, indagar da relevância da ilegitimidade da Recorrente por não figurar no título executivo e ponderar a invocada falta de notificação para pagamento voluntário.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) O Centro de Emprego da Maia da Delegação Regional do Norte do Instituto de Emprego e Formação Profissional remeteu a A... em 16.03.2005 ofício com o seguinte teor: “(…) Assunto: PEOE – PROC Nº 35/2002 – INCUMPRIMENTO
Por despacho do Sr Director do Centro de Emprego, (…) de 3 de Abril de 2003, foi atribuído à V/Entidade (…) um apoio financeiro no montante de 87.403,73€ (…)
Face ao incumprimento injustificado das condições estabelecidas no contrato de concessão de incentivos assinado em 21 de Maio de 2003, nomeadamente: a) do n.º 1 da cláusula 9ª – relativa à execução integral do projecto nos termos fixados em sede de candidatura (…)
Foi determinado por despacho de 2005-03-01, do Sr. Director do Centro de Emprego da Maia, (…) a resolução do contrato de concessão de incentivos e a conversão do subsídio atribuído não reembolsável em reembolsável no montante de 74.936,52€ referente ao apoio pago pelo IEFP e o vencimento imediato da dívida.
Assim, fica a V/ entidade notificada para proceder à devolução voluntária dos montantes em dívida acima mencionados, no prazo de 60 dias úteis a contar do primeiro dia útil à data em que for, ou se considerar, notificado do envio do presente ofício, exceptuando-se sábados, domingos e dias feriados.
Findo esse prazo, o processo será remetido ao Tribunal fiscal para cobrança coerciva, nos termos do Decreto-lei nº 437/78 de 28 de Dezembro, onde ao montante em dívida serão acrescidos os juros vencidos e vincendos, bem como as custas do processo.
Mais se informa que, no prazo, respectivamente, de 15 ou 30 dias úteis (…) poderá reclamar ou, em alternativa, recorrer da presente decisão (…)” – cfr. fls. 383 e 384 do processo administrativo (PA) junto aos autos.
2) O ofício descrito em 1) foi recepcionado por A…– cfr. fls. não numeradas do PA junto aos autos.
3) O Instituto de Emprego e Formação Profissional emitiu certidão de dívida por falta de pagamento da quantia descrita em 1) em nome de M…, Lda. – cfr. fls. 14 dos autos.
4) Em 17.08.2011 foi proferido pela Chefe de Finanças da Maia 1 despacho com o seguinte teor: “Em face da informação supra, verificando-se a existência de responsáveis solidários pela dívida do processo executivo n.º 1805200701001248, cuja execução foi instaurada contra a devedora originária a sociedade “M…, Lda”, (…) determino que seja promovida a cobrança coerciva da dívida contra Ad… (…) e A… (…)” – cfr. fls. 83 dos autos.
**
Factos não provados
Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos.
**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.”
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3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, com referência à decisão que julgou improcedente a presente oposição com referência ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1805200701001248, respeitante à cobrança do montante de €76.620,03, decorrente da conversão do subsídio não reembolsável em reembolsável relativo à criação de postos de trabalho por concessão de incentivos promovido pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. e atribuído a M…, Lda.

Nas suas alegações, a Recorrente, além do mais, defende que na certidão de dívida que constitui o título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 162º, alínea c), do CPPT, consta apenas como devedora a M…, Lda., o que aliás é sustentado na própria sentença no ponto 3) dos factos provados, pelo que, a Oponente é parte ilegítima na execução, mais referindo que a ilegitimidade invocada constitui fundamento de oposição nos termos do disposto no art. 204º, nº1, alínea b), do CPPT.
Neste ponto, tendo presente a alegação da Recorrente, resulta claro que a decisão recorrida não foi muito feliz na sua análise, na medida em que deslocou a questão para as irregularidades do título executivo que afastou como fundamento da execução fiscal.
Ora, a Recorrente não coloca em crise o título executivo, nem questiona os seus requisitos, defendendo apenas que não estando identificada no título, é parte ilegítima na execução.
Pois bem, o art. 204º nº 1 al. b) do CPPT dispõe que a oposição poderá ter como fundamento “a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”, pelo que afigura-se claro que a decisão recorrida não pode manter-se, pois que a alegação da Recorrente é claramente enquadrável na norma agora citada.

A partir daqui, cabe indagar se, de acordo com o art. 715º do C. Proc. Civil (actual art. 665º), se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Norte incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição, sendo que a resposta a esta questão terá de ser positiva, pois que se impõe apenas considerar a factualidade já apurada nos autos, nada havendo que obste a tal conhecimento, pois que o processo dispõe dos elementos de facto para o efeito e as partes já tomaram posição sobre o cerne da questão (basta atentar nas alegações e contra-alegações no âmbito do presente recurso), pelo que, deve este Tribunal avançar para o conhecimento em substituição, resultante da revogação da decisão recorrida, o que nos remete para a apreciação da substância da posição da Recorrente sobre o descrito fundamento de oposição.

Neste domínio, cabe notar que a dívida exequenda emerge do contrato de concessão e incentivos financeiros descrito nos autos, pelo que não tem natureza fiscal mas sim contratual, o que quer dizer que não estamos na presença de dívidas tributárias, mas sim de dívidas emergentes de incumprimento de um contrato de concessão de incentivos, que não que não seguem o regime das liquidações sujeitas às regras do CPPT e da LGT, pois que o facto de tais dívidas serem cobradas coercivamente não lhes muda a natureza transformando-as em dívidas tributárias.

Nesta sequência, e tal como se colhe da certidão que serve de título à execução descrita nos autos, importa ter presente o teor do art. 4º do D.L. nº 437/78, de 28-12, onde se refere que:
“1. Para cobrança coerciva dos créditos resultantes do apoio financeiro concedido nos termos do artigo 1.º constitui título executivo a certidão de dívida passada pelo serviço processador, acompanhada do despacho de concessão e do impresso referido no artigo 3.º. // 2. No caso de vencimento antecipado da dívida previsto no artigo 6.º, devem os documentos exigidos no número anterior ser ainda acompanhados do despacho que tenha determinado o vencimento imediato, nos termos do mesmo artigo»

Com interesse nesta matéria, diga-se que o Ac. do S.T.A. (Pleno) de 25-06-2003, Proc. nº 012503 aponta que “a responsabilidade dos gestores por dívidas das respectivas sociedades que não constituam contribuições ou impostos, cobráveis através da execução fiscal, não está estabelecida no Código de Processo Tributário, mas no Código das Sociedades Comerciais, não permitindo este diploma legal ao credor exigir o pagamento do seu crédito, em execução fiscal instaurada só contra a sociedade, com base num título em que ele não figura como devedor”.
Por outro lado, é sabido que o título executivo corresponde ao documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo.

A partir daqui, não figurando a ora Recorrente no título executivo e uma vez que interveio no contrato de incentivos apenas como sócia gerente e em representação da sociedade (com poderes para o efeito), não pode ser responsabilizada pelo pagamento da dívida exequenda, ao abrigo do art. 204º nº 1 alínea b), do CPPT.
Além disso, não estando identificada na certidão de dívida como devedora em relação à quantia exequenda, tem de entender-se que o despacho do OEF que determinou o chamamento à execução da oponente foi proferido sem que existisse título adequado para o efeito.
Acresce que estando nós perante uma dívida resultante do incumprimento de um contrato de incentivos, a Recorrente não poderia sequer ser revertida, realidade que apenas opera em relação às dívidas tributárias.

Em face do exposto, assiste razão à Recorrente e a sentença recorrida não pode manter-se, impondo-se julgar extinta a execução por ilegitimidade, nos termos do disposto no art. 204º nº 1 al. b) do CPPT, o que implica a procedência do presente recurso e da oposição à execução fiscal, com a extinção da execução fiscal descrita nos autos, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito presente recurso.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a presente oposição à execução fiscal, determinando-se a extinção da execução fiscal (PEF) n.º 1805200701001248.
Custas pelo Recorrido em ambas as Instâncias.
Notifique-se. D.N..
Porto, 25 de Janeiro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos