Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00144/11.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:OPOSIÇÃO; REVERSÃO; FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO; ANULAÇÃO; ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO; MÉRITO DA PRETENSÃO EXECUTIVA;
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I. O instituto da reversão traduz-se numa modificação subjetiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na ação, de alguém que não é o devedor que figura no título.

II. A reversão efetiva-se através do Despacho de reversão que embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de ato administrativo, pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de atos, designadamente, no que concerne à fundamentação.

III. No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele ato e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo ato de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior ato, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.

IV. Se a sentença apreciou o mérito da pretensão executiva da AT e concluiu que esta não observou o ónus da prova que sobre si impendia, é acertado o dispositivo que determinou a extinção da execução fiscal contra o revertido.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 20.11.2012, pela qual foi julgada procedente a oposição deduzida por J. e, em consequência, extinta a execução f execução fiscal n.º 2658200801000284.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
“A. Incide o presente recurso sobre a sentença que determinou a extinção da execução fiscal nº 26582000801000284 contra o oponente (nela revertido), considerando ilegal o despacho de reversão pelo facto de a Administração Tributária se não poder valer da presunção da alínea b) do artigo 24º da Lei Geral Tributária, com que fundamentou a reversão.
B. Execução à qual se opõe J., com fundamento em ilegitimidade por não ser o responsável pelo pagamento da dívida.
C. A dívida em cobrança coerciva resulta de liquidação oficiosa efectuada nos termos dos art.°s 83º e 88º-A do Código do IVA, redacção à data.
D. Mas disso não cuidou o tribunal a quo de saber.
E. Contudo, o princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir.
F. Este princípio vigora somente no processo judicial tributário (cfr. art. 99º, nº 1 da LGT; art. 13º, nº 1 do CPPT).
G. O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
H. As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (causas de nulidade da sentença), em perspectiva de direito substantivo, são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
I. E em perspectiva de direito adjectivo são os pontos de direito ou de facto relevantes para a conformação do quadro formal necessário à decisão de mérito.
J. O tribunal deve conhecer de todas as referidas questões, mas não de todos os argumentos expressados pelas partes a fim de o convencer do sentido com que devem ser interpretados os factos e as normas jurídicas envolventes.
K. Consta da sentença recorrida que constitui pressuposto da reversão a culpa do gerente, que pode ir desde a intenção de frustrar os direitos dos credores à falta de cuidado devido em salvaguardar os direitos desses credores. Porém, quando se verifique que o prazo legal do pagamento ou entrega da prestação tributária terminou no exercício do seu cargo, a lei dispensa a prova da culpa (a qual se presume), passando a recair sobre o próprio agente a demonstração de que esse pressuposto não se verifica. As condições que permitem o funcionamento dessa presunção são: o exercício de facto dessas funções sociais e que esse exercício subsista na data em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária.
L. A Lei Geral Tributária limita a inversão do ónus da prova da culpa do não pagamento das dívidas, às dívidas vencidas no período do exercício das funções, contudo, a imputação da responsabilidade subsidiária não é feita apenas relativamente aos administradores ou gerentes que tenham exercido funções no período de pagamento voluntário da dívida, a quem directamente poderá ser imputado o seu não pagamento, estendendo-se também àqueles que tivessem exercido funções no período de constituição da dívida.
M. Esta responsabilização dos administradores ou gerentes pelas dívidas geradas no seu período de exercício de administração foi baseado no argumento de que são os gerentes que agem em nome da sociedade, como seus órgãos, estando assim organicamente ligados à prática dos actos de que deriva a obrigação do tributo e à apresentação das respectivas declarações, através das quais por via de regra, a administração tributária toma conhecimento (ou não) dos elementos necessários à liquidação.
N. Se bem analisamos a sentença recorrida, o tribunal a quo não empreendeu qualquer avaliação da existência ou suficiência dos bens da devedora originária, conforme referido pelo oponente e, do mesmo modo, não se pronunciou quanto à falta de culpa do oponente na gestão da devedora originária, como decorre do probatório e da fundamentação da decisão.
O. lnexiste, portanto, uma avaliação de mérito da matéria controvertida que possa motivar a extinção da execução contra o oponente, tal como a determina o tribunal a quo;
P. Pelo que, a douta sentença deveria limitar-se a anular o despacho de reversão por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação já que nos casos em que a anulação do acto administrativo é motivada por um mero vício de forma, a Administração Fiscal pode executar uma decisão anulatória praticando um acto de sentido idêntico, mas sem o vício que o atingia, faculdade que a decisão sob recurso inviabiliza;
Q. Assim, a douta decisão, julgando a oposição procedente deveria determinar a anulação da decisão que operou a reversão contra o oponente;
R. Decidindo doutro modo, a douta decisão violou os arts. 77º da LGT, 101º e 124º do CPPT e 125º do CPA., não podendo manter-se, por consubstanciar erro de julgamento.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se a substituição da douta sentença recorrida, com as legais consequências.

1.3. O Recorrido apresentou contra-alegações e, a final, formulou as seguintes conclusões:
“Salvo o devido respeito por opinião contrária, que é muito, a Douta Sentença recorrida não enferma de qualquer vício gerador da nulidade da mesma.
Os factos provados da Douta sentença resultam todos de prova documental constante dos autos. Outra prova não foi produzida. E, nem o deveria ter sido, porquanto é claro que quer na data de liquidação da dívida – 09/06/2007; quer no prazo do seu pagamento – 06/12/2007, o revertido não era gerente de facto da falida I., Lda., desde a data da sentença de declaração de insolvência desta – 21/02/2007.
Tem aqui plena aplicação o disposto no artigo 81 Nº 1 do CIRE.
Pretende a recorrente com o seu recurso a anulação da Douta Sentença proferida, que se deveria ter limitado a anular o despacho de reversão por vício de forma. E qual? A pretendida falta de fundamentação do acto de reversão.
Julgamos que erradamente. Com efeito, não estamos perante uma situação de ausência de fundamentação.
Quando muito, o que não se concede, estaremos no campo de fundamentação insuficiente do acto de reversão.
Contudo, aquele acto de reversão respeitou todos os ditâmes do artigo 125 do CPA e artigo 77 da LGT, pelo que nenhum vício padece a mesma.
Como nenhum vício padece a Douta decisão recorrida.
Termos em que
e nos melhores de direito negando provimento ao recurso Vsª Exsª farão JUSTIÇA

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal que emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Dispensados os vistos legais nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter determinado a extinção da execução fiscal revertida contra o Recorrido, após concluir que a AT não podia valer-se da presunção de culpa prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, uma vez que não demonstrou o exercício das funções de gerente por parte do revertido à data do termo do prazo de pagamento voluntário das dívidas revertidas.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
A) Factos Provados
Consideram-se assentes os seguintes factos relevantes:
1) Contra a sociedade “I., Lda”, foi instaurada pelo Serviço de Finanças de (...), o PEF n.º 26582000801000284, para cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2006, no montante global de €6.351,20 – cfr. informação de fls. 62 e ss. dos autos.
2) Depois de concretizada a audiência prévia, foi lavrado em 23.02.2010 despacho de reversão da execução fiscal contra o aqui Oponente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“Tomando em consideração os períodos de exercício da gerência, por parte de cada um dos responsáveis subsidiários antes identificados e desconhecida a existência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO no presente processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário J., antes identificados, relativamente à totalidade da quantia exequenda ainda em dívida neste processo, na importância de € 6.351,20 (seis mil trezentos e cinquenta e um euros e vinte cêntimos), presumindo-se a culpa do(s) mesmo(s) responsável(eis) subsidiário(s) pelo não pagamento da(s) dívida(s) que agora se reverte(m), conforme o estabelecido pelo art.º 13 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e Art. 22º nº 2 da Lei Geral Tributária.
A decisão agora produzida funda-se na presunção legal de culpa, baseada nas informações oficiais e provas documentais inclusas nos autos, que os interessados não contrariaram, nem contestaram
(...)”.
- Cfr. fls. 67 a 69 dos autos.
3) O Oponente foi citado para a execução em 01.03.2010 - cfr. fls. 70 a 73 dos autos.
4) Por sentença judicial, proferida em 21.02.2007, foi declarada a insolvência da sociedade I., Lda. – cfr. fls. 52 dos autos.
5) O prazo para cobrança voluntária da dívida exequenda terminou em 26.12.2007 – cfr. fls. 68 dos autos.
B) Factos não provados
Com interesse para a boa decisão da causa, inexistem.
*
C) Motivação da decisão sobre a matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos supra indicados relativamente a cada um dos factos, os quais não foram impugnados.”

3.2. DE DIREITO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:
“Dispõe o art. 24º, n. º1, da L.G.T., que “os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas, entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
Constitui jurisprudência constante dos nossos tribunais que a responsabilidade subsidiária só pode ser atribuída em função do exercício efectivo do cargo de gerente, competindo tal prova ao Exequente. Assim se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no douto Acórdão do Pleno, de 28.02.2007, proferido no recurso 1132/06, cujo sumário se transcreve:
«I- No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II- Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III- A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV- Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve ser contra si valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V- Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.»
Para além da gerência de facto, constitui pressuposto da reversão a culpa do gerente, que pode ir desde a intenção de frustrar os direitos dos credores à falta de cuidado devido em salvaguardar os direitos desses credores.
Porém, quando se verifique que o prazo legal do pagamento ou entrega da prestação tributária terminou no exercício do seu cargo, lei dispensa a prova da culpa (a qual se presume), passando a recair sobre o próprio agente a demonstração de que esse pressuposto não se verifica – artigo 24.º, n.º 1, alínea b), supra transcrito.
As condições que permitem o funcionamento dessa presunção são: [a)] o exercício de facto dessas funções sociais e [b)] que esse exercício subsista na data em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária.
Como se pode ler no recente Acórdão do TCAN, de 28.06.2012, processo 00051/10.7BEVIS, disponível em www.dgsi.pt, “Do que se trata, no fundo, é que o legislador abstrai dos factos concretos em que se traduziu a erosão do património social, da identificação dos sujeitos que neles tiveram intervenção e do papel que tiveram na sua ocorrência desde que, em todo o caso, seja possível confirmar que na data em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega da prestação tributária aquele agente exercia (de facto) essas funções sociais.”
Ora, analisando o caso em apreço e convocando a factualidade dada como provada, logo se constata que o exercício de facto das funções de gerente da sociedade executada por parte do Oponente já não subsistia no momento em que a dívida exequenda foi posta à cobrança.
Com efeito, a sociedade devedora principal foi declarada insolvente por sentença do 21.02.2007, dispondo o artigo 81º nº 1 do CIRE que “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam competir ao administrador da insolvência”.
O que significa que o Oponente foi legalmente privado dos poderes que lhe tinham sido atribuídos pelos órgãos sociais. Com o que passou a existir um antes e um depois: antes dessa data, as funções eram exercidas no quadro desses poderes, que potenciariam o seu exercício continuado; depois dessa data, as funções só podiam ser exercidas à margem desses poderes, o que já não seria expectável e teria que ser confirmado com novos dados factuais. Caberia então à administração tributária recolher indicadores adicionais de que, apesar disso, o ora Oponente continuou, de facto, a exercer essas funções e a comandar os destinos da sociedade, e que tal situação se prolongou até à data em que terminou o prazo de pagamento das quantias em dívida, se quisesse continuar a valer-se da presunção a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º citado.
Ou, em alternativa, reunir os indicadores de que dependeria a verificação dos demais pressupostos de reversão. Ou seja, demonstrar que foi por facto imputável ao Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas constituídas antes da insolvência mas que só se venceram depois de esta ter sido decretada, a coberto da sua alínea a).
E o que decorre dos autos é que a administração tributária não fez nem uma coisa nem outra: não indicou factos índice a partir dos quais se pudesse concluir objetivamente que tal gerência foi de facto exercida após a insolvência e não demonstrou que a insuficiência de bens da sociedade insolvente para o pagamento das dívidas constituídas antes da insolvência mas cujo prazo de cobrança só terminou depois da data em que foi decretada lhe é subjectivamente imputável (aliás, nem sequer o invocou).
Assim sendo, não podendo a administração tributária valer-se da presunção da alínea b), do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, com que fundamentou o acto de reversão, este revela-se ilegal, impondo-se, em consequência, a extinção da execução contra o Oponente.”.
Perante este julgamento de direito, o Tribunal a quo julgou a oposição procedente e, em consequência, extinta a execução fiscal contra o Oponente.
A Recorrente Fazenda Pública não se insurge contra o julgamento, quer de facto quer de direito, efetuado em 1.ª instância, apenas discorda da consequência por ele retirada, de extinção da execução fiscal revertida contra o Recorrido. Na ótica desta, o Tribunal a quo não contem avaliação da matéria controvertida que possa motivar a extinção da execução contra o oponente, «pelo que a douta sentença deveria limitar-se a anular o despacho de reversão por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação já que nos casos em que a anulação do acto administrativo é motivada por um vício de forma, a Administração Fiscal pode executar uma decisão anulatória praticando um acto de sentido idêntico, mas sem o vício que o atingia, faculdade que a decisão sob recurso inviabiliza».
Vejamos, então, se a razão está do seu lado.
O instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjetiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado. Como decorre dos artigos 159.º do CPPT, 23.º e 24.º da LGT, para que opere a reversão é necessária a verificação cumulativa de três pressupostos: a inexistência ou fundada insuficiência de bens da devedora principal para pagamento da dívida exequenda, o exercício da gerência por parte do revertido e a culpa do revertido pela insuficiência patrimonial do devedor originário. Estes pressupostos, por serem constitutivos da pretensão executiva a que a AT se arroga, devem por ela ser provados, ressalvado o caso da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT – quando o facto constitutivo das dívidas e o termo do respetivo prazo de pagamento voluntário ocorram no período do exercício da gerência pelo revertido -, em que a AT frui da presunção de culpa do revertido, cabendo a este demonstrar a inexistência da mesma.
Uma vez que a reversão se efetiva através de uma decisão / Despacho da AT, este deve obedecer às exigências de fundamentação previstas no artigo 77.º da LGT. Acompanhamos aqui a jurisprudência que dimana do acórdão do TCAS de 12/07/2017, rec. 1305/14.9BELRA, no sentido de que «O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr. artº.120, do anterior C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr. artºs.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, e 77, da L.G.T.). Isto é, o revertido deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício. Assim, para além da indicação dos pressupostos de facto em que assenta a decisão de reversão, nos casos em que esta não assenta numa presunção de culpa (cfr.artº.24, nº.1, al. b), da L.G.T.), deverá constar do despacho de reversão, directamente ou através de remissão (cfr.artº.125, nº.1, do anterior C.P.A.), a indicação das razões que levaram o órgão de execução fiscal a formular o juízo sobre a culpa do revertido na génese da insuficiência do património da executada originária para solver as dívidas fiscais (cfr.artº.24, nº.1, al. a), da L.G.T.) ou a indicação da violação de deveres que justifica a reversão (cfr.artº.24, nºs.2 e 3, da L.G.T.). Já no caso de reversão baseada no citado artº.24, nº.1, al. b), da L. G. Tributária, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.4416/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C. P .P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.66 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, pág.223 e seg.; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.133 e 134).
Face à jurisprudência do S.T.A., com a qual concordamos, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a A. Fiscal fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (cfr. ac. S.T.A. -Pleno da 2ª.Secção, 16/10/2013, rec.458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/2/2015, rec.1860/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/6/2015, rec.487/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1 BELLE).».
Este é, pois, o conteúdo exigível da fundamentação formal do despacho de reversão, cuja inexistência pode determinar a respetiva anulação, com a consequente absolvição do revertido da instância executiva. Neste sentido, veja-se o acórdão do STA de 22/04/2015, rec. processo 0511/14, cujo sumário, com a devida vénia e por esclarecedor, passamos a transcrever na parte que ao caso interessa:
«No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.».
Sucede que, no caso em apreço, a pronúncia do Tribunal a quo não foi no sentido de apreciar a existência / suficiência da fundamentação vertida no despacho de reversão, antes se pronunciando sobre a pretensão executiva da AT, concluindo pelo seu demérito por não ter sido demonstrado que, no termo do prazo de pagamento das dívidas exequendas, o ora Recorrido exercia as funções de gerente. Assim, o desfecho da oposição resultou do entendimento de que a AT não observou o ónus probatório que sobre si impendia e, como já vem sendo uniformemente entendido, a factualidade para tal relevante tanto podia ser invocada no despacho de reversão como em sede de contestação à oposição.
Sendo pacífico que recai sobre a AT o encargo probatório do exercício da gerência por parte do revertido, uma vez que nesta matéria não frui de qualquer presunção, o que resulta da regra geral contida no artigo 414.º do CPC é que, na dúvida sobre esse facto, a questão deve ser resolvida contra ela.
Tal foi o que aconteceu no caso em análise, porque a AT não produziu a dita prova (do exercício da gerência pelo Recorrido no termo do prazo de pagamento da dívida exequenda), falhando, igualmente, a prova, que lhe incumbia, da culpa do revertido pela insuficiência patrimonial da executada principal.
Bem andou, pois, a sentença recorrida no julgamento de direito efetuado, o qual não nos merece qualquer censura, porque acertadas as normas jurídicas aplicadas, bem como a respetiva interpretação e aplicação ao caso concreto. E, nesta medida, igualmente acertada é a parte dispositiva da sentença, no sentido da extinção da execução fiscal revertida contra o Recorrido, em virtude de a AT não ter observado o ónus probatório a seu cargo e, por isso, não ter demonstrado o mérito da sua pretensão.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 2 de julho de 2020


Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio