Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00476/13.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ACTO PRODUZIDO EM MASSA
TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS
Sumário:I - Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
II – Mesmo um acto administrativo produzido em massa tem que ser sustentado por um mínimo suficiente de fundamentação expressa.
III – Se, nem da factura, nem do ofício através do qual a mesma é notificada à Impugnante, resulta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa relativa a 2013 em relação à sua superfície comercial, e qual o valor que foi objecto de compensação em relação àquela que havia sido liquidada para 2012, há que julgar verificada a falta de fundamentação do acto de liquidação no que respeita ao concreto montante da taxa devida em 2013 e, consequentemente, anular esse acto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 03/11/2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade S…, LDA., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Av…, 5450-036 Vila Pouca de Aguiar, contra o acto de liquidação praticado pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária do Ministério da Agricultura e do Mar, da “Taxa de Segurança Alimentar Mais”, no valor global de € 1.886,05.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I. O acto de liquidação de TSAM é um acto de massa, porque emitido, pela entidade liquidadora, em nome de um número indeterminado de contribuintes, a quem, subsequentemente, é notificado.
II. Por isso, a correlativa fundamentação deve ser adequada à natureza do acto e à natureza do tipo de sujeito passivo a quem ele é dirigido, de modo a permitir, através de sucinta exposição, apreender as razões de facto e de direito que estiveram na sua origem, ou seja, a sua motivação.
III. A Impugnante é uma empresa de dimensão média do ramo retalhista, com cerca de 35 empregados, com um volume de vendas apreciável e com técnico oficial de contas, que, por isso, se encontra habilitada a compreender, como compreendeu, o conteúdo, a extensão e o alcance da liquidação impugnada, ou seja, a sua motivação.
IV. A qual é constituída pela factura 191/F e pela notificação de 15-07-2013, que contém a explicitação da mesma, com referência às normas legais aplicáveis.
V. Documentos que permitiram à Impugnante apreender os cálculos efectuados pela Administração, para liquidar a TSAM de 2013 e compensar o valor de TSAM liquidado e cobrado em excesso em 2012.
VI. Razões pelas quais, pensamos, a liquidação impugnada se encontra devidamente fundamentada, tendo a douta decisão recorrida, neste particular, incorrido em clamoroso erro de julgamento.
Nestes termos e nos mais de Direito, que hão-de ser por V. Ex.ªas, com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso, depois de admitido, obter provimento, anulando-se a sentença recorrida e, em seu lugar, proferir-se outra, que, julgando improcedente o invocado vício de violação de lei, por falta de fundamentação, mantenha indemne, na ordem jurídica, a controvertida liquidação da TSAM, relativa ao 1.º semestre do ano 2013, no valor de € 1 886,50.
Assim decidindo, farão V. Ex.ªs, de forma sã, serena e objectiva, como a isso já nos acostumaram, a almejada JUSTIÇA.
****
Não houve contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que o acto de liquidação impugnado padece do vício de falta de fundamentação.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

“Com interesse para a decisão dão-se por provados os seguintes factos:

1. A Impugnante é uma empresa do sector da distribuição, que detém e gere o estabelecimento, que se apresenta sob a insígnia “I…”, com sede na Av…, 5450-036 Vila Pouca de Aguiar, no qual exerce o comércio de produtos alimentares a retalho, com área de vendas de 688 m2.- Art.ºs 1 e 6 não impugnados;
2. Em data não alegada o Ministério da Agricultura e do Mar começa a notificar a Impugnante dos actos de liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), inicialmente relativo a 2012, e, posteriormente e para além do mais, também relativo à 1º prestação de 2013 que aqui se discute, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque (cfr. intróito e art.º 7.º da PI, não impugnados, e doc 1 deste articulado):

2. O montante liquidado já foi pago – art.º 8.º da PI, não impugnado e doc. 2;”

Para uma melhor compreensão, reformulam-se os factos considerados provados, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, tendo por base os documentos constantes dos autos, da seguinte forma:

A) Com data de 01/07/2013 foi emitida pelo "Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais" a factura n.º 000191/F, no valor de €1.886,50, com a descrição «1 Taxa de Segurança Alimentar Mais -1.ª Prestação do ano de 2013 (Decreto-Lei n. 119/2012, Portarias n.º 215/2012 e n.º 200/2013)», mencionando, a final, que «Deve proceder ao pagamento desta factura até ao dia 31-07-2013 (…)» — cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e documento ínsito a fls. 195 do processo físico (acto impugnado).

B) O teor da factura identificada em A) foi notificado à Impugnante por ofício da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, datado de 15/07/2013, do qual se extrai o seguinte:

«(...) Como é do conhecimento de V. Exa, o Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de segurança Alimentar Mais, a qual constitui contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.º do mencionado diploma.

Nos termos do n.º3 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.

Assim, fica V. Exª notificado (a) que, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da portaria supracitada, o montante devido é de €1886,50 (...), conforme factura n.º 191/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.

Mais se informa que o valor acima mencionado contempla o acerto relativamente ao valor faturado em 2012, atenta a aplicação retroativa do disposto no artigo 1.° da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.

O pagamento da taxa no corrente ano, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no artigo 6.°, poderá ser efetuado, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 5.° e n.º2 do artigo 6.º do mesmo diploma.

Dado que o prazo mencionado na fatura, por limitações do sistema informático, não é coincidente como prazo legalmente previsto para o pagamento, para o efeito, apenas deve ser atendido a este último.

Alerta-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento da prestação.

Por último, informa-se que apresente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento.» - cfr. fls. 194 do processo físico.

C) Em 18/07/2013, a Impugnante pagou o montante liquidado na factura identificada na alínea A) - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.


*
2. O Direito

A única questão a apreciar neste recurso é a de saber se a fundamentação que suporta a liquidação impugnada nestes autos é suficiente para que a destinatária, ora Recorrida, compreenda as razões de facto e direito que suportaram a emissão daquela no valor monetário aí concretamente determinado.
Na sua petição inicial, a Impugnante invocou a ausência de fundamentação, por não ser possível compreender qual o percurso ou critérios que concretamente foram atendidos para se proceder à liquidação nos termos em que foi quantificada, alertando que muitos dos elementos de fundamentação, que são essenciais à perfeição do acto, designadamente os que verte no artigo 93.º daquela peça processual, não lhe foram comunicados. A saber: a data de terminus do prazo de pagamento voluntário do tributo; normas em que se baseia a notificação da liquidação da primeira prestação da TSAM de 2013 durante o mês de Julho e a natureza do prazo de pagamento de 60 dias; o valor da TSAM de 2012, objecto de anulação; o valor global relativamente ao ano de 2013 e o montante da primeira prestação e a concretização do coeficiente aplicado ao estabelecimento explorado pela Impugnante.
Para o ora Recorrente, o acto encontra-se suficientemente fundamentado, devendo, para além do mais, atender-se que estamos perante uma situação de “acto de massa” e à dimensão organizativa e meios ao dispor deste concreto destinatário.
Em sede de fundamentação jurídica, a sentença recorrida expendeu o seguinte discurso fundamentador:
«(…) Da falta de fundamentação.
O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é princípio constitucional consagrado no art.º 268.º da CRP.
Pretende-se, com este direito, o reforço das garantias da legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos perante a Administração Pública, considerando-se que a falta de fundamentação das suas decisões dificulta, muitas vezes, a sua impugnação e o próprio controlo jurisdicional.
A fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão – art.º 77.º da LGT .
Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto. Cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in CPA anotado e comentado, 5ª edição, pág. 696.
Como diz Allan Bewer-Carías, na obra citada por aquele autores a fls.696 e 105, a Fundamentação consiste “ na necessária expressão formal dos motivos do acto, tanto os que são de direito e que configuram a base legal, como os motivos de facto que provocam a actuação administrativa (…)”
Perante o explanado o que dizer sobre a decisão impugnada?
Pergunta-se:
A fundamentação é ou não expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de direito e de facto da decisão?
É ou não clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide?
É ou não suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou?
É ou não congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão possível?
O acto de liquidação em causa apenas contém o valor de € 1.886,50, mas não explica a forma como este foi apurado. Assim, não é possível nem à impugnante nem ao Tribunal controlar o quantum da taxa aplicada.
A forma como a taxa foi calculada assume especial relevância, já que a Portaria n.º 200/2015, de 31 de Maio alterou os pressupostos da base tributária, sendo relevante aferir qual a concreta base tributável e a taxa que foram aplicadas, o que a liquidação não especifica, sendo que a parte final do número 3 do artigo 2.º da referida Portaria aponta no sentido da regularização oficiosa da liquidação do ano anterior, de forma a que o interessado possa solicitar o reembolso ou compensação pela diferença paga em excesso, desconhecendo-se face à não discriminação da forma como foi apurado o valor em causa se nesse valor foi eventualmente descontado ou não alguma correcção oficiosa relativa à liquidação anterior.
Um destinatário normal da liquidação impugnada não conseguiria perceber que cálculos foram efectuados para chegar ao valor que é apresentado na liquidação.
Assim, há que anular o ato impugnado por falta de fundamentação. (…)»
Nas suas alegações, o Recorrente afirma expressamente, no seu ponto 6, que a liquidação em si mesma, substanciada na factura, é completada pelo teor da notificação dirigida ao contribuinte e onde são descritas, com menção às normas legais aplicáveis, as operações de liquidação evidenciadas na factura; remetendo, novamente, para o conteúdo da notificação no ponto 18 das suas alegações.
Por este motivo, antes de mais, importa distinguir entre acto de liquidação e o acto de notificação daquele. No caso, o primeiro encontra suporte na factura n.º 191/F, emitida pelo "Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais" e datada de 01/07/2013 [cfr. alínea A) do probatório] e o segundo no ofício da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária datado de 15/07/2013 [cfr. alínea B) do probatório], sendo certo que a falta de elementos da notificação não contende com a validade do acto de liquidação, que se encontra a montante.
É por esta razão que esta alegação do Recorrente se mostra inócua para efeitos da apreciação da legalidade do acto de liquidação objecto da presente impugnação judicial, antes podendo relevar para efeitos da respectiva eficácia e, consequentemente, exigibilidade, designadamente no que respeita à questão da data limite de pagamento voluntário.
No que tange à falta de fundamentação, quanto ao montante especificamente liquidado, está em causa um elemento essencial do acto tributário — a liquidação — ou seja, o apuramento do valor a pagar.
Refere o teor da notificação transcrita em B), onde se encontra a justificação do valor liquidado na factura, que o montante de €1886,50 corresponde ao «resultado da aplicação da taxa fixada no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos n.°s 4 e 5 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio», e ainda, que «o valor acima mencionado contempla o acerto relativamente ao valor faturado em 2012, atenta a aplicação retroativa do disposto no artigo 1º da Portaria nº200/2013, de 31 de maio».
Em face das alegações de recurso, importa, pois, aferir se tal "esclarecimento" é suficiente para que se possa considerar fundamentado, quanto ao valor apurado, o acto de liquidação em crise.
Pegando no enquadramento efectuado na sentença recorrida no que concerne ao direito à fundamentação, o que se impõe, portanto, é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se funda, e que os seus destinatários concretos, cidadãos diligentes, esclarecidos e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decisora.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo - nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231.
In casu, tudo indica que no acto impugnado se socorreu a entidade decidente de fórmula tendente a enfrentar os estrangulamentos organizacionais derivados da prática massiva de actos administrativos semelhantes.
Todavia, o acto tributário, como salienta, mais uma vez, José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos-pressupostos do acto.
Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara (isto é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua), congruente (isto é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão por si para sustentar o acto), dos factos e razões de direito, tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele.
Assim, o autor citado, no que aos actos produzidos em massa respeita, refere que os mesmos têm de ser sustentados por um mínimo suficiente de fundamentação expressa.
Quer isto dizer que a massividade dos actos não permite descurar a fundamentação, a qual se impõe contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através da sucinta exposição das razões de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se aprendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente.
É certo, também, como tem sido amplamente considerado na jurisprudência dos tribunais superiores, que o dever de fundamentação constitui um conceito relativo que varia em função do tipo de acto e das circunstâncias concretas, cabendo ao Tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência, mediante a indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo pelo qual decidiu num determinado sentido e não noutro.
Ora, antes de mais importa ter presente que, da factualidade trazida aos autos, não resulta que a Administração Tributária tenha emitido uma demonstração da compensação a que se refere ofício datado de 15/07/2013, nem a mesma consta da factura que contém o apuramento do valor a pagar pela Impugnante, nem tão-pouco do próprio ofício de notificação, uma vez que do mesmo resulta apenas uma justificação genérica (que não especifica o caso concreto da superfície comercial da Impugnante, limitando-se a fazer referência a regras legais potencialmente aplicáveis) do valor apurado, sem indicação de qualquer valor considerado para esse efeito e apresentando uma justificação que surge a posteriori e não, como devia por imperativo constitucional e legal, contemporânea do acto, integrada nele mesmo, ainda que por remissão.
Não resulta, portanto, nem da factura nem do ofício através do qual a mesma é notificada à Impugnante qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa relativa a 2013 em relação à sua superfície comercial, e qual o valor que foi objecto de compensação em relação àquela que havia sido liquidada para 2012.
Tudo quanto se logra colher do seu teor é uma justificação genérica do valor apurado - que, como havia sido salientado pela Impugnante na sua petição inicial, não especifica o caso concreto da superfície comercial da Impugnante - limitando-se a Administração a fazer referência a regras legais potencialmente aplicáveis, sem indicação de qualquer valor considerado para esse efeito.
Ou seja, por muito que o Recorrente se esforce, e as alegações de recurso são bem o exemplo do empenho dedicado à defesa da sua posição, mas também da demonstração de um acréscimo de notificação, dos factos apurados [cfr. als. A) e B) do probatório] não é possível compreender a justificação, os fundamentos, da liquidação emitida, já que dela não resulta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa relativa a 2013 em relação à sua superfície comercial, e qual o valor que foi objecto de compensação em relação àquela que havia sido liquidada para 2012.
É certo, não o descuramos, hoje, perante a contestação e, sobretudo, perante a exaustiva explicação trazida a juízo nas alegações deste recurso, parecem nítidas (independentemente do seu acerto, que aqui não está em questão) as tais razões de ser, de facto e direito, que subjazem ou terão estado subjacentes à liquidação pelo valor e no momento em que foi emitida.
Porém, como é sabido, esta justificação surge no ordenamento jurídico, em especial na relação estabelecida entre emissor e destinatário a posteriori, isto é, não é, como devia por imperativo constitucional e legal, contemporânea do acto, não está, como devia, integrada nele, nem sequer por remissão, razão pela qual não pode ser ponderada na apreciação da questão suscitada – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/11/2016, proferido no âmbito do recurso n.º 09607/16, com referência a processo idêntico ao presente.
Assim, desde logo, no que respeita ao concreto montante da taxa devida em 2013, verificamos falta de fundamentação do acto de liquidação, dando lugar, consequentemente, à anulação deste acto.
Pelos fundamentos expostos, impõe-se negar provimento ao recurso jurisdicional interposto, sendo de manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
II – Mesmo um acto administrativo produzido em massa tem que ser sustentado por um mínimo suficiente de fundamentação expressa.
III – Se, nem da factura, nem do ofício através do qual a mesma é notificada à Impugnante, resulta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa relativa a 2013 em relação à sua superfície comercial, e qual o valor que foi objecto de compensação em relação àquela que havia sido liquidada para 2012, há que julgar verificada a falta de fundamentação do acto de liquidação no que respeita ao concreto montante da taxa devida em 2013 e, consequentemente, anular esse acto.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 26 de Outubro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves