Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00514/10.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:JULGAMENTO DE FACTO
ARTIGO 24º, Nº 1 B) DA LGT
CULPA
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I.O juiz não tem que se pronunciar sobre todos os factos alegados pela parte, tendo antes o dever de seleccionar os que interessam para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito.
II.A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificará se, feita a reapreciação, seja evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.
III. Resultando dos autos a existência de meios patrimoniais, durante o período do exercício da gerência do agora oponente, e a utilização daqueles meios no pagamento de outras dívidas, que não a dívida tributária aqui exigida, é de concluir que o oponente não logrou afastar a presunção ínsita na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, quanto à culpa na falta de pagamento da dívida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A..., melhor identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a oposição deduzida contra o processo de execução fiscal nº 1872200601064894, instaurado contra a sociedade “T...-Sociedade Imobliária, Lda”, para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e juros compensatórios, do ano de 2005, e contra aquele revertida.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Os factos constantes dos itens 19 a 34, 36 a 46, 49 a 52, 54, 55, 57 a 59 da oposição -não constam dos “Factos provados” ou dos “Factos não provados”, não se tendo a M.ma Juiz a quo pronunciado sobre os mesmos na sentença recorrida.
2. Atento o enquadramento jurídico da questão em apreço, os factos em causa consubstanciam uma questão de facto essencial, já que os mesmos permitiriam concluir que a situação de insuficiência patrimonial da empresa se deveu à conduta do anterior gerente, M…, e não ao oponente, tendo este no seu período de gerência (posterior) tomado todas as providências com vista a ultrapassar essa situação e assim liquidar todas as dívidas da empresa, quer as relativas à gerência anterior quer as originadas e vencidas no período da sua gerência.
3. Não se pronunciando M.ma Juiz a quo, na sentença recorrida, sobre questões que devia apreciar e que se revelam essenciais para a decisão da causa, a mesma é nula, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 2 al. d) do CPC e artigo 125 n.º 1º do CPPT.
4. Entende o oponente que quanto aos factos referidos, relativamente aos quais a M.mª Juiz não se pronunciou, os mesmos devem ser considerados provados, face à prova documental constante dos autos bem como às declarações prestadas pela testemunha R…, que se revelou credível, imparcial e conhecedora de toda a situação .
5. Acresce que, o oponente não concorda com a decisão proferida na sentença quanto à matéria de facto, no que respeita designadamente ao facto constante do item 1 dos “Factos não provados” (“Porque a sociedade não tinha solvabilidade muitas das dívidas da sociedade incluindo as dívidas fiscais foram pagas com dinheiro do próprio oponente.”), considerando que a mesma foi incorrectamente julgada.
6. A prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento da testemunha R…, deveria ter conduzido a decisão de facto diversa da estabelecida na decisão recorrida, devendo assim a factualidade em questão ser dada como provada.
7. A execução n.º 1872200601064894 instaurada contra a sociedade T... Sociedade Imobiliária, L.da, por dívida de IRC do ano de 2005, no montante de 34.604,77€, foi revertida contra o aqui oponente com fundamento no disposto no artigo 24º n.º 1 alínea b) da Lei Geral Tributária.
8. No que respeita aos pressupostos da responsabilidade subsidiária, a lei aplicável no caso sub judice a Lei Geral Tributária (aprovada pelo D.L. 398/98, de 17 de Dezembro).
9. Tendo o oponente alegado que não se verifica em relação a si o pressuposto da culpa previsto na referida disposição legal, cabia-lhe a si alegar e provar, por um lado, que não pagou as dívidas fiscais em causa porquanto, à data do seu vencimento, a sociedade não dispunha de bens ou de liquidez suficientes para efectuar o pagamento, e, por outro lado, que essa falta de liquidez não lhe é imputável.
10. Entende o recorrente que tal prova foi feita, permitindo concluir-se que a causa da insuficiência do património social é anterior ao período de gerência do oponente, sendo imputável ao anterior gerente e que, muito embora o oponente tenha agido com a diligência de um bónus pater familiae, não foi possível a recuperação da empresa.
11. Ao decidir como decidiu na sentença recorrida, a M.ma Juiz a quo fez errada interpretação do artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT.
Nestes termos e nos do mui douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências, deve a sentença recorrida ser revogada nos termos expostos nas conclusões, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra – alegações.

Remetidos os autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Exmo. Procurador - Geral Adjunto, junto deste Tribunal, emitiu parecer, a folhas 355 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.

I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do CPC, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT, são as de saber se a sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, e ainda se errou no julgamento de facto e de direito.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1. No Serviço de Finanças da Povoa de Varzim foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1872200601064894 contra a sociedade devedora originária (SDO) T... – Sociedade Imobiliária, Lda., com o NIPC 5…(fls. 97 e ss.);
2. O oponente exerceu a gerência efectiva da SDO desde 01.03.2002, bem como nos anos de 2005 e 2006 (fls. 99 e ss. e declaração do próprio na p.i.);
3. Por despacho do Chefe do SF de Povoa de Varzim, de 29.12.2009, foi ordenada a reversão das dívidas da SDO, contra o oponente A… (fls. 102 e ss.);
4. Por dívidas provenientes de IRC, do ano de 2005, com data limite de pagamento de 31.10.2006, no montante global de €34.604,77 (fls. 97 e 102 e ss.);
5. A SDO foi constituída por escritura pública de 19.07.1997 (fls. 20 e ss.);
6. A SDO girava sob a firma T… e tinha como objecto social a indústria têxtil;
7. Foi nomeado gerente o sócio J…;
8. Em 05.02.1999 J… renunciou à gerência da sociedade;
9. Na mesma data foi alterada a firma da sociedade para T... e alterado o objecto social para compra para revenda, compra e venda de prédios rústicos e urbanos, gestão de condomínios, administração de imoveis e prestação de serviços na área administrativa;
10. Nessa data ficaram como únicos sócios da SDO o oponente e a sua mulher;
11. Tendo a gerência sido assumida pelo ex-sócio M…;
12. Em 01.03.2002, M… renunciou à gerência, tendo sido nomeado o oponente;
13. O oponente enquanto gerente da SDO diligenciou pelo acabamento das moradias em construção e sua venda;
14. Tendo as moradias sido vendidas;
15. O opoente enquanto gerente da SDO saldou todas as suas dívidas com a entidade bancaria e empreiteiros;
16. No âmbito da presente execução fiscal foi penhorado o saldo bancário da SDO no montante de €14.656,54 (fls. 148).
*
Factos não provados:
1. Porque a sociedade não tinha solvibilidade muitas das dívidas da sociedade incluindo as dívidas fiscais foram pagas com dinheiro do próprio oponente;
2. O oponente fez suprimentos no valor de €62.000,00
*
MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos, não impugnados, nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório, bem como de fls. 19 e ss. e ainda na prova testemunhal valorada da forma seguinte:
A testemunha R…, mediador de seguros e amigo do oponente desde 1993 declarou que fez vários negócios com o oponente tendo ficado seu amigo.
A testemunha referiu que a sociedade foi constituída com um advogado e que o oponente residia na África do Sul. Mais referiu que a SDO tinha um terreno para construção de moradias que ficaram na fase de pedreiro, estado paradas, altura em que avisou o oponente do que se estava a passar que veio de imediato a Portugal.
Disse que o Oponente teve de pegar no processo, pagar dividas, que o Advogado desapareceu. A testemunha referiu que o oponente tinha um empréstimo bancário, que pôs dinheiro dele, que havia muitas dívidas fiscais e que a SDO não tinha viabilidade, que era só para acabar as moradias. A testemunha referiu que acabaram as moradias e as venderam e que as obras foram todas pagas, que o oponente pagou tudo aos empreiteiros e pagou tudo ao Banco.
O depoimento desta testemunha revela-se vago, exprimindo-se sempre de forma pouco precisa “ pagou dividas”, “pôs muito dinheiro dele”, “não tinha viabilidade”, revelando-se impreciso, mas ainda assim do mesmo se pode retirar que as moradias foram acabadas e vendidas no período de gerência efectiva do oponente e que este saldou todas as dívidas com os empreiteiros e a Instituição bancária.
Por estas razões o Tribunal entende que o oponente não logrou afastar a presunção que sobre si impendia, na medida em que se apurou que existia algum dinheiro, que o oponente, por decisão própria, enquanto gerente da SDO, utilizou para saldar as dívidas com os empreiteiros e o Banco.
Os factos não provados devem-se à total ausência de prova que os sustente, pois não foi possível apurar, nada tendo resultado nesse sentido, que o oponente tenha aplicado fundos próprios na SDO.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não se revelar sem interesse para a decisão da causa.”


II.2. O Direito

II.2.1 Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia

O Recorrente imputa à sentença recorrida omissão de pronúncia quanto a determinados factos já que os mesmos permitiriam concluir que a situação de insuficiência patrimonial da empresa se deveu à conduta do anterior gerente e não ao oponente. [conclusão 1, 2 e 3].
De acordo com o disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer“.
Comando legal idêntico se encontra na alínea d) do artigo artigo 668º, actual 615º, do CPC, em obediência ao fixado nº 2 do art. 660º, actual 608º, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”
Existirá, assim, omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio.
Consequentemente, a suscitada nulidade só ocorrerá nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” in Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, in Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 143.
E ainda neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do STA de 12.02.2015 proferido no processo nº01200/12, cujo Sumário agora se transcreve: “Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.”
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito -vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011,volume II, pág. 364.

Em face do exposto é diferente deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, de deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, na medida em que quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. Compete ao tribunal decidir a questão colocada, não tendo o julgador que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa das suas posições, apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas, o que significa que só haverá nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando o julgador não tiver conhecido de questões que aquelas submeteram à sua apreciação.
O Recorrente aludiu na petição inicial apenas a questão da falta culpa na falta de pagamento da dívida, (a reversão ocorreu nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária). Que foi apreciada pela sentença recorrida. Não existe por isso, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Saber se determinados factos deviam ter sido levados ao probatório poderá configurar um erro de julgamento, mas não a nulidade da sentença.
Improcedem por as conclusões de recurso quanto ao presente segmento.

II.2.2 Do erro de julgamento

II.2.2.1 O Recorrente imputa erro de julgamento de facto à sentença, alegando que os factos constantes dos pontos 19 a 34, 36 a 46, 49 a 52, 54, 55, 57 a 59 da oposição devem ser considerados provados, face à prova documental constante dos autos, bem como às declarações prestadas pela testemunha R…, que se revelou credível, imparcial e conhecedora da situação. E ainda que o facto dado como não provado “porque a sociedade não tinha solvabilidade muitas das dívidas da sociedade incluindo as dívidas fiscais foram pagas com dinheiro do próprio oponente” deve ser dado como provado, em face do depoimento da mesma testemunha (Conclusões 4 a 6).
Apreciemos, não sem antes se explanar o regime legal da impugnação do julgamento de facto efectuado em 1ª instância.
Dispõe o n.º 1 do art.º 676.º, actual 627º do Código de Processo Civil que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Mas, como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas - cfr. art. 607º. O juiz a quo, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, quando estes existam.
Daí que a convicção do tribunal se forme de um modo dialéctico.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação da prova documental e testemunhal, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.” (sublinhado nosso)

É pois de concluir do expendido que a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.
Sublinhe-se que no que tange à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso do presente recurso, “deve ter-se em conta, por um lado, que “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº1 do CPC), pelo que, sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09), mas por outro, que “No caso de gravação da audiência de julgamento o tribunal superior deve agir com cautela já que se encontra privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1.ª instância,…” – vide, acórdão do STA, de 9/2/2012 (processo nº 967/11).
E, tal como refere Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil. Novo Regime, pag 268 e ss. a gravação dos depoimentos por registo áudio (…) não consegue traduzir tudo quando pôde ser observado no tribunal a quo. (…)
Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.(…)
Por certo que as circunstâncias anteriormente apontadas ou outras que podiam ser enunciadas terão de ser ponderadas na ocasião em que o tribunal da relação proceda à apreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível, concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro na apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.(…)
Nestas circunstâncias, se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à modificação da decisão, (…).”
E só quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é afastado o princípio da livre apreciação. (cfr.artº.371, do CC)
Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, também já o Tribunal Constitucional se pronunciou(...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.

É pois de concluir do expendido que a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.

Tendo presente o agora exposto, compreende-se que a conjugação do nº 1 do artigo 685ºB, actual n.º 1 art.º 640.º e n.º1 do art.º 712º, actual 662.º do CPC afaste a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento. Consequentemente, tais normativos fazem recair sobre o/a recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo - artº 685º-B do CPC, que dispõe o seguinte:
“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. (…)”.
No caso de não serem observados os requisitos mencionados nos artigos 685º-B e 712º, pela recorrente, o recurso no que tange à impugnação da matéria de facto, será imediatamente rejeitado, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria. (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 134 e seg).

II.2.2.1.1 No presente caso, o recorrente assaca erro de julgamento à sentença quanto ao facto constante do item 1 dos “Factos não provados”. Releia-se o que se fixou: ”porque a sociedade não tinha solvabilidade muitas das dívidas da sociedade incluindo as dívidas fiscais foram pagas com dinheiro do próprio oponente”.
O Recorrente alega que o depoimento da testemunha R… deveria ter conduzido a decisão de facto diversa da estabelecida na decisão recorrida, devendo assim a factualidade em questão ser dada como provada (Conclusão 5 e 6).
Todavia, importava apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele.
É exactamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida.
Repare-se na letra da lei: «Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida»!
Com efeito, trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o Recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.

Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório(…)” Cfr Acórdão do STJ de 15.09.2011 no proc 1079/07.0 OTVPRT.P1.51 por referencia ainda ao artº 690º-A do CPC. Neste preciso sentido veja-se o acórdão deste TCAN de 02.02.2017, processo nº 00355/10.9BEPRT (1)
Não tendo sido respeitado o formalismo legal quanto à impugnação da matéria de facto, impõe-se rejeitar o mesmo quanto a este segmento de recurso.

II.2.2.1.2 O Recorrente alegou ainda, como referido supra, que os factos constantes dos pontos 19 a 34, 36 a 46, 49 a 52, 54, 55, 57 a 59 da oposição devem ser considerados provados, face à prova documental constante dos autos, bem como às declarações prestadas pela testemunha R….
Importa sublinhar que, como já o dissemos, na discriminação dos factos provados e não provados que há-de fazer, o juiz não tem que se pronunciar sobre todos os factos alegados pela parte, tendo antes o dever de seleccionar os que interessam para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito. E que tal julgamento só seria de modificar se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.

Importa saber, por isso, o que consta nos pontos da p.i. acima identificados.
“19. Ou seja, nessa data ficaram como únicos sócios da T… - Sociedade Imobiliária, L.da o aqui oponente, com quatro quotas no valor de 100.000$00 cada, e a sua esposa, com duas quotas no valor de 100.000$00 cada.
20. Nenhum dos sócios da sociedade assumiu a gerência da sociedade porquanto residiam em África do Sul, onde exerciam as suas profissões, apenas se deslocando a Portugal duas a três vezes por ano,
21. circunstâncias estas que impossibilitavam o exercício efectivo das funções de gerente.
22. Assim, a gerência foi assumida pelo ex-sócio M…, a quem os sócios, através das procurações outorgadas em 10/02/1999, 08/04/1999, 01/09/1999, 15/02/2000 e 04/05/2000 foram concedendo poderes para de facto exercer funções de gerente da sociedade - tudo conforme consta das procurações que se juntam e se dão aqui por inteiramente reproduzidas.
23. Enquanto gerente nomeado e detentor dos poderes concedidos pelos sócios através das referidas procurações, o gerente M… praticou todos actos e tomou todas decisões em nome e representação da sociedade.
24. E assim realizou contratos-promessa e outros contratos,
25. contraiu empréstimos bancários e, em nome e representação do aqui oponente e da esposa, garantiu o respectivo pagamento,
26. contratou trabalhadores a quem deu ordens,
27. decidiu o pagamento ou não pagamento de impostos,
28. agindo e tomando todas as decisões inerentes ao desempenho das funções de gerente da sociedade.”
29. Acontece porém que, o aqui oponente e a sua esposa, em meados de 2001, tomaram conhecimento
que uma das obras da sociedade que se encontrava em curso, designadamente a construção de moradias num terreno sito na Rua…, na freguesia de Moreira, concelho da Maia, pertencente à sociedade, encontrava-se parada há cerca de 6 meses.
30. Perante esta situação, o oponente e a esposa, como únicos sócios da sociedade, interpelaram o gerente M… para esclarecer a situação.
31. No entanto, não conseguiram obter qualquer resposta, a qual foi sendo adiada sucessivamente pelo gerente.
32. Em face desta postura do gerente, o oponente e a esposa interpelaram o gerente para prestar contas da sociedade e da actividade que desenvolveu para o oponente e sua esposa.
33. No entanto, apesar de diversas vezes o terem interpelado, as contas nunca foram prestadas pelo gerente.
34. Em face dessa situação, o oponente perdeu a confiança no gerente e pressionou-o no sentido de renunciar à gerência da sociedade”
(…)
36. Nessa data o oponente e a esposa acordaram com o Sr. M… que este lhes prestaria as solicitadas contas, bem como lhes entregaria todos os documentos da sociedade T... que estavam em seu poder.
37. Todavia, o Sr. M… não cumpriu o acordado.
38. Na sequência, em 28/06/2002, o oponente e a esposa revogaram as procurações outorgadas a favor de M… e
39. em 11/07/2002 deram entrada no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim de um requerimento de Notificação Judicial Avulsa, com vista à notificação ao Sr. M… de que o oponente e a esposa revogaram as procurações que haviam outorgado a seu favor, de que pretendiam que o mesmo se abstivesse de utilizar qualquer dessas procurações e de praticar quaisquer actos em seu nome ou representação e de que devia prestar contas dos actos praticados bem como entregar toda a documentação respectiva.
40. Apenas a partir dessa altura, o oponente começou a tomar conhecimento da situação económico-financeira da sociedade e nomeadamente dos empréstimos contraídos junto de entidades bancárias, dos contratos celebrados e das dívidas da sociedade, entre estas as dívidas fiscais.
41. Tomou o oponente conhecimento de que não existiam quaisquer quantias significativas depositadas em contas bancárias da sociedade e que a única obra em curso se encontrava parada há já vários meses,
42. de que existiam empréstimos bancários contraídos pela sociedade no montante de cerca de 250.000,00€, cujo pagamento havia sido garantido pelo gerente M… em nome e representação do oponente e
43. que existiam dívidas fiscais na quantia total de cerca de 25.000,00€.
44. Nessa altura, ou seja, em meados de 2002, o oponente decidiu que apenas iria manter a actividade da sociedade pelo tempo necessário ao cumprimento dos contratos-promessa celebrados, bem como ao pagamento das dívidas da sociedade, entre elas, as dívidas a fornecedores, as referentes a empréstimos bancários e as dívidas fiscais.
45. Isto porque, o oponente, residindo em África do Sul, onde exercia a sua actividade profissional, não tinha qualquer interesse em ser gerente da sociedade ou sequer disponibilidade para o exercício cabal das correspondentes funções.
46. Além de que, a situação económico-financeira da sociedade era de tal forma desfavorável que já não era possível a sua recuperação.
(…)
49. A sociedade não adquiriu qualquer outro bem imóvel nem celebrou qualquer outro negócio que não fossem as referidas vendas.
50. Os montantes recebidos pela sociedade na sequência da realização das mencionadas escrituras destinaram-se ao pagamento de empréstimos bancários e de dívidas a fornecedores, bem como ao pagamento de dívidas fiscais.
51. A sociedade pagou vários milhares de euros de dívidas fiscais, desde a data em que o aqui oponente assumiu o cargo de gerente da sociedade.
52. As dívidas em causa reportavam-se a impostos relativos ao período de gerência de M… e encontravam-se já em execução fiscal.
(…)
54. Desde que foi nomeado gerente da sociedade, o oponente não recebeu qualquer remuneração pelo exercício do cargo.
55. Além de que, não foi efectuada qualquer distribuição de lucros.
(…)
57. Em 2006 já a sociedade não teve actividade, situação que se manteve até à actualidade.
58. Em 14/08/2006, a sociedade foi notificada da liquidação de IRC n.º 2006
2310367351, da qual resultou um imposto a pagar de 44.937,94€, em execução no processo n.º 1872200601064894, de que os presentes autos de oposição são dependentes.

59. Nessa data, o único património da sociedade era a quantia de 14.656,54€, depositada numa conta bancária do Banco Espírito Santo, a qual foi penhorada no âmbito da referida execução.“

Desde logo, os pontos 20, 21, 22, 23, 24, 28, 31, 33, 34, 37, 40, 41, 44, 45, 46, 50, 51, 52, 54, 57 e 59 encerram na sua formulação factos conclusivos, a extrair de factos concretos, essenciais e instrumentais, porquanto o que se pode considerar no probatório como matéria «provada» ou «não provada» são os factos com base nos quais se poderia extrair, ou não, a conclusão fáctica enunciada naqueles artigos.
Relativamente à factualidade constante dos restantes pontos da p.i. que o Recorrente pretende ver contemplada no probatório, a mesma não se mostra necessária nem relevante para discussão da questão controvertida e decisão da causa, como da exposição a fazer infra se compreenderá, pelo que a sentença não incorreu em erro na selecção da matéria de facto, que este tribunal deva sanar integrando a factualidade que o Recorrente pretende no probatório.

Soçobram assim as conclusões de recurso relativas ao erro de julgamento de facto.

II.2.2.2 O Recorrente invectiva contra sentença recorrida por entender que alegou e provou que a dívida, contra ele revertida, não foi paga por a sociedade não dispor de bens ou de liquidez suficientes para efectuar o pagamento, e que tal falta de liquidez não lhe foi imputável. Alegou ainda que a causa da insuficiência do património social é anterior ao período da gerência do oponente, sendo imputável ao anterior gerente. E que apesar de ter “agido com a diligência de um bonus pater familiae não foi possível a recuperação da empresa”. Ao decidir como decidiu a M juiz fez errada interpretação do artigo 24º, nº 1 alínea b) da LGT. (Conclusões 7 a 11)

O processo de execução fiscal em causa nos autos de oposição, agora em recurso, foi instaurado para a cobrança coerciva de dívida proveniente de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, do exercício de 2005.
O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade, pelo que sendo as dívidas exequendas referentes ao ano de 205, dúvidas não existem que é de aplicar o regime previsto no artigo 24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão e também pela sentença recorrida.
Como referido supra, na sentença recorrida, o artigo 24º, nº 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…) ”.
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício - alínea a) - ou vencidas no período do seu mandato - alínea b).
Nos presentes autos não veio colocado em causa a gerência de facto.
O que o agora recorrente considera que alegou e provou foi que o não pagamento da dívida, aquando do seu vencimento, decorreu da sociedade não dispor de bens suficientes para o seu pagamento e que essa insuficiência não lhe é imputável, mas sim ao anterior gerente. E ainda que a sentença errou ao decidir que tal prova não foi efectuada e que não foi afastada a culpa na falta de pagamento da dívida, aquando do seu vencimento.
Na sentença sob recurso a apreciação da questão da culpa foi efectuada, como se transcreve: “O Tribunal entende que o oponente não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia.
Na alínea b), do referido artigo 24.º, ao responsabilizar-se os gestores que não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento, estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º, do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Mas não foi isso que se verificou no caso dos autos, antes pelo contrário, resultou provado que a SDO dispunha de fundos que o Oponente utilizou para saldar as dívidas com os empreiteiros e a Instituição Bancária, pelo que a falta de pagamento dos impostos não pode deixar de lhe ser imputável, já que a opção que fez na ordem dos pagamentos foi sua.
Assim, o Oponente não logrou ilidir a referida presunção de culpa.”
Vejamos.
Dando por reproduzido o artigo 24º, nº 1 da LGT, já acima citado, diga-se que nesse normativo está prevista, como já referido, a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício - alínea a) - ou vencidas no período do seu mandato - alínea b).
Gozando a Fazenda Pública, no presente caso, de uma presunção legal de culpa, dá-se uma inversão do ónus da prova (artigos 344.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do CC) e, deste modo, é ao revertido que cabe provar que a sua conduta não deve ser censurada, demonstrando que não podia ter agido de modo a pagar a dívida.
Assim, e tendo presente que o Oponente era gerente da sociedade originária devedora no período em que deveria ter sido entregue o montante que a devedora originária apurou a título de IRC é de concluir que, no caso, para que o Oponente se eximisse da sua responsabilidade subsidiária haveria que ser feita a demonstração de que a falta de entrega do imposto em dívida não lhe era imputável. Dito por outras palavras, para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a sua gestão, o gerente tinha de demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável. A jurisprudência e doutrina são unânimes quanto a esta questão - cfr., entre outros, ac. do S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc. 3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva in A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg. O gestor tem, por isso, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável. Acresce que a culpa “só é susceptível de ser ilidida por prova em contrário e não por mera contraprova, pelo que no caso de o gerente não conseguir persuadir o Tribunal, através de prova positiva e directa, da inverificação do facto presumido (culpa) essa falta reverterá a favor da Fazenda Pública” – cfr Acórdão deste TCAN de 11.11.2004, rec 00041704

No caso que nos ocupa, foi dado como provado (matéria que não foi impugnada) que o agora Recorrente, enquanto gerente da SDO, saldou todas as dívidas com entidade bancária e empreiteiros – cfr. ponto 15. Na motivação da matéria de facto dada como provada explicitou-se que O depoimento desta testemunha revela-se vago, exprimindo-se sempre de forma pouco precisa “pagou dívidas”, “pôs muito dinheiro dele”, não tinha viabilidade”, revelando-se impreciso, mas ainda assim do mesmo se pode retirar que as moradias foram acabadas e vendidas no período de gerência efectiva do oponente e que este saldou todas as dívidas com os empreiteiros e a instituição bancária. Por estas razões o Tribunal entende que o oponente não logrou afastar a presunção que sobre si impendia, na medida em que se apurou que existia algum dinheiro que o oponente, por decisão própria, enquanto gerente da SDO, utilizou para saldar as dívidas com os empreiteiros e o Banco.(…)” .
Ora, concatenada a motivação do julgamento de facto com o discurso fundamentador da sentença, acima transcrito, na parte relevante para a apreciação da questão que se nos coloca, o recorrente haveria de atacar a sentença quanto a este fundamento o qual, por si só, justifica a decisão que julgou improcedente a oposição.
Não o tendo feito não pode o tribunal de recurso alterar a decisão recorrida, quanto ao nela decidido sobre tal matéria, e em consequência não se poderá considerar demonstrado que o oponente afastou a sua responsabilidade pelo não pagamento da dívida, pois que foi por sua opção que privilegiou o pagamento de determinadas dívidas em detrimento daquela a que respeitam os autos.
O que ficou provado, pelo depoimento da única testemunha inquirida, é que o agora Recorrente, diligenciou no sentido de efectuar o pagamento de outras dívidas da sociedade, (dívidas a Bancos e empreiteiros) cfr. ponto 15 da matéria de facto. Tendo diligenciado no pagamento de tais dívidas (Bancos e Empreiteiros) é de concluir que a sociedade teve meios financeiros para o fazer. E que, a opção de efectuar o pagamento das outras dívidas e não a presente dívida tributária, foi sua, como se refere na sentença recorrida.
Não poderão por isso proceder, assim, as suas conclusões de recurso, porquanto para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o oponente tinha que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe pudesse ser censurável - (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc. 3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Destarte, o Recorrente não demonstrou que a falta de pagamento da presente dívida tributária não lhe era imputável.
Acresce, por fim, sublinhar que, do agora plasmado se retira que bem andou a M Juiz ao não levar ao probatório os factos, que o agora Recorrente pretendia agora ver aditados, por não se mostrarem relevantes, nem necessários para a decisão da causa, e agora não têm a virtualidade de alterar tal decisão. Dito por outras palavras, tais factos não seriam suficientes ou determinantes para afastar o que foi dado como provado: a existência de meios patrimoniais, durante a gerência do agora oponente, e a sua utilização no pagamento de outras dívidas, que não a dívida tributária aqui exigida.
Soçobrando todas as conclusões de recurso, é de lhe negar provimento.


III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, em ambas as instâncias.
Porto, 26 de Outubro de 2017
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo


(1) No qual a aqui relatora teve intervenção como 2º adjunta.