Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/11.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
III) O direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito está consagrado no artigo 267º nº 5 da CRP, sendo que com o artigo 60º da LGT teve-se em vista dar concretização, no âmbito do procedimento tributário, a esse princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito e que é concretizada, em regra, através do exercício do direito de audição.
IV) No exercício do direito de audição, o contribuinte pode aduzir argumentos novos e alegar nova factualidade que contribuam para a formação da decisão, e que podem conduzir à reapreciação da matéria em questão e até à alteração da decisão em seu benefício e se o contribuinte, no exercício do direito de audição, suscitar elementos novos (de facto ou de direito), estes serão tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, impondo-se ainda notar que o direito de audição no procedimento tributário não se esgota, porém, com a possibilidade de o contribuinte se pronunciar sobre todas as questões (de facto e de direito) que são objecto do procedimento antes da decisão final, englobando também a faculdade de requerer a realização de diligências e juntar documentos.
V) Neste domínio, a ora Recorrente foi notificada para se pronunciar no prazo de 12 dias sobre o projecto de relatório de inspecção, sendo que lhe foi concedida a possibilidade de apresentar a mesma até ao dia 5 de Julho de 2010, tendo no dia 30 de Junho de 2010 formulado pedido de envio de cópia de documento e de prorrogação do prazo para o exercício da audiência prévia.
VI) Com este pano de fundo, se temos por bondosa a afirmação da decisão recorrida no sentido de que o conhecimento da existência e do teor do documento referido sob o facto provado nº 11, após a notificação do projecto de relatório de inspecção (alegando que os administradores não são os mesmos), não justifica a imposição de um novo prazo, mais dilatado, para o exercício do direito de audição, já não podemos aceitar que a situação em apreço tenha redundado num encurtamento do prazo.
VII) Na verdade, é preciso notar que foi concedido o prazo de 12 dias para o efeito apontado, sendo que no decurso desse prazo, faltando 5 dias para o mesmo se esgotar, a Recorrente formulou o pedido acima descrito, que veio a ser atendido, não sendo razoável sequer pensar-se que se trata de um acto de condescendência de quem proferiu aquela decisão (a quem compete apenas aplicar a lei), de modo que, a decisão em apreço traduziu-se na aceitação do requerido nos termos expostos, sendo feita a competente notificação juntamente com o tal documento, sendo que, neste contexto, crê-se que se impunha, ao menos, facultar à Recorrente o número de dias que faltavam para o prazo se esgotar, tendo presente a análise do pedido por ela formulado, o que significa que o procedimento da AT acabou por se traduzir num encurtamento do prazo para exercer a audição prévia, comprometendo o exercício de tal direito, o que se traduz numa violação do direito em apreço, inquinando a liquidação subsequente, em função do descrito vício de forma.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... - Gestão Imobiliária, S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
M... - Gestão Imobiliária, S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 16-05-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação oficiosa de IRC de 2007, no valor total de € 66.288,99, pedindo a sua anulação.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 141-155), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
FALTA DE AUDIÇÃO PRÉVIA
1. A Impugnante foi notificada, no dia 21.06.2010 do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (PRIT), para exercer o direito de audição.
2. Do PRIT resultava que a AT pretendia efectuar uma correcção à matéria tributável, com fundamento num documento que designou por “recibo em papel A-4”.
3. Junto do PRIT não vinha qualquer cópia desse documento.
4. A Impugnante, para cabal exercício do seu direito de defesa enviou, por fax, no dia 30.06.2010, um requerimento à Direcção Geral de Finanças solicitando o envio do tal documento e a prorrogação do prazo para a audição prévia.
5. A AT face a tal requerimento, respondeu por carta datada de 7.07.2010, recebida em 8.07.2010, enviando cópia do documento e dando prazo até ao dia 9.07.2010 para exercer a audição prévia.
6. A AT entendeu que a Impugnante tinha razão e que devia ter acesso ao documento para exercer a sua defesa.
7. No entanto, deu-lhe apenas dois dias para apresentar a sua defesa.
8. A AT teve um comportamento censurável e manifestamente contraditório, pois se por um lado dá razão à contribuinte quanto à necessidade do envio do documento, por outro retira-lhe qualquer hipótese de defesa ao conceder-lhe dois dias para exercer a audição prévia.
9. Ora, com tal actuação a AT impediu a normal audição prévia da Impugnante o que corresponde, em sentido amplo, a uma verdadeira falta de audição prévia.
10. Consequentemente, o procedimento de liquidação subsequente à acção inspectiva tributária, padece de vício de forma, por falta de audição prévia da impugnante, nos termos do art.60º/1 - a) e e) da Lei Geral Tributária e art.º 60.º do RCPIT.
11. A actuação da AT não teve presente os princípios constitucionais da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, prescritos no art. 268º da Constituição da República.
12. Consequentemente, na falta de audição prévia, imputável à AT, o relatório da inspecção e as subsequentes liquidações, ora impugnadas, devem ser anuladas, por preterição de formalidade essencial.
13. Sendo certo que o art.º 60.º da LGT e o art.º 60.º do RCPIT com a interpretação que lhes foi dada na sentença recorrida violam os artigos 266.º e 268.º da Constituição, sendo por isso inconstitucionais, o que, desde já, se invoca.
RECURSO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO COM REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
14. A decisão sobre a matéria de facto, foi incorreta no que diz respeito aos seguintes pontos:
- Deve ser rectificado o ponto 16 da matéria de facto dada por provada na sentença;
- Devem ser dados por provados os factos alegados no artigo 37.° da petição inicial,
- bem como os factos constantes da alínea A) dos factos não provados na sentença.
15. Impõe-se rectificar o ponto 16 da matéria de facto provada, fazendo constar do mesmo o dia 21.06.2010 em substituição do dia 16.06.2010, como data de notificação.
16.Tal data para a notificação é assumida pela AT, conforme resulta do documento 5 junto com a petição inicial, onde a AT afirma “o contribuinte considera-se notificado do projecto de relatório no passado dia 21 Junho de 2010” e, também, na página 15 do Relatório de Inspecção Tributária, junto aos autos, a AT, volta a afirmar, “considerando-se notificado em 2010/06/21”.
17.A matéria de facto constante do art.º 37.º da petição inicial deve ser dada por provada.
18. Para prova desses factos a Impugnante juntou com a petição inicial os documentos 9, 10 e 11 e produziu prova testemunhal através do depoimento da testemunha C..., gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, de 00:19:00 a 00:43:30.
19. Ora da análise daqueles documentos e do depoimento da testemunha resulta que o cheque recebido pela “G..., Lda” foi por esta endossado à “F... - SGPS, S.A.”, devendo tais factos ser dados por provados.
20. Os factos constantes da alínea A) da matéria de facto dada por não provada na sentença deveriam ter sido dados por provados.
21. Face aos documentos 9, 10 e 11 juntos da petição inicial e ao depoimento da testemunha C..., gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, de 00:19:00 a 00:43:30, deve ser dado por provado que aquele cheque foi endossado pela “G…, Lda” à “F..., SGPS, S.A.” para saldar créditos que esta última detinha sobre aquela.
DECISÃO DE DIREITO
22. Mesmo que se entenda não alterar a decisão da matéria de facto, a decisão de fundo terá, inevitavelmente, que ser outra.
23. Está cabalmente provado nos autos que o montante de € 248.900,00 não foi recebido pela Impugnante.
24. Aquele montante foi pago à “G..., Lda, que passou a respectiva factura e recibo, lançando esse proveito na sua contabilidade (Cf. os pontos 9, 10, 13, 14 da matéria de facto provada).
25.A AT nenhuma prova faz para demonstrar que assim não foi, limitando-se a tributar por “presunção”, assente em juízos conclusivos e não sustentada em factos.
26. A impugnante goza da presunção de veracidade da sua contabilidade e das declarações fiscais apresentadas à AT (art.° 75.° da LGT).
27. Se a AT pretendia colocar em causa as declarações da Impugnante, cabia-lhe o ónus de provar os factos constitutivos do direito a tributar e consequentemente a exigir o pagamento da liquidação adicional (art.º 74.º da LGT).
28. Ora, a AT nenhuma prova produziu nestes autos, limitando-se a juntar o relatório de inspecção.
29. A Impugnante provou que não recebeu aquela quantia, mas mesmo que assim não fosse, da prova produzida nestes autos resultaria, no mínimo, fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários alegados pela AT no aludido relatório.
30. Assim sendo, a decisão sempre teria que ser favorável à impugnante, conforme preceitua o n.º 1 do art.º 100.º do CPPT.
31. Sendo certo que a liquidação impugnada consubstancia ostensivamente uma dupla tributação do recebimento daquela quantia, uma vez que a G…, que a efectivamente recebeu e lançou na sua contabilidade esse proveito, foi tributada por tal e a AT pretende agora tributar a Impugnante pelo recebimento da mesma quantia.
32. Consequentemente, deve a liquidação impugnada ser anulada.
Termos em que a sentença recorrida deve ser revogada e julgada procedente a impugnação anulando-se as liquidações impugnadas.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento da matéria de facto, a descrita violação do direito de audiência prévia e ainda ponderar da bondade da correcção efectuada em função da realidade que envolve a operação em causa.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Factos Provados:
1. A M... - Gestão Imobiliária, S.A., iniciou a actividade em 15 de Outubro de 2003, dedicando-se à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, empreendimentos imobiliários, construção civil, gestão e promoção imobiliária e locação de imóveis, estando enquadrada no regime geral de tributação para efeito de IR (cfr. certidão de fl. 69 do suporte físico do processo e teor do doc. de fl. 20 do PA).
2. Em 26 de Fevereiro de 2007, foram nomeados para o Conselho de Administração da M... – Gestão Imobiliária, S.A., Carlos..., P… e S…, para o quadriénio 2007/2010 (cfr. certidão de fls. 69 e ss do proc. físico).
3. No exercício de 2007, a F..., SGPS, S.A., detinha 25% do capital social da M... - Gestão Imobiliária, S.A., 80% do capital social da T…, Lda. e 80% do capital social da G..., Lda. (teor do doc. de fl. 77 do suporte físico do processo).
4. No processo de apreensão de bens/liquidação do activo n.º 633-D/2002, em que era falida a sociedade L…, Lda, que correu termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, por M... – Gestão Imobiliária, S.A., foi apresentada proposta para compra dos seguintes prédios:
- prédio urbano, sito no lugar…, composto por um “edifício de rés-do-chão e pequeno sótão com a área de 2.410 m2”, e logradouro com a área de 540 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 0…, freguesia da Polvoreira e inscrito na matriz sob o nº 6…;
- prédio misto, sito no lugar…, composto por 2 casas, uma de rés-do-chão com a área de 47 m2, outra de rés-do-chão com a área de 67 m2 e pelo Campo do Pombal 3.379 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 0…, freguesia da Polvoreira e inscrito na matriz sob os nºs 6…, 6… urbanos e rústico omisso (cfr. teor do doc. de fls. 47 e 48 do PA).
5. Em 7 de Março de 2007, no processo referido em 4., foi realizada Abertura de Propostas, tendo sido aceite a proposta apresentada por M... – Gestão Imobiliária, S.A., pelo valor de € 626.100,00 (certidão de fls. 47 e doc. de fls. 44 do PA).
6. Em 5 de Setembro de 2007, teve lugar a assembleia geral da M... – Gestão Imobiliária, S.A., a qual deliberou o seguinte:
“Ponto único – Aceitação da designação da sociedade “Caixa…, S.A.” para outorgar a escritura pública de compra e venda dos imóveis descritos na segunda Conservatória do Registo Predial de Guimarães com os números 0… e 0…, aos quais correspondem, respectivamente, os artigos matriciais 6…º, 6…º (urbanos), 5…º rústico e o artigo matricial 6…º urbano, todos da freguesia de Polvoreira” (cfr. acta n.º 8 a fls. 62 do PA).
7. Em 11 de Setembro de 2007, E… (na qualidade de liquidatário judicial da sociedade “L…, Lda”) e Caixa…, S.A., outorgaram escritura de compra e venda, nos termos do qual o primeiro declarou vender à segunda os prédios em 4), “pelo preço global de seiscentos e vinte e um mil e cem euros, já recebidos” (teor do doc. de fls. 51 a 56 do PA).
8. Na mesma data mencionada em 7), a Caixa…, S.A., emitiu o cheque n.º 3516548981, no valor de € 100.000,00, e o cheque n.º 2616548982, no valor de € 526.100,00, ambos à ordem da Massa Falida de “L…, Lda” (teor do doc. de fls. 58 do PA).
9. Na mesma data mencionada em 7), A… Unipessoal, Lda., emitiu o cheque n.º 9327890085, no valor de € 248.900,00, à ordem de G…, Lda. (cfr. doc. de fl. 69 do PA).
10. Foi creditada a quantia de € 248.900,00, na conta n.º 207000074630, da Caixa Geral de Depósitos, titulada pela T…, Lda. (cfr. doc. de fl. 69 do PA).
11. Carlos..., na qualidade de administrador da M... – Gestão Imobiliária, S.A., elaborou e assinou o seguinte documento:
“RECIBO
Em 11/09/2007, a sociedade “M... – Gestão Imobiliária, S.A.” (…) recebeu de “A…, Unipessoal” (…) representada pelo seu administrador A…, o cheque n.º 9327890085, sacado da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, a titular a quantia de € 248.900,00 (duzentos e quarenta e oito mil e novecentos euros) para pagamento do preço da cessão da posição contratual na compra dos imóveis apreendidos no Processo de Falência n.º 633/2002, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães” (doc. de fl. 68 do PA).
12. Em 11 de Setembro de 2007, a G..., Lda., elaborou a factura n.º 1107, com o seguinte teor:
“Ex.mo(s) Sr.(s)
A…, - Unipessoal, Lda.
… 4800-000 Guimarães
Designação: Prestação de Serviços de recuperação de imóveis, incluindo serviços de construção civil, de electricidade, nos prédios sitos no lugar…, Freguesia da Polvoreira - Guimarães.
IVA devido pelo adquirente de acordo com o n.º 6 do Dec. Lei nº 21/2007.
Valor: 248900,00” (cfr. doc. de fl. 73 do PA).
13. A G…, Lda. elaborou o recibo n.º 186, com a menção de que em 11 de Setembro de 2007 recebeu da A…, Unipessoal, Lda., a quantia de € 248.900,00, referente a pagamento da factura em 12), débito que reflectiu na sua contabilidade, na subconta n.º 2111196 (cfr. doc. de fls. 72 e 74 do PA).
14. As notas de lançamento a débito e a crédito emitidas pela F..., SGPS, S.A., pelo valor de € 248.900,00, encontram-se a fls. 70 e 71 do PA, considerando-se as mesmas aqui reproduzidas.
15. Pela ordem de Serviço n.º OI200901103, a M... – Gestão Imobiliária, S.A. foi sujeita a uma acção inspectiva, no âmbito de IRC ao exercício de 2007, a qual teve início em 26 de Janeiro de 2010 (teor do doc. de fls. 19 do PA).
16. Em 16 de Junho de 2010, a M... – Gestão Imobiliária, S.A., foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, tendo-lhe sido concedido o prazo de 12 dias para exercer o direito de audição (facto não controvertido, cfr. ponto 2 da petição inicial constante no suporte físico do processo e teor do doc. de fls. 43 do PA).
17. No dia 30 de Junho de 2010, a M... - Gestão Imobiliária, S.A. enviou um fax endereçado à Direcção de Finanças do Porto, em que expôs o seguinte:
“1) Foi dado à exponente o prazo de doze dias para o exercício do seu direito de audição.
2) A exponente tem tentado angariar documentos os documentos que lhe possibilitem apresentar a sua defesa, uma vez que a actual administração já não é a mesma que exercia o cargo há altura dos factos enunciados.
3) Acresce que o relatório refere um documento, designado por “recibo em papel A4” que a exponente não teve acesso, sendo tal documento essencial para o exercício cabal do direito de audição.
4) Assim sendo a exponente requerer a VªS Excªs que lhe seja enviada cópia de tal documento e consequentemente prorrogado o prazo para o exercício da audição prévia” (cfr. doc. de fl. 21 do suporte físico do processo e doc. de fl. 38 do PA)
18. Pelo ofício n.º 444466/0504, de 7 de Julho de 2010, foi levado ao conhecimento da impugnante o despacho da Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, que considerou o seguinte: “Atendendo ao informado e verificando-se que já terminou o prazo concedido para o exercício do direito de audição, considera-se tempestiva a petição que seja apresentada até ao dia 9 de Julho de 2010” (doc. de fls. 40 e 41 do PA)
19. No dia 13 de Julho de 2010, foi elaborado o RIT, que mereceu, em 16 de julho de 2010, despacho de concordância do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do Porto, apresentando tal relatório o seguinte teor:

“(…) 3.3.3 – Analisada na contabilidade da “M...” a conta 372101 – Adiantamentos por conta de compras (L…o, Lda. – Prédio de Guimarães), verificou-se o seguinte:
a) Pelo Aviso de Lançamento nº. 454 de 9/3/2007, emitido pela F..., SGPS, esta debita a M... pelo pagamento de 100.000 €, para empréstimo. Este valor foi entregue como sinal de compra da massa falida no procs. L…, tendo sido debitada a conta de Adiantamento de Compras e creditada a conta 26811003 - F..., SGPS.
b) Pelo Aviso de Lançamento nº. 404 de 11/9/2007, emitido pela F..., SGPS, para a M..., com o histórico ... V/ endosso do cheque nº. 3516548981, no montante de 100.000 € ... , a F... foi debitada por crédito da conta de adiantamento por conta de compras, isto é, foi efectuado na contabilidade da M..., lançamento inverso ao referido na alínea anterior.
Verificou-se que o cheque em causa foi emitido em 11/9/2007, pela Caixa…, SA., à ordem da Massa Falida de L…, Lda.
c) Em resultado de acção inspectiva, verificou-se a existência de um recibo em papel A4, com carimbo e assinatura de dois administradores da M..., com data de 2007, no qual esta sociedade declara expressamente, ter recebido de "A…, Unipessoal, Lda.", NIPC 5…, o cheque nº. 9327890085, sobre a Caixa Geral de Depósitos, no montante de 248.900 €, para pagamento do preço da cessão da posição contratual, na compra dos imóveis apreendidos no Processo de Falência nº. 633/2002, do 3° Juízo Cível do T J de Guimarães.
d) Após diligencias efectuadas para o tribunal e para o liquidatário Judicial Dr. E…, confirmou-se que o Processo de Falência nº. 633/2002, é o da massa falida da L…, Lda., e que fora aceite a proposta apresentada pela M... no valor de 626.100 €, para a compra dos prédios apreendidos, tendo já sido pago como sinal de compra e venda o valor de 100.000 €. No entanto, quem tinha outorgado a escritura de compra e venda fora a instituição Financeira acima referida "Caixa Leasing".
Verificou-se que a operação de compra em causa, não foi contabilizada na M....
e) Devido ao cheque de 100.000 €, referido na anterior alínea b), pediu-se por oficio à “Caixa… ", conforme exemplar anexo aos papeis de trabalho, que remetesse fotocópia do documento comprovativo de cedência da posição contratual, do seu montante e do comprovativo do seu pagamento, bem como, a identificação do locatário.
Em resposta foi remetido:
- Certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Guimarães, confirmativa de que foi aceite a melhor proposta apresentada pela M... e que habilitava o liquidatário judicial para outorgar a escritura pública de compra e venda;
- Certidão da escritura de compra e venda em que o adquirente (2° outorgante) é a “Caixa Leasing";
- Fotocópias de 2 cheques passados à ordem da Massa Falida de L…, respectivamente de 100.000 € e 526.100 €, que perfaz o montante da proposta da “M...", que tinha sido aceite.
Através do ponto primeiro da escritura de compra e venda efectuada no dia 11 de Setembro de 2007, entre o liquidatário Judicial e a Caixa Leasing, constatou-se ser feita referência a uma certidão comercial e acta nº. 8 da reunião de Assembleia Geral de 5/9/07, documento este da sociedade M..., indicada na certidão judicial como adquirente ou quem ela designasse.
f) Solicitou-se ao Cartório Notarial, conforme exemplar do ofício anexo aos papéis de trabalho, que remetesse fotocópias da certidão comercial e da Acta, documentos; na alínea anterior.
Remetidos os elementos verificou-se, que a certidão atesta a legalidade da acta e que esta teve em vista a discussão e aprovação por unanimidade, para aceitar “designar” a Caixa…, SA., para outorgar a escritura de compra e venda dos imóveis.
g) No decurso da acção inspectiva à "F...", a que se fez referência no ponto 2, do capítulo II, verificou-se através da sua contabilidade:
- A F... emitiu o Aviso de Lançamento nº. 403 de 11/9/2007, para a T…, Lda., sua participada, com o histórico ... N/ endosso do cheque nº. 3516548981, s/ a CGD, empréstimo ... , debitando-a pelo montante de 100.000 €.
Este cheque, referido na anterior alínea b), que já tinha sido endossado pela M... à F..., para pagamento de empréstimo, foi depositado na conta bancária da T… na Caixa Geral de Depósitos. Isto é, o cheque de 100.000 € emitido pela "Caixa… " à ordem da "Massa Falida da L… ", entregue pelo administrador da insolvência à "M...", foi depositado na 'T…", sendo estas duas sociedades participadas no seu capital social pela "F...".
- A F... emitiu o Aviso de Lançamento nº. 402 de 11/912007, para a T…, Lda., sua participada, com o histórico ... N/ endosso do cheque nº. 9327890085, s/ a CGD, empréstimo ... , debitando-a pelo montante de 248.900
Pela fotocópia do cheque, verificou-se que foi emitido pela firma A…, Unipessoal, Lda., e constata-se que a linha onde está indicado à ordem da G…, Lda., encontra-se descontinuada, indiciando rasura.
Pelos Avisos de Lançamento emitidos entre a sociedade F... e as participadas G… e T…, constata-se que o cheque foi endossado à F..., que o endossou à T…, sendo por esta depositado na sua conta bancária, conforme documento de certificação de depósito emitido pelo banco CGD.
- A F... emitiu o emitiu o Aviso de Lançamento nº. 550 de 11/9/2007, para a G…, Lda. (sua participada), creditando-a pela endossa que esta lhe fez do cheque nº. 9327890085, s/ a CGD, no montante de 248.900 €, emitido por A… Unipessoal, Lda., a titulo de pagamento de empréstimos, sendo este o cheque indicado no recibo processado pela "M...", acima referido na anterior alínea c), isto é, para pagamento do preço da cessão da posição contratual, na compra dos imóveis apreendidos no Processo de Falência da "L… ", nº. 633/2002, do 3º Juízo Cível do T J de Guimarães.
Do exposto, fica provado:
a) Foi aceite judicialmente a proposta apresentada pela M... que sinalizou com 100.000 €, o direito à compra dos bens da massa falida da L…, apreendidos no Processo de Falência nº. 633/2002, do 3º Juízo Cível do T J de Guimarães;
b) Conforme referido nas anteriores alíneas e) e f), a M... "designou" a Caixa…, para outorgar a escritura de compra e venda dos bens da massa falida da L…, transferindo-lhe por este acto o direito de propriedade dos bens imóveis;
c) A M... conforme documento que emitiu assinado por dois administradores, recebeu em 11/9/2007 de "A..., Unipessoal, Lda.", NIPC 5…, o cheque nº. 9327890085, sobre a Caixa Geral de Depósitos, no montante de 248.900 €, para pagamento do preço que no recibo indicou ser da cessão da posição contratual, na compra dos imóveis apreendidos no Processo de Falência nº. 633/2002, do 3° Juízo Cível do T J de Guimarães.
Considerou-se que os factos referidos, têm o enquadramento tributário referido no III, seguinte.
(…)
Capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
(…)
2. IRC
O recibo emitido pela “M...” à firma “A..., Unipessoal, Lda.”, NIPC 5…, pelo pagamento que esta lhe fez a título de cedência de posição contratual, configura um proveito no âmbito da sua actividade empresarial no montante de 248.900 €, com enquadramento fiscal no artigo 20º do código do IRC.
(…)
Capítulo IX - Direito de Audição
Notificou-se o sujeito passivo por carta registada em 2010/06/17, do projecto de em 2010/06/17, do projecto de relatório de inspecção tributária, remetido para a sua sede na Avenida da República, nº. 679, 3°, sala 3-5, em Matosinhos, para efeitos do exercício do direito de audição no prazo de 12 dias, em conformidade com o disposto no artigo 60° da Lei Geral Tributária e no artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, considerando-se notificado em 2010/06/21, conforme o artigo 39°, nº. 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Após requerimento apresentado pelo SP, este foi notificado pelo Fax nº. 44464/0504 de 7/7/2010 e pelo ofício nº. 44466/0504 da mesma data, de que lhe foi concedido o prazo dia 9/7/2010, para o exercício do direito de audição.
No decorrer do prazo concedido, até à presente data, não foi recebida qualquer comunicação para o exercício do direito de audição.
(…) (teor do doc. de fls. 24 a 33 do PA).
20. A nota de demonstração de liquidação n.º 2010 8310004498 de IRC e de juros compensatórios n.º 201000001543904, foram enviadas para a impugnante através dos registos postais n.º RY510267320PT e RY510271765PT, respectivamente, e a nota de demonstração de acerto de contas n.º 201000001838672, no valor de € 66.288,99, foi enviada através do registo n.º RY510226912PT, tendo o prazo de pagamento desta quantia terminado em 29 de Setembro de 2010 (doc. de fls. 17 a 19 do suporte físico do processo).
Factos não Provados:
A) Que a quantia de € 248.000,00 entregue pela G… à F…, SGPS, S.A., destinou-se a saldar um financiamento concedido pela última.
B) Que o recibo, mencionado no facto nº 11 foi anulado
Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes do P.A., como se indicou ao longo dos factos provados, e ainda nos depoimentos das testemunhas inquiridas, examinados criticamente à luz das regras da experiência.
Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, os mesmos foram prestados de forma genérica e vaga, não tendo contribuído para a fixação dos factos provados.
Foi o caso do depoimento de Carlos..., empresário na área da cartonagem, administrador da F..., que referiu ser o administrador da M... no exercício em referência. A testemunha limitou-se a reconhecer que elaborou o documento referenciado em 11), mas não se lembra do propósito ou objectivo de tal documento, o que lhe retira total credibilidade.
Também foi ouvida a testemunha J…, contabilista que prestou serviços para a M... desde 26 de Outubro de 2007 até 15 de Julho de 2011 e acompanhou a inspecção, limitou-se a referir que o recibo referido em 11) não constava da contabilidade.
Quanto ao facto em A), o tribunal considera que os documentos juntos não demonstram a existência de qualquer financiamento da F..., SGPS, S.A. à G….
Por seu turno, a testemunha C..., empregado da F… desde 2008, anteriormente, prestou serviços de contabilidade para o grupo de empresas a que pertence a F….
A testemunha explicou o teor dos documentos nº 8 a 11, juntos com a p.i. e referiu que o cheque entregue pela “A..., Unipessoal, Lda.” à G… serviu para esta empresa saldar os financiamentos concedidos pela F.... Porém, a testemunha não soube pormenorizar quando é que a F... concedeu tais financiamentos nem soube detalhar os montantes envolvidos. Além disso, note-se que os únicos elementos demonstrativos da existência dos mencionados financiamentos são documentos internos, de empresas pertencentes ao mesmo grupo e detidas pela F..., e não documentos que titulem (de forma credível) a movimentação física de verbas da esfera da F... para a esfera da G…, designadamente, documentos bancários, pelo que não são idóneos a demonstrar os movimentos financeiros. De referir, ainda, que a mesma testemunha afirmou não se recordar de nenhum serviço de construção civil prestado pela G….
Quanto ao facto não provado sob a alínea b), entendemos que não foi apresentado qualquer documento que indiciasse a anulação do recibo referido em 11), sendo que nem as testemunhas arroladas se referiram a tal questão.
Em suma, quanto os factos expressos em A) e B), não se consideraram provados, porquanto a demonstração de tais factos competia à impugnante, sendo que esta não evidenciou de forma plausível e convincente a materialidade dos mesmos.”
«»
3.2. DE DIREITO
Nas suas conclusões de recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
A Recorrente refere que deve ser rectificado o ponto 16 da matéria de facto dada por provada na sentença e devem ser dados por provados os factos alegados no artigo 37.º da petição inicial, bem como os factos constantes da alínea A) dos factos não provados na sentença.
No que diz respeito ao ponto 16 da matéria de facto provada, deverá constar do mesmo o dia 21.06.2010 em substituição do dia 16.06.2010, como data de notificação, sendo que tal data para a notificação é assumida pela AT, conforme resulta do documento 5 junto com a petição inicial, onde a AT afirma “o contribuinte considera-se notificado do projecto de relatório no passado dia 21 Junho de 2010” e, também, na página 15 do Relatório de Inspecção Tributária, junto aos autos, a AT, volta a afirmar, “considerando-se notificado em 2010/06/21”.
Por seu lado, a matéria de facto constante do art.º 37.º da petição inicial deve ser dada por provada, na medida em que para prova desses factos a Impugnante juntou com a petição inicial os documentos 9, 10 e 11 e produziu prova testemunhal através do depoimento da testemunha C..., gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, de 00:19:00 a 00:43:30 e da análise daqueles documentos e do depoimento da testemunha resulta que o cheque recebido pela “G..., Lda” foi por esta endossado à “F... - SGPS, S.A.”, devendo tais factos ser dados por provados.
Além disso, os factos constantes da alínea A) da matéria de facto dada por não provada na sentença deveriam ter sido dados por provados, pois que, de novo, face aos documentos 9, 10 e 11 juntos da petição inicial e ao depoimento da testemunha C..., gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, de 00:19:00 a 00:43:30, deve ser dado por provado que aquele cheque foi endossado pela “G…, Lda” à “F…, SGPS, S.A.” para saldar créditos que esta última detinha sobre aquela.

Em relação ao primeiro elemento, a simples leitura dos elementos relevados pelo Tribunal a quo quanto a esta matéria evidenciam a bondade do exposto pela Recorrente, de modo que, nos termos do art. 712º nº 1 do C. Proc. Civil, o ponto 16 do probatório passa a ter a seguinte redacção:
16. Em 21 de Junho de 2010, a M... - Gestão Imobiliária, S.A., foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, tendo-lhe sido concedido o prazo de 12 dias para exercer o direito de audição (facto não controvertido, cfr. ponto 2 da petição inicial constante no suporte físico do processo e teor do doc. de fls. 43 do PA).

Quanto ao mais, a Recorrente destaca os documentos 9 (aviso de lançamento nº 550 emitido por F..., SGPS, S.A. dirigido a G…, Lda. com referência ao lançamento a crédito da quantia de € 248.900,00 em função de V/endosso do cheque nº 9327890085, s/CGD, para pagamento empréstimo nº 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37”) 10 ( Extracto de Conta de Conferência da referida G…, Lda. em que se identifica a conta relativa a A... Unipessoal, Lda. e onde se descreve a realidade relativa ao aviso de lançamento antes descrito) e 11 (Nota de Lançamento da G…, Lda. onde com referencia à mesma data 11-09-2007 se alude a Entrega a F..., primeiro a crédito e depois a débito, identificando-se as respectivas contas).
Por outro lado, coloca em evidência o depoimento da testemunha C..., gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, de 00:19:00 a 00:43:30, sendo que da análise daqueles documentos e do depoimento da testemunha conclui que o cheque recebido pela “G..., Lda” foi por esta endossado à “F... - SGPS, S.A.” para saldar créditos que esta última detinha sobre aquela.

Ora, a audição do depoimento em apreço e bem assim a leitura dos elementos desse depoimento postos em relevo pela Recorrente não permite identificar uma qualquer mais valia no exposto com referência aos documentos descritos na medida em que, limita-se, no fundo, a relatar aquilo que emerge dos mesmos.
Pois bem, aquilo que se exigia deste e dos outros depoimentos era um cabal enquadramento da questão em termos de conferir a necessária virtualidade à prova documental descrita e isso exigia mais do que simples “leitura” dos documentos que, diga-se, são documentos internos, de empresas pertencentes ao mesmo grupo e detidas pela F....
Aliás, e a montante de todo o desenho da lide por parte da ora Recorrente situa-se a factura junta como doc. 7, sendo que a testemunha afirmou não se recordar de nenhum serviço de construção civil prestado pela G….
A partir daqui, o depoimento posto em evidência perde logo a força que a Recorrente lhe pretende atribuir, do mesmo modo que nada foi dito em termos concretos sobre os empréstimos referido no aviso de lançamento, nomeadamente em relação aos respectivos valores e momento em que foram concedidos, não se compreendendo o facto de não existir o mesmo detalhe que se pretende evidenciar para a operação apontada em sede de petição inicial.
Assim, tal como se aponta, de forma acertada, na decisão recorrida, os únicos elementos demonstrativos da existência dos mencionados financiamentos são documentos internos, de empresas pertencentes ao mesmo grupo e detidas pela F..., e não documentos que titulem (de forma credível) a movimentação física de verbas da esfera da F... para a esfera da G…, designadamente, documentos bancários, pelo que não são idóneos a demonstrar os movimentos financeiros.
Deste modo, tendo presente que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e prova testemunhal produzida -, sendo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise, nada mais se impondo ponderar nesta sede.

Avançando, diga-se que a Recorrente começa por referir que foi notificada, no dia 21.06.2010 do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (PRIT), para exercer o direito de audição, sendo que do PRIT resultava que a AT pretendia efectuar uma correcção à matéria tributável, com fundamento num documento que designou por “recibo em papel A-4” e junto do PRIT não vinha qualquer cópia desse documento, verificando-se que a Impugnante, para cabal exercício do seu direito de defesa enviou, por fax, no dia 30.06.2010, um requerimento à Direcção Geral de Finanças solicitando o envio do tal documento e a prorrogação do prazo para a audição prévia e a AT face a tal requerimento, respondeu por carta datada de 7.07.2010, recebida em 8.07.2010, enviando cópia do documento e dando prazo até ao dia 9.07.2010 para exercer a audição prévia.
Assim, a AT entendeu que a Impugnante tinha razão e que devia ter acesso ao documento para exercer a sua defesa e, no entanto, deu-lhe apenas dois dias para apresentar a sua defesa, ou seja, a AT teve um comportamento censurável e manifestamente contraditório, pois se, por um lado dá razão à contribuinte quanto à necessidade do envio do documento, por outro retira-lhe qualquer hipótese de defesa ao conceder-lhe dois dias para exercer a audição prévia, de modo que, com tal actuação a AT impediu a normal audição prévia da Impugnante o que corresponde, em sentido amplo, a uma verdadeira falta de audição prévia e consequentemente, o procedimento de liquidação subsequente à acção inspectiva tributária, padece de vício de forma, por falta de audição prévia da impugnante, nos termos do art.60º/1 - a) e e) da Lei Geral Tributária e art.º 60.º do RCPIT.
Além disso, a actuação da AT não teve presente os princípios constitucionais da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, prescritos no art. 268º da Constituição da República e consequentemente, na falta de audição prévia, imputável à AT, o relatório da inspecção e as subsequentes liquidações, ora impugnadas, devem ser anuladas, por preterição de formalidade essencial, sendo certo que o art.º 60.º da LGT e o art.º 60.º do RCPIT com a interpretação que lhes foi dada na sentença recorrida violam os artigos 266.º e 268.º da Constituição, sendo por isso inconstitucionais, o que, desde já, se invoca.

Nas sentença recorrida, foi ponderado, além do mais, que:
“…
Ora, resulta da materialidade assente, que a impugnante foi notificada para se pronunciar no prazo de 12 dias sobre o projecto de relatório de inspecção, sendo que lhe foi concedida a possibilidade de apresentar a mesma até ao dia 5 de Julho de 2010. Assim, portanto, foi observado o preceituado no art. 60º, nº 2 do RCPIT.
O facto de a impugnante só ter tomado conhecimento da existência e do teor do documento referido sob o facto provado nº 11, após a notificação do projecto de relatório de inspecção (alegando que os administradores não são os mesmos), não justifica a imposição de um novo prazo, mais dilatado, para o exercício do direito de audição.
É que o teor de tal documento resultava já do conteúdo do relatório de inspecção, não oferecendo qualquer dúvida interpretativa, pelo que o envio de cópia serviria apenas para conferência do documento.
Se a impugnante entendesse que eram necessárias diligências instrutórias complementares ou adicionais, deveria ter requerido à AT a realização das mesmas no quadro do procedimento de inspecção tributária. Isto é, deveria ter solicitado à AT, no quadro dos deveres de colaboração e descoberta da verdade que a vinculam, a realização de mais diligências, a fim de ser cabalmente esclarecido o negócio em questão (desde que pertinentes). Não é, assim, legítima a alegação de que precisava de mais tempo para se esclarecer ou inteirar do teor do documento.
Por esta razão, improcede o alegado quanto à preterição do direito de audição prévia, não se verificando qualquer violação dos princípios constitucionais, invocados pela impugnante. …”.

Nesta matéria, é sabido que o direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito está consagrado no artigo 267º nº 5 da CRP, sendo que com o artigo 60º da LGT teve-se em vista dar concretização, no âmbito do procedimento tributário, a esse princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito e que é concretizada, em regra, através do exercício do direito de audição.
Os contribuintes podem pronunciar-se, oralmente ou por escrito, antes da decisão final do procedimento tributário, que possa culminar numa decisão desfavorável para eles, participando na mesma, sendo que o exercício do direito de audição prévia constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma sólida garantia de defesa dos direitos do administrado, sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante da actividade administrativa cuja violação ou incorrecta realização se traduz na violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio acto.
Diga-se ainda que no exercício do direito de audição, o contribuinte pode aduzir argumentos novos e alegar nova factualidade que contribuam para a formação da decisão, e que podem conduzir à reapreciação da matéria em questão e até à alteração da decisão em seu benefício e se o contribuinte, no exercício do direito de audição, suscitar elementos novos (de facto ou de direito), estes serão tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, impondo-se ainda notar que o direito de audição no procedimento tributário não se esgota, porém, com a possibilidade de o contribuinte se pronunciar sobre todas as questões (de facto e de direito) que são objecto do procedimento antes da decisão final, englobando também a faculdade de requerer a realização de diligências e juntar documentos.
Neste domínio, é certo que a ora Recorrente foi notificada para se pronunciar no prazo de 12 dias sobre o projecto de relatório de inspecção, sendo que lhe foi concedida a possibilidade de apresentar a mesma até ao dia 5 de Julho de 2010.
Nesta sequência, no dia 30 de Junho de 2010, a M... - Gestão Imobiliária, S.A. enviou um fax endereçado à Direcção de Finanças do Porto, em que expôs o seguinte:
“1) Foi dado à exponente o prazo de doze dias para o exercício do seu direito de audição.
2) A exponente tem tentado angariar documentos os documentos que lhe possibilitem apresentar a sua defesa, uma vez que a actual administração já não é a mesma que exercia o cargo há altura dos factos enunciados.
3) Acresce que o relatório refere um documento, designado por “recibo em papel A4” que a exponente não teve acesso, sendo tal documento essencial para o exercício cabal do direito de audição.
4) Assim sendo a exponente requerer a VªS Excªs que lhe seja enviada cópia de tal documento e consequentemente prorrogado o prazo para o exercício da audição prévia” (cfr. doc. de fl. 21 do suporte físico do processo e doc. de fl. 38 do PA).
Finalmente, pelo ofício n.º 444466/0504, de 7 de Julho de 2010, foi levado ao conhecimento da impugnante o despacho da Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, que considerou o seguinte: “Atendendo ao informado e verificando-se que já terminou o prazo concedido para o exercício do direito de audição, considera-se tempestiva a petição que seja apresentada até ao dia 9 de Julho de 2010” (doc. de fls. 40 e 41 do PA).

Com este pano de fundo, se temos por bondosa a afirmação da decisão recorrida no sentido de que o conhecimento da existência e do teor do documento referido sob o facto provado nº 11, após a notificação do projecto de relatório de inspecção (alegando que os administradores não são os mesmos), não justifica a imposição de um novo prazo, mais dilatado, para o exercício do direito de audição, já não podemos aceitar que a situação em apreço tenha redundado num encurtamento do prazo.
Na verdade, é preciso notar que foi concedido o prazo de 12 dias para o efeito apontado, sendo que no decurso desse prazo, faltando 5 dias para o mesmo se esgotar, a Recorrente formulou o pedido acima descrito.
Tal pedido veio a ser atendido, não sendo razoável sequer pensar-se que se trata de um acto de condescendência de quem proferiu aquela decisão (a quem compete apenas aplicar a lei), de modo que, a decisão em apreço traduziu-se na aceitação do requerido nos termos expostos, sendo feita a competente notificação juntamente com o tal documento.
Neste contexto, crê-se que se impunha, ao menos, facultar à Recorrente o número de dias que faltavam para o prazo se esgotar, tendo presente a análise do pedido por ela formulado.
Assim, apesar da acutilante análise vertida na decisão recorrida, que justifica amplamente que nunca se poderia permitir que o pedido formulado pela Recorrente funcionasse como um expediente para a obtenção de um “novo prazo”, entende-se que a AT deveria manter uma actuação congruente, em função do prazo inicialmente fixado (12 dias), concedendo ao Recorrente a possibilidade, no fundo, de esgotar o aludido prazo, pois que, de acordo com a argumentação vertida na sentença recorrida, não se afigura que existiria motivo para permitir o alargamento do prazo.
Ora, não foi isto que sucedeu, acabando o procedimento da AT por traduzir um encurtamento do prazo para exercer a audição prévia, comprometendo o exercício de tal direito, o que se traduz numa violação do direito em apreço, inquinando a liquidação subsequente, em função do descrito vício de forma.

Além disso, não é pelos fundamentos invocados em sede de impugnação contenciosa do acto que se poderá aferir da relevância ou não do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, mas antes pela sua susceptibilidade de influir sobre o conteúdo decisório do acto, motivo por que aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciada pela intervenção do interessado e, se é certo que a aplicação do princípio do aproveitamento do acto implica necessariamente um juízo a posteriori, este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição desse direito.
A nosso ver, não pode invocar-se com sucesso o princípio do aproveitamento do acto para recusar a anulação da liquidação impugnada com fundamento em preterição de formalidade legal por não ter sido concedida à ora Recorrente a possibilidade de exercer o direito de participação mediante audiência prévia.
Fica prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito do presente recurso.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente impugnação judicial, determinando-se a anulação da liquidação impugnada.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 11 de Janeiro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos