Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02248/07.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:CARATERIZAÇÃO DA FRAUDE EM CARROSSEL
Sumário:a) A fraude em carrossel pode apresentar a seguinte caraterízação
b) Uma “conduit company” – eì o transmitente na primeira transaçaÞo. Vende bens ao “missing trader”, ao abrigo da aliìnea a) do artigo 14º do Regime do IVA nas TransaçoÞes Intracomunitaìrias (RITI) ou seja, isento de IVA.
c) O “missing trader” – eì adquirente na primeira transaçaÞo e transmitente na segunda. Liquida o IVA da sua transaçaÞo com o segundo adquirente (o “broker”), mas naÞo o entrega ao Estado, ficando com o montante para si. Normalmente, passado algum tempo, desaparece do sistema para naÞo ser detetado pela autoridade fiscal.
d) O “broker” – eì o adquirente da transaçaÞo efetuada com o “missing trader”. Deduz IVA da sua transaçaÞo, pedindo o reembolso ao Estado. Uma vez que naÞo existe entrega do imposto liquidado referente aÌ mesma transaçaÞo pelo “missing trader”, o Estado paga o montante do imposto ao broker.
e) Posteriormente, poderaì ser o transmitente numa segunda transaçaÞo intracomunitaìria isenta de IVA com a “conduit company”, completando assim o carrossel.
f) Este “circuito” pode ser “esticado” para dificultar o trabalho da AT, chamando a intervir um quarto interveniente: o buffer. O “buffer”, ou empresa-tampaÞo, eì uma empresa que se coloca entre o “missing trader” e o “broker”. Trata-se de uma empresa que vai ser adquirente numa transaçaÞo com o “missing trader”, e depois transmitente numa posterior transaçaÞo com o “broker”.
g) E para dificultar a investigação, em vaìrios casos naÞo existe somente um “buffer” inserido no esquema fraudulento mas sim vaìrios.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Z..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Z…, Lda., melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Porto julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2002 (dezembro), 2003 e 2004, no valor global de € 373.371,21, dela interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

I - A Recorrente não se conforma com o julgamento do facto constante da alínea M) dos factos julgados provados em sede de sentença;
II - Ao invés do inscrito em sentença, a Recorrente impugnou aquele facto;
III - Ademais, tal facto julgado provado é contraditório com outros factos igualmente julgados provados, nomeadamente, a materialidade das operações entre a Recorrente e o seu fornecedor, e o conhecimento de que este adquiria as mercadorias às alegadas missing traders, o que, salvo melhor opinião, determina a nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 615.° do Código do Processo Civil;
IV - Ora, sendo estas as fornecedoras de mercadorias que efectivamente eram transaccionadas, questiona-se como poderia a Recorrente saber que aquelas, alegadamente, não exerciam actividade senão formalmente e não dispunham de estrutura para o exercício da actividade;
V - Sendo que, a douta sentença recorrida é totalmente omissa quanto à integração factual daquele conceito de ausência de actividade e de estrutura para o seu exercício por aquelas, nomeadamente, não há a referência à ausência de estabelecimento, armazém ou escritório daquelas, funcionários ou colaboradores a qualquer titulo, quaisquer meios materiais ou humanos necessários ao desenvolvimento da actividade, não podendo perder-se de vista que actualmente o exercício da actividade de trading implica pouco mais que um telemóvel e um computador.
VI - Faz-se notar que se exige a prova do efectivo conhecimento pelo sujeito passivo da existência do missing trader, não se bastando o ónus pela mera obrigação de conhecimento, tal como se afirma na douta sentença sob recurso.
VII - Tal ónus não foi cumprido, pelo que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, deverá ser julgada não provada a matéria constante da alínea M) dos factos julgados provados em sede de sentença, passando a ter a seguinte redacção: O gerente da Impugnante, R..., não tinha conhecimento de que os transmitentes dos bens que vieram a posteriormente a ser revendidos pela “K...” tinham intenção de não entregar nos cofres do estado o imposto liquidado e declarado o exercício de uma actividade para a qual não dispunham de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.”
VIII - Como decorre da douta sentença recorrida, a fls. 67, “... na génese das correções efectuadas pela Autoridade Tributária, está a qualificação das operações entre a Impugnante e a “K...” como operações inseridas no âmbito da comummente designada “fraude carrossel”, o que pressupõe que o gerente da Impugnante, R..., tinha conhecimento de que os transmitentes dos bens que vieram a posteriormente a ser revendidos pela “K...” tinham intenção de não entregar nos cofres do estado o imposto liquidado e declarado o exercício de uma actividade para a qual não dispunham de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.”
IX - Alterando-se o julgamento sobre tal facto, como supra se requer, necessariamente terá que se alterar a decisão de Direito, não se aplicando o disposto no n.° 4 do artigo 19.° do CIVA, na redacção aplicável.
X - A douta sentença recorrida violou, entre outros normativos que Vossas Excelências doutamente suprirão, o disposto nos números 4 e 5 do artigo 607.° do Código do Processo Civil, e n.° 4 do artigo 19.º do CIVA na reacção aplicável.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente, julgando-se procedente a impugnação deduzida pela Recorrente, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação contra as liquidações adicionais de IVA.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A. A Impugnante contabilizou nos anos de 2002 a 2004 as suas relações comerciais com a «K...», na conta de fornecedores «2211066», evidenciando a emissão dos seguintes documentos:
FaturaValorForma PagamentoDataIdentificação BeneficiárioFls. dos autos
2210€ 154.700,00Transferência22/11/2002Não22
2297€ 74.970,00Cheque20/03/2003K... Lda24
2302€ 124.236,00Cheques (2)31/03/2003K... Lda24, 25
2310€ 104.958,00Cheques (2)07/04/2003K... Lda26, 27
2329€ 116.025,00Cheque
Transferência
30/04/2003
29/04/2003
K... Lda
Não
30
29
2338€ 116.025,00Cheque
Transferência
12/05/2003
12/05/2003
K... Lda
Não
30
32
2351€ 102.637,50Transferência02/06/2003Não31
2356€ 92.820,00Transferência04/06/2003Não34
2367€ 193.619,52Transferência17/06/2003K... Lda35
2379€ 78.837,50Transferência01/08/2003Não36
2385€ 98.175,00Transferências (2)28/08/2003
11/09/2003
Não
Não
38
37
2391€ 81.812,50Transferências (2)24/09/2003
25/09/2003
Não
K... Lda
40
39
2397€ 65.450,00Transferência02/10/2003K... Lda41
2398€ 139.759,55Transferência*9/10/2003K... Lda42
2399€ 9.425,10
2403€ 131.197,50Transferência
Cheque
24/09/2003
12/11/2003
Não
K... Lda
43
44
2404€ 61.047,00Cheque13/11/2003K... Lda46
2407€ 48.599,60Transferências (2)03/12/2003
11/12/2003
K... Lda
K... Lda
49
48
2411€ 126.735,00
2413€ 44.625,00Cheque**12/01/2004K... Lda50
2420€ 48.790,00Cheque26/02/2004K... Lda53
2423€ 52.122,00Cheques (2)30/04/2004K... Lda55 a 57
2428€ 51.955,40Cheque***25/05/2004K... Lda59
2429€ 59.113,25Cheques (2)04/06/2004
30/06/2004
K... Lda
K... Lda
61
63
2431€ 19.754,00Cheque26/05/2004K... Lda65
* Existe uma discrepância no valor das transferências e do somatório das faturas sendo estas superiores ao valor pago em EUR 0,05.

** O lançamento contabilístico deste pagamento foi efetuado com o valor de EUR 44.625,05 de forma a saldar a conta. O excesso deste lançamento compensou a insuficiência de pagamento anteriormente referida

*** Apenas se encontra documentado o valor de EUR 26.955,40 pago por meio de cheque. Não foi junto talão comprovativo da alegada transferência bancária no valor remanescente da fatura.

[cfr. emerge do teor dos extratos contabilísticos de fls. 21, 23 e 52 dos autos e documentos constantes dos autos nas fls. inseridas na margem direita da tabela. Considerou-se o beneficiário como identificado sempre que do verso do cheque resultava o seu depósito em conta do beneficiário ou, no caso das transferências, sempre que a identificação do beneficiário da transferência era referida pela entidade bancária.]

B. Em 15 de Novembro de 2006 deu-se início à inspeção credenciada pela ordem de serviço OI200505710

[cfr. emerge do teor do relatório inspetivo, ponto II.1 «credencial»]

C. Em 20 de Março de 2007 R..., na qualidade de sócio-gerente da Impugnante e no âmbito do procedimento inspetivo referido no facto antecedente declarou:

“1. Chegou a conhecer de vista «M...» (NIF 2…) só a tendo visto no início do relacionamento comercial daquela com a empresa «K... Lda.» (NIF 5…), por volta do final do ano de 2002. Sendo que depois os negócios em nome daquela teriam sido sempre por intermédio de um Sr. «G...», o qual não consegue identificar, contudo, supõe que este teria sede na Trofa numa empresa de confeções.

2. Conhece «F...» (NIF 2…), porque este foi oferecer-lhe telemóveis à sua loja. A última vez que o viu terá sido num restaurante indiano, na Rua Fernandes Tomás e terá sido em 2005.

3. Nunca chegou a conhecer pessoalmente «MARIA...», (NIF 2…), nem sabe onde morava ou se tinha algum estabelecimento comercial.

4. Não se lembra de conhecer pessoalmente o Sr. «AT… » (NIF 2…) isto apesar de ter na sua contabilidade (enquanto empresário em nome individual) faturas em nome do mesmo que titulam a compra de telemóveis.

5. Tem conhecimento que foram requisitados, junto de uma tipografia, livros de faturas em nome de «MARIA… », o que teria sido a pedido de um Sr. «FAR…», que era a pessoa que se apresentava como representante daquela, sendo que o mesmo previamente o tinha questionado sobre a existência duma tipografia par a feitura de um livro de faturas, tendo ele indicado uma tipografia com a qual trabalha, razão pela qual os livros em questão foram entregues na sua loja e o respetivo documento ter sido assinado pela sua funcionária.

6. Afirma não saber atualmente do paradeiro do referido Sr. «FAR...».

7. Afirma também não contactar há muito tempo com o já mencionado «G...», nem saber do seu paradeiro.

8. Afirma ter efetuado adiantamentos em dinheiro ao Sr. «G...», o qual o reembolsava quando recebia de «K... LDA».

9. Confirma ter recebido alguns dos pagamentos da K... para a «M...», o que terá sido a pedido do Sr. «G...», em consequência dos adiantamentos que lhe efetuava e também no sentido de facilitar a transação dado que os bancos normalmente levantarem problemas aquando do levantamento de grandes quantias em numerário. Afirma ter entregue o dinheiro àquele («G...»), contudo, muitas vezes deduzia os adiantamentos que o mesmo lhe devia.

10. Nunca mandou elaborar carimbos em nome de «M...».

11. Do mesmo modo, desmente alguma vez ter solicitado e acompanhado «J… » (NIF 1…), a qual tem uma loja no centro comercial Brasília para se apresentar junto do FINIBANCO no Porto para proceder ao levantamento de cheques da conta «M...».

12. Tem conhecimento, através de informação do citado «G...», que «M...» tinha conta no «BANCO PINTO & SOTTO MAYOR” (atual «MILLENIUM BCP») no balcão da Praça da Liberdade, segundo pensa estas contas terão sido abertas para facilitar a compensação dos cheques, contudo desconhece quem movimentava as mesmas.

13. Nunca fez transferências ou depósitos diretamente nas contas de «M...» ou de «MARIA… ».

14. Tem conhecimento, não sabendo precisar ao certo a data, que a quase totalidade dos bens que adquiriu à K... nos anos de 2002, 2003 e 2004, tinham origem em compras deste aos fornecedores «M...» E «MARIA...».

15. Confirma o facto de ter preenchido algumas das faturas emitidas pela K... para a Z…, o que terá acontecido por algum motivo de força maior e pela proximidade entre as duas sociedades e o bom relacionamento com o gerente da K....

16. Os negócios da Z… com a K... eram normalmente efetuados do modo seguinte: os negócios eram propostos ao gerente da K... pelos citados «G...» e «FAR...», o qual por sua vez falava com ele para ver se havia interesse, pois a K... só comprava com a certeza de que a seguir venderia para a Z…, e, por sua vez, a Z… também só comprava com a sua venda garantida para algum cliente.

17. Confirma conhecer «D… » (NIF 2…) porque este era seu vizinho na Rua de Camões e conhece-o também da comunidade hindu a que ambos pertencem, não tendo qualquer relação profissional com este.

18. Desconhece a razão pela qual foi «D...» que requisitou os livros de faturas em nome de «M...».

19. Não sabe se os citados «FAR...» e «G...» trabalhavam em conjunto, sendo que o primeiro se apresentava como representante de «MARIA...» e o segundo de «M...».

(…)”

[cfr. cópia do auto de declarações constante de fls. 73 e 74 do processo administrativo elaborado para efeitos do art.º 111.º do CPPT]

D. Em 18 de Abril de 2007 foi elaborado relatório inspetivo relativamente a inspeção efetuada à Impugnante com referência aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, onde foram propostas correções de IVA, nos valores de EUR 24.700, 289.144,04 e 36.999,65, respetivamente, com a seguinte discriminação:
Período de IVAIVA
0212T€ 24.700,00
Ano 2002€ 24.700,00
0303T€ 48.564,00
0306T€ 99.171,54
0309T€ 75.594,40
0312T€ 65.814, 10
Ano 2003€ 289.144,04
0403T€ 7.790,00
0406T€ 29.209,65
Ano 2004€ 36.999,65
TOTAL€ 350.843,69
[conforme emerge do relatório inspetivo constante de fls. 31 a 64 do processo administrativo apenso]

E. A fundamentação das correções constantes do facto antecedente foi a seguinte:

“1) No período compreendido entre o seu início de atividade e finais do ano 2004, a Z… declarou ter efetuado operações isentas de IVA, essencialmente transmissões intracomunitárias de bens e algumas exportações, e, dado que as suas aquisições eram essencialmente efetuadas a fornecedores nacionais, solicitou e recebeu os seguintes reembolsos de IVA:
Período de IVAReembolso de IVA
0103T€ 78.870,98
0106T€ 206.473,99
0109T€ 57.864,55
0112T€ 83.939,21
0209T€ 40.626,51
0212T€ 73.081,62
0306T€ 98.469,09
0309T€ 123.157,33
0312T€ 65.768,47
0406T€ 36.247,28
      Total
€ 864.499,03

2) Relativamente às vendas isentas de IVA declaradas pela Z…, na sua maioria transmissões intracomunitárias de bens (essencialmente telemóveis) para diversos clientes espanhóis, importa salientar que a administração fiscal espanhola tem vindo a comunicar existirem suspeitas de fraude relativamente a alguns dos mesmos (clientes da Z…), sendo que alguns poderiam ser "empresas pantalla" (ou missing traders).

3) No que se refere às aquisições (compras) de bens declaradas pela Z… estes foram essencialmente efetuadas a dois únicos fornecedores nacionais, a saber:
- Até final do ano 2001, era o próprio gerente da Z… ("R...") o principal e quase único fornecedor nacional.
- A partir de Setembro/2002, este papel passou a ser desempenhado pela sociedade "K... LDA" (K...), NIF: 5…, sendo de referir que a K... tem sede e loja a poucos metros da Z… (na rua do Loureiro - Porto), e que entre os gerentes de ambas sociedades (bem como entre as respetivas sociedades) existem algumas "relações especiais", conforme adiante irá ser referido (ponto VIII - 1 do presente relatório).

4) Em resultado de ação inspetiva à K..., que é o principal e quase único fornecedor de bens no período em análise, constatou-se que, para todas as vendas declaradas para a Z…, as respetivas aquisições encontram-se suportadas em documentos emitidos por operadores já referenciados como fazendo parte de esquemas com o objetivo de defraudar o Estado através do IVA.
Estes operadores, comummente designados por missing traders, normalmente reúnem as características seguintes:
=> Tratam-se de operadores que existindo juridicamente, não têm, por regra, existência de facto;
=> São de difícil contacto, senão mesmo incontactáveis (são os designados testa-de-ferro), frequentemente cidadãos estrangeiros não residentes em Portugal;
=> Normalmente não possuem instalações adequadas onde possa ser exercida a atividade titulada pelas faturas que emitem;
=> Em muitos casos a suposta atividade é exercida durante curtos períodos de tempo, ao fim dos quais a faturação cessa;
=> Não possuem contabilidade, nem cumprem com as suas obrigações declarativas e de pagamento perante a Administração Fiscal;
=> Dão início, no território nacional, ao circuito de faturação, liquidando IVA aos seus pretensos clientes, não entregando o imposto liquidado ao Estado, imposto que, através do mecanismo de repercussão instituído no sistema do IVA, algum outro operador a jusante, vai deduzir (no caso a K...) e/ou solicitar o respetivo reembolso (no caso a Z…, ainda que indiretamente) - criando-se assim, o prejuízo do Estado.
Os operadores missing traders em causa são: "M..." (NIF: 2…) e "MARIA..." (NIF: 2…).

5) Relativamente a "M..." (MEPR) importa referir o seguinte:

a) Trata-se de uma cidadã natural da República do Equador e foi inscrita, para efeitos fiscais, no dia 20/03/2001, junto do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa-1, indicando como sua morada a Rua…, 1170 Lisboa.
b) Em 04/12/2001, junto do SF da Trofa, foi alterado, por duas vezes no mesmo dia, o seu domicílio fiscal, inicialmente indicando como morada a Rua…, concelho da Trofa, e, posteriormente, para a Rua…, concelho de Vila Nova de Gaia. Refira-se que estas alterações não foram efetuadas pela própria mas por terceiros que se apresentaram como seu representante/gestor de negócios, sendo que a primeira alteração terá sido efetuada por "S… " (NIF: 2..) e a segunda por "AT… " (NIF: 2…), ambos indivíduos de nacionalidade paquistanesa.
c) O início da atividade comercial foi declarado em 05/01/2002, junto da Loja do Cidadão do Porto, com enquadramento em IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e em IRS, no regime simplificado de tributação - Cat. B, e, na medida em foi declarado não possuir contabilidade organizada, não foi identificado qualquer Técnico Oficial de Contas naquela declaração de início de atividade. Posteriormente, em 29/03/2003, igualmente junto da Loja do Cidadão do Porto, foi declarada uma alteração de morada para aquela que atualmente consta como seu domicílio fiscal, rua… - 4435-043 Rio Tinto.
d) Analisados os dados constantes na base de dados da DGCI, verifica-se que foram entregues as declarações periódicas (DP) de IVA referentes aos períodos compreendidos entre 0209T e 0412T e a declaração de IRS do ano 2002.
e) A declaração de IRS entregue originou imposto a pagar no montante de € 144.639,45 (isto porque foram declaradas vendas de mercadorias no total de € 869.094,00), o qual se encontra em processo executivo, sendo que consultado o processo respetivo, verifica-se que o SF de Gondomar-2, após diversas diligências efetuadas, nunca a conseguiu localizar/contactar (nem a qualquer seu representante) e apurou que a mesma nunca efetuou quaisquer descontos para efeitos da Segurança Social.
f) Nas DP de IVA entregues constata-se o seguinte:
- Os valores totais do IVA liquidado e dedutível são, em cada período, muito aproximados, o que leva ao apuramento de montantes de IVA a pagar irrelevantes face ao volume de negócios ou a situações de crédito de IV A.
- São declarados aquisições (AICB) e transmissões (TICB) intracomunitárias de bens em montantes elevados e muito aproximados entre si, conforme quadro seguinte:
PeríodoAICBTICB
0209T205.538,60205.539,00
0212T487.720,00487.720,00
0303T250.050,00256.000,00
0306T597.112,30615.025,00
0309T390.920,68403.950,00
0312T385.944,67397.523,00

- No que se refere às AICB, os valores constantes do VIES são superiores àqueles declarados, sendo que as mesmas têm origem em diversas empresas espanholas, muitas delas também fornecedoras de K... e/ou de Z…, contudo, a sua maior parte vem de um único operador a "SAM… SL" (NIF: ES B..), sendo que a própria Administração fiscal espanhola já comunicou existirem suspeitas de fraude relativamente a estas transações, por motivo de todos os seus fornecedores estarem indiciados em esquemas de fraude ao IVA
- Relativamente às TICB todas têm como destino o operador francês "SARL… " (NIF: FR-8…), e, efetuado um pedido de informação no âmbito da cooperação administrativa intracomunitária, de modo a confirmar a realidade destas operações, a administração fiscal francesa não confirma quaisquer transações, informando antes que a empresa em questão cessou a sua atividade com data de 01/08/2002, correspondendo à data da sua liquidação judicial.
- Solicitada a microfilmagem das DP, verifica-se que as assinaturas nelas constantes ou é diferente daquela que consta na fotocópia do passaporte de MEPR a que tivemos acesso, ou foram assinados por terceiros (aparecendo a menção "p. p.", i.e., a pedido do próprio) cujas assinaturas não são identificáveis.
g) Não consta da base de dados da DGCI informação de qualquer fornecedor nacional para MEPR, existindo apenas informação relativamente a clientes.
h) Procedeu-se à recolha das faturas de venda emitidas em nome de MEPR junto dos SP identificados como sendo seus clientes, sendo que a maioria destas empresas afirmaram não terem efetuado aquelas transações com a mesma, não a conhecendo pessoalmente, mas sim através de intermediários, e que muitos dos pagamentos teriam sido em numerário ou cheque bancário ao portador.
Refira-se que as faturas referem como morada aquela correspondente ao domicílio fiscal declarado, ou seja, até Março/2003 mencionam a rua… - 4400 Vila Nova de Gaia, e posteriormente, a rua…C - 4435 Rio Tinto, e que todas as faturas são omissas no que se refere aos locais de carga / descarga / meio de transporte dos bens, também não existindo guias de transporte que lhes correspondam.
Em deslocação aos locais declarados como domicílio fiscal (e constantes das faturas), na tentativa de contactar pessoalmente com MEPR, bem como, consultar e analisar os documentos contabilísticos referentes à suposta atividade exercida, foi possível concluir que esta nunca terá residido em qualquer uma destas habitações, a saber:
=> Ambas moradas correspondem a habitações, a de Vila Nova de Gaia é uma habitação de tipologia TO num 4º andar sem qualquer lugar de garagem e com 48 m2 e a de Rio Tinto corresponde a uma habitação de tipologia T1 com 58 m2 e que também não tem qualquer garagem.
=> Contactado o senhorio da habitação de Vila Nova de Gaia, por intermédio do seu representante fiscal "IMO…, LDA" (NIF: 5…), o mesmo informou não conhecer MEPR e indicou quais os inquilinos que ocuparam o prédio, bem como, anexou cópia dos contratos respetivos. Assim, no período compreendido entre Agosto/2001 e Março/2003 teve como inquilino a sociedade "P…, LDA" (NIF: 5…0), que arrendou o mesmo para habitação exclusiva de 3 funcionários seus, todos eles de naturalidade paquistanesa. Contactada a empresa e os funcionários em questão todos negaram ter lá residido naquele período alguma MEPR.
=> Contactado o proprietário da habitação de Rio Tinto este informou que a mesma é ocupada desde Fevereiro/2003 por "AT… " (NIF:2…), não tendo conhecimento de que a mesma lá tenha morado. Em contacto com "AT..." o mesmo afirmou não conhecer nenhuma MEPR e desconhecer o motivo pelo qual a mesma terá declarado como domicílio aquela morada dado que tal não é verdadeiro porque nunca lá residiu. Refira-se que este "AT..." é o mesmo indivíduo que supostamente terá alterado o domicílio fiscal de MEPR para a morada de Vila Nova de Gaia (conforme mencionado na anterior alínea b).
Junto da tipografia (TIPOGRAFIA… - NIF 1…) que elaborou os livros de faturas em nome de MEPR verificou-se que foram efetuadas duas requisições, em 03/10/2002 e 30/12/2003, ambas assinadas por um terceiro que para o efeito apresentou cópia do passaporte e do documento provisório de identificação fiscal daquela.
Foi possível identificar o requisitante das faturas, "D..." (NIF: 2…), indivíduo de etnia hindu e de nacionalidade moçambicana, residente em Portugal há muitos anos e que é representante fiscal de diversos indivíduos estrangeiros, na sua maioria de nacionalidade paquistanesa e indiana. Contactado aquele indivíduo o mesmo afirmou não ter qualquer ligação direta com MEPR e que teria requisitado as faturas a pedido de um dos seus amigos a quem teria entregue as mesmas.
Contactado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), este informou nada constar acerca de MEPR, porquanto não se sabe se a mesma ainda se encontra no nosso país, contudo, caso assim seja estará numa situação de permanência irregular.
Perante a situação anteriormente descrita, não tendo sido possível contactar pessoalmente MEPR (ou algum seu representante), foi esta notificada via postal, através dos Ofícios n.º 8368 de 26/01/2006 e 16434 de 21/02/2006, para apresentar "os livros de contabilidade obrigatórios por força da Lei (artigo 31.º do Código Comercial), registos auxiliares, documentos de suporte da contabilidade e todos os elementos relevantes nos termos do artigo 116.º do Código do IRS e artigos 44.º e 50.º do Código do IVA, relativamente aos anos 2002, 2003 e 2004" e para "autorizar ou não, a Administração Tributária, nos termos do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, a aceder a informações e documentos bancários".
o) As notificações vieram devolvidas com a indicação de "mudou-se", considerando-se que o MEPR foi devidamente notificada conforme determinado nos números 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT.
Aquando da recolha documental efetuada foi possível identificar uma conta bancária aberta em nome de MEPR junto do MILLENNIUM BCP, pelo que, nos termos previstos nos artigos 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), procedeu-se à quebra do sigilo bancário relativamente a todas as contas bancárias em instituições nacionais de que MEPR tenha sido titular no período em apreço, em resultado do que foi possível apurar, entre outras situações, o seguinte:
=> Relativamente à conta bancária no MILLENNIUM BCP, a correspondência era endereçada para o domicílio de "D...". Confrontado o mesmo com esta situação, este afirmou não ter e sua posse qualquer extrato bancário não tendo esclarecido o eventual destino que terá dados aos mesmos.
=> A maior parte dos alegados pagamentos indicados pelos seus clientes não passam pelas contas bancárias tituladas por MEPR.
Em suma, o operador "M..." é claramente o que se pode qualificar de missing trader, registado unicamente para a prática de crimes fiscais, em prejuízo do Estado e em benefício daqueles que com ele se relacionam, pois que:
=> Não dispõe atualmente (nem nunca terá disposto) de adequada estrutura empresarial (quer instalações, quer recursos humanos) suscetível de exercer a respetiva atividade;
=> A atividade terá sido exercida por terceiro(s);
=> Desconhece-se o seu paradeiro;
=> Não se lhe conhece quaisquer documentos de suporte da eventual atividade por si exercida, para além daqueles que foram recolhidos noutros operadores;
=> Não se lhe conhecem quaisquer fornecedores nacionais;
=> Foi aberta uma conta bancária em nome de MEPR, existindo indícios de que a mesma era movimentada por terceiros, cujo objetivo muito provavelmente seria tentar justificar pagamentos em nome de MEPR e, do mesmo modo, efetuar alguns recebimentos de valores em seu nome.
=> As declarações periódicas de IVA (DP) foram enviadas de modo a manter uma aparente regularidade fiscal e permitir o controlo efetuado a jusante, sendo que os valores inscritos nas DP são "trabalhados" de modo a apurar o mínimo de imposto a pagar;
=> Liquida o IVA aos seus pretensos clientes (que não estão ainda todos identificados), não entregando o IVA liquidado ao Estado, imposto que, através do mecanismo de repercussão instituído no sistema do IVA, outros operadores a jusante, vão deduzir ou pedir o respetivo reembolso;
=> Consequentemente, o Estado ficou lesado no valor de IVA que foi deduzido pelas empresas alegadamente clientes de MEPR e que nunca foi entregue ao Estado.

r) Por todos estes factos, tudo indica que a MEPR não passará de um mero "testa de ferro", cuja identificação foi utilizada para esquemas e negócios que foram realizados por outras pessoas, com o objetivo de lucrar com o IVA, em prejuízo do Estado, permitindo igualmente aos operadores económicos que se apresentaram a jusante, a obtenção de maiores lucros ou de reembolsos de IVA. Pelo que, dado que nunca terá exercido a atividade declarada, nos termos previstos nos n.º 2 do artigo 33° do Código do IVA e n.º 3 do Artigo 114.º do Código do IRS, foi proposta a sua cessação oficiosa de atividade com data de 01/01/2002, correspondendo à data em que foi declarado o início da atividade.
s) Encontram-se registadas na contabilidade da K... as seguintes faturas em nome de MEPR:
FaturaDataValorIVA
723-09-2002€ 104.625,00 € 19.878,75
826-09-2002€ 104.625,00 € 19.878,75
Período 0209€ 209.250,00 € 39.757,50
1114-10-2002€ 111.150,00 €21.118,50
Período 0210€ 111.150,00 € 21.118,50
1608-11-2002€ 67.600,00 € 12.844,00
1811-11-2002€ 75.330,00 € 14.312,70
2118-11-2002€ 128.440,00 € 24.403,60
Período 0211€ 271.370,00 € 51.560,30
3514-03-2003€ 61.750,00 € 11.732,50
3720-03-2003€ 102.900,00 € 19.551,00
3824-03-2003€ 86.450,00 € 16.425,50
Período 0303€ 251.100,00 € 47.709,00
4817-04-2003€ 96.250,00 € 18.287,50
Período 0304€ 96.250,00 € 18.287,50
5005-05-2003€ 96.250,00 € 18.287,50
5327-05-2003€ 162.000,00 € 30.780,00
Período 0305€ 258.250,00 € 49.067,50
5713-06-2003€ 160.884, 15 € 30.567,99
Período 0306€ 160.884, 15 € 30.567,99
7322-07-2003€ 65.000,00 € 12.350,00
Período 0307€ 65.000,00 € 12.350,00
8517-11-2003€ 8.853,25 € 1.682,12
8617-11-2003€ 2.418,90 € 459,59
8717-11-2003€ 1.528,00 € 290,32
8817-11-2003€ 894,50 € 169,96
8918-11-2003€ 37.912,00 € 7.203,28
9019-11-2003€ 105.000,00 € 19.950,00
9226-11-2003€ 831,50 € 157,99
9326-11-2003€ 3.586,10 € 681,36
9728-11-2003€ 3.000,00 € 570,00
Período 0311€ 164.024,25 € 31.164,61
11109-01-2004€ 126.750,00 € 24.082,50
Período 0401€ 126.750,00 € 24.082,50
11505-02-2004€ 138.220,00 € 26.261,80
11606-02-2004€ 40.000,00 € 7.600,00
11809-02-2004€ 57.752,62 € 10.973,00
11915-02-2004€ 17.000,00 € 3.230,00
Período 0402€ 252.972,62 € 48.064,80
12812-04-2004€ 43.200,00 € 8.208,00
Período 0404€ 43.200,00 € 8.208,00
13203-05-2004€ 41.890,00 € 7.959, 10
13420-05-2004€ 16.350,00 € 3.106,50
13521-05-2004€ 48.150,00 € 9.148,50
Período 0405€ 106.390,00 € 20.214, 10
14323-07-2004€ 44.503,10 € 8.455,59
Período 0407€ 44.503, 10 € 8.455,59
TOTAL€ 2.161.094,12 € 410.607,88

t) Tendo sido solicitados esclarecimentos ao gerente da K... acerca destas transações, o mesmo afirmou o seguinte:

=> A maior parte destas mercadorias foi vendida para a Z…;

=> As mercadorias foram transportadas por conta do fornecedor, não possuindo qualquer documento comprovativo da receção das mesmas;

=> As mercadorias não deram entrada no seu armazém, isto porque teriam sido entregues diretamente junto dos seus clientes;

=> Afirmou não conhecer MEPR, e que os negócios teriam sido efetuados por intermédio de um senhor "G...", do qual não tem o contacto, nem sabe do paradeiro.

u) Tendo sido solicitados os comprovativos de pagamento das faturas, constata-se que a maior parte teria sido por cheques bancários emitidos ao portador (o que não permite comprovar se os mesmos referem àquelas faturas ou a quaisquer outras), relativamente a alguns dos mesmos não foi possível identificar quem teria sido o beneficiário, sendo que outros foram recebidos por "R..." (o gerente da Z…), situação que se afigura como incompreensível dado que a Z… é a empresa que supostamente teria adquirido as mercadorias a K....

6) Relativamente a "MARIA..." (MDSC) importa referir o seguinte:

a) Trata-se de uma cidadã portuguesa que, em 20/02/2002, declarou o início da atividade de "CONFECCAO DE OUTRO VESTUARIO EXTERIOR EM SERIE" (CAE: 18221), tendo então ficado enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e em IRS, no regime simplificado de tributação - Cat. B, e, na medida em foi declarado não possuir contabilidade organizada, não foi identificado qualquer Técnico Oficial de Contas naquela declaração de início de atividade.

b) Aquando do início da atividade o domicílio fiscal correspondia à rua…- Trofa, tendo, em 29/01/2003, procedido à alteração do domicílio fiscal para a rua… - Rio Tinto.

c) Analisados os dados constantes na base de dados da DGCI, verifica-se que se encontram em falta declarações de IVA e de IRS, e que as declarações entregues não são consistentes com a faturação recolhida junto de diversos operadores (de entre os quais K...).

d) Apesar de termos tido dificuldade em localizar MDSC, por motivo de atualmente ter domicílio na zona de Lisboa (e de não ter alterado o seu domicílio fiscal em conformidade), foi possível contactar pessoalmente com a mesma, a qual quando confrontada com as faturas emitidas em seu nome relativas à venda de diversos tipos de mercadorias (telemóveis, relógios, eletrodomésticos, etc.), prestou os seguintes esclarecimentos:

=> Negou ter efetuado aquelas transações comerciais e afirmou nunca ter tido como atividade a venda/revenda de telemóveis ou quaisquer outros artigos elétricos, tendo apenas exercido a atividade de confeção na zona da Trofa, até finais de 2002, tendo desde então trabalhado por conta de outrem em diversos locais;

=> Nunca ter requisitado ou mandado requisitar, as faturas impressas na tipografia "S… E Cª, LDA – GRÁFICA… ", nem tinha, até então, conhecimento das mesmas;

=> Não conhece o gerente da K... nem o gerente da Z…;

=> Tendo morado em Rio Tinto (na rua…) até Dezembro/2003, enquanto lá esteve nunca lá residiu nenhuma MEPR, nem conhece tal pessoa;

=> Desconhece quem terá pedido faturas em seu nome, contudo a única pessoa que poderia estar em condições de tal é "D...", que era a pessoa que tratava dos assuntos de contabilidade da confeção da Trofa, pois era quem tinha cópia dos seus documentos e a quem entregava os documentos da contabilidade;

=> Não conhece a morada que consta das faturas (Rua… - Santa Maria do Avioso - Maia), contudo afirma que a caligrafia constante numa das faturas (que lhe foram exibidas) é idêntica à do referido "D...".

e) Refira-se que:

=> Constam da base de dados da DGCI diversas entidades como pagadoras de rendimentos da categoria B durante o ano de 2002, sendo que a última fatura conhecida da confeção tem data de 22/12/2002 e corresponde à fatura n. º 12.

=> As faturas emitidas referentes à atividade da confeção foram impressas em Abril/2002 pela "TIPOGRAFIA…, LDA" (NIF: 5…).

=> Confirmamos junto do senhorio do prédio da Trofa, "MARIA F… " (NIF: 1…), a existência da confeção, bem como o facto de ter cessado a atividade por volta de finais de 2002.

=> Constam da base de dados da DGCI rendimentos da categoria A (trabalho dependente) pagos pelas seguintes entidades "S… SUPERMERCADOS, S.A" (l… de Alfena) e "Mat…, LDA", entidades que confirmaram o facto de MDSC ter sido funcionária durante 2003.

f) Tendo o MDSC autorizado a Administração Tributária a aceder diretamente a toda a informação bancária a seu respeito, e, após a análise dos extratos de diversas contas bancárias de que a mesma foi titular (remetidos diretamente pelas diversas instituições financeiras), constata-se que nenhum dos pagamentos relativos às faturas emitidas em seu nome nos anos 2003 e 2004, teve reflexo nalguma conta bancária por ela titulada.

g) Procedeu-se à recolha das faturas de venda emitidas em nome de MDSC junto dos SP identificados como sendo seus clientes, sendo que estas empresas afirmaram não terem efetuado aquelas transações com a mesma, não a conhecendo pessoalmente, mas sim através de intermediários, e que, muitos dos pagamentos teriam sido em numerário ou cheque bancário ao portador.

h) Refira-se, relativamente às faturas recolhidas, que:

=> Referem como morada a rua… - Santa Maria do Avioso - Maia, morada diferente do domicílio fiscal declarado e são omissas no que se refere aos locais de carga / descarga / meio de transporte dos bens, também não existindo guias de transporte que lhes correspondam.

=> Numa das faturas recolhidas constava a indicação de um n.º de telefone (936.942.143), tendo sido possível apurar, conforme informação da OPTIMUS, que o mesmo corresponde está registado em nome de "SUN… ", que é filha de "D..." (indivíduo já mencionado anteriormente).

i) Em deslocação à morada constante das faturas, de modo a averiguar quem teria ocupado aquelas instalações no período em apreço, verificou-se que a mesma corresponde a um armazém amplo, atualmente ocupado por uma confeção ("T… LDA" - NIF: 5…) que nada tem a ver com MDSC. Em contacto com o proprietário do imóvel, "MANUEL… " (NIF: 1…), obtivemos as seguintes informações:

=> Não conhece nenhuma MDSC, nem tem conhecimento que alguma vez lá tenha trabalhado alguém com esse nome;

=> Identificou "ANTONIO… " (NIF: 1…) e "MARIA T… " (NIF: 1…), com sendo os inquilinos no ano 2003, onde tinham uma confeção.

j) Do contacto com "ANTONIO… " conseguimos apurar que:

=> Efetivamente ocuparam as instalações até Dezembro/2003, onde tinham uma confeção;

=> Nunca lá trabalhou nenhuma MDSC, nem conhecem ninguém com esse nome;

=> Conhece "D...", tendo o mesmo colaborado na confeção, na parte do escritório, na organização da contabilidade.

k) Junto da tipografia que elaborou os livros de faturas em nome de MDSC (GRÁFICA… - NIF 5…) verificou-se que, em 01/07/2003, foi efetuada uma requisição de 5 blocos de faturas/recibo com numeração compreendida entre 1 e 250, indicando a morada da Maia, a qual foi assinada por uma "PAULA… ", sendo que o gerente da tipografia, "J… " (NIF: 1…), prestou os seguintes esclarecimentos acerca desta situação: -

=> O cliente em questão foi angariado por intermédio do Sr. "K...", gerente da firma K..., o qual também é cliente da tipografia;

=> A pessoa que assinou a requisição foi "PAULA… " (NIF: 1…), a qual é funcionária de "R...", que também é cliente da tipografia, pessoa a quem foram entregues os documentos.

l) Refira-se ainda que :

=> O gerente da tipografia afirmou não ter estranhado ser uma funcionária a efetuar a requisição das faturas, afirmando mesmo tratar-se dum procedimento normal, facto que foi possível comprovar relativamente às faturas da Z…, onde tem vindo a ser a mesma funcionária a efetuar as requisições;

=> Da análise à base de dados da constata-se que "PAULA… " é casada com "L… " (NIF: 1…), o qual é funcionário da sociedade da K...;

=> O modelo das faturas elaboradas nesta tipografia nada tem a ver com aquele que MDSC utilizou na sua confeção.

m) Face ao exposto, podemos concluir que a identificação fiscal de MDSC foi utilizada por terceiros, com objetivos fraudulentos, pois que:

=> A própria refutou ter efetuado aquelas transações;

=> Os livros de faturas em questão foram requisitadas por terceiros (pela funcionária da Z…);

=> As transações foram sempre efetuadas por terceiros, em nenhuma das situações o comprador afirmou conhecer pessoalmente MDSC ou que a mesma estivesse estado presente (o que também se verificou com a K...);

=> Nenhum dos alegados pagamentos/recebimentos teve correspondência nalguma conta bancária de sua titularidade;

=> Foi possível comprovar que a mesma não tem qualquer ligação à morada constante das faturas, nem ao contacto telefónico que constava de uma delas;

=> Não dispõe atualmente (nem à data) de adequada estrutura empresarial (quer instalações, quer recursos humanos) suscetível de exercer a atividade indiciada pelas faturas, pois que tal pressuporia ter armazém e/ou veículos de transporte de mercadorias;

=> Não há informação sobre eventuais seus fornecedores nacionais;

=> Foi possível comprovar que a mesmo foi trabalhadora dependente no ano 2003, bem como em 2002 ter tido uma confeção;

=> Foi liquidado IVA aos seus pretensos clientes (que não estão ainda todos identificados), imposto que não foi entregue ao estado, nem sequer declarado, e que, através do mecanismo de repercussão instituído no sistema do IVA, outros operadores, a jusante, deduziram e/ou pediram o respetivo reembolso;

=> Consequentemente, o Estado ficou lesado no valor de IVA que foi deduzido pelas· empresas alegadamente seus clientes e que nunca foi entregue ao Estado.

n) Por todos estes factos, tudo indica que a identificação fiscal de MDSC foi utilizada para esquemas e negócios que foram realizados por outras pessoas, com o objetivo de lucrar com o IVA, em prejuízo do Estado, permitindo igualmente aos operadores económicos que se apresentaram a jusante, a obtenção de maiores lucros ou de reembolsos de IVA, e, dado que a mesma não exercerá qualquer atividade empresarial desde Dezembro/2002, nos termos previstos nos n.º 2 do artigo 33º do Código do IVA e n.º 3 do Artigo 114.º do Código do IRS, foi proposta a sua cessação de atividade com data de 31/12/2002.

o) Na contabilidade da K... encontram-se registadas as seguintes faturas:
FaturaDataValorIVA
328-07-2003€ 13.200,00€ 2.508,00
Período 0307€ 13.200,00€ 2.508,00
507-08-2003€ 4.520,00€ 858,80
1221-08-2003€ 81.000,00€ 15.390,00
Período 0308€ 85.520,00€ 16.248,80
1818-09-2003€ 67.500,00€ 12.825,00
2123-09-2003€ 2.335,00€ 443,65
2426-09-2003€ 54.000,00€ 10.260,00
2526-09-2003€ 23.813,00€ 4.524,47
2626-09-2003€ 9.836,25€ 1.868,89
2829-09-2003€ 86.400,00€ 16.416,00
3029-09-2003€ 6.945,00€ 1.319,55
Período 0309€ 250.829,25€ 47.657,56
3507-10-2003€ 1.196,00€ 227,24
3603-10-2003€ 1.349,02€ 256,31
4420-10-2003€ 869,60€ 165,22
4520-10-2003€ 49.950,00€ 9.490,50
4620-10-2003€ 108.500,00€ 20.615,00
4724-10-2003€ 561,00€ 106,59
4930-10-2003€ 1.702,01€ 323,38
Período 0310€ 164.127,63€ 31.184,25
5919-11-2003€ 4.585,52€ 871,25
6020-11-2003€ 3.020,00€ 573,80
Período 0311€ 7.605,52€ 1.445,05
6501-12-2003€ 37.000,00€ 7.030,00
Período 0312€ 37.000,00€ 7.030,00
TOTAL€ 558.282,40€ 106.073,66

p) Questionado o gerente de K... sobre o modo como foram realizados estes negócios, o mesmo afirmou que teria sido exatamente nos mesmos termos que as alegadas compras a MEPR, conforme ponto III.-5.t) do presente relatório, o qual consideramos aqui reproduzido, tendo apenas divergido em referir que, nesta situação, o intermediário seria um indivíduo de nome "MAN… " e não o dito "G...”.

7) Na contabilidade da Z… encontram-se registadas, no período em apreço, as seguintes faturas de K...
Fatura DataValor IVA Tipo de Bens
217924-09-2002€ 105.750,00 € 20.092,50 Telemóveis
2185 27-09-2002€ 105.750,00 € 20.092,50 Telemóveis
2190 16-10-2002€ 112.500,00 € 21.375,00 Telemóveis
2209 11-11-2002€ 141.140,00 € 26.816,60 Telemóveis
2210 19-11-2002€ 130.000,00 € 24.700,00 Telemóveis
2297 17-03-2003€ 63.000,00 € 11.970,00 Telemóveis
2302 25-03-2003€ 104.400,00 € 19.836,00 Telemóveis
2310 29-03-2003€ 88.200,00 € 16.758,00 Telemóveis
2329 22-04-2003€ 97.500,00 € 18.525,00 Telemóveis
2338 06-05-2003€ 97.500,00 € 18.525,00 Telemóveis
2351 28-05-2003€ 86.250,00 € 16.387,50 Telemóveis
2356 02-06-2003€ 78.000,00 € 14.820,00 Telemóveis
2367 14-06-2003€ 162. 705,48 € 30.914,04 Mochilas
2379 25-07-2003€ 66.250,00 € 12.587,50 Telemóveis
2385 23-08-2003€ 82.500,00 € 15.675,00 Telemóveis
2391 19-09-2003€ 68.750,00 € 13.062,50 Telemóveis
2397 26-09-2003€ 55.000,00 € 10.450,00 Telemóveis
2398 30-09-2003€ 117.445,00 € 22.314,55 Artigos Diversos
2399 30-09-2003€ 7.920,25 € 1.504,85Artigos Diversos
2403 21-10-2003€ 110.250,00 € 20.947,50 Telemóveis
2404 23-10-2003€ 51.300,00 € 9.747,00 Relógios
2407 18-11-2003€ 40.840,00 € 7.759,60 Artigos Diversos
2411 20-11-2003€ 106.500,00 € 20.235,00 Telemóveis
2413 10-12-2003€ 37.500,00 € 7.125,00 Televisores
2420 09-02-2004€ 41.000,00 € 7.790,00 Coletes
2423 19-04-2004€ 43.800,00 € 8.322,00 Televisores
2428 04-05-2004€ 43.660,00 € 8.295,40 Artigos Diversos
2429 22-05-2004€ 49.675,00 € 9.438,25 Artigos Diversos
2431 26-05-2004€ 16.600,00 €3.154,00 Relógios
TOTAL (IVA)€ 439.220,29
Verificou-se que, em todas as situações, as mercadorias vendidas pela K... para a Z... têm origem em faturas de MEPR ou de MDSC, sendo compradas e vendidas, num curto espaço de tempo, por vezes no mesmo dia, como indicam as datas das faturas do quadro seguinte, o que também acontece com as posteriores vendas declaradas pela Z....
Fornecedor de K...
Fatura de K...DataNomeFaturaData
      2179
24-09-2002MEPR723-09-2002
      2185
27-09-2002MEPR826-09-2002
      2190
16-10-2002MEPR1114-10-2002
      2209
11-11-2002MEPR16 /1811-11-2002
      2210
19-11-2002MEPR2118-11-2002
      2297
17-03-2003MEPR3514-03-2003
      2302
25-03-2003MEPR3720-03-2003
      2310
29-03-2003MEPR3824-03-2003
      2329
22-04-2003MEPR4817-04-2003
      2338
06-05-2003MEPR5005-05-2003
      2351
28-05-2003MEPR5327-05-2003
      2356
02-06-2003MEPR5327-05-2003
      2367
14-06-2003MEPR5713-06-2003
      2379
25-07-2003MEPR7322-07-2003
      2385
23-08-2003MDSC1221-08-2003
      2391
19-09-2003MDSC1818-09-2003
      2397
26-09-2003MDSC2426-09-2003
      2398
30-09-2003MDSC25/26/2826-09-2003
      2399
30-09-2003MDSC25 /26/2826-09-2003
      2403
21-10-2003MDSC4620-10-2003
      2404
23-10-2003MDSC4520-10-2003
      2407
18-11-2003MEPR8918-11-2003
      2411
20-11-2003MEPR9019-11-2003
      2413
10-12-2003MDSC6501-12-2003
      2420
09-02-2004MEPR11606-02-2004
      2423
19-04-2004MEPR12812-04-2004
      2428
04-05-2004MEPR13203-05-2004
      2429
22-05-2004MEPR13521-05-2004
      2431
26-05-2004MEPR13420-05-2004

8) Relativamente a estas transações o gerente da Z... prestou os esclarecimentos seguintes:

=> Chegou a conhecer de vista MEPR, só a tendo visto no início do relacionamento comercial daquela com K..., por volta de finais do ano 2002, dado que depois os negócios em nome daquela teriam sido sempre por intermédio de um Sr. "G...", o qual não consegue identificar, contudo supõe que este teria sede na TROFA numa empresa de confeções.

=> Afirmou não contactar há muito tempo com o já mencionado "G...", nem saber do seu paradeiro.

=> Nunca terá chegado a conhecer pessoalmente MDSC, nem sabe onde morava ou se tinha algum estabelecimento comercial, sendo que esta era representada por um tal "FAR...".

=> Tem conhecimento que foram requisitados, junto de uma tipografia, livros de faturas em nome de MDSC, o que teria sido a pedido de "FAR...", os quais lhe foram entregues e que, por sua vez, entregou ao dito "FAR...".

=> Afirmou não saber atualmente do paradeiro do referido "FAR...".

=> Afirmou ter efetuado adiantamentos em dinheiro ao Sr. "G...", por motivo deste não ter capacidade financeira, sendo que este o reembolsava quando recebia de K....

=> Declarou ter conhecimento que MEPR tinha conta bancária no BANCO PINTO & sono MAYOR (atual MILLENNIUMBCP), no balcão da praça da liberdade, segundo pensa seria para facilitar o recebimento de cheques, contudo desconhece quem movimentava a conta.

=> Afirmou nunca ter feito transferências ou depósitos para contas bancárias de MEPR ou de MDSC.

=> Afirmou ter conhecimento que a totalidade dos bens que adquiriu à K... nos anos 2002, 2003 e 2004, tinham origem em compras deste aos fornecedores MEPR e MDSC. => Confirmou ter preenchido algumas das faturas emitidas pela K... para a Z....

=> Os negócios efetuados com a K... seriam normalmente do modo seguinte: os negócios eram propostas ao gerente da K..., o qual falava com ele para ver se havia interesse, pois a K... só comprava para vender para a Z..., e a Z... só comprava com a sua venda também já garantida.

=> Confirmou ter recebido alguns dos cheques da K... para pagar faturas de MEPR, o que terá sido a pedido de "G...", isto porque os bancos levantam problemas aquando do levantamento de grandes quantias em numerário, contudo teria entregue o dinheiro a "G...", muitas vezes deduzido dos adiantamentos que o mesmo lhe devia.

=> Confirmou conhecer D... (NIF: 2…), porque este era seu vizinho na rua… e conhece-o também da comunidade hindu a que ambos pertencem, não tendo qualquer relação profissional com este.

=> Afirmou desconhecer a razão pela qual foi D... que requisitou os livros de faturas em nome de MEPR.

9) Efetuando uma análise mais atenta às situações anteriormente descritas, só podemos concluir que terão sido as mesmas pessoas aquelas que utilizaram de modo fraudulento a identificação de MEPR e MDSC, pois:

=> Tanto MDSC como MEPR tinham, até ao termo das ações inspetivas respetivas, como domicílio fiscal a mesma morada, tendo sido possível determinar que efetivamente apenas MDSC residiu naquela morada;

=> O tipo de artigos mencionados nas faturas em nome de ambas são muito variados: eletrodomésticos, bolsas para telemóvel, canetas, isqueiros, coletes refletores, DVD, etc, isto independentemente de serem faturas emitidas em nome de MDSC ou MEPR;

=> Todas as faturas de MEPR e MDSC são omissas no que se refere aos locais de carga e descarga, à data e hora em que se teria iniciado o transporte, à identificação da viatura que efetuou o transporte, isto apesar de as faturas terem campos específicos para estas informações (também não foram apresentadas eventuais guias de transporte dos materiais envolvidos), esta situação desrespeita o estipulado no n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 147/2003 (Regime de bens em circulação objeto de transações entre sujeitos passivos de IVA).

=> Apesar de terem sido impressas em diferentes tipografias, o modelo das faturas emitidas em nome de MDSC e MEPR é muito similar, e, após uma simples observação às caligrafias constantes das faturas, podemos afirmar que em ambos os casos aparecem diferentes tipos de caligrafia, contudo a maioria das faturas parece ter sido preenchida pela mesma pessoa (ou por pessoas com caligrafias muito similares), independentemente de se tratarem de faturas em nome de MDSC ou de MEPR.

=> Por comparação das caligrafias, algumas das caligrafias são idênticas ou muito parecidas à do gerente da Z... ou da sua funcionária (já anteriormente identificada).

=> Existem demasiadas similitudes, como sejam: as caligrafias constantes das faturas de MDSC e MEPR, os modelos das mesmas, os artigos alegadamente vendidos, o facto de todas serem inexatas, o modo como teriam sido efetuados os negócios, os supostos representantes não terem sido identificados e estarem com paradeiro desconhecido.

=> O facto de normalmente não existir coincidência temporal entre faturas emitidas em nome de cada uma delas.

=> Em ambas as situações foram abertas contas bancárias no mesmo banco e na mesma agência, MILLENIUM BCP - Praça da Liberdade, isto nenhuma teria domicílio no Porto (pelo menos MDSC, pois que da MEPR nada se sabe), e, por outro lado constata-se que é precisamente naquela agência bancária em que alguns dos outros intervenientes que foram sendo identificados centralizavam, à data, os seus movimentos financeiros, como é o caso da K... e da Z....

=> O facto de "D..." aparecer ser referenciado em ambas as situações.

10) Face ao exposto, o gerente da Z... não podia deixar de conhecer que MEPR e MDSC não dispunham de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada (supostamente titulada pelas faturas passadas com o nome das mesmas), não passando de meros emissores de faturas, e que o IVA mencionado nas faturas emitidas em seu nome, grande parte do qual foi deduzido pela K... e posteriormente reembolsado à Z..., nunca foi entregue ao Estado.

Note-se que as supostas transações entre K... e Z... apenas se destinam a alongar o circuito de faturação dos bens, dificultando assim o controlo das transações por parte da administração fiscal, aquando dos pedidos de reembolso solicitados pela Z....

Refira-se também que o gerente da Z... encontra-se a operar no mercado há já alguns anos, pelo que, não pode deixar de conhecer a existência, a montante e a jusante, de grupos organizados com o objetivo de lesar o Estado através da apropriação indevida do IVA, obtendo assim vantagens fiscais ilegítimas.

Mais, perante os factos expostos, existem indícios fortes em como a K... e a Z... poderão ser parte integrante de um desses grupos, tendo utilizado a identificação fiscal de MEPR e MDSC para esquemas e negócios que eram seus, unicamente com o objetivo de defraudar o Estado.

11) Resulta do exposto, de acordo com o estabelecido nos números 3 e 4 do artigo 19.º do Código do IVA (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 31/2001, de 8 de Fevereiro), que a Z... não tem direito à dedução do imposto deduzido nas faturas emitidas pela K..., assim discriminado, por faturas e períodos de imposto:
Fatura Data Valor IVA
2210 19-11-2002 € 130.000,00
    € 24.700,00
Período 0212T € 130.000, 00
    €24.700,00
Ano 2002 € 130.000,00
    € 24.700,00
2297 17-03-2003 € 63.000,00
    € 11.970,00
2302 25-03-2003 € 104.400,00
    € 19.836,00
2310 29-03-2003 € 88.200,00
    € 16.758,00
Período 0303T € 255. 600, 00
    € 48.564,00
2329 22-04-2003 € 97.500,00
    € 18.525,00
2351 28-05-2003 € 86.250,00
    € 16.387,50
2338 06-05-2003 € 97.500,00
    € 18.525,00
2356 02-06-2003 € 78.000,00
    € 14.820,00
2367 14-06-2003 € 162. 705,48
    € 30.914,04
Período 0306T € 521.955,48
    € 99.171,54
2379 25-07-2003 € 66.250,00
    € 12.587,50
2385 23-08-2003 € 82.500,00
    € 15.675,00
2391 19-09-2003 € 68.750,00
    € 13.062,50
2397 26-09-2003 € 55.000,00
    € 10.450,00
2398 30-09-2003 € 117.445,00
    € 22.314,55
2399 30-09-2003 € 7.920,25
    € 1.504,85.
Período 0309T € 397.865,25
    € 75.594,40
2403 21-10-2003 € 110.250,00
    € 20.947,50
2404 23-10-2003 € 51.300,00
    € 9.747,00
2407 18-11-2003 € 40.840,00
    € 7.759,60
2411 20-11-2003 € 106.500,00
    € 20.235,00
2413 10-12-2003 € 37.500,00
    € 7.125,00
Período 0312T € 346.390,00
    € 65.814, 10
Ano 2003 € 1.521.810,73 € 289.144,04
2420 09-02-2004 € 41.000,00
    € 7.790,00
Período 0403T € 41.000,00
    € 7.790,00
2423 19-04-2004 € 43.800,00
    € 8.322,00
2428 04-05-2004 € 43.660,00
    € 8.295,40
2429 22-05-2004 € 49.675,00
    € 9.438,25
2431 26-05-2004 € 16.600,00
    € 3.154,00
Período 0406T € 153. 735, 00
    € 29.209,65
Ano 2004 € 194.735,00
    € 36.999,65
TOTAL € 1.846.545, 73
    € 350.843,69

Nota: Não são efetuadas correções a faturas com datas anteriores a 2002/11/15 por motivo da caducidade do direito à liquidação do imposto prevista no artigo 45.º da LGT.

(…)

VIII - OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES:

1. Importa realçar que entre os gerentes da K... e da Z... (bem como entre as respetivas sociedades) existem "relações especiais" nos termos que passamos a caracterizar:

=> Para além dos negócios descritos no presente relatório, estes têm outros negócios em comum, nomeadamente foram ambos sócios-gerentes da sociedade "AQ…, LDA" (NIF: 5…), a qual tem por objeto a exploração de lojas em centros comerciais, tendo chegado a ter duas lojas franchisadas da marca DAK…

=> A K... é senhorio da Z..., dado ser proprietária da loja correspondente ao estabelecimento comercial desta, sendo de salientar que ambas as sociedades partilham um armazém, sito na travessa do Loureiro.

=> Ambos os gerentes têm domicílio fiscal na mesma morada, na rua…- 4430-228 Vila Nova de Gaia.

2. Numa ação inspetiva anterior a "R..." (gerente da Z...), credenciada pela Ordem de Serviço n.º 57231, foi possível comprovar que o mesmo, enquanto empresário em nome individual, no ano 2000 foi parte integrante de um esquema ficcionado de TICB (telemóveis), com o objetivo de "limpar" o IVA daquelas mercadorias. Este esquema também envolvia outro cidadão português, «JOSÉ… » (NIF: PT 1…), que é o gerente da «SAM…, SL» (sociedade mencionada no ponto III-5-f do presente relatório), o qual se tinha registado individualmente em Espanha com o NIF: ES X…, e que simulou AICB naquele país e subsequentes TICB para Portugal, essencialmente com destino a "R...", tendo sido possível comprovar que os bens em causa nunca saíram do território nacional.

IX- DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO:

Conforme previsto no n.º 2 do artigo 40.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), foi a Z... notificada no dia 27/03/2007 (Ofício n.º 26769/0507 de 2007/03/22), na pessoa do seu gerente, para, no prazo de 10 dias, poder exercer o direito de audição sobre o "Projeto de Relatório de Inspeção Tributária", nos termos dos artigos 60. º da LGT e do RCPIT.

O direito de audição foi exercido em 04/04/2007, sendo que no mesmo a Z... refere essencialmente o seguinte:

A) Discorda do tipo correções efetuadas (correções de natureza meramente aritméticas) afirmando que, no seu entendimento, o que está em causa são "correções de erros evidenciados na declaração do sujeito passivo", isto porque a administração fiscal pretenderia corrigir "uma suposta viciação evidenciada nas declarações fiscais". Assim sendo, o prazo legal de caducidade seria de 3 anos, conforme previsto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, e consequentemente, dado que o IVA é um imposto de prestação única, encontrar-se-ia já caducado o direito à liquidação do IVA das faturas com datas anteriores ao primeiro trimestre de 2004.

B) Afirma que" a teoria desenvolvida nesse relatório possui um erro de raciocínio de base e que se afigura fundamental" na medida em que no relatório se refere que, no período temporal em apreciação, o principal e quase único fornecedor de bens foi a K..., isto porque "na palavra quase pode caber muita coisa". Pelo que seria relevante que fosse quantificada a percentagem de aquisições a este fornecedor no volume total de negócios, pois de outro modo o raciocínio encontra-se viciado e não pode ser comprovado.

C) Afirma que " ... conclui-se no relatório que todas as aquisições de certos bens ou produtos pela declarante à K..., no referido temporal são FICTÍCIAS, em virtude de terem sido consideradas FICTÍCIAS as aquisições de outros bens ou produtos feitas pela K... a dois fornecedores ... "contudo este paralelismo possui um lapso pois não especifica, em concreto, quais os bens ou produtos que terão sido adquiridos aos referidos fornecedores nem especifica, em concreto, quais os bens ou produtos que foram adquiridos pela ora declarante à K...". Só perante tal concretização é que é possível extrair qualquer tipo de relação, acrescentando que … se os produtos vendidos pela K... à ora declarante nada tivessem a ver com os produtos adquiridos pela K... aos referidos fornecedores … cairia por terra todo o raciocínio feito no relatório de inspeção", e , sem tal especificação a Z... fica coartada no exercício do seu direito de defesa.

D) No que se refere às suspeitas de fraude manifestadas pela administração fiscal espanhola, afirma ter sido omitido do relatório de inspeção o facto de, em relação a todos os clientes espanhóis da Z... existirem comprovativos do pagamento dos bens (transferências bancária) e do transporte dos mesmos (CMR's), e, dado não serem identificados quais os clientes espanhóis que são considerados missing traders, afirma, mais uma vez, ter sido coartada do seu direito de defesa, pelo que não pode de todo exercer o contraditório no que se refere a este aspeto.

E) Existe um outro erro fundamental no relatório de inspecção ... porque pretende-se TRANSPOR para a ora declarante uma suposta ILICITUDE praticada pela firma K... ... afigura-se que se pretende transpor para o âmbito do direito fiscal e tributário do adágio popular diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és ... isto porque pretende-se dizer que a declarante praticou um certo número de ilícitos fiscais GRAVES porque idênticos ilícitos fiscais terão sido praticados pela K... .. . factos relativamente as quais a declarante é totalmente ALHEIA".

F) Por fim, a Z... vem dizer que existe uma clara DUALIDADE DE CRITÉRIOS, a qual se traduz no facto de aquando da ação inspetiva à K... terem sido consideradas falsas as faturas de MEPR e MDSC (compras de K...) sem que se tenham considerado falsas as faturas de venda respetivas (faturas de K...), e, na presente inspeção vem dizer-se que as mesmas faturas (da K... para Z...) são também falsas, pelo que "não se compreende como podem certas transações ser consideradas fictícias quando está em causa um aumento da carga fiscal (em sede de IVA e IRC), mas já não são tidas em conta quando da anulação das mesmas resulta uma diminuição da carga fiscal para o MESMO contribuinte."

Relativamente a estas considerações refira-se, respetivamente, o seguinte:

A) Ao contrário do que a Z... alega, as correções propostas não são de maneira nenhuma enquadráveis no n.º 2 do artigo 45.º da LGT pois não se trata de todo de situações de "erro evidenciado na declaração do sujeito passivo", isto porque estas reconduzem-se àqueles erros de preenchimento das declarações fiscais que são detetáveis pelo simples tratamento e/ou análise das mesmas, o que é não o caso vertente, dado que a Z... não cometeu quaisquer erros de preenchimento nas declarações fiscais que entregou no período em análise, tendo declarado os valores que efetivamente constam da sua contabilidade.

As correções propostas são inequivocamente correções aritméticas resultante de imposição legal, não podendo ter outra qualquer qualificação ou enquadramento, e consequentemente o respetivo prazo de caducidade do direito à liquidação é de 4 anos (que é o prazo normal de caducidade previsto no artigo 45. º LGT), não estando abrangidas pelo prazo especial de caducidade de 3 anos previsto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, conforme já referimos, pelo que as correções propostas são legítimas e tempestivas.

Mais ainda, no que se refere ao prazo de caducidade do direito à liquidação, importa também referir que, nos termos do artigo 46.º da LGT, este prazo suspende-se com o início de ação inspetiva externa até ao final do procedimento de inspeção, ou seja, até à notificação do relatório final de inspeção ao sujeito passivo (conforme dispõe o artigo 62.º do RCPIT). Por esta razão as correções referentes ao ano de 2002 são perfeitamente tempestivas, dado que o respetivo prazo de caducidade foi suspenso pelo período em que decorreu o procedimento de inspeção.

Refira-se ainda que, no caso particular do IVA, o prazo de caducidade "se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto", conforme dispôs o n.º 4 do artigo 45.º da LGT na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.

B) Aquilo a que a Z... se refere como " a teoria" e/ou "o raciocínio" e/ou "a conclusão" não passa de um facto, uma evidência, que resulta da simples análise à sua contabilidade, pelo que não se compreende como pode a Z... afirmar que não está em condições de comprovar / quantificar a mesma. De facto, no período compreendido entre os anos 2002 e 2º trimestre de 2004 (momento em que cessaram as transações com a K..., assim como os pedidos de reembolso de IVA) a K... é o principal e quase único fornecedor de mercadorias, o que se traduz no seguinte:

- No período em questão é o único fornecedor nacional de mercadorias, dado que a Z... não declara compras de mercadorias a mais nenhum fornecedor nacional.

- Apesar de, no período em apreço, serem declaradas algumas aquisições de mercadorias a operadores comunitários, a maior parte das aquisições são efetuadas à K..., conforme quadro seguinte:
Proveniências das Mercadorias Adquiridas
Ano K...Outros (comunitários)
2002 100%---------
2003 99%1%
2004 (até Junho) 57%43%
Importa referir que, no ano 2004, regista-se uma quebra de 72 % no volume de negócios, pelo que em termos absolutos os valores são significativamente inferiores, sendo que todo o IVA (referente à aquisição de mercadorias) que foi reembolsado à Z... (no período em análise) teve origem em compras à K..., pois as aquisições intracomunitárias são neutras a este respeito.

C) Ao contrário do que a Z... alega não existe nenhum lapso e são perfeitamente concretizados quais os bens em causa (no ponto III - 7 do presente relatório), não tendo qualquer fundamento ou propósito as alegações produzidas, na medida em que todas as mercadorias que foram adquiridas à K... (conforme faturas identificadas no ponto anteriormente mencionado) foram por esta (K...) adquiridas a MERP ou a MDSC, conforme demonstração efetuada. Assim, à Z... não é coartado qualquer direito de defesa pois as mesmas mercadorias que declara ter comprado à K..., são aquelas que a K... declara ter comprado aos operadores missing traders em causa, aliás o gerente da K... chegou a afirmar que nunca chegou a ver as mercadorias porque teriam sido entregue diretamente à Z....

Refira-se ainda que em nenhuma fatura (de quaisquer dos operadores envolvidos) as mercadorias são convenientemente identificadas, por exemplo no caso dos telemóveis em nenhum documento é mencionado o n.º de série dos equipamentos (IMEI - lnternational Mobile Equipment ldentity), que é o número que nos permite identificar inequivocamente cada terminal e é normal (senão obrigatório) que conste das faturas de venda para efeito de garantia dos equipamentos.

Além disso, não nos parece de todo plausível que um comerciante adquira equipamentos no âmbito da sua atividade, sobretudo atendendo aos montantes envolvidos, e não tenha qualquer garantia sobre a mercadoria em causa, como é o caso.

D) No que se refere às suspeitas de fraude da administração fiscal espanhola não foram identificados os clientes em questão na medida em que, na informação remetida para a administração fiscal portuguesa, a mesma refere-se a todas aquelas com as quais a Z... manteve transações comerciais no período compreendido entre 2000 e 2002, sendo dito que "La mayoria de estas sociedades o bien obtienen devoluciones de IVA, o actúan como sociedades pantalla de otras para facilitarles el fraude".

Relativamente à existência de transferências bancária ou CMR's, tal por si só nada comprova, pois em situações anteriores (ponto VIII - 2) foi possível comprovar a existência de fraude apesar destes documentos, sendo de estranhar o facto de a Z... ser omissa no que se refere ao envolvimento passado do seu gerente em situações irregulares da mesma natureza.

E) Relativamente a esta situação temos que de modo algum se trata de imputar à Z... ilícitos fiscais ou comportamentos praticados por terceiros, na realidade estamos perante um esquema organizado de circuitos de transações, em que são intervenientes a K... e a Z..., que atuam em conjunto com o objetivo comum de obter um benefício "à conta do IVA", lesando o Estado.

Os factos que foram reunidos no decurso das diversas ações inspetivas são suficientes para poder concluir de modo fundamentado que MEPR e MDSC são pessoas que não praticaram quaisquer das operações em questão, apenas tendo os seus nomes sido utilizados para esquemas e negócios realizados por outras pessoas (Z... e K...), sendo que existe um esforço concertado por parte da K... e da Z... em cumprir com todas as formalidades inerentes a um negócio, ou seja, documento suporte (fatura), meio de pagamento, criando assim uma aparente legalidade formal, conseguida apenas com o esforço e perfeito desempenho de cada um dos intervenientes, que partilham o benefício, em prejuízo do Estado.

Toda esta atuação concertada, ainda que com uma aparência de legalidade, resulta num inaceitável abuso de direito que excede manifestamente os limites impostos não só pela boa fé bem como pelo fim económico que esse direito visa acautelar, tudo conforme resulta do artigo 334º do Código Civil, subsidiariamente aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º da LGT.

Note-se que ainda que a contabilidade da Z... possa evidenciar ter sido pago o IVA ao seu fornecedor direto (a K...) e se encontre documentado o respetivo montante, a Z... não tem direito à dedução do mesmo, já que esse direito surge ou é obtido como consequência do seu envolvimento nestes circuitos fraudulentos. Esta dedução de imposto tem por base operações que foram simuladas e manipuladas, tendo por objetivo lesar o Estado, participando a Z... neste mecanismo fraudulento, criando artificialmente os pressupostos exigidos para a dedução do IVA e a obtenção dos reembolsos.

Assim, nos termos do previsto nos nºs 3 e 4 do artigo 19.º do Código do IVA, a Z... não tem direito à dedução do Imposto suportado nas faturas emitidas pelo seu fornecedor direto, que tiveram origem em operadores missing trader.

Finalmente no que se refere à alegada dualidade de critérios, esta não existe, pois de facto não podemos provar que a Z... não tenha adquirido os bens em causa, mas o que está em causa, como ficou provado, é a existência de transações simuladas, com o objetivo de obter uma vantagem fiscal ilegítima e de encobrir as verdadeiras transações e intervenientes, motivo pelo qual o IVA não é dedutível e não são efetuadas correções em sede de IRC, tal como aconteceu com a K....

Em suma, no seu contraditório a Z... refere-se a algumas questões formais, contudo os argumentos apresentados não são consistentes nem coerentes, tenta também apontar algumas contradições no relatório, não carreando contudo quaisquer elementos adicionais de substância, conforme lhe competia.

Face ao exposto, somos a manter as correções constantes do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária.“

[conforme emerge do relatório inspetivo constante de fls. 31 a 64 do processo administrativo apenso]

F. Com fundamento nas correções anteriormente referidas foram efetuadas as seguintes liquidações por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira [atos impugnados]:
PeríodoValor (EUR)Data LiquidaçãoRegistoData RegistoNatureza
200212T24700,0024/05/2007RY924126901PT28/05/2007IVA
200212T4268,70RY924062239PTIVA – J. Comp.
200303T48564,00RY924127734PTIVA
200303T1814,83RY924064138PTIVA – J. Comp.
200306T99171,54RY924128920PTIVA
200306T2673,56RY924067205PTIVA – J. Comp.
200309T75594,40RY924130146PTIVA
200309T1284,07RY924070028PTIVA – J. Comp.
200312T65814,10RY924131464PTIVA
200312T447,18RY924073497PTIVA – J. Comp
200403T7790,00RY924132717PTIVA
200403T911,75RY924079398PTIVA – J. Comp
200406T29209,65RY924133920PTIVA
200406T3127,43RY924082882PTIVA – J. Comp.
[conforme cópias das liquidações de fls. 20, 356 a 368 dos autos e guia expedição dos registos CTT de fls. 512 a 514]

G. Em resultado do auto de notícia levantado a 14 de Março de 2008 foi instaurado o processo de inquérito n.º 75/08.8IDPRT, pelo Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto.

[conforme emerge do teor do ofício de fls. 272 dos autos]

H. No âmbito do procedimento inspetivo efetuado à «K... Lda.», e de harmonia com a motivação explicitada no relatório inspetivo relativo à Impugnante constante do facto «F» consta do relatório final:

“Resulta do exposto, de acordo com o estabelecido nos n.º 3 do artigo 19.º do CIVA que a K... não tem direito à dedução do imposto suportado nas faturas emitidas pelos operadores MEPR [«M… »], MDSC [«MARIA… »] (…) por se tratarem de operações fictícias, conforme situações descritas nos pontos anteriores, imposto esse que totaliza (…).

Convirá salientar que não podemos afirmar que a K... não tenha adquirido os bens em causa, mas antes que os mesmos não foram adquiridos àqueles operadores, sendo esta a razão pela qual também não são propostas correções em sede de IRC, isto é, tratar-se-ão de negócios simulados por substituição de intervenientes.

(…)”

[conforme emerge do teor do relatório constante de fls. 100 a 135 do processo administrativo elaborado para efeito do art.º 111.º do CPPT]

I. A «K...» e a «Z...» tinham instalações fisicamente próximas e relações comerciais.

[conforme emerge do teor das declarações das testemunhas]

J. Mercadoria destinada à «K...» era entregue diretamente na «Z...»

[conforme emerge do teor das declarações de L… e S…]

K. Os pagamentos das faturas da «K...» à «Z...» eram efetuados por meio de cheque e transferências bancárias.

[conforme emerge do teor das declarações de Susana Alves e emerge do facto «A»]

L. A contabilidade da «Z...» não apresentava deficiências documentais, detendo esta os competentes «CMR».

[conforme emerge do teor das declarações de R…]

M. O gerente da Impugnante, R..., tinha conhecimento de que os transmitentes dos bens que vieram posteriormente a ser revendidos pela «K...» tinham intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado e declarado o exercício de uma atividade para a qual não dispunham de adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer.

[conforme fundamentação infra]

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão, nomeadamente, não se provou

N. A data de notificação do relatório inspetivo à Impugnante.

Motivação da matéria de facto:

O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos, do processo administrativo apenso, e da inquirição das testemunhas arroladas, de harmonia com as referências efetuadas no final de cada um deles, tendo-se, ainda, aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, na parte onde tal foi possível.

O Tribunal procedeu à audição das testemunhas arroladas pela Impugnante, a saber, Paula…, L…, S… e à testemunha arrolada pela Fazenda Pública, R…, Inspetor Tributário.

As testemunhas depuseram com isenção, demonstrando a sua razão de ciência quanto às afirmações proferidas, sendo o seu depoimento, no geral, consistente, sem contradições relevantes, e congruente com os documentos já contantes dos autos.

No entanto, e no que concerne às testemunhas arroladas pela Impugnante, estas apenas teceram considerações genéricas sobre o modus operandi das respetivas sociedades não se tendo referido em concreto a qualquer transmissão de bens.

A primeira testemunha declarou ter sido funcionária da Impugnante cerca de 4 anos, entre 2004 e 2007, tendo por função serviços indiferenciados como arrumar o armazém e fazer recados como levar documentos à contabilidade.

No tocante ao teor do seu depoimento afirmou que havia uma proximidade entre a localização da «K...» e a «Z...» e que esta lhe vendia mercadoria que era rapidamente revendida.

Afirmou que a «Z...» tinha clientes em Espanha, que os transportadores tinham nomes estrangeiros e desconhecer se existiam outros fornecedores de telemóveis além da «K...»

A segunda testemunha, declarou ser cônjuge da primeira e empregado de armazém da «K...».

Embora mostrasse conhecer os procedimentos de entrada e saída de mercadoria da «K...», demonstrou um anormal desconhecimento da atividade da Impugnante, nomeadamente atentas as circunstâncias da proximidade das instalações, da “partilha” de espaço de armazém e da sua esposa lá ter trabalhado.

A título de exemplo demonstrou alguma confusão na distinção da sede da «Z...» ser uma loja ou um armazém, se vendiam, ou não, mercadoria diretamente ao público e se a cônjuge ainda estaria ligada à Impugnante (tendo esta esclarecido que exerce a atividade no mesmo local mas sob a denominação «I… »).

No que concerne à «K...» declarou que as compras vinham de Espanha, Portugal e China, constituindo principalmente relógios, mas também mochilas, trotinetes, gravadores, máquinas fotográficas e telemóveis, declarando que, principalmente, era comercializado material eletrónico.

Afirmou que o armazém da «K...» era partilhado, que a «Z...» guardava mercadoria no R/C e «K...» no andar superior mas que, por vezes, o material era descarregado pelo transportador diretamente na «Z...».

Declarou, ainda, desconhecer em que termos eram emitidas as faturas do material ou feitos os respetivos pagamentos.

A terceira testemunha declarou ainda trabalhar na «K...» e ter sido por si preenchida a fatura constante de fls. 86 dos autos.

Declarou desconhecer os montantes das vendas da «K...» à «Z...» mas que eram vendidas paletes de material e não “meras caixas” e que este iria diretamente para a «Z...» não intervindo funcionários da «K...» no seu manejo.

Afirmou que a «K...» também adquiria mercadoria a fornecedores portugueses mas não foi capaz de identificar concretos fornecedores habituais. Declarou desconhecer as citadas “Maria…” e “M…” mas conhecer vendedores de nome “G...” e “F...co”.

A testemunha arrolada pela Fazenda Pública, o Inspetor Tributário que procedeu à inspeção da contabilidade da Impugnante, explicou ao Tribunal como esta decorreu, explicitando as diligências que efetuou e os resultados que estas obtiveram, confirmando o teor do relatório inspetivo.

Do seu depoimento emergiu que a inspeção nasceu de um pedido de colaboração da «Agencia Tributaria» Espanhola, por suspeitas de fraude em sede de IVA

A testemunha, em face dos indícios apurados, mostrou-se convicta de que as compras que a «K...» tinha efetuado de telemóveis para depois os revender para a Impugnante não se teriam realizado como os documentos contabilizados indiciavam.

Não foi, contudo, capaz de afirmar que não existiu «movimentação da mercadoria» proveniente da «K...» porquanto formalmente a documentação estava em ordem, existindo os correspondentes CMR [documento referente à execução de contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes, onde constam, entre outras menções obrigatórias, a data e local de emissão, o nome e endereço do remetente, nome e endereço do transportador nome e endereço do destinatário, nome e endereço do local de destino, se diferente do destinatário; natureza, peso, quantidade e / ou número de coisas para levar – cfr. CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA (CMR), (assinada em 19 de Maio de 1956 em Geneve - aprovada em Portugal pelo Decreto Lei nº 46 235, de 18 de Março de 1965, entrou em vigor em 21 de Dezembro de 1969 - Aviso da Direção Geral dos Negócios Económicos, DG nº 129, 2º Série de 03.06.1970].

Afirmou, também, que foi levantado o sigilo bancário à “M... Ramirez” e que a “Maria...” alegou desconhecer qualquer das operações em causa, tendo autorizado a consulta dos seus movimentos bancários.

Declarou que se apurou, então, que cheques que seriam para a “Maria…” foram depositados em conta da “M…” e que a assinatura do talão de depósito de abertura dessa conta [em nome da “M…”] era idêntica à do Sr. R... [gerente da Impugnante] não tendo, todavia, sido efetuadas quaisquer perícias à assinatura e que esta conta veio a ser saldada com 2 cheques depositados na conta deste.

Mais afirmou ter sido este confrontado com tal facto, não o tendo negado mas justificando tais movimentos com adiantamentos [reportando tais afirmações para o auto de declarações contante do PA e assente sob o facto «C»].

Por fim, declarou que considerou existirem «relações especiais» entre a «K...» e a «Z...» em face da proximidade local e pessoal, do Sr. K... ser senhorio da «Z...», os gerentes das duas sociedades terem sociedades em comum [K... e R...] e ambos terem o mesmo domicílio fiscal.

Em face do anteriormente exposto, no tocante às declarações das testemunhas arroladas, firmou-se a convicção do Tribunal quanto à factualidade acima referida, de harmonia com as menções efetuadas a final de cada um dos factos, considerando-se como segura a sua ocorrência.

No que concerne ao facto «M», importa salientar, antes de mais, que em momento algum da petição inicial de impugnação a Impugnante alega desconhecer o comportamento dos missing traders, limitando-se a afirmar que a ela nada é apontado e que é “alheia” a tais comportamentos.

O conhecimento daquelas circunstâncias, enquanto estado subjetivo ou do foro interno do representante da Impugnante, tirando os casos de confissão, apenas pode ser demonstrado de forma indireta ou mediata, ou seja, a sua existência é inferida a partir da prova direta de outros factos que surgem associados a tal circunstância por meio de regras de experiência.

A convicção do conhecimento emerge, assim, de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio de regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema da prova.” [cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154].

Ou seja, a demonstração desse conhecimento resulta como facto lógico presumido, em face da de uma ilação efetuada de harmonia com as regras de experiência comum da conjugação dos diversos indícios que funcionam como «factos base».

Desse modo, as conclusões formuladas no relatório (ponto 10) de que a “Z... não podia deixar de conhecer que a «M… » e «Maria… », não dispunham de adequada estrutura empresarial (…) e que o IVA (…) nunca foi entregue ao Estado” assentam em factos incontroversos e resultam de um raciocínio lógico coerente com máximas de experiência, que a Impugnante não infirma.

Efetivamente, é incontroverso que as faturas de «Maria...» foram requisitadas e entregues na sede da Impugnante, que o gerente da Impugnante recebeu pagamentos destinados a «M… », que este tinha conhecimento que a quase totalidade dos bens adquiridos à «K...» tinham origem em compras deste aos fornecedores «M...» e «Maria… » e que este preencheu algumas faturas da «K...» [cfr. auto de declarações constante do facto «C»].

Tais factos, conjugados com o demais apurado no procedimento inspetivo (nomeadamente o referido no ponto 5 do relatório relativamente a «M… » e no ponto 6 a «Maria… », aliados à «relações especiais» entre os gerentes da «K...» e da «Z...», em momento algum contrariadas pela Impugnante, constituem indícios seguros desse conhecimento.

Consequentemente, de harmonia com as regras do ónus da prova, à míngua de qualquer contraprova, não tendo a Impugnante abalado a existência de tal conhecimento, a resposta foi afirmativa.


No tocante à factualidade dada como não provada tal resultou, no que respeita ao facto «N» de não ter sido produzida qualquer prova a ele respeitante.



IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A impugnante deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IVA e juros compensatórios de dezembro 2002, 2003 e 2004 alegando entre o mais, a caducidade do direito à liquidação uma vez que subjacente à declaração está a rectificação de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, além de que não é aplicável a suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 46º n.º 1 da LGT, uma vez que tal preceito é organicamente inconstitucional.
São reais e verdadeiras todas as faturas emitidas pela K... com referência aos anos de 2002 a 2004, no sentido de que subjacente às mesmas existiu uma real e efectiva transação comercial de compra e venda.
O TAF do Porto julgou improcedente a impugnação, com o que a Impugnante se não conforma. Nas conclusões de recurso para este TCA, a RECORRENTE entende que a sentença errou no julgamento da matéria de facto (Conclusões I, VI e segs.).
Para além disso, sustenta que a sentença é nula nos termos do art. 615º/1-c) do CPC, por o facto provado M) estar em contradição com outros factos igualmente provados.

Uma vez que a invocada nulidade da sentença está conexionada com a análise da prova, apreciá-la-emos no decurso dessa mesma análise.

A sentença julgou improcedente a impugnação e manteve as liquidações impugnadas essencialmente por ter considerado que o IVA foi indevidamente deduzido por se ter verificado a situação prevista no n.º 4 do art. 19º do CIVA (na redação aplicável), no que é comumente designado como “fraude em carrossel”.

De acordo com a definição dada pela União Europeia, na fraude em carrossel detetam-se os seguintes “intervenientes” e movimentos (1): A empresa (A) efetua uma transmissaÞo de bens intracomunitaìria sem IVA para a empresa (B), que se situa noutro Estado-Membro. Esta empresa (B) adquire os bens sem pagar IVA e subsequentemente, transaciona os bens a uma terceira empresa (C), situada no mesmo país que a empresa (B). A empresa (B) liquida o IVA nessa transaçaÞo mas naÞo o entrega aÌs autoridades tributaìrias e desaparece do circuito. A empresa (C) reclama o reembolso do IVA da sua compra com a empresa (B).

Consequentemente, a perda financeira para o Fisco equivale ao IVA pago pela empresa (C) aÌ empresa (B). Subsequentemente, a empresa (C) poderaì declarar uma transaçaÞo intracomunitaìria sem IVA aÌ empresa (A) e, subsequentemente a empresa (A) poderaì efetuar uma transaçaÞo intracomunitaìria sem IVA aÌ empresa (B), repetindo assim o padraÞo de fraude e assim explicando o termo “fraude carrossel”.

Resumindo o “esquema” da fraude em carrossel é o seguinte:
a) a “conduit company” – eì o transmitente na primeira transaçaÞo. Vende bens ao
“missing trader”, ao abrigo da aliìnea a) do artigo 14º do Regime do IVA nas TransaçoÞes Intracomunitaìrias (RITI) ou seja, isento de IVA. O valor que recebe eì totalmente livre de IVA. Corresponde, na descriçaÞo da ComissaÞo, aÌ empresa (A);
b) o “missing trader” – eì adquirente na primeira transaçaÞo e transmitente na segunda. Liquida o IVA da sua transaçaÞo com o segundo adquirente (o “broker”), mas naÞo o entrega ao Estado, ficando com o montante para si. Normalmente, passado um determinado tempo, desaparece do sistema para que naÞo seja detetado pela autoridade fiscal. Corresponde, na descriçaÞo da ComissaÞo, aÌ empresa (B);
c) o “broker” – eì o adquirente da transaçaÞo efetuada com o “missing trader”. Deduz IVA da sua transaçaÞo, pedindo o reembolso ao Estado. Uma vez que naÞo existe entrega do imposto liquidado referente aÌ mesma transaçaÞo pelo “missing trader”, o Estado paga o montante do imposto ao broker. Posteriormente, poderaì ser o transmitente numa segunda transaçaÞo intracomunitaìria isenta de IVA com a “conduit company”, completando assim o carrossel. Corresponde, na descriçaÞo da ComissaÞo, aÌ empresa (C).

Mas este “circuito” pode ser “esticado” para dificultar o trabalho da AT, chamando a intervir um quarto interveniente: o buffer. O “buffer”, ou empresa-tampaÞo, eì uma empresa que se coloca entre o “missing trader” e o “broker”. Ou seja, trata-se de uma empresa que vai ser adquirente numa transaçaÞo com o “missing trader”, e depois transmitente numa posterior transaçaÞo com o “broker”. Esta empresa poderaì ou naÞo estar a par do esquema de fraude montado.
Muitas vezes é difiìcil distinguir se a empresa tem ou naÞo conhecimento da fraude.

E para dificultar ainda mais o trabalho de investigação, em vaìrios casos naÞo existe somente um “buffer” inserido no esquema fraudulento mas sim vaìrios, tornando extremamente difiìcil para as autoridades tributaìrias traçar o caminho do carrossel ateì ao “missing trader”, ao mesmo tempo que lhe dá oportunidade de arrecadar para si o montante do imposto liquidado e desaparecer do sistema (2).

A perfeição técnica do carrossel é obtida quando entre o “missing trader” e o destinatário final dos bens – “final link,” se interpõem uma série de empresas fantasmas (buffers), cujo objectivo é credibilizar as vendas do “missing trader” e evitar a sua ligação com o “final link” e se fecha o circuito no país onde se iniciou a fraude carrossel, podendo o movimento, de apenas circularização de facturas, poder continuar infinitamente (3).


No recurso interposto, a Recorrente discorda da sentença desde logo pela afirmação de estar demonstrado o seu conhecimento da existência dos “missing traders” conhecimento que a Impugnante nunca negou nos presentes autos.

Defende ter negado tal conhecimento e que o MMº juiz "a quo" não considerou a alegação da Recorrente quanto a tal matéria como sendo de impugnação, isto é, dizer-se que a ela nada é apontado e que é alheia a tais comportamentos constituiu, no entendimento da sentença, admissão do facto”.

Mas lendo a douta petição inicial, também não nos parece que a Impugnante tenha negado o conhecimento e a existência dos “missing traders” (que neste caso se apresentam como sendo M... e Maria... no circuito dos bens). Diz que são verdadeiras todas as facturas emitidas pelo fornecedor K... Lda. nos exercícios em causam e que não lhe é apontada uma única infração a critérios de organização contabilística ou infração à legislação comercial e fiscal. E nos artigos 80º e segs. da mesma petição inicial, alega estarem ausentes do processo de liquidação em presença as necessárias referências de FACTO, reportadas à contabilidade das referidas empresas, que justificou a CONCLUSÃO no sentido da existência, nas mesmas, de transações fictícias – no âmbito das relações comerciais entre esses empresas e a fornecedora da ora impugnante denominada K..., Lda” (art. 81º) e que “Através da utilização da fiscalização cruzada é feito um sem número de referências a divergências contabilísticas entre várias empresas, mas EM NENHUMA DELAS é feita qualquer tipo de IMPUTAÇÃO ou RESPONSABILIZAÇÃO da ora impugnante pelas mesmas, quer em termos de manipulação de resultados, quer em termos de divergências detectadas” (art. 82º).

Do exposto, não vislumbramos qualquer negação relativa ao conhecimento das “missing traders”. Mas daí também não se retira que o MMº juiz tenha assumido que a Impugnante/Recorrente “confessou” tal conhecimento.

Na alínea M) dos factos provados consta que “O gerente da Impugnante, R..., tinha conhecimento de que os transmitentes dos bens que vieram posteriormente a ser revendidos pela «K...» tinham intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado e declarado o exercício de uma atividade para a qual não dispunham de adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer.” [conforme fundamentação infra].

Na respectiva motivação da decisão de facto, o MMº juiz explicita a razão pela qual considerou provado este facto: “No que concerne ao facto «M», importa salientar, antes de mais, que em momento algum da petição inicial de impugnação a Impugnante alega desconhecer o comportamento dos missing traders, limitando-se a afirmar que a ela nada é apontado e que é “alheia” a tais comportamentos.

O conhecimento daquelas circunstâncias, enquanto estado subjetivo ou do foro interno do representante da Impugnante, tirando os casos de confissão, apenas pode ser demonstrado de forma indireta ou mediata, ou seja, a sua existência é inferida a partir da prova direta de outros factos que surgem associados a tal circunstância por meio de regras de experiência.

A convicção do conhecimento emerge, assim, de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio de regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema da prova.” [cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154].

Ou seja, a demonstração desse conhecimento resulta como facto lógico presumido, em face da de uma ilação efetuada de harmonia com as regras de experiência comum da conjugação dos diversos indícios que funcionam como «factos base».

Desse modo, as conclusões formuladas no relatório (ponto 10) de que a “Z... não podia deixar de conhecer que a «M...» e «Maria...», não dispunham de adequada estrutura empresarial (…) e que o IVA (…) nunca foi entregue ao Estado” assentam em factos incontroversos e resultam de um raciocínio lógico coerente com máximas de experiência, que a Impugnante não infirma.

Efetivamente, é incontroverso que as faturas de «Maria...» foram requisitadas e entregues na sede da Impugnante, que o gerente da Impugnante recebeu pagamentos destinados a «M...», que este tinha conhecimento que a quase totalidade dos bens adquiridos à «K...» tinham origem em compras deste aos fornecedores «M...» e «Maria...» e que este preencheu algumas faturas da «K...» [cfr. auto de declarações constante do facto «C»].

Tais factos, conjugados com o demais apurado no procedimento inspetivo (nomeadamente o referido no ponto 5 do relatório relativamente a «M...» e no ponto 6 a «Maria...», aliados à «relações especiais» entre os gerentes da «K...» e da «Z...», em momento algum contrariadas pela Impugnante, constituem indícios seguros desse conhecimento”.

Consequentemente, de harmonia com as regras do ónus da prova, à míngua de qualquer contraprova, não tendo a Impugnante abalado a existência de tal conhecimento, a resposta foi afirmativa”.


Por conseguinte, a alínea M) dos factos provados não resulta de qualquer confissão da Impugnante mas sim de indícios probatórios recolhidos no processo. E embora o seu conteúdo seja algo conclusivo, todos os restantes factos provados apontam no mesmo sentido como veremos infra, pelo que ainda que fosse retirado (por ser conclusivo), a “conclusão” nele contida manter-se-ia na totalidade.
Também por essa razão improcede a alteração requerida quanto à alínea M).

Depois, esgrime a Impugnante a nulidade da sentença por contraditoriedade com outros factos “....igualmente julgados provados, nomeadamente, a materialidade das operações entre a Recorrente e o seu fornecedor, e o conhecimento de que este adquiria as mercadorias às alegadas missing traders, o que, salvo melhor opinião, determina a nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 615.° do Código do Processo Civil” (Conclusão III).

Antes de adentrarmos nesta particular questão, cumpre esclarecer que não acompanhamos a afirmação do MMº juiz "a quo" de que “...a fundamentação das liquidações consiste na aplicabilidade do n.º 4 do art.º 19.º do CIVA e não na ausência de materialidade das operações.

Consequentemente, e como foi anteriormente referido, que não é controvertido que a Impugnante adquiriu à «K...» a mercadoria constante das faturas por ela emitidas e que as revendeu, emitindo a competente fatura, porque tal não consta da fundamentação dos atos impugnados.

Não está, assim, em causa, a veracidade das operações, da sua contabilização ou que estas sejam «falsas».

E não acompanhamos esta afirmação porque em muitos dos factos provados se retira (claramente, a nosso ver) que além de intervenção na fraude carrossel as faturas destas “emitentes” também são falsas. Destacamos com especial interesse os seguintes factos:

r) Por todos estes factos, tudo indica que a MEPR [M...] não passará de um mero "testa de ferro", cuja identificação foi utilizada para esquemas e negócios que foram realizados por outras pessoas, com o objetivo de lucrar com o IVA, em prejuízo do Estado, permitindo igualmente aos operadores económicos que se apresentaram a jusante, a obtenção de maiores lucros ou de reembolsos de IVA. Pelo que, dado que nunca terá exercido a atividade declarada, nos termos previstos nos n.º 2 do artigo 33° do Código do IVA e n.º 3 do Artigo 114.º do Código do IRS, foi proposta a sua cessação oficiosa de atividade com data de 01/01/2002, correspondendo à data em que foi declarado o início da atividade (fls. 16 da sentença).

n) Por todos estes factos, tudo indica que a identificação fiscal de MDSC foi utilizada para esquemas e negócios que foram realizados por outras pessoas, com o objetivo de lucrar com o IVA, em prejuízo do Estado, permitindo igualmente aos operadores económicos que se apresentaram a jusante, a obtenção de maiores lucros ou de reembolsos de IVA, e, dado que a mesma não exercerá qualquer atividade empresarial desde Dezembro/2002, nos termos previstos nos n.º 2 do artigo 33º do Código do IVA e n.º 3 do Artigo 114.º do Código do IRS, foi proposta a sua cessação de atividade com data de 31/12/2002 (fls. 24 da sentença).

9) Efetuando uma análise mais atenta às situações anteriormente descritas, só podemos concluir que terão sido as mesmas pessoas aquelas que utilizaram de modo fraudulento a identificação de MEPR e MDSC, (fls. 29 da sentença)

10) Face ao exposto, o gerente da Z... não podia deixar de conhecer que MEPR e MDSC não dispunham de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada (supostamente titulada pelas faturas passadas com o nome das mesmas), não passando de meros emissores de faturas, e que o IVA mencionado nas faturas emitidas em seu nome, grande parte do qual foi deduzido pela K... e posteriormente reembolsado à Z..., nunca foi entregue ao Estado.

Note-se que as supostas transações entre K... e Z... apenas se destinam a alongar o circuito de faturação dos bens, dificultando assim o controlo das transações por parte da administração fiscal, aquando dos pedidos de reembolso solicitados pela Z... (fls. 30 da sentença).

Mais, perante os factos expostos, existem indícios fortes em como a K... e a Z... poderão ser parte integrante de um desses grupos, tendo utilizado a identificação fiscal de MEPR e MDSC para esquemas e negócios que eram seus, unicamente com o objetivo de defraudar o Estado (fls. 31 da sentença).

Note-se que ainda que a contabilidade da Z... possa evidenciar ter sido pago o IVA ao seu fornecedor direto (a K...) e se encontre documentado o respetivo montante, a Z... não tem direito à dedução do mesmo, já que esse direito surge ou é obtido como consequência do seu envolvimento nestes circuitos fraudulentos. Esta dedução de imposto tem por base operações que foram simuladas e manipuladas, tendo por objetivo lesar o Estado, participando a Z... neste mecanismo fraudulento, criando artificialmente os pressupostos exigidos para a dedução do IVA e a obtenção dos reembolsos.

Assim, nos termos do previsto nos nºs 3 e 4 do artigo 19.º do Código do IVA, a Z... não tem direito à dedução do Imposto suportado nas faturas emitidas pelo seu fornecedor direto, que tiveram origem em operadores missing trader. (fls. 38 e 39 da sentença).

Na contestação o ERFP também defende ter havido falsidade da faturação como podemos ver entre outros, dos artigos 10º, 12º, 17º e 18º daquele articulado:

10º De acordo com as averiguações a que procedeu e relatórios de inspeção elaborados, foi possível verificar que as facturas encontradas na sua contabilidade, emitidas pela empresa K... (...) por fornecedores fictício para esta, embora em forma legal, não consubstanciam reais transações, sendo por isso o imposto nelas contido resultante de operações simuladas, estando vedada a sua dedução, nos termos do artº 19 n.ºs 3 e 4 do CIVA.

12. E ainda que algumas das operações constantes daquelas facturas se possam ter realizado como pretende a impugnante, não o forma relativamente aos sujeitos envolvidos, nem aos valores praticados, nem nas condições delas constante, não deixando por isso de ser considerada facturação fictícia

17. Da análise em concreto de clientes e fornecedores em questão permite apurar factos e indícios sérios e fundados de que as facturas por ele emitidas não consubstanciam reais transações (...).

18. É a impugnante que tem de provar que a realidade material das facturas referentes ao cliente e fornecedores em questão.

E neste TCA também o Exmo. Procurador Geral Adjunto em esclarecido parecer defendeu ter ocorrido facturação falsa.

É certo que a AT reconhece não poder “provar que a Z... não tenha adquirido os bens em causa, mas o que está em causa, como ficou provado, é a existência de transações simuladas, com o objetivo de obter uma vantagem fiscal ilegítima e de encobrir as verdadeiras transações e intervenientes, motivo pelo qual o IVA não é dedutível e não são efetuadas correções em sede de IRC, tal como aconteceu com a K...” (fls. 39 da sentença), mas tendo em consideração os factos provados constantes na douta sentença, não subscrevemos a afirmação de que não esteja em causa faturação falsa.

Não porque os bens não existam ou não tenham sido adquiridos, mas sim porque não foram adquiridos aos fornecedores mencionados nas facturas. Tão falsa é uma fatura emitida na forma legal, mas que não corresponde a qualquer realidade porque as operações que deviam refletir não tiveram lugar, como aquela que tem por base uma operação comercial mas em que um dos operadores (ou mesmo ambos) não existem, ou não foram eles que a efectuaram. Também neste caso estamos em presença de um negócio simulado por interposição, omissão ou substituição de pessoas (4) em que a documentação das respetivas operações económicas não são verdadeiras, porque não existem ou não existem nos exatos termos que representam. (5)

Sobre esta matéria cremos que a AT cumpriu devidamente o seu ónus recolhendo prova bastante para ilidir a presunção de veracidade da contabilidade da Impugnante/Recorrente, como dão conta os factos provados.(6)

Todavia o MMº juiz analisou apenas a questão pela ótica da fraude em carrossel mais singela na qual o “missing trader” realiza operações nas quais liquida o IVA que não entrega ao Estado, deixando de lado a faturação falsa.

Sendo esta a realidade do processo, a verdade é que só a Impugnante/Recorrente interpôs recurso da sentença não tendo o ERFP requerido a respetiva ampliação, nos termos do art.º 636º do CPC, pelo que desta matéria (facturação falsa, estritamente) não cuidaremos mais.

No que respeita à fraude em carrossel os factos provados sustentam-na com clareza, pelo que também não tem razão a Recorrente quando na conclusão IV afirma que “sendo estas as fornecedoras de mercadorias que efectivamente eram transaccionadas, questiona-se como poderia a Recorrente saber que aquelas, alegadamente, não exerciam actividade senão formalmente e não dispunham de estrutura para o exercício da actividade”.

Não só estas “fornecedoras” não forneciam “realmente” qualquer mercadoria à Impugnante (ou a K...) como resulta provado de forma bastante nítida e impressiva indícios de que a Impugnante sabia que a (eventual) mercadoria que recebia não era proveniente destas fornecedoras, como se deixou demonstrado e infra melhor se clarifica a partir do conjunto dos factos provados transcritos.

Defende que a sentença é “...totalmente omissa quanto à integração factual daquele conceito de ausência de actividade e de estrutura para o seu exercício por aquelas, nomeadamente, não há a referência à ausência de estabelecimento, armazém ou escritório daquelas, funcionários ou colaboradores a qualquer titulo, quaisquer meios materiais ou humanos necessários ao desenvolvimento da actividade, não podendo perder-se de vista que actualmente o exercício da actividade de trading implica pouco mais que um telemóvel e um computador” (Conclusão V).

Mas também aqui a Recorrente não tem razão. Aliás, o que não faltam na sentença – nos seus factos provados – é a referência à ausência de actividade e de estrutura para o exercício, como se pode ver, entre outros, dos seguintes factos:
a) Quanto a M...:
as faturas referem como morada aquela correspondente ao domicílio fiscal declarado, ou seja, até Março/2003 mencionam a rua… - 4400 Vila Nova de Gaia, e posteriormente, a rua… - 4435 Rio Tinto, e que todas as faturas são omissas no que se refere aos locais de carga / descarga / meio de transporte dos bens, também não existindo guias de transporte que lhes correspondam.
Em deslocação aos locais declarados como domicílio fiscal (e constantes das faturas), na tentativa de contactar pessoalmente com MEPR, bem como, consultar e analisar os documentos contabilísticos referentes à suposta atividade exercida, foi possível concluir que esta nunca terá residido em qualquer uma destas habitações, a saber:
=> Ambas moradas correspondem a habitações, a de Vila Nova de Gaia é uma habitação de tipologia TO num 4º andar sem qualquer lugar de garagem e com 48 m2 e a de Rio Tinto corresponde a uma habitação de tipologia T1 com 58 m2 e que também não tem qualquer garagem.
=> Contactado o senhorio da habitação de Vila Nova de Gaia, por intermédio do seu representante fiscal "IMO…, LDA" (NIF: 5…), o mesmo informou não conhecer MEPR e indicou quais os inquilinos que ocuparam o prédio, bem como, anexou cópia dos contratos respetivos. Assim, no período compreendido entre Agosto/2001 e Março/2003 teve como inquilino a sociedade "P…, LDA" (NIF: 5…), que arrendou o mesmo para habitação exclusiva de 3 funcionários seus, todos eles de naturalidade paquistanesa. Contactada a empresa e os funcionários em questão todos negaram ter lá residido naquele período alguma MEPR.
=> Contactado o proprietário da habitação de Rio Tinto este informou que a mesma é ocupada desde Fevereiro/2003 por "AT... " (NIF:2…), não tendo conhecimento de que a mesma lá tenha morado. Em contacto com "AT..." o mesmo afirmou não conhecer nenhuma MEPR e desconhecer o motivo pelo qual a mesma terá declarado como domicílio aquela morada dado que tal não é verdadeiro porque nunca lá residiu. Refira-se que este "AT..." é o mesmo indivíduo que supostamente terá alterado o domicílio fiscal de MEPR para a morada de Vila Nova de Gaia (conforme mencionado na anterior alínea b).
Junto da tipografia (TIPOGRAFIA… - NIF 1…) que elaborou os livros de faturas em nome de MEPR verificou-se que foram efetuadas duas requisições, em 03/10/2002 e 30/12/2003, ambas assinadas por um terceiro que para o efeito apresentou cópia do passaporte e do documento provisório de identificação fiscal daquela.
Foi possível identificar o requisitante das faturas, "D..." (NIF: 2…), indivíduo de etnia hindu e de nacionalidade moçambicana, residente em Portugal há muitos anos e que é representante fiscal de diversos indivíduos estrangeiros, na sua maioria de nacionalidade paquistanesa e indiana. Contactado aquele indivíduo o mesmo afirmou não ter qualquer ligação direta com MEPR e que teria requisitado as faturas a pedido de um dos seus amigos a quem teria entregue as mesmas.
Contactado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), este informou nada constar acerca de MEPR, porquanto não se sabe se a mesma ainda se encontra no nosso país, contudo, caso assim seja estará numa situação de permanência irregular.
Perante a situação anteriormente descrita, não tendo sido possível contactar pessoalmente MEPR (ou algum seu representante), foi esta notificada via postal, através dos Ofícios n.º 8368 de 26/01/2006 e 16434 de 21/02/2006, para apresentar "os livros de contabilidade obrigatórios por força da Lei (artigo 31.0 do Código Comercial), registos auxiliares, documentos de suporte da contabilidade e todos os elementos relevantes nos termos do artigo 116.º do Código do IRS e artigos 44.0 e 50.0 do Código do IVA, relativamente aos anos 2002, 2003 e 2004" e para "autorizar ou não, a Administração Tributária, nos termos do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, a aceder a informações e documentos bancários".
As notificações vieram devolvidas com a indicação de "mudou-se", considerando-se que o MEPR foi devidamente notificada conforme determinado nos números 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT.
Aquando da recolha documental efetuada foi possível identificar uma conta bancária aberta em nome de MEPR junto do MILLENNIUM BCP, pelo que, nos termos previstos nos artigos 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), procedeu-se à quebra do sigilo bancário relativamente a todas as contas bancárias em instituições nacionais de que MEPR tenha sido titular no período em apreço, em resultado do que foi possível apurar, entre outras situações, o seguinte:
=> Relativamente à conta bancária no MILLENNIUM BCP, a correspondência era endereçada para o domicílio de "D...". Confrontado o mesmo com esta situação, este afirmou não ter e sua posse qualquer extrato bancário não tendo esclarecido o eventual destino que terá dados aos mesmos. (fls. 13 e segs. da sentença)
b) Quanto a Maria...:
Trata-se de uma cidadã portuguesa que, em 20/02/2002, declarou o início da atividade de "CONFECCAO DE OUTRO VESTUARIO EXTERIOR EM SERIE" (CAE: 18221), tendo então ficado enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e em IRS, no regime simplificado de tributação - Cat. B, e, na medida em foi declarado não possuir contabilidade organizada, não foi identificado qualquer Técnico Oficial de Contas naquela declaração de início de atividade.

b) Aquando do início da atividade o domicílio fiscal correspondia à rua…- Trofa, tendo, em 29/01/2003, procedido à alteração do domicílio fiscal para a rua… - Rio Tinto.

d) Apesar de termos tido dificuldade em localizar MDSC, por motivo de atualmente ter domicílio na zona de Lisboa (e de não ter alterado o seu domicílio fiscal em conformidade), foi possível contactar pessoalmente com a mesma, a qual quando confrontada com as faturas emitidas em seu nome relativas à venda de diversos tipos de mercadorias (telemóveis, relógios, eletrodomésticos, etc.), prestou os seguintes esclarecimentos:

=> Negou ter efetuado aquelas transações comerciais e afirmou nunca ter tido como atividade a venda/revenda de telemóveis ou quaisquer outros artigos elétricos, tendo apenas exercido a atividade de confeção na zona da Trofa, até finais de 2002, tendo desde então trabalhado por conta de outrem em diversos locais;

=> Nunca ter requisitado ou mandado requisitar, as faturas impressas na tipografia "S… E Cª, LDA – GRÁFICA… ", nem tinha, até então, conhecimento das mesmas;

=> Não conhece o gerente da K... nem o gerente da Z...;

=> Tendo morado em Rio Tinto (na rua…) até Dezembro/2003, enquanto lá esteve nunca lá residiu nenhuma MEPR, nem conhece tal pessoa;

=> Desconhece quem terá pedido faturas em seu nome, contudo a única pessoa que poderia estar em condições de tal é "D...", que era a pessoa que tratava dos assuntos de contabilidade da confeção da Trofa, pois era quem tinha cópia dos seus documentos e a quem entregava os documentos da contabilidade;

=> Não conhece a morada que consta das faturas (Rua… - Maia), contudo afirma que a caligrafia constante numa das faturas (que lhe foram exibidas) é idêntica à do referido "D...".

e) Refira-se que:

=> Constam da base de dados da DGCI diversas entidades como pagadoras de rendimentos da categoria B durante o ano de 2002, sendo que a última fatura conhecida da confeção tem data de 22/12/2002 e corresponde à fatura n. º 12.

=> As faturas emitidas referentes à atividade da confeção foram impressas em Abril/2002 pela "TIPOGRAFIA…, LDA" (NIF: 5…).

=> Confirmamos junto do senhorio do prédio da Trofa, "MARIA F… " (NIF: 1…), a existência da confeção, bem como o facto de ter cessado a atividade por volta de finais de 2002.

=> Constam da base de dados da DGCI rendimentos da categoria A (trabalho dependente) pagos pelas seguintes entidades "SOD… SUPERMERCADOS, S.A" (l… de Alfena) e "MAT…, LDA", entidades que confirmaram o facto de MDSC ter sido funcionária durante 2003.

f) Tendo o MDSC autorizado a Administração Tributária a aceder diretamente a toda a informação bancária a seu respeito, e, após a análise dos extratos de diversas contas bancárias de que a mesma foi titular (remetidos diretamente pelas diversas instituições financeiras), constata-se que nenhum dos pagamentos relativos às faturas emitidas em seu nome nos anos 2003 e 2004, teve reflexo nalguma conta bancária por ela titulada.

g) Procedeu-se à recolha das faturas de venda emitidas em nome de MDSC junto dos SP identificados como sendo seus clientes, sendo que estas empresas afirmaram não terem efetuado aquelas transações com a mesma, não a conhecendo pessoalmente, mas sim através de intermediários, e que, muitos dos pagamentos teriam sido em numerário ou cheque bancário ao portador.

h) Refira-se, relativamente às faturas recolhidas, que:

=> Referem como morada a rua… - Maia, morada diferente do domicílio fiscal declarado e são omissas no que se refere aos locais de carga / descarga / meio de transporte dos bens, também não existindo guias de transporte que lhes correspondam.

=> Numa das faturas recolhidas constava a indicação de um n.º de telefone (936.942.143), tendo sido possível apurar, conforme informação da OPTIMUS, que o mesmo corresponde está registado em nome de "SUN… ", que é filha de "D..." (indivíduo já mencionado anteriormente).

i) Em deslocação à morada constante das faturas, de modo a averiguar quem teria ocupado aquelas instalações no período em apreço, verificou-se que a mesma corresponde a um armazém amplo, atualmente ocupado por uma confeção ("T… LDA" - NIF: 5…) que nada tem a ver com MDSC. Em contacto com o proprietário do imóvel, "MANUEL… " (NIF: 1…), obtivemos as seguintes informações:

=> Não conhece nenhuma MDSC, nem tem conhecimento que alguma vez lá tenha trabalhado alguém com esse nome;

=> Identificou "ANTONIO… " (NIF: 1…) e "MARIA T… " (NIF: 1…), com sendo os inquilinos no ano 2003, onde tinham uma confeção.

j) Do contacto com "ANTONIO… " conseguimos apurar que:

=> Efetivamente ocuparam as instalações até Dezembro/2003, onde tinham uma confeção;

=> Nunca lá trabalhou nenhuma MDSC, nem conhecem ninguém com esse nome;

=> Conhece "D...", tendo o mesmo colaborado na confeção, na parte do escritório, na organização da contabilidade.

k) Junto da tipografia que elaborou os livros de faturas em nome de MDSC (GRÁFICA… - NIF 5…) verificou-se que, em 01/07/2003, foi efetuada uma requisição de 5 blocos de faturas/recibo com numeração compreendida entre 1 e 250, indicando a morada da Maia, a qual foi assinada por uma "PAULA… ", sendo que o gerente da tipografia, "J… " (NIF: 1…), prestou os seguintes esclarecimentos acerca desta situação: -

=> O cliente em questão foi angariado por intermédio do Sr. "K...", gerente da firma K..., o qual também é cliente da tipografia;

=> A pessoa que assinou a requisição foi "PAULA… " (NIF: 1…), a qual é funcionária de "R...", que também é cliente da tipografia, pessoa a quem foram entregues os documentos.

l) Refira-se ainda que :

=> O gerente da tipografia afirmou não ter estranhado ser uma funcionária a efetuar a requisição das faturas, afirmando mesmo tratar-se dum procedimento normal, facto que foi possível comprovar relativamente às faturas da Z..., onde tem vindo a ser a mesma funcionária a efetuar as requisições;

=> Da análise à base de dados da constata-se que "PAULA… " é casada com "L… " (NIF: 1…), o qual é funcionário da sociedade da K...;

=> O modelo das faturas elaboradas nesta tipografia nada tem a ver com aquele que MDSC utilizou na sua confeção.

m) Face ao exposto, podemos concluir que a identificação fiscal de MDSC foi utilizada por terceiros, com objetivos fraudulentos, pois que:

=> A própria refutou ter efetuado aquelas transações;

=> Os livros de faturas em questão foram requisitadas por terceiros (pela funcionária da Z...);

=> As transações foram sempre efetuadas por terceiros, em nenhuma das situações o comprador afirmou conhecer pessoalmente MDSC ou que a mesma estivesse estado presente (o que também se verificou com a K...);

=> Nenhum dos alegados pagamentos/recebimentos teve correspondência nalguma conta bancária de sua titularidade;

=> Foi possível comprovar que a mesma não tem qualquer ligação à morada constante das faturas, nem ao contacto telefónico que constava de uma delas;

=> Não dispõe atualmente (nem à data) de adequada estrutura empresarial (quer instalações, quer recursos humanos) suscetível de exercer a atividade indiciada pelas faturas, pois que tal pressuporia ter armazém e/ou veículos de transporte de mercadorias;

=> Não há informação sobre eventuais seus fornecedores nacionais;

=> Foi possível comprovar que a mesmo foi trabalhadora dependente no ano 2003, bem como em 2002 ter tido uma confeção; (fls. 19 e segs. da sentença)

Naturalmente, este acervo factual infirma completamente a conclusão V, sendo manifesta a prova da ausência de actividade e de estrutura empresarial por parte destas duas “emitentes”, havendo antes indícios fortes de que a “Z...” e a “K...” utilizaram a identificação fiscal daquelas para esquemas e negócios unicamente com o objetivo de defraudar o Estado.

E resulta também bastante claro da prova produzida que a Impugnante/Recorrente sabia que estes sujeitos não emitiram realmente qualquer factura nem forneceram quaisquer bens, tendo a sua identidade servido apenas para intervir no circuito como “missing traders”.

Por fim, podemos agora apreciar com melhor perspectiva factual a questão da alegada nulidade da sentença por contradição “com outros factos igualmente provados, nomeadamente, a materialidade das operações entre o Recorrente e o seu fornecedor e o conhecimento de que este adquiria as mercadorias às alegadas “missing traders” (art. 615º/1-c) do CPC).

A materialidade das operações entre a Impugnante/Recorrente e “K...” não foi posta em causa, mas se ela existe, ocorre numa sequência de fraude em carrossel, cujo conhecimento a Impugnante/Recorrente dominava, incluindo a função de “missing trader” desempenhada pelo uso da identidade fiscal das duas “emitentes” acima referidas. A fraude em carrossel, na sua versão mais simples, é compatível com a existência de operações reais, uma vez que é o “missing trader” que liquida o imposto e não o entrega ao Estado, enquanto os outros intervenientes no circuito procedem de forma relativamente “normal”.

Por conseguinte, não tendo a AT demonstrado que a Impugnante não tenha adquirido os bens em causa, isso não é de modo nenhum contraditório com a intervenção na fraude em carrossel, pelo que a invocada nulidade da sentença não procede.


Assim, resulta demonstrado que a AT cumpriu nesta parte, integralmente o seu ónus que o art. 74º/1 da LGT lhe comete, pois como bem salientou o MMº juiz "a quo" “...é incontroverso que as faturas de «Maria...» foram requisitadas e entregues na sede da Impugnante, que o gerente da Impugnante recebeu pagamentos destinados a «M...», que este tinha conhecimento que a quase totalidade dos bens adquiridos à «K...» tinham origem em compras deste aos fornecedores «M...» e «Maria...» e que este preencheu algumas faturas da «K...» [cfr. auto de declarações constante do facto «C»].
Tais factos, conjugados com o demais apurado no procedimento inspetivo (nomeadamente o referido no ponto 5 do relatório relativamente a «M...» e no ponto 6 a «Maria...», aliados às «relações especiais» entre os gerentes da «K...» e da «Z...», em momento algum contrariadas pela Impugnante, constituem indícios seguros desse conhecimento”, o que necessariamente conduz à improcedência das conclusões VI e VII, bem como das restantes.

Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 19º do CIVA introduzido pela Lei n.º 31/2001, de 8 de Fevereiro (7), redação aplicável aos factos, estava vedada a dedução do IVA incluído na factura quando (i) o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, tenha declarado o exercício de uma atividade e não disponha de adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado (ii) e que tal seja do conhecimento do sujeito passivo.

Ora, estando amplamente demonstrado que as operações comerciais entre “Z...” e “K...” estão inseridas no âmbito da designada fraude em carrossel e que a Impugnante através do seu gerente conhecia que os “transmitentes” dos bens revendidos pela “K...” tinham intenção de não entregar o imposto liquidado nos cofres do Estado, como não entregaram, os requisitos previstos naquele n.º 4 do art. 24º do CIVA (em vigor ao tempo) estão presentes, pelo que a sentença não poderá deixar de ser confirmada, com a presente fundamentação.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 9 de novembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

(1) In Relatoìrio da ComissaÞo Europeia para o Conselho e Parlamento Europeu sobre o uso de compromissos de cooperaçaÞo administrativa na luta contra a fraude ao IVA de 16 de Abril de 2004, SecçaÞo 3.2.2. que pode ser consultado in http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2004:0260:FIN:EN:PDF (em inglês mas com gráfico visível) e http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52004DC0260, em português mas sem gráfico visível.
(2) Ac. do TCAS n.º 05523/12 de 24-04-2012 Relator: JOAQUIM CONDESSO
6. Em termos gerais, a “fraude carrossel” implica a existência de várias empresas que, supostamente, realizam transacções entre si, sendo que uma delas, por praticar transmissões intracomunitárias de bens, não liquida I.V.A. nos termos do R.I.T.I. (Regime do I.V.A. nas Transacções Intracomunitárias). No entanto, deduz o I.V.A. suportado nas supostas aquisições de bens, o que origina assim, ilegitimamente, uma permanente situação de crédito de imposto perante o Estado. Temos assim que o elemento fundamental da “fraude carrossel” consiste no aproveitamento da associação de operações em que o I.V.A. é cobrado pelo fornecedor ao seu cliente (geralmente no âmbito de operações dentro de um Estado-Membro) e de operações sem cobrança do I.V.A. entre os contratantes (geralmente no âmbito de operações intracomunitárias). Esta associação, que é inerente ao regime actual, permite a um sujeito passivo a aquisição de bens sem pré-financiamento do I.V.A. e a facturação, em seguida, do I.V.A. ao abrigo de uma entrega interna destes bens. Sucede que tal sujeito passivo desaparece (missing trader ou operador desaparecido) e não paga esse I.V.A. à administração fiscal, enquanto que o comprador dos bens exerce o seu direito à dedução. Ou seja, não só não se paga como se tenta recuperar impostos que nunca foram pagos, através de reembolsos.
(3) Seguimos de perto a dissertação de mestrado de Bernardo de Almeida Barreiros sobre a “A RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE NA FRAUDE CARROSSEL” in http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/14574/1/Bernardo%20Barreiros%20-%20A%20responsabilidade%20do%20adquirente%20na%20fraude%20carrossel.pdf

(4) Que nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 103º do RGIT constitui também uma forma de fraude fiscal
(5) Cfr. Ac. do TRP n.º 31/06.7IDVRL.P1 Relator: EDUARDA LOBO Sumário:
I – Através da emissão de faturas falsas, o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, porque não existem ou pelo menos não existem nos exatos termos que aparentam. O objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com con­sequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA).
II – A falsidade fiscal e a simulação constituem realidades diferentes, uma vez que a primeira se reporta ao documento e a segunda ao conteúdo do negócio celebrado: no caso da falsidade existe uma divergência intencional entre a declaração e a realidade (falsidade intelectual) ou entre a declaração e o seu suporte escrito (falsidade material); na simulação verifica-se uma divergência intencional entre a vontade e a declaração negocial, sendo verdadeiro o documento que a incorpora.
(6) Ac. do TCAN n.º 00693/08.0BEBRG de 18-12-2014 Relator: Pedro Vergueiro
Sumário: IV) No caso, estando demonstrado que a recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.
(7) O teor da norma era o seguinte: Não poderá igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que, com conhecimento do sujeito passivo, o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma atividade e não disponha de adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer.