Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00165/17.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:OBRAS COERCIVAS.
Sumário:
I) – De acordo com o art.º 89º, n.º 2, do RJUE, “a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade.”. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:GCSM
Recorrido 1:Município.…
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

GCSM (Rua R…, 4450-235 Matosinhos) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto que, em acção intentada contra o Município.… (Av.ª …), absolveu o réu.
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Conclui (sic):
I. A Recorrente recorre de parta da decisão que considerou improcedente o pedido que fosse revogado o ato administrativo recorrido, com fundamento em violação da lei – por violação do art. 89.º d RJUE, violação dos Princípio de Boa Fé, este por via da existência de Abuso de Direito, da legalidade e proporcionalidade, consagrados nos artigos 3.º, 5.º e 6.º - A do Código de Procedimento Administrativo
II. Os fundamentos apresentados pelo tribunal que levam à improcedência do pedido formulado pela Autora não se adequam à situação concreta do caso e, ademais, são contrários à jurisprudência defendida pelos Tribunais Superiores, mormente o Supremo Tribunal Administrativo.
III. o Tribunal parte de um pressuposto que não foi demonstrado pela Ré, sendo certo que se extrai facto oposto da conclusão do auto de vistoria e comunicação da decisão que se encontra junto aos presentes autos pela Ré, na sua contestação.
IV. Tal pressuposto é que as obras ordenadas pela Administração pretendem corrigir más condições de segurança e de salubridade.
V. Na “ficha de avaliação do estado de conservação do imóvel” junto ao auto de vistoria é referido expressamente o oposto, referindo não existir Risco para a segurança e saúde públicas e/ou dos residentes.
VI. Tribunal haveria que ter verificado, concretamente, o poder exercido pelo Município de VNG violou os princípios da justiça e da proporcionalidade que são determinantes para a anulação do ato, até porque a Recorrente alegou factos relativos à relação de arrendamento - que não foram impugnados pelo Município - e que são essenciais para determinar se o ato praticado pela Administração é ou não proporcional ao esforço financeiro exigido à Recorrente/Senhoria.
VII. Não está cumprido o princípio da proporcionalidade no ato da Administração.
VIII. A Autora/Recorrente alegou - sem que a Ré se tenha oposto ou impugnado - que: a) o imóvel sobre o qual a decisão de obras impende é um imóvel arrendado há mais de 30 anos; b) que a arrendatária paga uma renda de € 112,00 desde 2014 e que até então a renda era de € 12,00; c) que a arrendatária nunca fez obras de conservação ao imóvel pelo que não poderá ser exigido à Autora a realização das obras consequência da não realização de obras de conservação pela arrendatária, durante mais de 30 anos;
IX. Não estando em causa a segurança do prédio a Administração só poderia exigir à Recorrente a realização de obras que fossem razoáveis e indispensáveis à sua habitabilidade.
X. A Entidade Recorrida ao praticar o acto impugnado violou o princípio da proporcionalidade estabelecido no art.º 5.º/2 do CPA uma vez que se propôs prosseguir o interesse público sem procurar fazê-lo por meio que representasse o menor sacrifício para a posição da Recorrente impondo-lhe um sacrifício patrimonial maior do que aquele que lhe poderia ser exigido.
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Contra-alegou o Município, enunciando em conclusões:
A - O recorrido agiu no uso de um poder/dever de ordenar a execução de obras sempre que constate a existência de um situação de insegurança ou insalubridade num imóvel;
B - Agiu em prol do interesse público de manter em bom estado de utilização o património edificado do concelho;
C - Só foi necessário impor a realização de obras porque o proprietário não cuidou, como lhe impõe o art. 89º do RJUE, da conservação da sua propriedade;
D - A recorrente não alega nem prova o custo das obras impostas, que não pode assim ser comparado com a renda que recebe;
E - A relação entre a senhoria e a inquilina, incluindo a eventual desproporção do custo face às rendas, é uma questão de direito civil, que não cabe a este Tribunal decidir e à qual o recorrido é totalmente alheio;
F - As obras em causa são indiscutivelmente de conservação necessária e visam repor o imóvel em bom estado de habitabilidade, corrigindo as deficiências graves detectadas na vistoria;
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado, não ofereceu parecer.
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Cumpre decidir, dispensando vistos.
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Os factos, julgados como provados pelo tribunal “a quo”:
A. MJGM, inquilina da Autora, apresentou junto da Entidade Demandada denúncia com o seguinte teor:
“(…) Foi detectada uma fossa a céu aberto a transbordar para o exterior no quintal do prédio vizinho, propriedade de GCSM, senhoria da requerente, residente na Rua D…, 4150-280 Porto.
Esta fossa completamente cheia é um atendado à saúde pública recusando-se a proprietária a proceder à sua ligação à rede.
A casa de banho da requerente encontra-se ligada a esta fossa e pelo que está dito, completamente inoperacional.
II Igualmente o telhado da casa encontra-se completamente danificado, entrando água e alagando o interior.
Por várias vezes já tentou com bom senso sensibilizar a senhoria o que não conseguiu, recusando-se ela a proceder a tais obras.
Quanto à fossa, já foi uma inspecção ao local por parte dos serviços camarários, verificou o problema e intimou a senhoria a realizar obras.
Quanto à questão do telhado solicita-se também o auxílio da Câmara Municipal no sentido de confirmar o estado e inoperacionalidade da dita cobertura intimando-se a senhoria à realização de obras.”
- cfr. fls. 1.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B. Por despacho do Vereador da Câmara Municipal de VNG de 02/03/2016 foi determinada vistoria ao edificado sito na Travessa A…, dado que:
“(…) Da observação efectuada no local dia 4 de Fevereiro do corrente, verificou-se que a edificação referida apresenta as seguintes patologias:
- Cobertura com deformação pontual da estrutura de suporte, diversas telhas deterioradas e envelhecidas;
- Manchas de humidade nos tectos e paredes causadas por infiltrações de águas pluviais através da cobertura e das paredes exteriores;
- Existência de fossa séptica de águas residuais domésticas sem qualquer tratamento no logradouro, com parte em esgoto a céu aberto resultante do derramar da fossa.”
- cfr. fls. 4 e 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C. O determinado em B) foi comunicado à Autora mediante ofício de 04/03/2016 com a referência 1732/2016 – cfr. ofício e talão de registo dos CTT a fls. 6 e 6.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D. A 4/04/2016 foi realizada a vistoria identificada em C), tendo os técnicos designados da Câmara Municipal de VNG, que compareceram à vistoria, à elaboração de auto de vistoria, cujo teor no mais relevante ora se transcreve:
“(…) 3 – Descrição do Estado Geral das Condições de Segurança, de Salubridade e da Estética do Prédio Objecto de Vistoria
3.1. – Exterior
a) Fachada principal
Nada a referir.
b) Fachada posterior
Nada a referir
c) Fachada lateral esquerda
Não existe.
d) Fachada lateral direita
Nada a referir
e) Cobertura
Habitação – As manchas de humidade nos beirais e nos tectos de vários compartimentos da habitação, indiciam uma deficiente estanquicidade da cobertura do corpo principal da habitação e do seu sistema de drenagem de águas pluviais.
Deterioração e apodrecimento da estrutura em madeira do beiral na zona de acesso do interior da habitação do logradouro. Ausência de recobrimento de armadura de ferro dos beirais em betão armado em algumas zonas. Verifica-se a existência de abatimentos da estrutura, de vegetação espontânea junto aos beirais e o envelhecimento das telhas cerâmicas.
Arrecadação – Degradação e apodrecimento de partes significativas da estrutura de madeira da cobertura o que origina deformações e infiltrações de águas pluviais.
Deterioração das telhas de revestimento do telhado e existência de vegetação espontânea disseminada pela superfície do telhado.
(fotografia n.º 05, 06 e de 11 a 20).
f) Logradouro
Presença de fossa/poço sumidouro numa zona do logradouro que, segundo a proprietária, já não pertence ao prédio mas que recebe as águas residuais provenientes da habitação objecto de vistoria e cujo desembaraçamento, não foi possível saber se é efectuado através de infiltração no solo, ou por intermédio do esvaziamento periódico.
(fotografia n.º 08 a 10)
3.2. – Interior
Manchas de humanidade nos tectos de madeira em diversos compartimentos da habitação (quarto, corredor, despensa e instalação sanitárias).
Infiltrações de águas pluviais no interior da zona da arrecadação.
Inexistência de ligação da rede de drenagem de águas residuais ao colector público de saneamento.
(fotografia n.º 21 a 24)
3.4. – Identificação do Estado de Conservação (Apurado através da determinação do nível de conservação do imóvel constante da respectiva ficha de avaliação anexa ao processo)
3.4.1 – O estado de conservação é: Médio.
4 – Descrição das Obras Preconizadas
4.1. – Exterior
A) Fachadas
Nada a referir.
B) Cobertura
Habitação – Revisão total da cobertura e recepção e reparação dos elementos estruturais que se mostrem deteriorados, incluindo os beirais em madeira e o recobrimento da armadura de ferro dos beirais em betão armado. Limpeza do telhado, substituição das telhas cerâmicas que se encontrem deterioradas e revisão/reparação do sistema de drenagem de águas pluviais (caleiras e tubos de queda).
Arrecadação – Substituição da estrutura de madeira deteriorada e apodrecida e substituição das telhas deterioradas.
c) Logradouro
Ligação da rede drenagem de águas residuais prediais ao colector público de saneamento, depois de devidamente autorizado pela empresa municipal “Águas e Parques Biológico de G…, EEM”, conforme previsto no art.º 94.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e art.º 11.º do Regulamento dos Sistemas Públicos e Prediais de Abastecimento de Água e Águas Residuais do Município de VNG, incluindo todos os trabalhos que para o efeito forem determinados por aquela empresa. Atulhar e desinfectar a fossa existente no logradouro.
4.2. – Interior
Reparação dos tectos afectados pela infiltração de águas pluviais.
5 – Prazo para a realização das obras preconizadas
O prazo para realização dos trabalhos é de 60 dias.
6 – Quesitos Formulados pelo Proprietário
A proprietária do imóvel não formulou quaisquer quesitos.”
- cfr. auto de vistoria a fls. 8 e 8.1. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E. Junto ao auto identificado em D) foram anexas fotografias relativas às anomalias identificadas nesse mesmo auto - cfr. documento de fls. 8.2, 8.2 verso, 8.3 e 8.3 verso do PA;
F. Mediante despacho do vereador da Fiscalização Municipal e Vistorias Administrativas de 11/05/2016, exarado da informação n.º 952016_13F, foi determinado que se comunicasse à Autora e à sua inquilina a intenção da Entidade Demandada em determinar a realização das obras identificadas no auto de vistoria identificado em D) – cfr. despacho de fls. 10 e 10.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
G. Mediante despacho do vereador da Fiscalização Municipal e Vistorias Administrativas de 02/09/2016, exarado da informação n.º 952016_17F, foi determinado o seguinte:
“(…) Assim, ponderados os elementos constantes no processo propõe-se, com fundamento no teor do auto de vistoria, da proposta de audiência dos interessados e da presente informação que, nos termos do disposto no Art.º 89.º n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro e com redacção alterada por diversa legislação posterior, se ordene às proprietárias, mediante notificação por carta registada, a execução das seguintes obras de conservação, a completar no prazo máximo de 60 dias úteis:
1 – Exterior
a) Cobertura
Habitação – Revisão total da cobertura e recepção e reparação dos elementos estruturais que se mostrem deteriorados, incluindo os beirais em madeira e o recobrimento da armadura de ferro dos beirais em betão armado. Limpeza do telhado, substituição das telhas cerâmicas que se encontrem deterioradas e revisão/reparação do sistema de drenagem de águas pluviais (caleiras e tubos de queda).
Arrecadação – Substituição da estrutura de madeira deteriorada e apodrecida e substituição das telhas deterioradas.
b) Logradouro
Ligação da rede drenagem de águas residuais prediais ao colector público de saneamento, depois de devidamente autorizado pela empresa municipal “Águas e Parques Biológico de G…, EEM”, conforme previsto no art.º 94.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e art.º 11.º do Regulamento dos Sistemas Públicos e Prediais de Abastecimento de Água e Águas Residuais do Município de VNG, incluindo todos os trabalhos que para o efeito forem determinados por aquela empresa. Atulhar e desinfectar a fossa existente no logradouro.
2 - Interior
Reparação dos tectos afectados pela infiltração de águas pluviais.
Estes trabalhos são estritamente necessários à correcção das deficiências apontadas pelos peritos, considerando-se o prazo de 60 dias úteis suficiente e adequado para a sua conclusão. Deve ser dado conhecimento à inquilina da transmissão às proprietárias desta ordem administrativa.
As destinatárias da ordem devem ser advertidas de que, caso não cumpram voluntariamente o ordenado, o Município poderá executar coercivamente os trabalhos, com custos a seu cargo, para além de incorrerem em responsabilidade contra-ordenacional, punível com coima a graduar entre 500 euros e 100.000 euros, nos termos do art.º 91, do n.º 1 alínea s) e n.º 4 do art.º 98.º e dos art.ºs 107.º e 108.º, todos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE). Advertir-se-á ainda, por último, que o não cumprimento desta ordem administrativa constituirá também crime de desobediência, nos termos previstos no art.º 348.º n.º 1 alínea b) do Código Penal.”
- cfr. despacho de fls. 14 e 14.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
H. A Autora recebeu a 13/10/2016 o ofício n.º 6803/2016 da Câmara Municipal de VNG – cfr. talão de registo dos CTT e aviso de recepção a fls. 18.1 e 18.2 do PA e fls. 36 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
I. MJMBA apresentou requerimento dirigido à Câmara Municipal de VNG, no qual solicitou a correcção da sua identificação no despacho identificado em G), dado que não é proprietária do imóvel aí identificado, mas sim inquilina – cfr. requerimento de fls. 18 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
J. No seguimento do requerimento identificado em I) foi determinado por despacho do director do departamento municipal de polícia que se procedesse à rectificação de erro ocorrido na notificação do despacho identificado no em G), nos termos requeridos – cfr. despacho de fls. 19 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
K. O despacho identificado em J) foi notificado à Autora mediante ofício de 11/11/2016 com a referência n.º 7805/2016 – cfr. ofício e talão de registo a fls. 20 e 20.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
L. A 16/11/2018 a Autora interpôs recurso hierárquico, o qual teve por objecto o despacho identificado em G) – cfr. recurso hierárquico a fls. 22 a 22.19 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
M. MJGM foi notificada mediante ofício de 23/11/2016 com a referência n.º 8196/2016 para se pronunciar sobre o recurso hierárquico interposto pela Autora, o que veio a fazer a 15/12/2018 – cfr. ofício, talão de registo e requerimento a fls. 24, 24.1 e 27 a 27.16 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
N. A 24/11/2016 a Autora dirigiu requerimento ao Presidente da Câmara de VNG, no qual solicitou o seguinte:
“(…) A aqui Requerente foi notificada da v/ comunicação datada de 11/11/2016 mas apenas recepcionada a 17/11/2016,
2. A informar que, no âmbito do processo administrativo acima melhor identificado foi erradamente identificada a proprietária do imóvel alvo de vistoria,
3. Requerendo que desse sem efeito a identificação da Sra. D. MJMBA.
4. Ainda, procederam V. Exas à identificação do órgão que proferiu a decisão administrativa, uma vez que tal identificação era omissa na decisão notificada.
5. Acontece que tais irregularidades, por V. Exas identificadas, foram já, conjuntamente com outros fundamentos, alvo de recurso hierárquico enviado para os v/ serviços a 14/11/2016 e por v. Exas. recepcionado a 16/11/2016.
Ora,
6.Tendo em conta o reconhecimento expresso de V. Exas das irregularidades formais constates na decisão administrativa,
7. E uma vez que é manifesto que a m/cliente não recebeu a decisão administrativa na sua integralidade, faltando páginas na mesma,
8. Deverá se dado sem efeito a notificação anteriormente proferida,
9. E, assim, ser proferida nova decisão administrativa e, consequentemente ser a aqui Requerente notificada da mesma na sua integralidade,
10. Por forma a que esta tenha as condições necessárias para ser apresentada uma decisão condigna.”
- cfr. requerimento de fls. 26 e 26.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
O. Mediante despacho do vereador de 28/12/2016, exarado da informação n.º 952016_26F, foi determinado o seguinte:
“(…) acusa a recepção do n/ ofício ref.ª 7805/2016 de 11/11/2016, que rectificou a notificação da ordem administrativa, onde havia um errado acrescento de uma segunda destinatária. Face ao reconhecimento desta “irregularidade formal”, atendendo ainda ao que considera ser uma notificação truncada da mesma, pede que seja dada nova decisão administrativa ao procedimento.
Não temos qualquer indicação de que a notificação da ordem administrativa para realização de obras feitas à proprietária por intermédio do nosso ofício ref.ª 6802/2016 de 26.9.2016 tenha sido truncada. A cópia deste ofício que temos no processo está correcta, com frente e verso. Não se afigura que o original (que nunca seria uma fotocópia) tenha seguido para a destinatária conforme surge no doc. n.º 1 junto ao recurso hierárquico, com a primeira página do auto de vistoria estampado no verso da primeira página do ofício. O ofício recebido pela Sra. GCSM tem seguramente duas páginas, frente e verso, enquanto que a cópia do auto de vistoria que seguiu com seu anexo está fisicamente destacada do mesmo ofício.
Quanto ao erro de acrescento de uma segunda destinatária da ordem administrativa, já foi objecto da devida rectificação não justificando uma repetição da notificação, e menos ainda a prática de um novo acto administrativo.
(…)
Face ao exposto propomos o indeferimento do pedido (…)”
- cfr. despacho e informação de fls. 28 e 28 verso do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
P. O despacho identificado em O) foi comunicado à mandatária da Autora mediante ofício de 03/01/2017 com a referência n.º 15/2017 – cfr. ofício e talão de registo dos CTT a fls. 29 e 29.1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Q. Por deliberação da Câmara Municipal de VNG de 6/02/2017 foi o recurso hierárquico apresentado pela Autora indeferido, com os fundamentos constantes da informação n.º 952016_31F – cfr. documentos de fls. 30.2 a 30.9 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
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A apelação
O tribunal “a quo” julgou a acção improcedente.
Conformando-se a recorrente quanto ao decidido relativamente a algumas causas com que esgrimia a eliminação na ordem jurídica do despacho do Vereador do Pelouro da Fiscalização Municipal e Vistorias Administrativas de 02/09/2016, que lhe impôs a realização de obras (supra em G.), entende que no restante a decisão recorrida estará eivada de erros de julgamento.
O primeiro ponto de atenção versa saber se no caso se encontram, ou não, reunidos os pressupostos de actuação do Município que o art-º 89º, n.º 2, do RJUE enuncia: “a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade.”.
Para o negar a recorrente afirma que «Na “ficha de avaliação do estado de conservação do imóvel” junto ao auto de vistoria é referido expressamente o oposto, referindo não existir Risco para a segurança e saúde públicas e/ou dos residentes.» [conclusão V.].
Mas o que vem expressamente referido, segundo a própria em corpo de alegações dá conta, é: «Existem situações que constituem grave risco para a segurança e saúde públicas e/ou dos residentes: Não».
Não se qualificando como “grave”, ainda assim não se nega um risco para a segurança e saúde públicas; fosse afirmada essa gravidade, outra consequência poderia ser tirada, pois quando esteja em causa construções que ameacem ruina ou ofereçam perigo para a saúde pública, pode a Câmara Municipal ordenar a sua demolição total ou parcial (cit. artigo 89º, nº 3).
Cfr. Ac. do TCAS, de 06-02.2014, proc. n.º 07133/11:
I. Em face do disposto no nº 2 do artº 89º do RJUE, pode a Câmara Municipal, em qualquer momento, ordenar a realização de obras conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade, podendo actuar, quer a requerimento dos interessados, quer oficiosamente, por sua própria iniciativa.
II. Condição dessa actuação é que exista prédio a necessitar de obras de conservação, por estar em risco a segurança ou a salubridade do edifício.
III. Doutro modo, quando a situação de degradação do imóvel assumir maior gravidade, por as construções ameaçarem ruína ou oferecerem perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas, já não estão verificados os pressupostos legais para que a Câmara Municipal ordene a realização de obras de conservação, nos termos do disposto no nº 2 do artº 89º do RJUE, antes podendo ordenar a demolição total ou parcial das construções, segundo o disposto no nº 3 desse preceito legal.
IV. A conduta a adoptar pela Câmara Municipal, nos termos do artº 89º do RJUE, irá dependerá das circunstâncias do caso concreto, designadamente do estado de conservação do imóvel.
V. Resultando inequivocamente demonstrado em juízo que o prédio se encontra em estado limite de conservação, já que a sua estrutura se encontra afectada, não servindo mais para desempenhar as funções habitacionais para que foi edificado e que lhe são atribuídas, não pode o Município ser condenado à adopção de conduta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 89º do RJUE.
Assim podia o réu determinar as obras necessárias obras à correcção das anomalias mesmo que não tidas como graves, e reportem-se elas ao qualificativo da segurança ou da salubridade.
Que essas anomalias, espelhadas no auto de vistoria, existem, isso não é contrariado; que se lhe sigam as enunciadas obras como as que cabem à correcção, também não; nesta conformidade, decidiu o tribunal “a quo” não existir violação do art.º 89º, nº 2, do RJUE; e, nesta confinada equação, bem; no caso sai incólume a identificada necessidade e adequação da reacção.
Mas, ainda assim, e entroncando num segundo ponto de censura, a recorrente invoca violação do princípio da “Boa-fé, este por via da existência de Abuso de Direito, da legalidade e proporcionalidade” (e justiça).
Nesta sede, os erros de julgamento são aqueles que se possam revelar – em limite para a actual pronúncia – sob o que o tribunal “a quo” expressamente intitulou com o “Da anulabilidade do despacho Vereador do Pelouro da Fiscalização Municipal e Vistorias Administrativas de 02/09/2016, por violação do princípio da proporcionalidade”, e que tratou da seguinte forma:
«(…)
A Autora considera que o acto ora impugnado é desproporcional, asseverando, até, de que se trata de uma situação de abuso de direito, porquanto as obras que foram determinadas são desproporcionais face à renda que a sua arrendatária paga. Entende a Autora, que, as reparações impostas estão intrinsecamente relacionadas com a falta de cuidado da arrendatária no que respeita ao uso do imóvel, assim como, que a aquela, que habita o imóvel há cerca de 30 anos, nunca fez qualquer obra de conservação à dita habitação.
Porém, não assiste razão à Autora. Se as obras que a Autora terá de fazer se demonstram incompatíveis com a renda que a sua arrendatária paga, essa é uma questão entre si e a sua arrendatária que não cumpre conhecer nestes autos, dado que se trata de uma relação jurídico-privada, na qual a Entidade Demandada não tem qualquer intervenção.
As obras em questão foram determinadas pela Entidade Demandada, ao abrigo do seu poder de fiscalização, pelo que na relação que se estabelece entre aquela e a Autora, não será de chamar à colação jurisprudência e doutrina aplicáveis às relações contratuais – arrendamento urbano – de natureza privada. Pois que, comprovada a existência de uma situação de degradação de um imóvel que afecte o interesse público da segurança e da salubridade, impende sobre a Administração Municipal a obrigação de ordenar a realização das obras destinadas a estancar essa situação, independentemente de o proprietário estar ou não na posse efectiva do edificado e independentemente do valor da renda é paga pelo arrendatário
Veja-se nesse sentido o Acórdão do TCAN de 06/03/2015, p. 01552/11.5BEPRT, no qual se decidiu o seguinte: “Assevera que à luz do RJUE não tem qualquer obrigação de execução das obras ordenadas pelo ato impugnado, já que foi a contrainteressada que através dos seus actos e omissões, revelando negligência e falta dos mais elementares cuidados de conservação, levou o imóvel ao estado de deterioração e abandono em que se encontra, para além de apenas ser proprietária do dito imóvel desde Outubro de 2008, e o mesmo já então se encontrar em estado de conservação idêntico ao actual, não se aplicando, assim, o artigo 89.º do RJUE.
Diferentemente do sustentado pela Recorrente, os deveres de conservação e de proibição de deterioração previstos, respectivamente, nos arts. 89.º e 89.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, não pressupõem que o proprietário tenha a posse efectiva do imóvel e que não haja qualquer actividade ilícita do ocupante do imóvel.
É certo estar previsto no art. 89.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, que a proibição de provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, ou de provocar a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético, recai, além do proprietário, sobre qualquer pessoa singular ou colectiva. Porém, daí não decorre qualquer restrição aos poderes que o art.º 89.º, n.º2 confere à Administração Municipal, nem isenta o proprietário do imóvel degradado, da responsabilidade pela execução das obras que lhe sejam impostas nos termos desse preceito legal.
No caso dos autos, as referidas obras foram ordenadas à Recorrente no âmbito do artigo 89.º, n.º2 do RJUE, ou seja, no âmbito da prossecução do interesse público posto a cargo da Ré, por ter a mesma verificado, na sequência da vistoria realizada ao imóvel, que o mesmo carecia de adequadas condições de segurança e de salubridade e que, por isso, se impunha que fossem realizadas as obras necessárias a corrigir essas anomalias.
No caso, não está em causa a prossecução de outros interesses que não seja a defesa do interesse público, posto que as obras ordenadas são necessárias em ordem a afastar o perigo para a segurança e para a salubridade do referido imóvel, sendo para o caso irrelevantes as relações existentes entre a Recorrente e a contrainteressada. As obras em causa não foram ordenadas à Recorrente no âmbito das suas obrigações decorrentes das leis do arrendamento, mas no âmbito da salvaguarda do interesse público
(…) Ademais, como bem se refere no aresto recorrido, a obrigação pela execução das obras de conservação necessárias à reposição da segurança e salubridade do imóvel será sempre do proprietário dado tratar-se de uma obrigação propter rem ou ob rem, isto é, que decorre automaticamente do estatuto de proprietário.
Não se vê assim, como possa sustentar-se que no caso dos autos a Ré/Recorrida não podia ordenar à Recorrente, sendo esta a proprietária do aludido imóvel, a execução das obras em causa.” [disponível em www.dgsi.pt]. (sublinhado nosso)
Face à jurisprudência firmada no Acórdão supra citado, à qual se adere, constata-se que as obras impostas à Entidade Demandada foram-no, como se disse, ao abrigo dos poderes de fiscalização deste e em prol do interesse público que lhe compete prosseguir, sendo absolutamente irrelevante, nesta sede, a relação contratual – de natureza privada – que mantém com a sua arrendatária, ou a responsabilidade desta na degradação do edificado.
Atendendo ao factualismo fáctico, a alegada violação do princípio da proporcionalidade não ocorre no caso em apreço, porquanto da análise da factualidade provada, a Ré não poderia deixar de ter actuado como actuou à luz do princípio da legalidade administrativa.
Em relação ao alegado abuso de direito – presume-se da arrendatária, dado que a Autora se refere ao mesmo aquando da desproporção com o valor da renda pago e às suas obrigações quanto à manutenção do imóvel – na execução da decisão que ora se impugna [ainda que existisse], em nada poderia alterar a conduta da Entidade Demandada que se encontra adstrita ao princípio da legalidade; pelo que uma tal questão apenas se coloca entre a Autora e a arrendatária, sendo a Entidade Demandada completamente alheia a tal circunstancialismo e, bem assim, este Tribunal na medida em que tal questão contende com princípios gerais do direito comum que devem ser dirimidos entre a Autora e a sua arrendatária na sua sede própria, que não esta.
Aliás, tais circunstâncias em nada relevam para aferir da legalidade ou ilegalidade do acto impugnado. A obrigação que impende sobre o proprietário quanto à execução das obras de conservação necessárias e imprescindíveis à reposição da segurança e salubridade do imóvel sempre existirá, independentemente da alegada – suposta – responsabilidade civil imputada pela Autora à arrendatária.
Assim, e também quanto a esta questão, será de improceder a pretensão da Autora.
(…)».
No sustento de que o assim decidido estará errado, assinala a recorrente que : “a) o imóvel sobre o qual a decisão de obras impende é um imóvel arrendado há mais de 30 anos; b) que a arrendatária paga uma renda de € 112,00 desde 2014 e que até então a renda era de € 12,00; c) que a arrendatária nunca fez obras de conservação ao imóvel pelo que não poderá ser exigido à Autora a realização das obras consequência da não realização de obras de conservação pela arrendatária, durante mais de 30 anos” [conclusão VIII].
E importa da discussão do caso para o âmbito da discricionariedade, sede natural da envolvência dos princípios da actividade administrativa.
O tribunal “a quo”, na senda do Ac. do TCAN de 06/03/2015, proc. n.º 01552/11.5BEPRT (e voto de vencido no Ac. do STA, de 05-05-2011, proc. n.º 0289/10), encarou que não seria assim, em matéria vinculada, e com inóqua interferência da relação jurídico-privada.
Não será sequer necessário adoptar escolha entre uma ou outra tese.
Já que mesmo na visão com que a recorrente pleita lhe falece causa.
A respeito do princípio da proporcionalidade «a respectiva violação deve ser clara, ou seja devem existir elementos que possibilitam uma “afirmação segura e positiva da existência de tal violação”, como se disse, no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 6-3-2007, proferido no processo 1143/06: “Não terá de ser - pondera o citado Acórdão - um controle limitado pela constatação da existência de violação grosseira ou manifesta de princípios jurídicos, pois a violação não grosseira ou manifesta não deixa de ser ilegal, mas terá de ser um controle limitado pela possibilidade de afirmação segura e positiva da existência de tal violação”.» (Ac. do STA, de 13-03-2007, proc. n.º 01403/02).
E esta última, a nosso modesto ver, não ocorre.
Como se escreve em Ac. do STA, de 05-05-2011, proc. n.º 0289/10, “A doutrina e a jurisprudência têm afirmado que o princípio da proporcionalidade se manifesta em três dimensões essenciais: a da adequação – destinada a ajustar a medida ao fim visado e, portanto, a alcançar-se uma relação justa entre a medida e a finalidade - a da necessidade - destinada a procurar de entre as medidas possíveis a que seja menos gravosa para o atingido - e a do equilíbrio – que exige que haja uma correcta valoração entre os sacrifícios que a medida vai provocar e as vantagens que dela se retiram (Vd. F. Amaral, in Curso de Direito Administrativo, pg. 127 e seg.s e Acórdãos deste STA de 21/06/2000 (rec. 38.663), de 19/03/1999 (rec. 30.896 e de 24/10/1991 (rec. 26.570).).”.
Ora, e pelo que já se viu (incólume a identificada necessidade e adequação da reacção), é quanto ao “equilíbrio” (proporcionalidade em sentido estrito) que aqui se joga a invocação de violação do princípio da proporcionalidade.
Sem que se atinja afirmação dita “segura e positiva”, e quando “o controlo da justa composição e hierarquização do acto, só é possível na base de uma convicção do juiz assente num apuramento vigoroso e certo das circunstâncias do caso” (cfr. Colaço Antunes, in A Teoria do Acto Administrativo e a Justiça AdministrativaO Novo Contrato Natural, Almedina, 2006, pág. 212).
Desde logo, sem o contraponto de conhecimento fáctico quanto ao custo das obras. Porventura óbice que poderia ser ultrapassado por presunção, recorrendo a máximas da experiência?
Ainda assim, entende-se não ser sustentável a equação lançada a jogo.
«Tanto quanto a ordem jurídica apresente sintonia nas suas ideias de base e nas decisões valorativas determinantes, o que é requerido pela noção de Direito, tem a ciência jurídica que tornar evidente esta sintonia e retirar daí as consequências – tem, neste sentido, de proceder sistematicamente» (Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed., pág. 305).
Ora, alimenta a recorrente sua ideia vertendo sobre a arrendatária todo o domínio quanto à (não) realização de obras de conservação ao longo dos anos, em conjugação, se bem percepcionamos, com um suposto desequilíbrio de sinalagma na relação locatícia.
Mas não é de linear aceitação.
Desde logo em primeira refutação se observa que, haja, ou não, relação locatícia, a lei impõe ao proprietário obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos (art.º 89º, n.º 1, do RJEU); mesmo situados fora da relação pública, as regras da relação privada, como se sabe, ditam lhe (senhorio) incumbir em primeira linha essas obras para assegurar o gozo da coisa locada.
Depois, também não podemos esquecer que O Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados habilita (e desde há bastantes anos) à realização dessas obras, por sua iniciativa e com disciplina repercutiva no sinalagma, na forma como o legislador, dentro da sua liberdade conformadora, entendeu dar concordância prática aos interesses dos sujeitos na relação.
A consideração destes outros lugares do sistema jurídico, a nosso ver, importando a fragilidade argumentativa brandida pela recorrente, não permite acolher a tese de que faz defesa.
Conclui-se, pois, que não se identificam as imputadas violações normativas assacadas em recurso
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário nesta instância).
Porto, 12 de Abril de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Isabel Costa, em substituição