Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00097/18.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:CESSÃO DE CRÉDITOS PARTICULAR. COMPENSAÇÃO. RETENÇÃO ILEGAL.
Sumário:
1. A cessão de créditos é uma forma de transmissão de direito de crédito, no todo ou em parte, que opera por acordo entre o credor e terceiro (art. 577º/1 do Código Civil).
2. Em princípio, todos os créditos, como direitos patrimoniais, são livremente cedíveis, com exceção daqueles em que se verifique alguma das limitações que a segunda parte do n.º 1 do art. 577º do Código Civil enuncia.
3. A lei proíbe a cessão dos créditos tributários a terceiros - salvo os casos previstos na lei- Art. 29º/1 LGT, o que resulta da indisponibilidade dos créditos tributários prevista no art. 30º/2 LGT.
4. Não sendo o crédito cedido um crédito tributário, mas antes um crédito particular, não estão reunidos os requisitos para a compensação previstos no art. 89º do CPPT.
5. Embora o art. 586º do Código Civil permita ao devedor – AT – opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão, não sendo o crédito compensável nos termos do art. 89º do CPPT e não tendo a AT procedido à sua penhora, não se descortinam quaisquer meios de defesa que possa opor ao cessionário.
6. O facto de ter uma verba na sua esfera jurídica, e de ser simultaneamente exequente, não autoriza a sua apropriação fora das situações legais que a lei prevê: penhora, arresto (arts. 214º e segs. do CPPT) ou compensação nos termos do art. 89º CPPT. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:APLS
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar procedente a reclamação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: APLS
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª Juiz do TAF de Aveiro que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de entrega da quantia de € 15.000,00 requerida em consequência de um contrato de cessão de créditos cedido pelo executado ASS e mulher.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I - O crédito em causa tem natureza particular, e não tributária, e por isso a sua compensação com dívida tributária não está legalmente prevista não sendo, por isso compensável, de acordo com n° 1 do Art° 89°, n° 1, do C.P.P.T., a contrário;
II- A dívida tributária a que se reporta o processo de execução n° 0051200901000233, visando a cobrança de 20.172,38E por dívidas referentes ao ano de 2004, ou seja de há 14 anos, JÁ se encontrava prescrita, nos termos do art° 48°, if 1, de LGT, à data da cessão, em 27/9/2017, e, por isso, não deve ser objecto de compensação com o crédito cedido;
III - Ainda que, sem conceder, a compensação tivesse abrigo legal na legislação tributária, a verdade é que, segundo o disposto no art° 848°, n° 1, do C. Civil apenas se torna efectiva após declaração de uma parte à outra; e, segundo a parte final do art° 585°, do mesmo diploma legal, o devedor não pode opor ao cessionário os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, se provierem de facto posterior ao conhecimento da cessão, sendo que, no caso o facto em que assenta a compensação (declaração da Administração Fiscal à cessionária ou ao cedente) nem sequer foi alegado e apenas surge, ex-novo, da douta sentença, emanado pelo Mmo. Julgador, tem de ser considerado obviamente posterior ao acto da cedência, inviabilizando legalmente a aplicação ao caso do Art° 585° do C.Civil.
IV — Em virtude do que consta da conclusão anterior, a douta sentença é nula, por ter decido sobre factos não alegados pelos pleitantes, de que não deveria ter tomado conhecimento, assim violando o disposto no ar? 615°, n° 1, al. d) do C.P.C.
Deve, pois, a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a reclamação procedente, com todas as legais consequências.
Assim se fará Justiça.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença é nula por ter decidido sobre factos não alegados, violando o disposto no art.º 615º/1-d) do CPC e se errou ao julgar improcedente o pedido de entrega da quantia cedida.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Contra ASS foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Ílhavo o processo de execução fiscal n.° 0108200101005162, para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, I.P. — cfr. fls. 11 do processo administrativo.
2. No âmbito do referido processo foi penhorado e vendido, pelo preço de 15.000,00 €, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a padaria, sito na Rua P…, lugar e freguesia de Gafanha da Encarnação, concelho de Ílhavo. — cfr. fls. 4/6 do processo administrativo.
3. Em 02.04.2014 o processo executivo a que alude o ponto 1 foi extinto por prescrição, ficando por aplicar a verba de 15.000,00 €. — cfr. fls. 7/8 do processo administrativo.
4. Correm contra o executado ASS nos Serviços de Finanças de Aveiro 1 e Aveiro 2 os processos de execução fiscal n.°s 0051200901000233 e 3417201201002449. — cfr. 15/17 do processo administrativo.
5. O processo de execução fiscal n.°s 0051200901000233 visa a cobrança coerciva da quantia exequenda de 20 172,38 E, referente a dívidas do ano de 2004. — cfr. fls. 16 do processo administrativo.
6. O processo de execução fiscal n.°s 3417201201002449 visa a cobrança coerciva da quantia exequenda de 203,10 €, referente a dívidas do ano de 2011. — cfr. fls. 17 do processo administrativo.
7. Em 27.09.2017 ASS e SCSS cederam a ALS, ora Reclamante, um crédito que alegadamente detinham sobre a Fazenda Nacional, no montante de 15.000,00 "resultante da diferença entre o produto da venda da que foi sua casa de habitação (prédio urbano sito na Rua P…, da Gafanha da Encarnação, concelho de Ilhavo, inscrito na matriz sob o art° n° 2731 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo na ficha n° 2268); a dívida exequenda no âmbito de cujo o processo executivo a dita venda se efectivou por negociação particular por escritura pública de 16/03/2004, exarada a fls. 11 e seguintes do Livro 204-E, do Cartório Notarial de Ilhavo ( ...)". — cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
8. A Reclamante apresentou no Serviço de Finanças um requerimento solicitando a restituição do crédito existente em nome do executado ASS, proveniente da venda por negociação particular realizada em 16.03.2004, juntando, para o efeito, a cessão de crédito. — cfr. fls. 1 do processo administrativo.
9. Foi emitida pelo Serviço de Finanças de Ílhavo a informação de fls. 11 do processo administrativo, cujo teor se tem por reproduzido.
10. Por despacho do Sr. Chefe de Finanças datado de 20.11.2017 foi o pedido formulado pela Reclamante indeferido. — cfr. fls. 18 do processo administrativo.
11. O despacho a que alude o ponto anterior foi notificado à Reclamante através do oficio n.° 3221, de 21.11.2017, remetido por carta registada com aviso de receção. — cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
12. A petição inicial dos autos foi remetida ao Tribunal, via correio eletrónico, em 23.01.2018. — cfr. fls. 2 dos autos.

Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise do processo administrativo.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Por contrato de cessão de crédito celebrado em 27 de setembro de 2017 entre ASS e mulher SCSS na qualidade de cedentes e Dra. APLS, na qualidade de cessionária, os primeiros declararam ceder a totalidade do crédito que têm sobre a Fazenda Nacional, que é de cerca de 15.000,00, para pagamento de uma dívida para com a cessionária no montante de 18.300,00 Euros.
A cessionária requereu ao SF a entrega da quantia cedida, o que foi indeferido por despacho de 31/10/2017, com fundamento na existência de dívidas fiscais do cessionário, “...pelo que o crédito existente deverá ser aplicado primacialmente àquelas dívidas, apenas o excedente, se o houvesse, seria restituído à requerente, o que não é o caso uma vez que o valor do crédito é inferior ao montante das dívidas fiscais não prescritas”.
Inconformada, a Reclamante contestou o indeferimento interpondo no TAF de Aveiro ação administrativa especial. Alegou não ter dívidas fiscais, pelo que não compreende o aludido indeferimento; além disso, não existe qualquer razão para a retenção da quantia em causa. Não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art.º 29º da LGT e a cessão do crédito ocorreu segundo as regras do Código Civil, designadamente as dos artigos 595º e seguintes.
Por despacho de 5 de junho e 2018 a ação administrativa especial foi convolada em reclamação nos termos do art.º 276º do CPPT e, após o seu trânsito em julgado, a MMª juiz proferiu sentença que julgou improcedente o pedido formulado e manteve o despacho reclamado.
Discordando, a Reclamante interpôs recurso para este TCA enunciando, nas conclusões, as seguintes questões:
a) A sentença é nula por ter decidido sobre factos não alegados pelos pleiteantes, violando o disposto no art.º 615º/1-d) do CPC.
b) O crédito em causa tem natureza particular, e não tributária. Assim, a sua compensação com dívida tributária não está legalmente prevista, não sendo por isso compensável, de acordo com o n.º 1 do art. 89º n.º 1 do CPPT;
c) A dívida tributária a que se reporta o processo de execução n.º 0051200901000233 refere-se a dívidas de 2004 que à data da cessão já se encontrava prescrita;
Sumariadas as questões que nos cabe apreciar, vejamos em primeiro lugar, a nulidade da sentença.
Na petição inicial, alegou a Reclamante que quando requereu a entrega da quantia cedida, esta estava disponível sem afetação ao que quer que fosse e não fora penhorada. E que só “...depois de o crédito em causa pertencer à Autora e de a Administração Fiscal estar obrigada a pagar-lho é que foi proferido o despacho de indeferimento em causa, sobre o pretexto de a Autora, como cessionária do crédito, ter dívidas fiscais pendentes, o que é manifestamente infundado”.
A MMª juiz rejeitou que o crédito cedido tivesse natureza tributária, pelo que também não se lhe aplica o disposto no artigo 92º n.º 1 da LGT, sendo aplicável o regime geral da cessão de créditos previsto no artigo 577º do Código Civil.
E acrescentou:
Da matéria de facto assente resulta que ASS (cedente) cedeu a APLS (cessionária e ora Reclamante) o crédito no valor de 15.000,00 € que detinha sobre a Administração Fiscal (cedido).
Todavia, resulta ainda do quadro probatório, que o referido ASS é executado em dois processos de execução fiscal, instaurados em momento anterior à cessão e por dívidas dos anos de 2004 e 2011, cuja quantia exequenda ascende a 20 375,48 €.
Pelo que a Administração Tributária pode opor a compensação do crédito do devedor perante o cedente.
Assim do mesmo modo que a Administração Tributária podia recusar a restituição da referida quantia ao cedente pode fazê-lo relativamente à cessionária, ora Reclamante, pelo que o despacho reclamando ao indeferir a pretensão da Reclamante não padece de qualquer ilegalidade.
Segundo alega a Reclamante no artigo 10.° da petição inicial, não tem quaisquer dívidas fiscais pelo que não compreende o indeferimento. Todavia, sublinha-se que as dívidas a que alude o despacho reclamado são dívidas do cedente, de ASS.
Como já houve oportunidade de referir o devedor cedido pode valer-se, em face do novo credor, dos meios de defesa que lhe era lícito opor ao cedente, acresce que a relação Administração Tributária-contribuinte é distinta da relação cedente-cessionário.
Também não é aplicável à situação em apreço o disposto no artigo 595.° do C.C. uma vez que este regula a transmissão de dívidas e no caso dos autos verifica-se a transmissão de um crédito.”
A Recorrente defende que a sentença conheceu de factos não alegados e de que não poderia tomar conhecimento pois “Ainda que, sem conceder, a compensação tivesse abrigo legal na legislação tributária, a verdade é que, segundo o disposto no art° 848°, n° 1, do C. Civil apenas se torna efectiva após declaração de uma parte à outra; e, segundo a parte final do art° 585°, do mesmo diploma legal, o devedor não pode opor ao cessionário os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, se provierem de facto posterior ao conhecimento da cessão, sendo que, no caso o facto em que assenta a compensação (declaração da Administração Fiscal à cessionária ou ao cedente) nem sequer foi alegado e apenas surge, ex-novo, da douta sentença, emanado pelo Mmo. Julgador, tem de ser considerado obviamente posterior ao acto da cedência, inviabilizando legalmente a aplicação ao caso do Art° 585° do C.Civil.” (conclusão III).
Depreendemos que a Reclamante considera nula a sentença por usar factos que não alegou e que no caso seria “....o facto em que assenta a compensação (declaração da Administração Fiscal à cessionária ou ao cedente) nem sequer foi alegado e apenas surge, ex-novo, da douta sentença, emanado pelo Mmo. Julgador, tem de ser considerado obviamente posterior ao acto da cedência, inviabilizando legalmente a aplicação ao caso do Art° 585° do C.Civil”
Cabe notar, antes de mais, que a nulidade da sentença por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC (e 125º/1 do CPPT) não consiste no uso de factos não alegados, mas sim no conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento. O que não é a mesma coisa.
Em certas condições, o juiz pode recorrer a factos não alegados pelas partes1 e na fundamentação pode também lançar mão de considerandos e argumentos que as mesmas não produziram2.
Questões, por seu turno, são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado3.
Contudo, o facto em que assenta a compensação (declaração da Administração Fiscal à cessionária ou ao cedente) não ter sido alegada pela Reclamante nada tem de “novo”, pois o próprio despacho reclamado assume “...a existência de dívidas fiscais do cessionário ainda não prescritas, pelo que o crédito existente deve ser aplicado primacialmente àquelas dívidas...”.
Ora se a sentença se debruça sobre factos referidos no despacho reclamado, parece claro que não está a conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, nem deixou de conhecer de questões que devia conhecer.
Assim, a sentença não enferma da nulidade que lhe é imputada.
Prosseguindo.
A questão seguinte - e fulcral-, consiste em saber se a sentença errou ao decidir que a (intenção) de compensação do crédito cedido com a dívida tributária de ASS é legal.
A MMª juiz entendeu que sim, porque sendo o cedente executado em dois processos de execução fiscal instaurados em momento anterior à cessão e por dívidas dos anos de 2004 e 2011, a AT pode opor a compensação do crédito do devedor perante o cedente. Diz a MMª juiz, “...do mesmo modo que a Administração Tributária podia recusar a restituição da referida quantia ao cedente pode fazê-lo relativamente à cessionária, ora Reclamante, pelo que o despacho reclamando ao indeferir a pretensão da Reclamante não padece de qualquer ilegalidade”.
A cessão de créditos é uma forma de transmissão de direito de crédito, no todo ou em parte, que opera por acordo entre o credor e terceiro (art. 577º/1 do Código Civil).
É um negócio de causa variável. Pode ter por base uma venda, uma doação, dação em cumprimento, dação pro solvendo, um negócio de garantia em benefício de outro crédito etc.
Resulta do assentimento do cedente (o antigo credor) e do cessionário – o terceiro que pela cessão vai ser elevado a novo credor. Não se exige que o devedor cedido manifeste o seu acordo (cfr. Art.º 583º/1 do Código Civil).
Por outro lado, a fonte da cessão – ou seja, o tipo de negócio que serve de base à cessão - orienta-se pelas regras do facto transmissivo, pelo que a cessão de crédito sujeito a escritura pública deve ser feita também por escritura pública (cfr. Art. 1143 do Código Civil).
Em princípio, todos os créditos, como direitos patrimoniais, são livremente cedíveis, com exceção daqueles em que se verifique alguma das limitações que a segunda parte do n.º 1 do art. 577º do Código Civil enuncia.
Por seu turno, a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária depende dos seguintes requisitos – cf. Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, I vol., em anotação ao artigo 89.º:
a) haver um crédito a favor de um contribuinte de que é devedora a administração tributária, que esteja em fase de execução;
b) que esse crédito resulte de reembolso, ou de revisão oficiosa, ou de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou outro meio administrativo ou contencioso;
c) que esse contribuinte seja simultaneamente devedor de tributos;
d) não estar a dívida garantida ou, estando-o, não estiver pendente reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução fiscal relativa à dívida do contribuinte, nem estar a dívida a ser paga em prestações.
Cf., a este respeito, os acórdãos Secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo, de 10-11-2004, e de 7-12-2004, proferidos nos recursos n.º 877/04 e n.º 1245/04, respectivamente.
A lei proíbe a cessão dos créditos tributários a terceiros - salvo os casos previstos na lei- Art. 29º/1 LGT, o que resulta da indisponibilidade dos créditos tributários prevista no art. 30º/2 LGT.
Mas o crédito cedido não é um crédito tributário, como bem decidiu a MMª juiz. É um crédito comum, particular, que (alegadamente, mas que a AT não contesta) resulta da diferença entre produto da venda da que foi a casa de habitação do cedente e a dívida exequenda em cujo processo executivo a dita venda se efetivou.
Não estamos, pois, no domínio da cessão de créditos tributários.
Mas também não estamos no domínio da compensação de dívidas de tributos por iniciativa da AT. Esta situação ocorre quando os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária (com exceção das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do art. 89 do CPPT).
E não sendo o crédito cedido um crédito tributário, também não tem aplicação o n.º 4 do art. 29º da LGT, nos termos do qual “O disposto no n.º 1 não obsta a que o pagamento de um crédito resultante de atos de liquidação de imposto seja efetuado a pessoa diferente do sujeito passivo desde que este expressamente o autorize, mediante requerimento a efetuar à Autoridade Tributária e Aduaneira, sem prejuízo dos mecanismos de cobrança ou de constituição de garantias previstos na lei.”.
O que resulta desta disposição é que no caso de o sujeito passivo ser titular de um crédito tributário sobre a AT, resultante de atos de liquidação de imposto, esta pode efetuar o pagamento a terceiro desde que o sujeito passivo o autorize, sem prejuízo dos mecanismos de cobrança ou de constituição de garantias previstos na lei, que o mesmo é dizer, sem prejuízo da aplicação do art. 89 do CPPT, ou de constituição de garantia ou penhora, nos termos da lei.
Mas esta disposição não tem aplicação ao caso em análise precisamente porque não estamos perante um crédito tributário nem um crédito resultante de actos e liquidação de imposto.
É certo que o art. 586º do Código Civil permite ao devedor – AT – opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
Simplesmente, não sendo o crédito compensável nos termos do art. 89º do CPPT e não tendo a AT procedido à sua penhora, não se descortinam nos autos quaisquer meios de defesa que possa opor ao cessionário.
O facto de ter uma verba na sua esfera jurídica, e de ser simultaneamente exequente, não autoriza a sua apropriação fora das situações legais que a lei prevê: penhora, arresto (arts. 214º e segs. do CPPT) ou compensação nos termos do art. 89º CPPT.
Como salienta Jorge Lopes de Sousa (in "Código de Procedimento e de Processo Tributário" 6ª ed. vol. I pp. 728) a propósito dos casos de compensação por iniciativa da Autoridade Tributária há “...necessidade de garantir ao executado os direitos de defesa que lhe são concedidos em qualquer processo de execução fiscal impõe a conclusão de que nem mesmo a mera instauração da exceção bastará para poder ser concretizada a compensação, devendo entender-se que a compensação terá de ser antecedida da penhora do direito de crédito do contribuinte sobre a administração tributária materializado num título de crédito como se refere no n.º 5 deste art. 89º....” E mais à frente (pp. 731) o mesmo autor adverte “...que, por vezes, a Administração Tributária não pratica um accto administrativo declarando a compensação, sendo esta efetuada através de operações materiais, designadamente a afectação de quantias em poder da Administração Tributária ao pagamento de dívidas fiscais, sem suporte de qualquer acto jurídico. As actuações deste tipo são ilegais, pois não têm qualquer cobertura legal (...). Assim, no nosso sistema de administração executiva, para poder dar um destino diferente às quantias que tem em seu poder e deviam ser entregues ao contribuinte, a Administração Tributária tem de praticar previamente um acto administrativo, (...) Para além disso, praticado esse acto, só pode dar-lhe execução depois de ele se ter tornado eficaz em relação ao contribuinte, através da respetiva notificação (art.s 77º n.º 6 da LGT e 36º n.º 1 do CPPT)”.
No caso dos autos, não há qualquer operação de compensação, nem pode haver por o crédito cedido não ser um crédito tributário previsto no art. 89º CPPT. O excerto transcrito serve apenas para identificar uma similitude de situações em que a AT retém ilegalmente uma quantia sem praticar o necessário acto administrativo (declaração de compensação) ou judicial (penhora da verba em seu poder).
Assim sendo, o despacho reclamado e a sentença que o confirmou não se podem manter na ordem jurídica.
Por último, a Reclamante pede a declaração de nulidade do ato administrativo de indeferimento e por conseguinte, ordenada a entrega à Autora da quantia de 15.000,00 € e juros de mora contados desde 2 de abril de 2014.
Não se encontra nos autos o requerimento da Reclamante dirigido ao órgão de execução fiscal, pelo que se desconhecem os exatos termos em que foi formulado, designadamente, se foi peticionado o pagamento dos juros contados desde 2 de abril de 2014. Mas há razões para crer que não uma vez que quer na informação junta a fls. 11, quer no despacho de indeferimento nenhuma menção se faz ao pedido de pagamento de juros. E tão pouco a Reclamante alude, na petição inicial, ao pedido de pagamento de juros limitando-se a referir, no artigo 8º, que apresentou requerimento no Serviço de Finanças “...ali registado sob o n.º 2017E002930892, em que comunicou a cedência solicitou a entrega da mencionada quantia”.
Nestas circunstâncias, não podendo o tribunal pronunciar-se questões que não foram submetidas ao órgão de execução fiscal, esta parte do pedido não pode apreciada.
***
V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação, determinar a anulação do despacho reclamado, ordenando-se a entrega ao cessionário da quantia cedida.
Custas pela AT em primeira instância.
Porto, 18 de outubro de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles
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1 Cfr. ac.da Relação de Coimbra n.º 2316/12.4TBPBL.C1 de 23-02-2016
Relator:ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Sumário: 1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.
3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo.
4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.

2 cfr. Ac. do STA n.º 01159/09 27/11/2013 (Relatora Dulce Neto)
«…É certo que o acórdão se alongou em considerandos e observações colaterais, mas tal não implica que ele fique ferido de nulidade por excesso de pronúncia, sabido que o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» (art. 660º, nº 2, do CPC), não está impedido de usar considerandos e argumentos que não foram produzidos pelas partes, do mesmo modo que não está vinculado a apreciar todos os argumentos que por estas foram utilizados....”

3 Ac. do TCAN n.º 01258/05.4BEVIS de 11-04-2014 (relator Pedro Nuno Pinto Vergueiro)
Sumário: I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.